Observações iniciais
O conhecimento aparece em muitas formas incluindo filosofia, teoria, investigação, prática, senso comum, especialidade e estudiosidade. O trabalho académico abarca vários paradigmas e interliga filosofia, teoria, investigação e prática (Meleis, 1991). Um trabalho sofisticado é caracterizado pela sua complexidade, profundidade e eficácia. O rigor metodológico envolve a busca pela excelência com uma meticulosa atenção ao detalhe e uma precisão constante. Uma mundivisão é inspirada e orientada por pressupostos filosóficos em intersecções com desenhos e métodos de investigação (Creswell & Creswell, 2018).
Sofisticação metodológica na investigação em enfermagem
A tendência internacional de prossecução de estudos de pós-graduação por parte dos enfermeiros teve um impacto significativo e sistémico no ensino, gestão, prática e investigação em enfermagem nos seus países de origem. O diálogo internacional em equipas de investigação interdisciplinares e multidisciplinares estimula o avanço da investigação em enfermagem. Nessas colaborações intelectuais, os enfermeiros deparam-se com novas teorias, modelos teóricos e conceptuais, e enquadramentos. Aprendem sobre desenhos de investigação inovadores e desconhecidos, métodos criativos de recolha de dados e métodos estimulantes de análise de dados, mobilizando estratégias para a disseminação de resultados.
A existência de tantas oportunidades de inovação na investigação em enfermagem põe em risco a fiabilidade e o rigor metodológico da investigação. Pode haver uma disrupção na metodologia devido a um fascínio implícito em ofuscar a necessidade de harmonia entre os elementos de um projeto de investigação. Portanto, é necessária uma reflexão profunda sobre o paradigma científico subjacente a um projeto, as suas raízes filosóficas e as suas premissas. A falta de consciência das lacunas ao nível do conhecimento pessoal em muitas áreas teóricas, conceptuais e processuais resulta na escrita e implementação de projetos de investigação incoerentes, contraditórios e desnecessariamente complexos. Consequentemente, os investigadores são induzidos em erro e utilizam um método teórico-concetual incompatível que é erroneamente entendido como uma estrutura “sofisticada” e “avançada”. Estas lacunas no conhecimento e conceções erradas indetetáveis atrasam o desenvolvimento das competências individuais de investigação.
Que argumentação?
Na investigação em enfermagem, o conhecimento requer matéria-prima, núcleo, essência, substância, estratégia, ferramenta e um objetivo para orientar o esforço de descoberta científica. Um enfermeiro investigador qualificado está bem posicionado para valorizar e reconhecer a necessidade de aprender sobre todas as características relacionadas com a investigação num âmbito alargado. Adotar o desenho de investigação considerado como sendo de prestígio, o gold-standard, e os seus métodos não é suficiente para desenvolver investigação de elevada qualidade. Na realidade, existem perigos associados à paixão, defesa e interesse cegos por apenas um tipo de desenho de investigação. Esta tendência não é uma preocupação recente para os estudiosos da investigação em enfermagem. Por exemplo, Meleis (1987) identificou o perigo de uma abordagem de investigação não variada quando fez um apelo seminal à paixão pela substância e essência da enfermagem em todas as áreas de desenvolvimento do conhecimento.
Meleis (1987) defende que a disciplina de enfermagem resulta de polarização, dicotomias e paradoxos, o que também é evidente no domínio da investigação. Meleis propõe que primeiro se pense no conhecimento que é necessário ou se pretende produzir e que depois se pense no método mais adequado para o alcançar. O foco deve ser a essência do conhecimento, seguido de reflexões sobre as lacunas de conhecimento num determinado paradigma científico, orientando assim os investigadores a situar o trabalho dentro desse paradigma. Como consequência natural, o investigador consegue identificar métodos compatíveis de descoberta enquanto reflete sobre a forma como a investigação pode contribuir para o desenvolvimento das metodologias de investigação em enfermagem e, em última análise, para a melhoria da saúde da população. Sem defender quaisquer “demónios ou anjos” nos desenhos de investigação, Meleis aconselha os leitores a analisar de que forma os métodos de investigação em enfermagem podem ser combinados para desenvolver as metodologias de investigação. O foco nos métodos de investigação convida a uma conversa sobre sofisticação metodológica na produção de conhecimento significativo em enfermagem. Meleis (1987; p. 8) defende que: “Uma paixão pelo conhecimento que pode guiar o caminho para o alcançar, incluindo método e refinamento”. Hoje em dia, a ênfase num determinado desenho e método de investigação não garante sofisticação metodológica para manter a qualidade do conhecimento produzido. As qualidades e competências técnicas e pessoais do enfermeiro investigador são essenciais para alcançar um trabalho académico dessa excelência.
Como experiente editor de revista brasileira e leitor de investigação internacional, posso afirmar que alguns autores não aderem fortemente a fundamentos teóricos e filosóficos. Todo o projeto fica privado de um ‘diálogo’ interno . . . gerando confusão na interpretação de dados . . . e conclusões inócuas. (Dr. Marcelo Medeiros, comunicação pessoal, 7 de novembro de 2020)
De salientar que a paixão, entusiasmo e adesão à realização de um bom trabalho por parte do enfermeiro investigador não são suficientes. É fundamental que ele tenha uma atitude destemida perante a incerteza do conhecimento inspirada por princípios éticos de verdade, confiança, transparência e empenho num trabalho científico, juntamente com uma contribuição social fundamentada.
A transferência de conhecimentos de enfermagem na investigação entre países com línguas e posições de maturidade distintas na investigação em enfermagem pode colocar desafios adicionais. A educação superficial ou limitada da filosofia da ciência, do desenvolvimento/validação de instrumentos e dos métodos refinados de análise de dados/resultados comprometem a aquisição e consolidação de competências de investigação a qualquer nível de especialização. O ensino e a prática de graves insuficiências metodológicas, que são erroneamente consideradas aceitáveis, compromete a educação e a prática do enfermeiro cientista. O desconhecimento das competências não desenvolvidas questiona a identidade do enfermeiro investigador com conhecimentos consolidados. Se esta identidade distorcida caracterizar um supervisor de investigação, existe o risco de os estudantes de mestrado e doutoramento replicarem e perpetuarem as lacunas não identificadas na formação de uma nova geração de enfermeiros investigadores. Se a sofisticação metodológica como método de desenvolvimento de investigação pudesse ser traduzida por expressões simples tais como fazer bem o trabalho, trabalhar de forma simples, lógica e coerente, a sua identificação e valorização dependeria da interpretação que os investigadores fizessem desses conselhos simples.
Pensamentos disruptivos?
A literatura internacional está inundada de problemas, preocupações e avisos sobre a qualidade na investigação em enfermagem. Apesar do incentivo à discussão coletiva e à reflexão individual, este tema parece menos apelativo para muitos educadores de enfermagem, estudantes de graduação e pós-graduação, bolseiros de pós-doutoramento e investigadores.
A inovação, a recriação e a criatividade também caracterizam os esforços de investigação em enfermagem para resolver os problemas da população e melhorar a sua saúde e qualidade de vida. Os enfermeiros são convidados a serem audazes na exploração de muitas fontes de conhecimento para construírem as suas próprias metodologias de investigação, fundamentadas em ideias filosóficas e enquadramentos teóricos significativos. O escrutínio das ideias prevalecentes pode reformular conceitos tradicionais incontestáveis. Contudo, a elegância de formular novas respostas para problemas humanos complexos é uma nova iniciativa para a enfermagem enquanto ciência e prática baseada na ciência.
“Não vale a pena ter métodos de investigação altamente sofisticados se o objeto de investigação ou a pergunta de investigação não resultar em algo novo.” (Dra. Denise Munari; comunicação pessoal, 6 de novembro de 2020).
Consequentemente, o conhecimento do investigador pode ser organizado num grau mais reflexivo de conhecimento do conhecimento (Morin, 1982). Responder a questões complexas e manter a sua essência sem ser simplista é o cerne da contribuição teórica da complexidade para a ciência (Morin, 1982). A aplicação de conhecimentos de outras disciplinas, demonstrando a maturidade intelectual de um investigador, é normalmente menos prevalecente em relatórios de investigação e artigos publicados. Os revisores de manuscritos verificam frequentemente que os autores são incapazes de integrar toda a estrutura científica num manuscrito. Por outro lado, os próprios autores têm sido surpreendidos pela incapacidade de alguns revisores em compreender a utilização de métodos de investigação menos frequentes ou totalmente novos. De facto, alguns revisores parecem sentir-se intimidados por estruturas/ideias teóricas/concetuais e metodologias de investigação desconhecidas que poderiam informar os leitores sobre o avanço nas metodologias de investigação e no pensamento concetual em enfermagem. O medo em aceitar a novidade e a inovação confirma a falta de interesse em atualizar o conhecimento, o que é evidente no atual ritmo acelerado das metodologias de investigação.
Mesmo no processo de escrita de um manuscrito académico a ser submetido para revisão/publicação, o estilo de escrita académica simples, concisa, clara e objetiva é erradamente entendido como sendo desprovido de fundamentos filosóficos. O discurso implícito no complexo processo de escrita académica deve ser sustentado por uma sólida base filosófica (Volpato, 2011, p. 374):
Os cientistas brasileiros necessitam urgentemente de uma revolução no pensamento. Nossos cursos de pós-graduação não têm sido bem sucedidos na superação dessas barreiras de pensamento. Devemos ser empreendedores ao visualizarmos a evolução do conhecimento e devemos nos aventurar sem medo em pensamentos inovadores.
Outra sofisticação relacionada com a investigação está na tecnologia. Esta sofisticação foi possivelmente alcançada na preparação de manuscritos para publicação com o recurso a pesquisas online de semelhanças no conteúdo, revisão gramatical e escrita académica, representando, portanto, um tipo complementar de sofisticação metodológica.
“a utilização de ferramentas virtuais não é recente, mas os ambientes virtuais são dinâmicos e populares embora já não sejam novos ... mas vale a pena mencionar que também há sofisticação técnico-metodológica na investigação experimental, mesmo na tecnologia de base.” (Dra. Ivone Cabral; comunicação pessoal, 7 de novembro de 2020).
Conclusão
A sofisticação metodológica é um padrão desejado para melhorar a qualidade e a reputação da investigação em enfermagem, principalmente em países com interesse no seu desenvolvimento e consolidação. Um apelo à ação dos leitores pode incluir (a) um incentivo para retomar o velho hábito de ler um livro sobre obras filosóficas e teóricas para abolir o uso da “enciclopédia online de conhecimento fast-food” pelos futuros cientistas; (b) formação contínua numa língua estrangeira (francês, inglês, italiano, alemão, etc.) para garantir a utilização segura das obras de autores internacionais; (c) intercâmbio intelectual e diálogo para reforçar as capacidades de pensamento crítico; e (d) proteção do interesse e capacidade de fazer bem o trabalho científico com integridade, verdade e qualidade.