Introdução
O tema da satisfação do cliente é central na avaliação dos cuidados em saúde e, na última década, tem sido alvo de particular atenção. É apontado como um resultado dos cuidados e considerado como um importante indicador da qualidade dos cuidados prestados.
No contexto da hospitalização infantil, entendida como um evento difícil, desorganizador para a família e que acarreta angústia, a satisfação é habitualmente aferida com recurso aos pais enquanto representantes dos interesses da criança (Loureiro et al., 2019). Adicionalmente, os próprios pais reconhecem-se como recipientes dos cuidados de enfermagem neste contexto, pelo que a filosofia de cuidados dominante e amplamente aceite como a melhor prática em pediatria, é a filosofia de cuidados centrados na família (Shevell et al., 2019). Baseia-se na relação cooperativa entre enfermeiros e pais, de forma a assegurar que possam ser prestados, às crianças e jovens, cuidados de elevada qualidade. Reconhece o papel vital da família na vida da criança, assim como os benefícios mútuos na parceria de cuidados entre pais/crianças e enfermeiros e a sua implementação é geradora de satisfação, quer para a família quer para a própria equipa de enfermagem (Smith, 2018). Adicionalmente, a satisfação dos pais de crianças hospitalizadas tem sido utilizada para medir a qualidade dos cuidados, dado que está relacionada com a adequação do tratamento das crianças e com o desempenho dos profissionais, no contexto dos cuidados pediátricos (Tsironi & Koulierakis, 2019). Assim, o objetivo deste estudo foi adaptar e validar uma escala de satisfação com cuidados de enfermagem para a população de pais de crianças em idade escolar hospitalizadas.
Enquadramento
Os modelos explicativos da satisfação com cuidados de saúde derivam do marketing e centram-se na adequação entre as expectativas e os cuidados recebidos. No que concerne aos cuidados de enfermagem, a sua definição não é consensual, sendo um conceito difícil de operacionalizar. Pode ser entendida como o grau de congruência entre expectativas e cuidados efetivamente recebidos (Folami, 2019). Adicionalmente, é fundamental compreender que a satisfação é uma experiência pessoal e que os cuidados recebidos são avaliados no que concerne aos domínios pessoal, profissional e ambiental (Loureiro & Charepe, 2018).
A relação entre qualidade dos cuidados e satisfação foi já evidenciada (Folami, 2019). Um aumento na qualidade dos serviços resulta em maior satisfação, daí que este seja considerado um importante indicador da qualidade dos cuidados prestados (Tsironi & Koulierakis, 2019). Entre todos os profissionais de saúde com quem as pessoas contactam na sua experiência hospitalar, os enfermeiros são os que mais influenciam a satisfação global (Batbaatar et al., 2017).
A utilização de questionários para a aferição da satisfação dos clientes é comum enquanto instrumento de avaliação (Grove & Gray, 2019). Uma vez que a satisfação é um conceito abstrato e não diretamente observável, a utilização de escalas permite a exploração do conceito. É particularmente útil utilizar instrumentos já existentes, garantindo, no entanto, o processo metodológico apropriado que assegure que o instrumento mantém as suas propriedades de validade e confiabilidade após a adaptação (Echevarría-Guanilo et al., 2018). Salienta-se que no processo de adaptação é necessário atender aos aspetos culturais, idiomáticos, linguísticos e contextuais, garantindo equivalência ao instrumento original (Grove & Gray, 2019).
A revisão da literatura possibilitou a identificação, no contexto nacional, da Escala de Satisfação dos Cidadãos face aos Cuidados de Enfermagem (ESCCE; Rodrigues & Dias, 2003). Este instrumento permite a avaliação da satisfação dos cidadãos com a experiência de cuidados de enfermagem, facilitando a identificação de áreas a melhorar, aspetos a modificar e facetas dos cuidados a destacar como particularmente satisfatórias para as pessoas. O instrumento foi construído tendo por base dois instrumentos já existentes: a Newcastle Satisfaction with Nursing Scale (Thomas et al., 1996) e a La Mónica - Oberst Patient Satisfaction Scale (Monica et al., 1986). A ESCCE foi aplicada a utentes dos cuidados de saúde primários e do contexto hospitalar e é constituída por: dados sociodemográficos; escala Experiências dos Cuidados de Enfermagem, com 28 itens; e escala Opiniões sobre Cuidados de Enfermagem, com 19 itens. Na escala Experiências dos Cuidados de Enfermagem é utilizada uma escala de concordância de Likert com sete possibilidades de resposta (discordo completamente, discordo muito, discordo um pouco, nem discordo nem concordo, concordo um pouco, concordo muito e concordo completamente). Na escala Opiniões sobre cuidados de Enfermagem é usada também uma escala de Likert com cinco níveis de satisfação (insatisfeito, pouco satisfeito, bastante satisfeito, muito satisfeito e completamente satisfeito). Por fim, são recolhidos dados sociodemográficos: hospital onde se encontra, género, idade, escolaridade, profissão, havia um enfermeiro em particular responsável pelos cuidados da criança (sim/não/não tenho a certeza); e 2 questões abertas: “Que aspetos dos cuidados de enfermagem poderiam ser melhorados?” e “Outros comentários que gostasse de fazer”.
As autoras da escala avaliaram as propriedades psicométricas do instrumento através do cálculo da: consistência interna, tendo obtido como valores de coeficientes alfa de 0,96 para a escala total, 0,92 na escala da Experiências dos Cuidados de Enfermagem e 0,97 na escala Opiniões sobre Cuidados de Enfermagem; validade concorrente; e estrutura fatorial. As autoras concluíram que o instrumento de medida é suficientemente específico para identificar áreas que necessitam de intervenção e que a escala demonstra ter boas características psicométricas (Rodrigues & Dias, 2003). Destaca-se que o instrumento foi já utilizado em diversos percursos de investigação no âmbito nacional (Coelho, 2013; Dinis, 2013; Lopes, 2013; Ribeiro, 2013; Rodrigues, 2010; Soeiro, 2015).
Atendendo à relevância e atualidade do tema, considera-se pertinente proceder à adaptação do instrumento à população de pais de crianças hospitalizadas para que possa ser utilizado no contexto da hospitalização infantil.
Questão de Investigação
O instrumento de avaliação da satisfação ESCCE para pais de crianças hospitalizadas, é válido e fiável?
Metodologia
Este artigo relata o estudo metodológico que incluiu a adaptação à população de pais de crianças hospitalizadas e análise de propriedades psicométricas de um instrumento que permite medir a satisfação com cuidados de enfermagem. Decorre como parte integrante de uma tese de doutoramento em enfermagem, em curso.
Após autorização formal das autoras originais da ESCCE, procedeu-se numa primeira fase à adequação do instrumento para a população de pais. Resultou deste processo a versão pré-teste, que foi posteriormente aplicada a uma amostra de 30 pais. Na segunda fase procedeu-se à sua aplicação a uma amostra de 251 pais de crianças hospitalizadas, em nove serviços de pediatria de seis hospitais portugueses, seguida da avaliação das propriedades psicométricas da escala.
Na primeira fase pretendeu-se garantir equivalência conceptual do instrumento. Originalmente, a escala destinava-se a utentes alvos diretos dos cuidados de enfermagem. Neste estudo, foi aplicada a pais de crianças internadas, pelo que foi necessário efetuar alterações de semântica de forma a adaptar a linguagem ao contexto específico da hospitalização infantil. Foram alterados 11 itens, sete na escala de experiências e quatro na escala de opiniões. A título de exemplo, a afirmação “os enfermeiros favoreciam mais uns utentes do que outros” do instrumento original, foi adaptada para “os enfermeiros favoreciam mais umas crianças do que outras” na adaptação do instrumento. O documento adaptado foi enviado para as autoras da escala, para apreciação do instrumento adaptado. Posteriormente, o instrumento foi revisto por uma professora de português de forma a aferir as questões linguísticas, obtendo-se a versão pré-teste do instrumento. A ESCCE foi aplicada a uma amostra não probabilística e acidental, constituída por 30 pais de crianças internadas num serviço de pediatria hospitalar, como recomendado por Grove e Gray (2019). Os critérios de inclusão foram coincidentes com os da versão original, nomeadamente: aceitação em participar no estudo; pais que tenham acompanhado a criança em contexto hospitalar pelos menos 24 horas; e escolaridade acima da 4ª classe. De acordo com a versão original, consideraram-se como critérios de exclusão: recusa em participar no estudo e escolaridade inferior à 4ª classe.
Para a segunda etapa, o desenvolvimento de procedimentos metodológicos de validação de instrumentos requer que o tamanho da amostra seja definido a priori, sendo desejáveis duas a 20 respostas válidas por variável (Anthoine et al., 2014). Neste sentido, para a ESCCE, composta por 47 itens, definiu-se um número de cinco respostas por cada variável, pretendendo-se assim uma amostra superior a 235 participantes. A população foi constituída por pais de crianças em idade escolar, tendo-se selecionado uma amostra de 251 pais de crianças hospitalizadas, em nove serviços de pediatria de seis hospitais, mantendo-se os critérios de inclusão/exclusão pré-definidos. Nesta etapa, a colheita de dados decorreu entre os meses de janeiro de 2015 e dezembro de 2016, num período médio de 3 meses em cada instituição hospitalar. Os dados obtidos foram tratados com recurso ao software IBM SPSS Statistics para Windows, versão 24.0. A validade de constructo da ESCCE foi aferida através da análise fatorial exploratória de componentes principais, com rotação Varimax dos itens da escala. Para garantir a adequação do modelo fatorial à matriz de correlações para a realização da análise fatorial (cálculo do grau de homogeneidade ou semelhança dos diversos itens ou questões do instrumento), foram realizados o método de Kaiser e os testes Kaiser-Meyer-Olkin (KMO > 0,6) e de Esfericidade de Bartlett (TEB < 0,05). Pretende-se, assim, aferir a adequação da amostra para a realização da análise fatorial. Para testar a confiabilidade, foi calculado o coeficiente alfa de Cronbach para a avaliação da consistência interna do instrumento.
Do ponto de vista formal e ético, este estudo obteve o parecer positivo da Comissão Nacional de Proteção de Dados (Parecer n.º 1644/2015), assim como a autorização dos Conselhos de Administração dos seis hospitais onde o estudo decorreu, após parecer favorável das Comissões de Ética. A aplicação da ESCCE foi precedida de informação aos pais relativamente aos objetivos do estudo, da solicitação de consentimento verbal e escrito (modelo preconizado pela Direção-Geral da Saúde) e assegurado o anonimato e confidencialidade das respostas.
Resultados
O instrumento, adaptado na primeira fase deste processo, foi revisto pelas autoras originais do estudo que concordaram com todas as alterações e adaptações introduzidas. Este passo teve como objetivo assegurar as mesmas propriedades do instrumento original, para que pudesse ser aplicado da mesma forma. Na fase de aplicação do instrumento, na sua versão pré-teste, foi administrado a 30 pais, que referiram ter compreendido os itens da ESCCE, tendo-se mantido o instrumento na sua versão final. Na segunda fase de aplicação da ESCCE obtiveram-se 251 questionários devidamente preenchidos, sendo a amostra constituída por pais com idades compreendidas entre 18 e 62 anos, situando-se a sua média nos 37,97 anos (desvio-padrão = 6,35 anos) e maioritariamente do sexo feminino (82,9%). Em relação à escolaridade 30,3% dos pais detém o ensino secundário, seguido dos ensinos básico (25,9%) e universitário (25,5%). No que concerne à presença/ausência de um enfermeiro responsável pelos cuidados, 10 pais não responderam a esta questão e, entre os que responderam, a maioria refere não existir um enfermeiro responsável pelos cuidados (44,4%). No que se refere à profissão, foi utilizada como referência a classificação portuguesa das profissões, verificando-se uma variedade de profissões. Salienta-se que 27,7% dos pais estavam desempregados e, entre os pais que tinham emprego, as profissões incluíram todas as áreas previstas na classificação, destacando-se profissões intelectuais e científicas (22,3%), trabalhadores não qualificados (16,7%) e pessoal dos serviços e vendedores (10,4%). A caracterização sociodemográfica da amostra encontra-se sumarizada na Tabela 1.
Variáveis | n | % |
Género | ||
Feminino | 208 | 82,9 |
Masculino | 37 | 14,7 |
NR | 6 | 2,4 |
Escolaridade | ||
Ensino primário | 38 | 82,9 |
Ensino básico | 65 | 14,7 |
Ensino secundário | 76 | 2,4 |
Ensino universitário | 64 | 82,9 |
NR | 8 | 14,7 |
Profissão | ||
Quadros superiores | 1 | 0,4 |
Especialistas de profissões intelectuais e científicas | 56 | 22,3 |
Técnicos e profissionais de nível intermédio | 16 | 6,4 |
Pessoal administrativo e similares | 12 | 4,8 |
Pessoal dos serviços e vendedores | 26 | 10,4 |
Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas | 2 | 0,8 |
Operários, artífices e trabalhadores similares | 14 | 5,6 |
Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem | 5 | 2 |
Trabalhadores não qualificados | 42 | 16,7 |
Desempregados | 67 | 26,7 |
NR | 10 | 4 |
Nota. NR = não responde.
Como já salientado, a ESCCE é composta por duas escalas: Experiências dos cuidados de enfermagem (que integra experiências positivas e experiências negativas) e Opiniões sobre os cuidados de enfermagem.
No que se refere à primeira escala, Experiências dos cuidados de enfermagem, realizou-se a análise fatorial em componentes principais com rotação ortogonal Varimax sem predefinição do número de fatores. A solução encontrada revela duas dimensões (fatores) com valores próprios > 1 e que explicam um total de variância explicada de 47,75%. A medida KMO é de 0,850 e o valor do teste de Esfericidade de Bartlett é de X2 = 3789; p < 0,001, o que significa que a amostra é adequada para a realização da análise fatorial. Apresentam-se na Tabela 2 a matriz das saturações dos itens na análise fatorial em componentes principais com rotação ortogonal Varimax, os valores-próprios e a percentagem de variância explicada por cada fator, as comunalidades (h2), o total de variância explicada, a medida de adequação da amostra através dos Testes de Kaiser-Meyer-Olkin e de Esfericidade de Bartlett.
Item | EP | EN | h2 | |
---|---|---|---|---|
Os enfermeiros explicavam as coisas de forma que eu compreendia | 0,80 | 0,80 | ||
Havia uma atmosfera agradável no serviço, graças aos Enfermeiros. | 0,79 | 0,75 | ||
Os Enfermeiros sabiam fazer o melhor para a criança | 0,78 | 0,69 | ||
Se tivesse o mesmo ou outro problema que necessitasse de cuidados de enfermagem, voltaria de bom agrado a este serviço | 0,76 | 0,69 | ||
Sentia-me seguro quando os Enfermeiro estavam a cuidar de mim. | 0,75 | 0,67 | ||
Os Enfermeiros compreendiam-me quando partilhava com eles os meus problemas. | 0,75 | 0,74 | ||
Os Enfermeiros tranquilizavam os meus familiares ou amigos. | 0,73 | 0,74 | ||
Médicos e Enfermeiros trabalhavam bem como uma equipa. | 0,72 | 0,59 | ||
Os Enfermeiros pareciam saber realmente o que diziam. | 0,71 | 0,62 | ||
Os Enfermeiros explicavam o que iam fazer antes de fazê-lo. | 0,71 | 0,70 | ||
Os Enfermeiros faziam coisas que me faziam sentir mais confortável. | 0,70 | 0,66 | ||
Eu via os Enfermeiros como amigos. | 0,69 | 0,51 | ||
Os Enfermeiros verificavam regularmente se eu estava bem. | 0,68 | 0,52 | ||
Os Enfermeiros certificavam-se de que as crianças tinham privacidade sempre que dela necessitava. | 0,55 | 0,49 | ||
Sentia-me à vontade com os Enfermeiros. | 0,51 | 0,71 | ||
Os Enfermeiros explicavam-me o que se passava com a criança. | 0,47 | 0,80 | ||
Estivessem ou não muito ocupados, os Enfermeiros arranjavam tempo para mim. | 0,46 | 0,51 | ||
Os Enfermeiros informavam os outros colegas sobre a situação dos cuidados. | 0,44 | 0,76 | ||
Os Enfermeiros pareciam não compreender o que eu estava a passar. | 0,81 | 0,75 | ||
Os Enfermeiros demoravam a atender-me quando eu pedia. | 0,80 | 0,78 | ||
Os Enfermeiros obrigavam-me a fazer coisas antes de eu estar preparado. | 0,72 | 0,60 | ||
Os Enfermeiros não me disseram o suficiente sobre o tratamento. | 0,70 | 0,68 | ||
Os Enfermeiros favoreciam mais umas crianças do que outras. | 0,60 | 0,66 | ||
Os Enfermeiros pareciam não ter conhecimento sobre o que cada colega fazia. | 0,58 | 0,79 | ||
Os Enfermeiros diziam-me coisas que não coincidiam com o que o médico me dizia. | 0,56 | 0,77 | ||
Os Enfermeiros costumavam ir embora e esqueciam-se o que eu tinha pedido. | 0,52 | 0,70 | ||
Os Enfermeiros pareciam ter pouca vontade de me ajudar quando precisava. | 0,49 | 0,57 | ||
Os Enfermeiros falavam comigo com superioridade. | 0,36 | 0,64 | ||
Total de variância explicada - 47,75% Valor próprio | 31,11% 10,20 | 16,64% 3,17 | ||
Medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin - 0,850 | ||||
Nota. EP = Experiência positiva; EN = Experiência negativa. Teste de esfericidade de Bartlett = 3789. p < 0,001.
Através da análise da Tabela 2 confirma-se a existência bidimensional, cujo total da variância explicada é de 47,75%. Por sua vez, a saturação do item no primeiro fator (satisfação positiva) varia entre um máximo de 0,80 na afirmação “Os Enfermeiros explicavam as coisas de forma que eu compreendia” e um mínimo de 0,44 na afirmação “Os Enfermeiros informavam os outros colegas sobre a situação dos cuidados”; ao passo que no segundo fator o máximo varia entre 0,81 na afirmação “Os Enfermeiros pareciam não compreender o que eu estava a passar” e o mínimo de 0,36 no item “Os Enfermeiros falavam comigo com superioridade”. Os valores das comunalidades são superiores a 50%, à exceção do item “Os Enfermeiros certificavam-se de que as crianças tinham privacidade sempre que dela necessitava” (49%), não justificando a eliminação deste indicador empírico (peso fatorial de 0,55).
A consistência interna do instrumento foi determinada através do cálculo do coeficiente alfa de Cronbach. Verifica-se que os resultados da análise de consistência interna da ESCCE apontam que os valores, para a escala Experiências dos cuidados de enfermagem total é de 0,76 e, para cada um dos dois domínios encontrados na análise fatorial, apresentaram índices de consistência interna bons, com valores alfa de Cronbach de 0,93 e 0,85 (Experiências positivas e Experiências negativas, respetivamente).
De seguida, procedeu-se à análise fatorial exploratória da escala Opiniões sobre os cuidados de enfermagem e, da aplicação do teste KMO, tendo-se verificado que o seu valor era de 0,96 com TEB adequado (df = 171; X2 = 4789; p < 0,001), situando-se igualmente num intervalo de variância adequada (Grove & Gray, 2019). Os resultados da análise fatorial exploratória encontram-se sumarizados na Tabela 3.
Itens | Valor de saturação do item no fator | h2 |
---|---|---|
A boa vontade com que os Enfermeiros responderam aos seus pedidos. | 0,891 | 0,79 |
O quanto os Enfermeiros estiveram atentos às suas necessidades. | 0,879 | 0,77 |
Como os Enfermeiros o trataram como pessoa. | 0,869 | 0,76 |
A ajuda que recebeu dos Enfermeiros. | 0,865 | 0,75 |
A privacidade que os Enfermeiros lhe deram. | 0,864 | 0,75 |
O tipo de informações que os Enfermeiros lhe deram sobre o estado e tratamento / situação da criança. | 0,861 | 0,74 |
Como os Enfermeiros ouviram as suas preocupações. | 0,856 | 0,73 |
A frequência com que os Enfermeiros perguntavam se a criança estava bem. | 0,855 | 0,73 |
A maneira como os enfermeiros lhe explicaram as coisas. | 0,835 | 0,70 |
O quanto os Enfermeiros sabiam sobre os cuidados que deviam prestar. | 0,833 | 0,70 |
A forma como os Enfermeiros fizeram o seu trabalho. | 0,823 | 0,68 |
A maneira como os Enfermeiros o fizeram sentir como se estivesse em sua casa. | 0,816 | 0,67 |
A liberdade que lhe deram dentro do Serviço. | 0,815 | 0,67 |
A quantidade de informação que os Enfermeiros lhe deram sobre o estado e tratamento/situação do seu filho. | 0,808 | 0,65 |
Capacidade com que os Enfermeiros desempenharam as suas atividades. | 0,804 | 0,65 |
A rapidez com que os Enfermeiros vieram quando os chamou. | 0,798 | 0,64 |
Estava sempre um enfermeiro por perto quando dele precisou. | 0,787 | 0,62 |
A maneira como os Enfermeiros tranquilizaram os seus familiares ou amigos. | 0,771 | 0,59 |
O tempo que os Enfermeiros gastaram consigo. | 0,699 | 0,49 |
Total de variância explicada Valor próprio | 68,73% 13,06 |
Através da análise da Tabela 3, verificou-se a existência unidimensional, cujo total da variância explicada é de 68,73%. Por sua vez, a saturação do item no fator varia entre um máximo de 0,89 no item “A boa vontade com que os Enfermeiros responderam aos seus pedidos” e um mínimo de 0,70 no item “O tempo que os Enfermeiros gastaram consigo”. Os valores das comunalidades são superiores a 50% à exceção no item “O tempo que os Enfermeiros gastaram consigo” (49%), não justificando a eliminação deste indicador empírico (peso fatorial de 0,70). A escala Opiniões sobre os cuidados de enfermagem, apresenta um coeficiente alfa de Cronbach de 0,97, revelando uma consistência interna muito boa.
Adicionalmente, foi efetuada a análise da consistência interna da ESCCE total pela determinação do coeficiente alfa de Cronbach, tendo-se obtido um valor de 0,92.
Aferidas as propriedades psicométricas da ESCCE, esta manteve o mesmo número de itens da escala original.
Discussão
O processo de adaptação de instrumentos de pesquisa surge como particularmente útil na medida em que implica menos tempo e custos do que a conceção de novos instrumentos. Adicionalmente, permite a comparação de resultados entre diferentes populações, o que se traduz em avanço científico, aspeto decisivo para o desenvolvimento do conhecimento (Grove & Gray, 2019).
O processo de adaptação da ESCCE foi realizado numa amostra de 251 pais de crianças em idade escolar hospitalizadas. Os estudos a nível nacional encontrados, que utilizaram este instrumento, apresentam uma grande variabilidade no que concerne quer às características da amostra quer ao contexto onde foi aplicado. Verifica-se a sua utilização em contexto de cuidados de saúde primários (Lopes, 2013; Rodrigues & Dias, 2003; Soeiro, 2015) e em contexto hospitalar (Coelho, 2013; Dinis, 2013; Ribeiro, 2013; Rodrigues, 2010), sendo que num dos estudos a aplicação ocorreu simultaneamente em ambos os contextos (Rodrigues & Dias, 2003). Quanto à dimensão da amostra, verifica-se uma variação entre 568 (Rodrigues & Dias, 2003) e 70 participantes (Dinis, 2013). Salienta-se, ainda, que num dos estudos consultados o instrumento foi aplicado em pais de crianças hospitalizadas num contexto de neonatologia (Rodrigues, 2010). Assim, pode-se constatar que a ESCCE tem sido utilizada amplamente, quer em contexto hospitalar quer em contexto de cuidados de saúde primários e, também, numa multiplicidade de circunstâncias de saúde, o que demonstra a sua abrangência.
Para testar a validade de constructo, Ribeiro (2013) efetivou análise fatorial à escala total, tendo identificado três fatores com uma variância explicada de 51,15% (Fator I: 39,61%; Fator II: 6,55%; Fator III: 4,99%). O fator I inclui os 19 itens da escala Opiniões sobre os cuidados de enfermagem, o fator II inclui 18 itens da escala Experiências dos cuidados de enfermagem com formulação positiva e o fator III inclui os restantes 10 itens desta escala com formulação negativa. Neste percurso, realizou-se igualmente análise fatorial para testar a validade de constructo e, apesar de ter sido feita isoladamente para cada escala e não para a escala total, podemos verificar que existe correspondência entre o número de itens identificados.
Nos estudos, a consistência interna foi aferida com recurso ao cálculo do coeficiente alfa de Cronbach. O valor para a escala total foi aferido em apenas um dos estudos (Ribeiro, 2013), em que se verificou um valor de 0,95. Este valor é similar ao obtido pelas autoras da escala original (0,96), assim como ao valor obtido neste percurso (0,92).
No que se refere à escala Experiências dos cuidados de enfermagem, os valores obtidos nos diferentes estudos foram de: 0,87 (Ribeiro, 2013), 0,89 (Soeiro, 2015) e 0,88 (Rodrigues, 2010). O valor obtido no presente estudo foi de 0,76 que, apesar de ser um valor inferior aos encontrados na literatura, está dentro dos limites, sendo considerado razoável (Pestana & Gageiro, 2014).
Relativamente à escala Opiniões sobre os cuidados de enfermagem, os resultados encontrados são similares: 0,96 (Ribeiro, 2013), 0,99 (Soeiro, 2015) e 0,94 (Rodrigues, 2010). No que se refere à escala original o valor obtido foi semelhante (0,97), tal como no presente estudo (0,96).
Neste estudo metodológico, na adaptação do instrumento para a população de pais de crianças hospitalizadas, mantiveram-se os 47 itens que constam da escala original, tal como nos estudos em que esta escala foi utilizada (Ribeiro, 2013; Rodrigues, 2010; Soeiro, 2015). Pode-se verificar semelhança na análise das propriedades psicométricas do instrumento nos resultados obtidos quando comparados com outros estudos realizados, o que demonstra a adequação do instrumento para diferentes contextos.
Enquanto limitações salienta-se a dimensão da amostra, pois uma amostra de maior dimensão teria benefício na aferição das propriedades do instrumento. Por outro lado, a forma de testar as propriedades psicométricas do instrumento não seguiu o mesmo processo, o que dificulta a comparação de resultados.
Neste estudo, conservaram-se as mesmas denominações da escala original durante o processo de adaptação e, de uma forma geral, os valores de consistência interna aumentaram. A qualidade dos cuidados de enfermagem pode ser aferida pela ESCCE, na população de pais de crianças hospitalizadas, tendo por base os resultados obtidos. Os testes estatísticos efetuados permitem afirmar que o instrumento é válido e confiável para ser utilizado em pais de crianças em idade escolar hospitalizadas.
Conclusão
A ESCCE utilizada em pais de crianças em idade escolar hospitalizadas, permite o aporte de novo conhecimento na medida em que possibilita a comparação de resultados entre diferentes populações. Quer pelo cumprimento das orientações internacionais, quer pela análise das propriedades psicométricas (de validade de constructo e de consistência interna), foi possível concluir que a ESCCE é confiável e válida para avaliar a satisfação neste contexto específico. Esta versão adaptada da ESCCE é um instrumento que pode ser utilizado pelos enfermeiros para avaliar a satisfação dos pais das crianças com a qualidade dos cuidados de enfermagem. Os resultados trarão um contributo importante para a melhoria da qualidade dos cuidados. Deixamos enquanto sugestão de investigação a aplicação do instrumento a uma amostra de maior dimensão e com inclusão da faixa etária dos adolescentes.