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Revista de Enfermagem Referência
Print version ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.8 Coimbra Mar. 2016
https://doi.org/10.12707/RIV15025
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Relação da Vinculação Materno-Fetal com a Idade Gestacional e as Memórias Parentais
Relation between Maternal-Fetal Attachment and Gestational Age and Parental Memories
Relación de la Vinculación Materno-Fetal con la Edad Gestacional y los Recuerdos Parentales
Maria Inês Félix Teixeira*; Filomena Martins Marcos Raimundo**; Maria Cristina Quintas Antunes***
* Msc., Enfermeira, ACES Tâmega III – Vale do Sousa Norte, USF Felgaria Rubeans,4610-102, Felgueiras, Portugal [mift16@gmail.com]. Morada para correspondencia: Av. Agostinho Ribeiro, 4610-102, Coimbra, Portugal. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise e discussão de resultados, escrita do artigo.
** Msc., Professora adjunta, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-232 Lordelo, Portugal [filomenar@utad.pt] Contribuição no artigo: colaboração na elaboração e revisão do texto.
*** Ph.D., Psicologia, Professora Adjunta, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-232, Lordelo, Portugal [mantunes@utad.pt]. Contribuição no artigo: tratamento estatístico e discussão dos resultados, revisão geral do texto.
RESUMO
Enquadramento: A vinculação é a ligação afetiva do bebé com a mãe ou pessoa que cuida dele. Inicia-se durante a gravidez e influenciará o ser humano, na relação com progenitores, semelhantes e no futuro papel como mãe/pai.
Objetivos: Conhecer a relação entre idade gestacional e vinculação materno-fetal e verificar a relação entre memórias sobre práticas parentais e vinculação materno-fetal.
Metodologia: Realizou-se um estudo descritivo correlacional e transversal, de janeiro a maio de 2013. Participaram 179 grávidas, com idade gestacional igual ou superior a 20 semanas, acompanhadas em dois Agrupamentos de Centros de Saúde do Norte de Portugal. Foram utilizadas a Maternal Fetal Attachment Scale e a Inventory for Assessing Memories of Parental Rearing Behavior.
Resultados: A vinculação materno-fetal aumenta com a idade gestacional e relaciona-se com memórias das práticas parentais.
Conclusão: A vinculação materno-fetal pode ser influenciada por aspetos como idade gestacional e memórias sobre as práticas parentais. Assim é importante que os enfermeiros de saúde materna preparem a grávida para o parto e para o papel de mãe.
Palavras-chave: relação materno-fetal; idade gestacional; memória
ABSTRACT
Background: Attachment is defined as the emotional bond established between the infant and his/her mother or caregiver. It begins to form during pregnancy and will influence the human being, in the relationship with his/her parents and peers, and in the future role as mother/father.
Objectives: To understand the relation between gestational age and maternal-fetal attachment, as well as to analyze the relation between the memories of parental practices and maternal-fetal attachment.
Methodology: A correlational, cross-sectional descriptive study was conducted between January and May, 2015, in a sample consisting of 179 pregnant women at 20 or more weeks of gestation, who were being followed-up in two Healthcare Clusters in the North of Portugal. The Maternal-Fetal Attachment Scale and the Inventory for Assessing Memories of Parental Rearing Behavior were used.
Results: Maternal-fetal attachment increases with gestational age and is correlated with memories of parental practices.
Conclusion: Maternal-fetal attachment can be influenced by different aspects, such as gestational age or the memories of parental practices. Thus, it is essential that midwives prepare the pregnant woman both for birth and her role as a mother.
Keywords: maternal-fetal attachment; gestational age; memory
RESUMEN
Marco contextual: La vinculación es la ligación afectiva del bebé con la madre o la persona que cuida de él. Comienza durante el embarazo e influye en el ser humano, en la relación con los progenitores y en el papel futuro como madre/padre.
Objetivos: Analizar la relación entre la edad gestacional y la vinculación materno-fetal y verificar la relación entre los recuerdos sobre prácticas parentales y la vinculación materno-fetal.
Metodología: Se realizó un estudio descriptivo correlacional y transversal de enero a mayo de 2015. Participaron 179 embarazadas con edad gestacional igual o superior a 20 semanas a las cuales se les hacía el seguimiento en dos agrupamientos de centros de salud del norte de Portugal. Se utilizó la Maternal Fetal Attachment Scale y el Inventory for Assessing Memories of Parental Rearing Behavior.
Resultados: La vinculación materno-fetal aumenta con la edad gestacional y se relaciona con recuerdos de las prácticas parentales.
Conclusión: La vinculación materno-fetal puede verse influida por aspectos como la edad gestacional y los recuerdos sobre las prácticas parentales. De este modo, es importante que los enfermeros de salud materna preparen a la embarazada para el parto y para el papel de madre.
Palabras clave: relación materno-fetal; edad gestacional; memoria
Introdução
A vinculação pode ser definida como a procura de companhia ou proximidade de alguém e forma-se a partir de experiências de ligação afetiva do bebé com a mãe ou pessoa que cuida dele. É fortalecida após o nascimento, mas iniciada durante a gravidez e influenciará toda a sua existência, na relação com os progenitores, com os seus semelhantes e até no futuro papel como mãe/pai. A importância desta relação entre grávida e feto tem vindo a ser objeto de gradual interesse por parte da investigação ao longo dos anos, na procura do conhecimento sobre a natureza deste laço e a forma como ele pode condicionar a atitude pessoal de cada indivíduo ao longo da vida.
O problema de investigação formulou-se da seguinte forma: Será que a idade gestacional da gravidez atual e as memórias sobre as práticas parentais se relacionam com a vinculação materno-fetal? Assim, pretende-se mostrar que a vinculação pré-natal pode ser influenciada por alguns fatores, nomeadamente a idade gestacional e as memórias de infância acerca das práticas parentais. Após a pesquisa e análise bibliográfica efetuada estabeleceram-se como objetivos para a realização do estudo: conhecer a relação entre a idade gestacional e a vinculação materno-fetal; verificar a relação entre memórias da grávida acerca de práticas parentais e a vinculação materno-fetal.
Participaram neste estudo 179 grávidas com 20 ou mais semanas de idade gestacional a frequentar consultas de enfermagem em unidades funcionais (UF) de dois Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) do Norte do país, um com características maioritariamente urbanas e outro com características maioritariamente rurais. A investigação foi efetuada entre janeiro e maio de 2013.
Enquadramento
Desde 1940 que a relação entre o bebé e a pessoa que dele cuida tem sido objeto de inúmeras investigações no âmbito da psicologia do desenvolvimento. Os primeiros estudos de vinculação encontram-se associados aos trabalhos conjuntos de Ainsworth e Bowlby (1991) que, utilizando conceitos derivados da etologia, cibernética, processamento de informação, psicologia do desenvolvimento e psicanálise, reformularam os princípios básicos da teoria da vinculação. Assim, a teoria da vinculação de Bowlby (1952) defende que a ligação afetiva que se cria entre a mãe e o bebé condiciona relacionamentos futuros e promove expectativas acerca de si próprio e do próximo que podem influenciar o desenvolvimento social e psicológico ao longo da vida. De acordo com esta perspetiva, é inata ao ser humano a necessidade de criar laços com pessoas significativas. Mais do que no parto e pós-parto imediato, esta relação de ligação e afeto, a que Bowlby (1973) chamou vinculação, parece iniciar-se desde o útero, pois, tal como referem Schmidt e Argimon (2009), a propensão de criar estes laços afetivos estará presente ainda na forma embrionária. Concomitantemente com os já referidos estudos de Bowlby, as análises psicanalíticas da experiência da gravidez foram avançadas por três teóricas: Deutch (1945), Bibring (1959) e Benedek (1959), citadas por Brandon, Pitts, Denton, Stringer, e Evans (2009), que explicaram a vinculação materno-fetal como um processo em que a energia psicológica da grávida estaria emocionalmente investida no feto. Defendem que o feto se torna mais humano e amado para a mulher à medida que a gravidez avança, não só como uma extensão de si mesma, mas também como alguém independente, motivo pelo qual se iniciou o interesse na investigação da vinculação materno-fetal.
Após estas teóricas, muitas outras se seguiram, embora estes estudos tenham sido considerados pouco fiáveis, uma vez que não existia nenhuma escala validada, que conseguisse avaliar a vinculação materno-fetal. Em 1981 surge a primeira escala validada para medir a vinculação materno-fetal, a Maternal Fetal Attachment Scale (MFAS), criada por Cranley (1981), com o objetivo de avaliar a vinculação que a grávida estabelece com o seu bebé ainda no útero. Cranley (1981) define a vinculação materno-fetal como a intensidade com que a grávida manifesta comportamentos que representam filiação e integração com o feto e é considerada a criadora formal da construção teórica da vinculação materno-fetal (Schmidt & Argimon, 2009). Com a validação da MFAS, o primeiro instrumento de análise quantitativa adequado e eficiente, a investigação acerca da vinculação materno-fetal aumentou, passando a realizar-se estudos transversais em amostras elevadas, sendo ainda hoje um instrumento amplamente utilizado (Brandon et al., 2009).
Ao longo dos anos, muitos foram os estudos que tentaram relacionar a vinculação materno-fetal com aspetos sociodemográficos, económicos e emocionais. Da pesquisa efetuada, constata-se que o aumento da vinculação materno-fetal se dá com o aumento da idade gestacional que, por sua vez, se encontra relacionado com a perceção dos movimentos fetais. Piccinini, Gomes, Nardi, e Lopes (2004) entrevistaram grávidas que mostram maiores níveis de satisfação e autorrealização com o aumento da idade gestacional, associado ao aumento do feto e da sua barriga. Autores como Nishikawa e Sakakibara (2013) concluíram que a vinculação materno-fetal está diretamente relacionada com o aumento da idade gestacional e com a sensação de movimentos ativos fetais.
Por outro lado, as práticas parentais refletem-se em diversas dimensões da vida da pessoa, incluindo na forma como esta poderá desenvolver a sua parentalidade (Kobarg, Vieira, & Vieira, 2010). Assim, a relação da grávida com os seus conviventes significativos pode influenciar a vinculação materno-fetal, supondo-se que relações harmoniosas possam trazer maior ligação da grávida ao seu feto. Rodrigues et al. (2004), num estudo com adolescentes grávidas, verificaram que a vinculação materno-fetal é mais elevada quando a vinculação da grávida ao pai da criança e à sua mãe é favorável. Sugeriram também que as memórias das mães acerca da sua própria educação se mostram significativamente correlacionadas com a qualidade da vinculação ao feto – memórias agradáveis associam-se a melhor vinculação materno-fetal.
Também os estudos realizados por van Bussel, Spitz, e Demyttenaere (2010) mostram de forma evidente que a qualidade da relação mãe-bebé está fortemente relacionada com a maneira como a mãe se lembra das suas próprias experiências da infância. Um estudo mais recente de Carvalho (2011) concluiu que o relacionamento com a figura materna se correlaciona com a vinculação materno-fetal: Quanto melhor a memória dos cuidados maternos na infância, maior a vinculação da grávida ao feto.
Como se constata, estudos mostram que a diminuição da vinculação materno-fetal pode ser minorada, se se tiver em conta que más memórias acerca das práticas parentais ou relacionamento instável podem influenciar negativamente este vínculo (Rodrigues et al., 2004; Kobarg et al., 2010; van Bussel et al., 2010; Carvalho, 2011).
Pensamos que providenciar um espaço de exteriorização de sentimentos e proporcionar um ambiente afetuoso, de incentivo e motivação para que a grávida entenda o seu papel maternal poderá minorar os efeitos menos positivos que estas situações poderão trazer à vinculação materno-fetal. Por este motivo considera-se importante a inclusão das memórias sobre práticas parentais neste estudo para verificar em que medida se relacionam com o aumento da qualidade da vinculação materno-fetal e comparar com os resultados do estudo realizado por Carvalho (2011) no centro do país. Em resumo, pretendeu-se conhecer a relação entre idade gestacional e vinculação materno-fetal e verificar a relação entre memórias da grávida sobre práticas parentais e vinculação materno-fetal, analisar estas variáveis na população portuguesa e compará-las com outros estudos efetuados, designadamente o estudo de Carvalho (2011), com uma amostra do centro de Portugal.
Hipóteses
As hipóteses equacionadas neste estudo foram:
H1 – A vinculação materno-fetal aumenta com a idade gestacional.
H2 – As memórias sobre práticas parentais relacionam-se com a vinculação materno-fetal.
Metodologia
Considerando a natureza e as características do problema, este foi um estudo não experimental, do tipo descritivo-correlacional e transversal. Utilizou-se uma metodologia quantitativa, que resulta da análise de dados quantificáveis, obtidos através da aplicação de um questionário, de uma escala de vinculação materno-fetal (MFAS) e de uma escala de memórias sobre práticas parentais, a Inventory for Assessing Memories of Parental Rearing Behavior (EMBU).
A população foi constituída por 179 mulheres grávidas que frequentavam as consultas de saúde materna nas UF de dois ACES, um em que a população apresenta características maioritariamente rurais e outro em que a população apresenta características maioritariamente urbanas. Como critérios de inclusão consideraram-se as grávidas que aceitassem participar no estudo, após consentimento informado, com 20 semanas ou mais de gestação, e que estivessem em vigilância nos referidos ACES entre os meses de abril a junho de 2013. A inclusão das grávidas com 20 ou mais semanas de idade gestacional justifica-se pois pretendia-se que as grávidas do estudo já sentissem os movimentos fetais. Sabendo que as multíparas reconhecem os primeiros movimentos fetais às 14/16 semanas e as nulíparas por volta das 18 semanas ou até mais tarde (Lowdermilk, 2008), às 20 semanas as grávidas suscetíveis de integrarem a amostra já sentiriam o feto no seu útero. Além disso, a escala MFAS, quando aplicada em grávidas no início da gravidez, mostra índices de fiabilidade mais baixos (Schmidt & Argimon, 2009). Com esta idade gestacional já a maioria tem conhecimento do sexo e o estado de saúde do feto, pois já têm efetuado pelo menos a ecografia do 1º trimestre, de acordo com a Norma 23/2011 (Direção Geral da Saúde, 2013).
As variáveis independentes neste estudo são a idade gestacional e as memórias das práticas parentais. A variável dependente é a vinculação materno-fetal.
O instrumento de colheita de dados escolhido foi o questionário, constituído por três partes: Uma primeira relativa à caracterização sociodemográfica das participantes; uma segunda parte, com a aplicação da escala de avaliação do grau de vinculação materno-fetal, a MFAS (Feijó, 1999); e, na terceira parte, a EMBU (Canavarro, 1996), que avalia as memórias sobre práticas parentais.
O questionário de vinculação materno-fetal utilizado foi a MFAS, elaborado por Cranley (1981) e traduzido para português do Brasil por Feijó (1999), com o objetivo de medir o constructo de vinculação materno-fetal durante a gravidez.
Para sua aplicação nesta investigação, uma vez que estava traduzida unicamente para português do Brasil, a escala foi traduzida para português de Portugal e aplicada a uma amostra de 10 grávidas (que não foram incluídas na amostra final) que responderam ao questionário e tiveram oportunidade de colocar dúvidas e opinar acerca de possíveis reformulações a cada item da escala. Assim, após auscultação das grávidas, e uma vez que não existiu nenhuma observação ou dúvida à tradução efetuada, aplicou-se a MFAS na investigação que deu origem a este estudo.
A MFAS é uma escala de Likert que contém 24 itens, com cinco possibilidades de resposta com pontuação de 1 a 5, em que quanto maior a pontuação maior a vinculação materno-fetal. Divide-se em cinco subescalas, sendo elas: Desempenho do papel (itens nº 4, 8, 18 e 19), Diferenciação do feto (itens nº 3, 5, 10 e 13), Interação com o feto (itens nº 1, 7, 17, 20 e 24), Atribuição de características ao feto (itens nº 6, 9, 12, 14, 16 e 21) e Entrega ao feto (itens nº 2, 11, 15, 22 e 23). De acordo com Feijó (1999), esta escala baseia-se num referencial teórico de sete autores (Deutsch, Tanner, Bibring, Clark, Rubin, Arbeit, e Leifer). Foi testada em 71 grávidas no terceiro trimestre da gravidez. Estudos de consistência interna mostraram um coeficiente de confiabilidade de 0,85 para a escala total e a confiabilidade das subescalas variou entre 0,52 e 0,73. As pontuações na MFAS foram positivamente correlacionadas com o apoio social disponível relatado pelas mulheres e com a sua perceção em relação aos filhos recém-nascidos três dias após o parto. A autora observou ainda uma associação negativa entre a pontuação da MFAS e a quantidade de stresse percebido pelas mulheres (Cranley, 1981). No estudo de Feijó (1999), foi observado um alpha de Cronbach de 0,63 para a escala total e valores para as subescalas pouco precisos, variando entre 0,52 e 0,83, à semelhança da escala original. No presente estudo, as subescalas desempenho do papel, interação com o feto e atribuição de características ao feto apresentaram valores de alpha de Cronbach entre 0,56 e 0,67, valores considerados razoáveis. As subescalas Diferenciação do feto e Entrega ao feto apresentaram coeficientes de confiabilidade mais baixos, respetivamente, α = 0,28 e α = 0,48. A escala total apresentou um coeficiente de consistência interna aceitável (α = 0,74). Uma vez que se observaram baixos índices de fiabilidade em algumas subescalas, neste estudo optou-se por se utilizar a MFAS total e as subescalas com índices de fiabilidade aceitáveis, sendo elas desempenho do papel, interação com o feto e atribuição de características ao feto, tal como referido anteriormente.
O questionário de memórias sobre práticas parentais utilizado foi a versão portuguesa abreviada da EMBU, validada para português por Canavarro (1996).Esta escala procura medir a frequência da ocorrência de determinadas práticas educativas durante a infância e adolescência, relativamente ao pai e à mãe. É uma escala tipo Likert, com 23 itens de avaliação para cada um dos progenitores, separadamente, e com quatro possibilidades de resposta, desde não, nunca até sim, sempre. Esta escala encontra-se dividida em três subescalas: suporte emocional (itens 2, 6, 9, 12, 14, 19 e 23); rejeição (itens 1, 4, 7, 10, 13, 15, 16, 21 e 22) e sobreproteção (itens 3, 5, 8, 11, 17, 18 e 20). No estudo de Canavarro, os valores de alpha de Cronbach encontram-se ligeiramente abaixo do indicado, quer para o total dos itens (0,54 para o pai e 0,66 para a mãe), quer para as diferentes dimensões (variando entre 0,50 e 0,56 no pai e entre 0,64 e 0,69 na mãe; Canavarro, 1996). No presente estudo, o valor do alpha de Cronbach das subescalas variou entre 0,51 e 0,83 para o pai e entre 0,41 e 0,81 para a mãe. No total dos itens (escala total) obteve-se um alpha de Cronbach de 0,76 para o pai e 0,75 para a mãe, considerados de fiabilidade aceitável. Uma vez que a subescala sobreproteção teve baixo índice de fiabilidade, optou-se por não se utilizar no presente estudo, utilizando-se apenas a versão materna e paterna da escala total e das subescalas suporte emocional e rejeição.
Foram respeitados os procedimentos éticos, não tendo sido lesado qualquer dos intervenientes. Foi solicitada e obtida a autorização de aplicação dos instrumentos por parte da Comissão de Ética para a Saúde (CES) da Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) e dos diretores executivos dos ACES selecionados. Além disso, todos os questionários se fizeram acompanhar de um consentimento informado explicando a natureza do estudo e as suas condições, garantindo a confidencialidade e anonimato das participantes e que poderiam desistir do seu preenchimento ou recusar-se a fazê-lo sem que daí resultasse prejuízo para a sua pessoa ou para a relação estabelecida com os profissionais de saúde.
Para efetuar a análise estatística dos dados colhidos, foi utilizada a versão 19.0 do programa Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), para Microsoft Windows®. Inicialmente calculou-se a consistência interna das escalas MFAS e EMBU, recorrendo ao alpha de Cronbach, por forma a verificar as características psicométricas destas escalas. Utilizaram-se também medidas de tendência central e de dispersão, com o cálculo de médias, modas e desvios padrão das variáveis intervalares. Seguidamente, para dar resposta às hipóteses colocadas, foram utilizados no estudo testes de associação: O teste de correlação de Pearson e o teste Rho de Spearman, para verificar a correlação entre variáveis.
Resultados
Para a análise da relação entre a idade gestacional da gravidez atual e a vinculação materno-fetal foi efetuado o teste de associação Rho de Spearman, verificando-se que existe relação entre a idade gestacional da gravidez atual com a vinculação materno-fetal, não só na escala total como também nas subescalas atribuição de características ao feto (AC) e interação com o feto (IF), tal como pode ser observado na Tabela 1.
Relativamente à relação entre as memórias sobre práticas parentais e a vinculação materno-fetal, como se cumpriram os requisitos para a utilização de um teste paramétrico, utilizou-se o teste de correlação de Pearson, verificando-se que existe correlação significativa entre as memórias das práticas parentais e a vinculação materno-fetal, nomeadamente para as subescalas rejeição da EMBU e desempenho do papel da MFAS, variando estas em ordem inversa (Tabela 2). Quanto mais elevado o valor das memórias de rejeição da infância em relação ao pai e à mãe, mais baixa a vinculação materno-fetal e vice-versa.
Discussão
Este trabalho de investigação incluiu grávidas de todas as idades gestacionais, entre a 20ª e a 40ª semanas de gestação, com uma média de 29,13 semanas (± 5,72). Neste estudo, tal como expectável, verificou-se uma correlação muito significativa entre a idade gestacional e a escala de vinculação materno-fetal total e subescalas Interação com o feto e Atribuição de características ao feto. De facto, à medida que a idade gestacional avança, é natural que as grávidas interajam mais com o bebé que têm na barriga, conversando, tratando o seu filho pelo nome, acariciando-o e estimulando-o de forma a terem resposta às suas ações, tal como também foi observado no estudo de Masera, Martín, e Pavón (2011). Sentem-se também motivadas a tentar adivinhar a personalidade deles, conforme os seus movimentos e perguntam-se se o seu bebé ouve, pensa e sente enquanto está no seu útero. Todos estes fatores parecem trazer-lhes um aumento de segurança e satisfação o que contribui para o aumento da vinculação materno-fetal: “Um dos sentimentos verbalizados pelas gestantes foi o de satisfação diante das transformações que ocorreram, as quais as colocavam em evidência . . . além de lhes proporcionar segurança e certeza sobre o seu estado gravídico” (Piccinini et al., 2008, p. 65). Também o estudo de Nishikawa e Sakakibara (2013) evidencia que, com o aumento da idade gestacional, o aumento do feto e da barriga materna e a sensação de movimentos ativos fetais, aumenta também a vinculação materno-fetal e a autorrealização da grávida.
No entanto, para a subescala desempenho do papel não se encontrou correlação significativa com o aumento da idade gestacional, provavelmente porque as atividades decorrentes desta subescala, na perceção da mãe, não são inerentes a todo o processo de gravidez, não estando relacionadas com a idade gestacional. Neste ponto de vista, independentemente da idade gestacional, ou até mesmo antes de engravidar, a mulher elabora perceções acerca do seu futuro papel enquanto mãe. Esta perceção provavelmente estará associada a outras variáveis, independentes da gravidez.
De acordo com os resultados obtidos na presente investigação, as memórias sobre práticas parentais parecem relacionar-se com a vinculação materno-fetal, nomeadamente no que respeita à relação entre as subescalas Rejeição (pai e mãe) da EMBU e Desempenho do papel da MFAS. Este resultado poderá significar que a perceção de rejeição materna e/ou paterna da grávida durante a infância pode pôr em causa o desenvolvimento da perceção do seu papel como futura mãe, uma vez que esta pode sentir diminuição da sua competência no desenvolvimento das suas funções, nomeadamente na prestação de cuidados neonatais e na amamentação. Alguns estudos anteriores, embora não focando as dimensões aqui estudadas, encontraram também correlação entre as memórias das práticas parentais e a vinculação materno-fetal. Rodrigues et al. (2004), van Bussel et al. (2010) e Carvalho (2011) mostraram nos seus estudos que a vinculação materno-fetal se correlaciona, de forma positiva e significativa, com a memória dos cuidados parentais. Assim, confirma-se que quanto mais elevada é a memória positiva dos cuidados maternos, maior é o nível total de vinculação materno-fetal. Esta explicação é, no entanto, meramente especulativa e alerta-se para a necessidade de replicação deste estudo, uma vez que a correlação foi significativa mas de baixa magnitude.
Relativamente a limites e dificuldades na realização desta investigação, apesar de a amostra ter grande variedade sociodemográfica, do número expressivo de participantes e do método de amostragem ter sido aleatório (com a preocupação de obter participantes do meio rural e do meio urbano), todas as inquiridas pertenciam à região norte do país, pelo que este fator deve ser tido em consideração na eventual generalização dos resultados do estudo à população. O instrumento utilizado para a avaliação da vinculação materno-fetal tem sido alvo de críticas na literatura (Brandon et al., 2009), embora seja uma das formas mais viáveis e mais utilizadas para avaliar a vinculação materno-fetal. Apesar disto, deste estudo emergem novos conhecimentos, nomeadamente para alargar a compreensão de alguns dos fatores que podem relacionar-se com a vinculação materno-fetal (idade gestacional e memórias acerca das práticas parentais) e em que aspetos os enfermeiros, e principalmente o Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia (EESMO), podem auxiliar a grávida na obtenção e melhoria de perceções acerca do seu futuro papel de mãe e na sua preparação efetiva para a maternidade.
Conclusão
Relativamente à hipótese a vinculação materno-fetal aumenta com a idade gestacional, conclui-se que as variáveis se correlacionam de forma muito significativa, sobretudo nas subescalas interação com o feto e atribuição de características ao feto. Os estudos analisados (Piccinini et al., 2008; Masera et al., 2011; Nishikawa & Sakakibara, 2013) corroboram esta hipótese de investigação. Assim sendo, é importante que os profissionais de saúde, nomeadamente o EESMO, forneçam apoio emocional e ajudem no processo adaptativo durante a gravidez, sobretudo após a perceção dos movimentos fetais, auxiliando o estabelecimento da relação mãe/bebé ainda antes do seu nascimento.
No que concerne à hipótese as memórias sobre práticas parentais relacionam-se com a vinculação materno-fetal, verifica-se que existe correlação significativa entre as variáveis, sobretudo na dimensão de perceção de rejeição do pai e da mãe (subescalas da EMBU) com o Desempenho do papel da MFAS. Isto poderá querer mostrar que quanto mais elevada é a memória positiva dos cuidados parentais, maior é o nível de vinculação materno-fetal por parte da grávida, resultado que corrobora outros semelhantes obtidos em investigações anteriores (Carvalho, 2011; Rodrigues et al., 2004; van Bussel et al., 2010). Por estes motivos, observa-se, mais uma vez, que o papel do enfermeiro, nomeadamente, o EESMO, no acompanhamento da grávida parece assumir relevância, entre outros aspetos, também ao permitir à grávida expor as suas memórias sobre práticas parentais para encontrar eventuais sentimentos e perceções menos positivas quanto ao desempenho do seu futuro papel de mãe.
Pode, assim, dizer-se que os dados empíricos obtidos neste estudo alertam para a necessidade do acompanhamento das necessidades psicológicas das grávidas por parte do EESMO. Ficou ainda expresso que, mais do que os fatores económico-sociais, a vinculação materno-fetal se relaciona com fatores associados à gravidez, como a perceção dos movimentos fetais, ou associados a memórias, como as memórias sobre práticas parentais.
Em estudos futuros, considera-se que será importante estudar a vinculação materno-fetal relacionando-a com outros fatores, designadamente a etnia (cultura) das grávidas e ainda com outras variáveis psicossociais, como a ansiedade e sentimentos depressivos da grávida, analisando de que forma estes podem influenciar a vinculação da grávida ao seu feto.
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Recebido para publicação em: 01.02.15
Aceite para publicação em: 11.11.15