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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.32 no.1 Lisboa Mar. 2024  Epub Mar 31, 2024

https://doi.org/10.32932/rpia.2024.03.135 

OUTRAS SECÇÕES

Estágio no Serviço de Alergologia de Adulto do Hospital Wythenshawe, Universidade de Manchester

Clinical fellowship at the Adult Allergy Centre of Wythenshawe Hospital, Manchester University

Daniela Brandão Abreu1 
http://orcid.org/0000-0001-7369-3723

1 Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar Universitário São João, Porto, Portugal


INTRODUÇÃO

A alergia alimentar é um problema crescente nos nossos dias, afetando cerca de 8% das crianças e 10% dos adultos em todo o mundo, com um impacto negativo significativo na qualidade de vida do doente alérgico e dos seus familiares 1. Uma revisão sistemática recente estimou a prevalência agrupada ao longo da vida e a prevalência pontual de alergia alimentar autorreportada na Europa em 20% e 13%, respetivamente2. Em Portugal, um estudo realizado entre 2013-2015 demonstrou uma prevalência de alergia alimentar em adolescentes de 1,4% (IC 95%: 0,9-2,0%), sendo as frutas frescas, mariscos, nozes e amendoim os alimentos mais frequentemente implicados 3. Por outro lado, o estudo EuroPrevall - estudo de coorte prospetivo de bebés nascidos em 2005 e do qual fazem parte indivíduos nascidos na cidade de Southampton, no Reino Unido - identificou uma percentagem de 9% de diagnóstico de alergia alimentar reportado pelos pais na avaliação das crianças aos seis anos de idade; o leite de vaca, o ovo e o amendoim afiguravam-se como os alimentos mais envolvidos 4.

Na população inglesa, as proteínas de armazenamento presentes nos frutos secos, nas leguminosas e nas sementes, parecem ser os alergénios mais comuns nos adultos, ao passo que as alergias a frutas frescas mediadas por lipid transfer proteins (LTP) são menos prevalentes, o que não acontece na população portuguesa 5,6. Com o apoio do prémio SPAIC - Faes Farma 2023 tive o privilégio de realizar um estágio clínico de dois meses no Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe, em Manchester, o qual decorreu de 1 de setembro a 31 de outubro de 2023 e teve como principais objetivos:

• Observar e colaborar na avaliação, seguimento e gestão de doentes seguidos na consulta de Alergologia;

• Desenvolver um projeto de investigação que avalia a sensibilização e alergia alimentar a LTP em doentes adultos seguidos neste serviço.

HOSPITAL DE WYTHENSHAWE

O Hospital de Wythenshawe, inicialmente designado Hospital Universitário do Sul de Manchester e existente desde 1939, pertence ao serviço nacional de saúde do Reino Unido - National Health Service (NHS) - e presta cuidados de diversas especialidades à população residente no Sul de Manchester, sendo centro de referência nacional de cirurgia cardiotorácica e medicina respiratória. No local do atual Hospital de Wythenshawe existiu outrora o Sanatório de Baguley, construído em 1902 para o tratamento de doentes com tuberculose.

Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe

O Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe, sob a direção da Doutora Susana Marinho, iniciou a sua atividade em 2005 e desde então encontra-se em franca expansão, contando com a colaboração de oito médicos (destes, uma é interna), três enfermeiras especialistas em alergologia, cinco enfermeiras generalistas de suporte, três auxiliares de ação médica, uma nutricionista e uma psicóloga clínica especializadas em alergologia, bem como cinco administrativos. É considerado o segundo maior serviço de alergologia de adultos do Reino Unido e dedica-se à abordagem holística da patologia alérgica em maiores de 16 anos, realizando anualmente mais de 4500 consultas, 3000 baterias de testes cutâneos por picada com aeroalergénios, 300 séries de testes cutâneos (por picada e intradérmicos) para avaliação de alergia medicamentosa e a veneno de himenópteros, 450 provas de provocação com alimentos ou medicamentos; cerca de 300 administrações de omalizumab para o tratamento da urticária crónica espontânea e aproximadamente 700 administrações de imunoterapia específica com alergénios.

A consulta externa (CE), hospital de dia (HD), sala para exames de função respiratória, sala de realização de testes cutâneos e administração de imunoterapia localizam-se todas no mesmo piso e constituem um espaço conjunto. Neste espaço, há ainda uma sala administrativa, copa, duas salas de trabalho e uma sala de espera.

Organização

A CE ocupa seis gabinetes, com duração de 40 minutos para primeiras e 20 minutos para subsequentes. Todas as consultas incluem a redação de um relatório que inclui a história clínica, exames complementares de diagnóstico e indicações terapêuticas, que é enviado ao doente e ao médico responsável pelo encaminhamento inicial do doente. Na CE, dois gabinetes são para a equipa de enfermagem, que desempenha um papel fundamental na realização dos testes cutâneos por picada com alergénios, colheita de estudo analítico, preenchimento de questionários de sintomas e de qualidade de vida, ensino de medidas de hidratação cutânea, gestão da doença asmática e utilização de dispositivos médicos: autoinjetores de adrenalina, inaladores e sprays nasais.

O Hospital de Dia (HD) (Figura 1) funciona das 8:00 às 17:00 nos dias úteis, em jornada contínua, e inclui habitualmente seis doentes por sessão, podendo coexistir na sessão de provocação doentes com alergia alimentar e alergia a fármacos, ou então doentes com alergia alimentar e alergia a veneno de himenópteros em simultâneo, nas sessões de testes cutâneos. Nos casos de alergia alimentar, o doente frequentemente realiza testes cutâneos picada-picada com os alimentos no mesmo dia, ao passo que os testes cutâneos a fármacos são realizados numa sessão específica de testes.

À chegada ao HD, todos os doentes são observados antes do início dos procedimentos e assinam o consentimento informado. Posteriormente, as administrações dos fármacos e/ou alimentos são levadas a cabo pela equipa de enfermagem, com supervisão médica; os testes cutâneos a fármacos e veneno de himenópteros são sempre realizados pela equipa médica, ao passo que a equipa de enfermagem faz os testes cutâneos picada-picada com alimentos. Durante o estágio, foi possível observar uma prova de provocação oral em ocultação simples para uma doente com suspeita de alergia alimentar a amendoim e estudo alergológico negativo.

Figura 1 Hospital de Dia. A - sala para administração de imunoterapia e/ou omalizumab. B - sala para provocações e/ou testes Cutâneos 

A imunoterapia com aeroalergénios e veneno de himenópteros é sempre realizada em HD, ao passo que somente as primeiras três administrações de omalizumab são feitas neste local - as restantes, realizam-se na CE.

A Tabela 1 resume os procedimentos clínicos observados no decurso do estágio. Foram observadas 148 CE e 122 procedimentos em HD, correspondentes no total a 270 doentes, 60% do sexo feminino, média de idade de32 anos.

Tabela 1 Procedimentos clínicos observados pela autora no decurso do estágio 

a Lipid transfer proteins; b Urticária crónica espontânea; c Anti-inflamatórios não esteroides. Os dados estão apresentados em número (N)

Atividade formativa/científica

O Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe dá formação a internos de alergologia, pneumologia, medicina geral e familiar, internos de formação geral e otorrinolaringologia. Além disso, os médicos do serviço lecionam aulas de alergologia aos alunos de medicina da Universidade de Manchester e participam na elaboração do exame final do internato em alergologia. Este serviço também está envolvido em ensaios clínicos, dos quais destaco o projeto PAFA (Patterns and Prevalence of Adult Food Allergy), financiado pela Food Standards Agency, para avaliação da prevalência de alergia alimentar na população adulta inglesa. Durante o meu estágio pude observar quatro provas de provocação oral a alimentos, em dupla ocultação, realizadas a quatro participantes do ensaio.

Adicionalmente, tive a possibilidade de participar na Reunião Anual da Sociedade Britânica de Alergologia e Imunologia Clínica (BSACI) e na reunião trimestral da North West Allergy and Clinical Immunology Network (NWACIN) da qual este serviço faz parte e que visa estabelecer protocolos multicêntricos de encaminhamento e avaliação do doente alérgico adulto nas suas variadas vertentes.

Por último, sob a orientação da Doutora Susana Marinho, desenvolvi um trabalho de investigação que visa avaliar os doentes com alergia alimentar e sensibilização a LTP observados no Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe. Desde 2016 - altura em que o serviço teve disponível o ensaio ImmunoCAP™ ISAC - e até ao momento atual foram observados em consulta 213 casos de alergia alimentar com sensibilização a LTP detetada no exame multiplex, o que demonstra que efetivamente, ao contrário do que habitualmente se pensa, a prevalência da sensibilização a LTP no Reino Unido pode estar a da qual este serviço faz parte e que visa estabelecer protocolos multicêntricos de encaminhamento e avaliação do doente alérgico adulto nas suas variadas vertentes.

Por último, sob a orientação da Doutora Susana Marinho, desenvolvi um trabalho de investigação que visa avaliar os doentes com alergia alimentar e sensibilização a LTP observados no Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe. Desde 2016 - altura em que o serviço teve disponível o ensaio ImmunoCAP™ ISAC - e até ao momento atual foram observados em consulta 213 casos de alergia alimentar com sensibilização a LTP detetada no exame multiplex, o que demonstra que efetivamente, ao contrário do que habitualmente se pensa, a prevalência da sensibilização a LTP no Reino Unido pode estar a aumentar. O nosso objetivo será analisar os padrões de sensibilização e correlacionar com a sintomatologia apresentada nas diferentes reações alérgicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A oportunidade de realizar este estágio revelou-se, indubitavelmente, crucial para o meu desenvolvimento profissional, tendo permitido consolidar conhecimentos clínicos e poder contactar com a dinâmica de organização de um centro de excelência no estrangeiro.

Gostaria de agradecer à SPAIC e aos Laboratórios Faes Farma pelo prémio que me foi atribuído e que foi de extrema importância para a realização deste estágio. Deixo ainda um agradecimento especial a todos os elementos do Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe, que tão bem me receberam, acarinharam e me fizeram sentir parte integrante do serviço durante estes dois meses (Figura 2). Acredito que as relações que construí durante este período possam perdurar e permitir futuras colaborações e cooperação.

Figura 2 Elementos do Serviço de Alergologia do Hospital Wythenshawe (fotografia tirada no último dia de estágio) 

REFERÊNCIAS

1. Bartha I, Almulhem N, Santos AF. Feast for Thought: A Comprehensive Review of Food Allergy 2021-2023. J Allergy Clin Immunol 2023. [ Links ]

2. Spolidoro GCI, Amera YT, Ali MM, Nyassi S, Lisik D, Ioannidou A, et al. Frequency of food allergy in Europe: An updated systematic review and meta-analysis. Allergy 2023;78(2):351-68. [ Links ]

3. Lozoya-Ibáñez C, Morgado-Nunes S, Rodrigues A, Fernandes P, Lourenço O, Mafalda Fonseca A, et al. Prevalence and clinical features of adverse food reactions in Portuguese adolescents. World Allergy Organ J 2020;13(8):100453. [ Links ]

4. Grabenhenrich L, Trendelenburg V, Bellach J, Yürek S, Reich A, Fiandor A, et al. Frequency of food allergy in school-aged children in eight European countries-The EuroPrevall-iFAAM birth cohort. Allergy 2020;75(9):2294-308. [ Links ]

5. Skypala IJ, Cecchi L, Shamji MH, Scala E, Till S. Lipid transfer protein allergy in the United Kingdom: Characterization and comparison with a matched Italian cohort. Allergy 2019;74(7):1340-51. [ Links ]

6. Silva MIT, Paulino M, Costa C, Duarte FC, Barbosa MP, Santos MCP. Síndrome LTP: Caraterização do perfil clínico e molecular de sensibilização- Método ALEX® MacroArray. Rev Port Imunoalergologia 2021;29(4):253-62. [ Links ]

Recebido: 12 de Outubro de 2023; Aceito: 30 de Dezembro de 2023

Autor correspondente Daniela Brandão Abreu E-mail: danielabrandaoabreu@gmail.com

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