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Revista de Enfermagem Referência
Print version ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra Sept. 2019
https://doi.org/10.12707/RIV19043
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Uso de três tipologias de um andarilho: impacto no perfil de desempenho funcional de idosos institucionalizados
Use of three types of walkers: impact on the functional performance profile of institutionalized older adults
Uso de tres tipologías de andador: impacto en el perfil del desempeño funcional de las personas mayores institucionalizadas
Rosana Silva*
https://orcid.org/0000-0001-7663-8148
Filipa Couto**
https://orcid.org/0000-0002-9895-3592
Maria Lurdes Almeida***
https://orcid.org/0000-0002-4454-8743
Cândida Malça****
https://orcid.org/0000-0003-0012-4380
Pedro Parreira*****
https://orcid.org/0000-0002-3880-6590
João Apóstolo******
https://orcid.org/0000-0002-3050-4264
Arménio Cruz*******
https://orcid.org/0000-0003-3254-3176
* MSc., Enfermeira de Reabilitação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal[rosanamjsilva82@gmail.com]. Contribuição no artigo: desenho do estudo; planeamento metodológico; colheita, tratamento e análise de dados; escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua do Chafariz, 1º E frente, nº 152, 3045-199, Coimbra, Portugal.
** RN., Bolseira de Investigação da UICISA: E, ESEnfC, 3046-851, Coimbra, Portugal [filipadccouto@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: escrita do artigo; desenho do estudo; supervisão metodológica; revisão do artigo.
*** Ph.D., Investigadora da UICISA: E e Professora Coordenadora na ESEnfC, 3046-851, Coimbra, Portugal [mlurdes@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: supervisão metodológica, revisão do artigo.
**** Ph.D., Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Vice-Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, 3030-199, Coimbra, Portugal [candida.malca@ipc.pt]. Contribuição no artigo: supervisão metodológica, revisão do artigo.
***** Ph.D., Coordenador do Gabinete de Empreendedorismo e Coordenador Executivo do eixo TecCare-UICISA: E. Investigador da UICISA: E e Professor Coordenador na ESEnfC, 3046-851, Coimbra, Portugal [parreira@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento metodológico; desenho do estudo; supervisão metodológica; revisão do artigo.
****** Agregação, Investigador da UICISA: E e Professor Coordenador na ESEnfC, 3046-851, Coimbra, Portugal [apostolo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento metodológico; desenho de estudo; supervisão metodológica; revisão do artigo.
******* Ph.D., Investigador da UICISA: E e Professor Coordenador na ESEnfC, 3046-851, Coimbra, Portugal [acruz@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento metodológico; desenho do estudo; supervisão metodológica; revisão do artigo.
RESUMO
Enquadramento: Ao envelhecimento associam-se problemas agudos e crónicos que interferem com a mobilidade da pessoa idosa e a sua independência. Atualmente, existem no mercado diversas tipologias de andarilho com diferentes perfis de desempenho funcional do idoso, que visam compensar limitações físicas e prevenir quedas.
Objetivo: Comparar o perfil de desempenho funcional de pessoas idosas institucionalizadas tendo em conta o tempo percorrido, velocidade de marcha, variância frequência cardíaca e custo energético despendido aquando da realização do teste Expanded Timed Get-up-and-Go no uso de três tipologias de um andarilho: fixo, duas rodas e quatro rodas.
Metodologia: Estudo quasi-experimental antes e após de grupo único, numa amostra de conveniência de 40 pessoas idosas institucionalizadas.
Resultados: Foram identificadas diferenças significativas no tempo percorrido (X2 = 15,65; p < 0,001) e na velocidade de marcha (X2 = 15,80; p < 0,001).
Conclusão: Não existe uma solução ideal única entre as tipologias do andarilho analisadas, sendo, portanto, desejável uma solução personalizada às características e necessidades da pessoa idosa institucionalizada.
Palavras-chave: idoso; dispositivo auxiliar de marcha; andarilho; perfil de desempenho funcional; enfermagem em reabilitação
ABSTRACT
Background: Aging is associated with acute and chronic problems that interfere with older adults’ mobility and independence. There are several types of walkers available in the market with different functional performance profiles of older people which aim to compensate for physical limitations and prevent falls.
Objective: To compare the functional performance profile of institutionalized older adults taking into account the total time, gait speed, heart rate variability, and energy cost during the Expanded Timed Get-up-and-Go test using three types of walkers: fixed, two-wheeled, and four-wheeled walkers.
Methodology: One-group pretest and posttest quasi-experimental study in a convenience sample of 40 institutionalized older people.
Results: Significant differences were found in the total time (X2 = 15.65; p < 0.001) and gait speed (X2 = 15.80, p < 0.001).
Conclusion: There is no unique ideal solution among the types of walkers analyzed in this study, thus a tailored solution is desirable to meet institutionalized older adults’ characteristics and specific needs.
Keywords: aged; equipment and supplies; walker; functional performance profile; rehabilitation nursing
RESUMEN
Marco contextual: El envejecimiento está asociado con problemas agudos y crónicos que interfieren en la movilidad de la persona mayor y su independencia. En la actualidad, existen en el mercado varios tipos de andadores con diferentes perfiles de rendimiento funcional de las personas mayores, que tienen como objetivo compensar las limitaciones físicas y prevenir las caídas.
Objetivo: Comparar el perfil de rendimiento funcional de las personas mayores institucionalizadas teniendo en cuenta el tiempo recorrido, la velocidad de la marcha, la variancia de la frecuencia cardíaca y el coste energético gastado durante la prueba Expanded Timed Get-up-and-Go en el uso de tres tipologías de andador: fijo, de dos ruedas y de cuatro ruedas.
Metodología: Estudio cuasiexperimental antes y después de un solo grupo, en una muestra de conveniencia de 40 personas mayores institucionalizadas.
Resultados: Se identificaron diferencias significativas en el tiempo recorrido (X2 = 15,65; p < 0,001) y en la velocidad de la marcha (X2 = 15,80; p < 0,001).
Conclusión: No existe una única solución ideal entre las tipologías de andador analizadas, por lo que lo mejor es una solución personalizada a las características y necesidades de la persona mayor institucionalizada.
Palabras clave: anciano; equipos y suministros; andador; perfil de desempeño funcional; enfermería en rehabilitación
Introdução
Todas as sociedades enfrentam, atualmente, a tendência sociodemográfica do envelhecimento. Segundo a projeção de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em Portugal, este fenómeno global manifestar-se-á, entre outros, pelo número de pessoas idosas a passar de 2,1 para 2,8 milhões, entre 2015 e 2080, e o índice de envelhecimento a passar de 147 para 317 idosos, por cada 100 jovens, para esse mesmo período de tempo (INE, 2017). A acompanhar esta tendência sociodemográfica, verifica-se, igualmente, um aumento do número de processos de institucionalização de pessoas idosas. A este fenómeno associa-se uma maior predisposição para a ocorrência de deterioração da capacidade funcional, acelerada pelas pluripatologias crónico-degenerativas que condicionam a vida autónoma e independente da pessoa idosa. Com este declínio, surge a necessidade crescente de utilização de dispositivos auxiliares de marcha com o objetivo de estimular a mobilidade, aumentar a independência e a funcionalidade da pessoa idosa, promovendo assim a sua segurança (Maria & Rodrigues, 2009).
Os andarilhos, enquanto dispositivos auxiliares de marcha, favorecem o equilíbrio e diminuem o suporte do peso de forma completa ou parcial sobre os membros inferiores (Poier, 2013). O mercado disponibiliza, como resultado de estudos de inovação e desenvolvimento, diversas tipologias de andarilhos, que incorporam novas tecnologias e materiais, indicados para pessoas idosas com capacidades funcionais específicas.
Todavia, surgem reportes de episódios de queda associados à utilização deste tipo de dispositivo, seja por má adaptação do mesmo à condição específica da pessoa, seja por uso ou manutenção inadequadas. O estudo de fatores de proteção do utilizador, relacionados com as capacidades funcionais ou com o seu perfil de desempenho funcional da pessoa idosa, importa dado o número crescente de utilizadores (Braun, Marks, Zutter, & Grüneberg, 2015).
Em Portugal, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER) pode estar integrado na equipa de cuidados, cujas competências são fundamentais na prevenção do declínio funcional e na promoção da autonomia da pessoa com limitação de mobilidade, recorrendo à prescrição de dispositivos auxiliares de marcha como é o caso dos andarilhos nas suas mais variadas modalidades, sempre que considerar necessário. Enquanto profissional de saúde especializado, o EEER deve, por isso, participar no desenvolvimento de projetos de investigação e inovação em saúde que contribuam para a maximização da autonomia e qualidade de vida da pessoa com défice de funcionalidade (Regulamento n.º 125/2011 de 18 de fevereiro, 2011).
Neste contexto, este estudo tem como objetivo: comparar o perfil de desempenho funcional de pessoas idosas institucionalizadas tendo em conta o tempo percorrido, velocidade de marcha, a variância frequência cardíaca e custo energético despendido aquando da realização do teste Expanded Timed Get-up-and-Go (ETGUG) no uso de três tipologias de um andarilho: fixo, duas rodas e quatro rodas. O desenvolvimento do mesmo está associado, ainda, a uma das atividades do projeto de investigação MIND&GAIT Promoção da vida independente do idoso frágil através da melhoria da cognição e capacidade de marcha e utilização de produtos de apoio - que inclui a melhoria de um protótipo de um mecanismo autoblocante para as rodas dos andarilhos. O protótipo resultou da colaboração entre três domínios do conhecimento científico engenharia mecânica, eletromecânica e enfermagem de reabilitação cujo seu desenvolvimento tem como princípio base: prevenir e reduzir significativamente o risco de queda, aumentando, consequentemente, a segurança na mobilidade da pessoa idosa.
Enquadramento
A literatura considera hoje que o fenómeno do envelhecimento se assume preponderante para o desenvolvimento de novas síndromes geriátricas, sendo também responsável por uma vulnerabilidade progressiva do aparecimento de acontecimentos adversos em saúde como são exemplo as quedas ou as fraturas, especialmente quando se encontram subjacentes doenças crónicas (Mota de Sousa et al., 2016).
Em conjunto com a inatividade, por vezes, inerente a este processo fisiológico, verifica-se, paralelamente, uma diminuição da atividade muscular e, consequentemente, uma perda de tecido muscular, que se traduz, numa coordenação sensoriomotora menos eficiente e com dificuldades acrescidas de adaptação a novas situações e/ou ajudas técnicas concomitante à perda de equilíbrio (Lobo, 2012). Estas alterações contribuem para uma perda de equilíbrio estático e dinâmico que desencadeiam uma progressiva diminuição da mobilidade e um aumento do risco de queda. Inevitavelmente, a pessoa idosa depara-se com alterações na sua velocidade de marcha, na sua frequência cardíaca e no custo energético que se vê obrigada a despender, nomeadamente aquando da utilização de dispositivos auxiliares de marcha cujas características não estão adaptadas às suas condições específicas.
Todas estas alterações, associadas à perda de robustez física, determinam assim uma diminuição na capacidade de adaptação ao meio envolvente e aumentam a vulnerabilidade da pessoa idosa a processos patológicos que interferem quer no seu desempenho funcional, quer na sua competência e capacidade funcional, com uma tradução direta na diminuição da qualidade de vida da pessoa idosa (Sousa et al., 2014).
Neste sentido, o recurso à utilização de dispositivos auxiliares de marcha prende-se com o facto de estes providenciarem uma melhoria no equilíbrio, na redução da carga aplicada aos membros inferiores e, consequentemente, aliviarem as dores articulares, permitindo uma redução da fadiga e compensação da fraqueza (Cheng et al., citado por Teresa, 2014).
Os andarilhos convencionais são classificados consoante o tipo de contacto que têm com o chão, podendo ser de quatro pontas ou fixos, duas rodas frontais ou quatro rodas (Lacey & Dawson-Howe, citado por Teresa, 2014). Os andarilhos fixos possuem quatro pernas e borrachas nas extremidades. Pese embora sejam os mais estáveis, implicam ao seu utilizador um maior controlo motor ao exigir que este tenha a capacidade de o elevar do chão completamente e colocá-lo mais à frente antes de dar um passo em frente. O que provoca per si uma marcha mais lenta e controlada, requerendo, ainda, uma determinada força nos membros superiores (Teresa, 2014).
Os andarilhos com duas rodas frontais são indicados para utilizadores que exibem uma maior fraqueza nos membros superiores, pela dificuldade que apresentam em elevar o andarilho fixo, ou que apresentem desequilíbrio posterior ao elevar este dispositivo (Van Hook, Demonbreun, & Weiss, 2003). São considerados como a melhor opção para pessoas que tenham uma marcha mais rápida, já que proporcionam um deslocamento anterior do centro de gravidade, reduzindo o risco de queda do utilizador para trás (Lacey & Dawson-Howe, citado por Teresa, 2014). Este é o tipo de dispositivo de utilização mais frequente, segundo Teresa (2014), e que permite ao utilizador um padrão de marcha mais aproximado ao padrão normal, pois a pessoa não precisa de parar.
Já os andarilhos com quatro rodas são indicados em pessoas que evidenciem uma base de sustentação mais alargada e não necessitem de suportar o seu peso no andarilho. Este tipo de andarilho não está aconselhado a pessoas com problemas de equilíbrio e/ou comprometimentos cognitivos, dado que, inesperadamente, o andarilho pode deslocar-se para a frente e provocar uma queda. Pelo facto de possuir um sistema de rodas, a sua utilização é facilitada, pois não precisa de ser elevado para se mover, exigindo pouco esforço por parte do utilizador (Teresa, 2014). São considerados os dispositivos de eleição em pessoas com uma funcionalidade superior e que consigam percorrer uma longa distância com o mínimo suporte de peso (Van Hook et al., 2003). Contudo, pode aumentar o risco de queda do utilizador caso existam objetos no ambiente envolvente, em virtude da dificuldade do seu manuseamento perante obstáculos ou espaços pequenos (Priebe & Kram, citado por Teresa, 2014).
Nestes dois últimos modelos, foi desenvolvido recentemente no mercado um kit autoblocante presente nas duas rodas frontais, cuja função é proporcionar um sistema de travagem à pessoa perante um episódio de desequilíbrio anterior e permitir uma deambulação mais segura (Parreira, 2013). Este sistema encontra-se integrado no andarilho utilizado neste estudo.
Os andarilhos convencionais descritos, pela estrutura que os caracteriza, podem desencadear desequilíbrios, suscitando problemas relacionados com a sua segurança. Neste sentido, a sua prescrição deverá depender de diversos fatores de proteção como: o perfil de desempenho funcional da pessoa, o seu equilíbrio e risco de queda. Estes encontram-se interligados com as características da marcha, onde se destacam os indicadores de velocidade, a frequência cardíaca e o physiological cost index (PCI; Walter et al., citado por Cetin, Muzembo, Pardessus, Puisieux, & Thevenon, 2010).
O EEER, integrado numa equipa interdisciplinar e tendo em conta as suas competências, ao avaliar as necessidades da pessoa com limitações na mobilidade com base nos indicadores acima referidos do perfil de desempenho funcional e o cálculo do PCI correspondente, está em condições de promover capacidades adaptativas de processos de transição doença/saúde e/ou incapacidade, assim como as medidas de segurança necessárias a uma deambulação segura, incluindo a seleção e prescrição de dispositivos auxiliares de marcha sempre que necessário.
Hipótese
Há diferenças no perfil de desempenho funcional de pessoas idosas institucionalizadas tendo em conta o tempo percorrido, a velocidade de marcha, a variância da frequência cardíaca e o custo energético despendido aquando da realização do teste ETGUG no uso de três tipologias de andarilho: fixo, duas rodas e quatro rodas.
Metodologia
Desenvolveu-se um estudo quasi-experimental antes e após, de grupo único, com uma amostra de conveniência constituída por pessoas idosas institucionalizadas habituais utilizadores de andarilhos (N = 40), selecionadas de cinco Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI) da área geográfica de Coimbra e com os critérios de inclusão e exclusão preenchidos. Como critérios de inclusão foram: i) pessoa idosa com idade = 65 anos habitual utilizadora de andarilho; ii) hemodinamicamente estável (tensão arterial sistólica/diastólica <150/100mmHg); e iii) que consentisse de maneira informada a sua participação neste estudo. Critérios de exclusão: i) dor igual ou superior a 3 (moderada a intensa) monitorizada com a Escala Numérica da Dor (likert 0-10 pontos); ii) antecedentes de cirurgia ortopédica aos membros superiores e/ou inferiores nos últimos 3 meses.
A recolha de dados foi realizada entre os meses de abril e maio de 2018, após parecer da Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) para a realização do estudo (Nº 489_03-18) e autorização do conselho de administração de cada ERPI, assim como o consentimento informado do participante. Efetuou-se a recolha de dados através de uma entrevista semi-estruturada com um questionário construído pela equipa de investigação para o efeito e teste avaliativo para recolha dos indicadores. Através da entrevista recolheram-se dados sociodemográficos, níveis de funcionalidade medidos pelo Índice de Barthel e dados relativos ao andarilho de uso habitual.
As variáveis inscritas no protocolo de investigação foram recolhidas presencialmente. A adaptação do dispositivo nas diferentes tipologias (fixo, duas rodas e quatro rodas) à pessoa idosa foi realizada durante o pré-teste, com uma duração de cerca de 2 a 5 minutos. O protoloco inclui a realização do teste ETGUG, seguindo as orientações de Cetin et al. (2010), com as três tipologias do andarilho da marca INVACARE®, referência 6291E-A, em alumínio regulável, com um peso aproximado de 3kg (quatro pontas, duas rodas e quatro rodas, estes dois últimos com kit autoblocante). A realização do teste ETGUG consiste em percorrer com as três tipologias de andarilho a trajetória de 10 metros pré-definida na ERPI onde a pessoa idosa reside, sem tempo pré-definido. Foi utilizada uma cadeira sem braços, com uma altura de assento de cerca de 46 cm, colocada com as pernas traseiras no início do trajeto. A partir deste ponto, as distâncias medidas através da marca colorida colocada no chão foram de 2, 8, 9 e 10 m. O último metro foi marcado como uma caixa, que indicou a área onde os sujeitos são convidados a dar uma volta.
Durante a realização do teste ETGUG, em cada tipologia do andarilho, foi avaliada a frequência cardíaca (FC) com monitor de pulso Contec®, modelo CMS50N, no início e no final do teste, e avaliada a duração do teste com cronómetro da marca Kalenji®. A velocidade da marcha (V) foi calculada a partir da expressão: V = distância a pé (em metros) x 60 / tempo em segundos. Depois de encontrado este valor, calculou-se o custo energético através do instrumento de medida PCI, tal como utilizado no estudo de Cetin et al. (2010). Este foi calculado através da expressão: PCI = FC (batimentos cardíacos por minuto) - FC (repouso em batimentos por minuto) / V (em metro por minuto).
Os dados foram tratados recorrendo ao programa informático de tratamento estatístico IBM SPSS Statistics for Windows, versão 25.0, com recurso à estatística descritiva (e.g., tabelas de frequência, medidas de tendência central e medidas de dispersão e estatística inferencial) para analisar a relação entre as principais variáveis, tendo sido utilizados testes de Friedman para avaliar a presença de diferenças entre os andarilhos, e testes de Wilcoxon com Correção de Bonferroni para identificar entre que tipologias se observam diferenças significativas. Foi considerado um nível de significância de 0,05.
Resultados
Participaram no estudo 40 pessoas idosas institucionalizadas em ERPIs, com idades entre 65 e 99 anos (M = 84,05; DP = 8,83). A maioria é do sexo feminino (n = 34; 85%), viúvos (n = 29; 72,5%), com um grau de dependência moderada avaliado pelo Índice de Barthel (n = 26; 65%) e utilizadores habituais de andarilho fixo (n = 28; 70%), sob prescrição maioritária de familiares (n = 14; 35,0%; Tabela 1).
Na análise da Tabela 2, em função do tempo percorrido no teste ETGUG com as três tipologias de andarilho, verificou-se que este é menor no andarilho de quatro rodas (150 segundos), seguindo-se o andarilho fixo (156,9 segundos) e, por último, o andarilho de duas rodas que foi o que apresentou um tempo percorrido superior (176,9 segundos). Na FC final avaliada, os valores eram semelhantes entre os três andarilhos, verificando-se, todavia, um valor inferior no andarilho fixo (82,6 bpm) e superior no andarilho de quatro rodas (84,2 bpm). No que concerne à velocidade da marcha, observou-se que a média da velocidade é inferior no andarilho de duas rodas (média: 8,9 m/min.; DP: ± 5,0), sendo superior no andarilho de quatro rodas (média: 11,8m/min; DP: ± 7,2) e no andarilho fixo (média: 9,6 m/min; DP: ± 4,7). Relativamente ao custo energético calculado pelo PCI no teste ETGUG, constatou-se um valor médio inferior para o andarilho de quatro rodas (média: 1,15; DP: ± 1,46) e superior para o andarilho de duas rodas (média: 1,32; DP: ± 1,63). Com o andarilho fixo o valor foi intermédio (média: 1,25; DP: ± 1,32).
Análise inferencial
A análise da Tabela 3 evidencia a não existência de diferenças estatisticamente significativas no PCI com os três andarilhos (X2 = 2,177; p = 0,337), nem na FC final (X2 = 0,770; p = 0,680). Contudo, observaram-se diferenças significativas no tempo percorrido do teste ETGUG (X2 = 15,65; p < 0,001) e na velocidade de marcha entre os três andarilhos (X2 = 15,80; p < 0,001).
Os Testes de Wilcoxon, com Correção de Bonferroni, evidenciaram diferenças entre o tempo percorrido no teste ETGUG com andarilho fixo e de duas rodas (Z = -2,82; p < 0,005) bem como entre a o andarilho de duas rodas e o andarilho de quatro rodas (Z = -2,80, p < 0,005). Já entre o andarilho fixo e o andarilho de quatro rodas, a diferença encontrada nesta variável não foi significativa (Z = -1,25; p = 0,211). Ou seja, o tempo percorrido no teste ETGUG é maior com o andarilho de duas rodas em relação ao andarilho fixo e andarilho de quatro rodas. Não se confirmaram diferenças no tempo percorrido no teste ETGUG entre a o andarilho fixo e o andarilho de quatro rodas.
Foram também aplicados Testes de Wilcoxon com correção de Bonferroni para identificar as diferenças estatisticamente significativas relativamente à velocidade da marcha no teste ETGUG, tendo sido encontradas diferenças entre a velocidade de marcha com o andarilho fixo e o andarilho de duas rodas (Z = -2,25; p < 0,024), bem como com o andarilho de quatro rodas (Z = - 2,50; p < 0,012). Também, se observam diferenças entre o andarilho de duas rodas e o andarilho de quatro rodas (Z = - 4,22, p < 0,000). Isto é, a velocidade de marcha é maior com o andarilho de quatro rodas em relação ao andarilho fixo e em relação ao andarilho de duas rodas, mas a velocidade de marcha do andarilho de duas rodas é menor do que com o andarilho fixo.
Discussão
Assim, relativamente à hipótese definida: Há diferenças no perfil de desempenho funcional de pessoas idosas institucionalizadas tendo em conta o tempo percorrido, a velocidade de marcha, a variância da frequência cardíaca e o custo energético despendido aquando a realização do teste ETGUG no uso de três tipologias de andarilho: fixo, duas rodas e quatro rodas, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no tempo percorrido no teste ETGUG e na velocidade de marcha entre os três andarilhos. Estas diferenças evidenciaram-se no tempo percorrido do teste ETGUG com o andarilho fixo e de duas rodas, bem como entre o andarilho de duas rodas e de quatro rodas. No entanto, não foi verificada uma diferença significativa entre o andarilho fixo e o de quatro rodas. Estes dados permitem concluir que o tempo percorrido no teste ETGUG é menor, quer com o andarilho fixo, quer com o andarilho de quatro rodas em relação ao andarilho de duas rodas, o que sugere que o andarilho de duas rodas parece promover maior rapidez na execução da tarefa relativamente às outras duas opções, eventualmente poderá também criar maiores dificuldades na sua utilização.
Já na velocidade de marcha no teste ETGUG, as diferenças encontradas verificaram-se entre o andarilho de quatro rodas e as outras duas tipologias, sugerindo que a velocidade de marcha com o andarilho de quatro rodas é superior em relação às outras duas, sendo a velocidade de marcha com andarilho fixo menor em relação ao de duas rodas, ditando maiores dificuldades na sua utilização. Apesar da fórmula de cálculo ser diferente, estes dados convergem com os resultados encontrados no estudo realizado por Priebe e Kram (citado por Teresa, 2014), que referem que o uso do andarilho fixo contribui para um acréscimo de gasto energético de 217% comparativamente com a marcha com os outros andarilhos e em marcha livre, em virtude de ser necessário que o utilizador tenha a capacidade de o levantar do chão completamente e colocá-lo mais à frente, provocando uma marcha mais lenta e controlada.
Silva (2012) reporta que, apesar da presença de rodas nos andarilhos articulados poder facilitar o movimento, não se deve descurar que este aspeto exige capacidades cognitivas adequadas à sua coordenação por parte do utilizador quando comparado com o andarilho fixo. O andarilho de duas rodas frontais promove uma maior instabilidade com um gasto energético de 84% em marcha livre, enquanto que o andarilho de quatro rodas, graças à inclusão de um sistema de rodas torna a sua utilização mais facilitada apresentando um gasto energético de 70% em marcha livre segundo Priebe e Kram (citado por Teresa, 2014).
No estudo realizado por Cetin et al. (2010) anteriormente referido, as diferenças encontradas durante o Timed Get-up-and-Go (TGUG) verificaram-se na velocidade da marcha com o andarilho fixo versus o andarilho de duas rodas (72,26 segundos vs 82,93 segundos, p = 0.001). O contrário foi observado neste estudo em que as diferenças encontradas se situaram entre o andarilho fixo e de quatro rodas e o de duas rodas e o de quatro rodas, revelando uma velocidade de marcha superior com o andarilho de quatro rodas em relação aos outros dois. Contudo, este autor alerta-nos para o facto de que os estudos disponíveis na literatura se concentrarem em indivíduos saudáveis e não em idosos.
No presente estudo foi ainda constatado que, quer no custo energético entre os três andarilhos quer na FC final, as diferenças não são significativas, o que contraria o relatado por Edelstein (2013) que refere que a FC e o consumo de oxigénio aumentam consideravelmente nos utilizadores de andarilhos de quatro pontas comparativamente aos utilizadores de andarilhos articulados. Porém, o estudo referido foi realizado em laboratório e não em campo como o estudo aqui apresentado.
Como limitações importantes deste estudo a referenciar são: a amostra reduzida e não probabilística, o que dificulta a generalização dos resultados; a ausência de avaliação das capacidades cognitivas do utilizador, o que poderá ter interferido na capacidade funcional da pessoa idosa; a ausência de um grupo de controlo; dificuldades relativas ao processo de adaptação dos diferentes tipos de andarilho pelos participantes, como a inexperiência no uso de outro tipo de andarilhos; a heterogeneidade de co-morbilidades dos elementos da amostra e as características físicas e mentais de cada utilizador. Todas elas deverão ser consideradas em futuros estudos. Acrescenta-se, ainda, o facto de a recolha de dados no instrumento de colheita de dados ter sido realizada pela investigadora principal. Esta situação ficou a dever-se ao facto de não ter sido possível a participação de um colaborador isento durante a realização das tarefas inscritas no protocolo, somando-se às limitações já referidas, colocando limitações à sua validade interna, pois levantam dúvidas que os resultados obtidos se devam exclusivamente à tipologia do andarilho. Já a validade externa é comprometida pelo tamanho reduzido da amostra e o método usado na sua seleção.
No que respeita ao EEER, este deve desenvolver as competências necessárias a uma avaliação correta da funcionalidade da pessoa idosa, para, assim, poder diagnosticar as suas limitações e incapacidades na mobilidade e intervir na promoção da sua adaptação e independência, com recurso à utilização de dispositivos auxiliares de marcha sempre que se justifique, selecionando e prescrevendo o mais adequado à pessoa (Regulamento n.º 125/2011 de 18 de fevereiro, 2011). Importa também referir que, dada a elevada percentagem de prescrição realizada por familiares na nossa amostra (n = 14; 35,0%), capacitar esta população por parte do EEER será relevante na prevenção da ocorrência de eventos adversos decorrentes do uso não adequado do auxiliar de marcha, recorrendo a estratégias de ensino e supervisão de utilização correta dirigidas aos utilizadores e cuidadores (Regulamento n.º 350/2015 de 22 de junho, 2015).
Conclusão
Os andarilhos são dispositivos auxiliares de marcha que procuram promover a funcionalidade da pessoa idosa, através da promoção de uma marcha mais estável. Uma análise pormenorizada do perfil do desempenho funcional da pessoa permite uma prescrição mais adequada face às suas necessidades e uma deambulação mais segura, fazendo parte do cuidado de enfermagem de reabilitação.
No processo de envelhecimento, as quedas são assinaladas como sendo um dos maiores problemas de saúde pública. Este fenómeno está normalmente associado ao declínio das capacidades funcionais, nomeadamente da diminuição da força, da massa muscular e velocidade de marcha, podendo ocorrer também alterações no equilíbrio postural face à deterioração da visão, sistema vestibular e somatossensorial, o que afeta o perfil de desempenho funcional da pessoa idosa na marcha. Durante a institucionalização, este quadro pode agravar-se, com implicações, quer na sua independência quer na qualidade de vida.
Neste estudo, observaram-se diferenças entre as três tipologias de andarilho no tempo percorrido e na velocidade de marcha. As diferenças encontradas evidenciaram que o tempo percorrido com o andarilho fixo é menor do que com o andarilho de duas rodas, e o tempo percorrido com o andarilho de quatro rodas é menor do que com o andarilho de duas rodas.
Quanto à velocidade de marcha, esta é maior com o andarilho de quatro rodas em relação ao andarilho fixo e em relação ao andarilho de duas rodas, mas a velocidade do andarilho de duas rodas é menor do que a do andarilho fixo. Neste sentido, o perfil do desempenho funcional é mais rápido com a tipologia do andarilho de quatro rodas em relação às outras duas, mas é mais lento no andarilho de duas rodas comparativamente com o andarilho fixo.
Estes dados não poderão ser extrapolados para a população em geral, mas deverão ser tidos em conta na prática clínica, na medida em que se verifica que não há um andarilho único, mas a seleção e prescrição deste deve basear-se numa avaliação individualizada das capacidades funcionais da pessoa, visando uma maior eficácia do dispositivo e segurança do utilizador com consequente menor risco de queda.
Dada a proximidade, o potencial de intervenção e as competências dos EEER, propõe-se a criação de uma plataforma informática que possa integrar conhecimentos sobre as novas tecnologias na sua formação, e incluir informação técnica sobre auxiliares de marcha disponíveis no mercado. Essa plataforma poderá contribuir para selecionar a opção mais adequada consoante a análise do perfil do desempenho funcional da pessoa, e facilitar a capacitação dos familiares para a utilização e aquisição do dispositivo melhor adaptado às dificuldades e incapacidades da pessoa idosa, prevenindo a ocorrência de eventos adversos como a queda, entre outros. O desenvolvimento de tal plataforma contribuirá para um desempenho funcional mais seguro, favorecedor do máximo de independência da pessoa idosa.
Neste sentido, sugere-se a realização futura de outros estudos em contextos diferenciados e com outros parâmetros essenciais, como a efetividade, o custo, a operacionalidade e fiabilidade, que possam ser integrados numa plataforma tecnológica e permitam uma análise mais pormenorizada, prática e objetiva deste tipo de dispositivos, visando uma seleção e prescrição do auxiliar de marcha personalizada e adequada.
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Financiamento
O presente estudo está integrado no desenvolvimento do projeto de investigação MIND&GAIT - Promoção da vida independente do idoso frágil através da melhoria da cognição e capacidade de marcha e utilização de produtos de apoio. O projeto, de referência POCI-01-0145-FEDER-023822, é cofinanciado pelo programa COMPETE2020 no âmbito do Sistema de Apoio à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, com um incentivo do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional (FEDER).
Recebido para publicação: 12.06.19
Aceite para publicação: 30.08.19