Introdução
A palavra família envolve uma multiplicidade de conceitos e estruturas que são influenciados pelos contextos socioculturais, com características históricas que lhe são próprias, o que leva à impossibilidade de compreendê-la como um único modelo de funcionamento. Entretanto, as diferentes configurações familiares emergem das relações vinculares estabelecidas (Milani et al., 2019), permitindo a compreensão de que o que forma a família é o vínculo que é estabelecido, diante do seu viver, especialmente face a situações difíceis como o adoencimento de um dos seus membros.
O adoecimento e a hospitalização de uma criança são situações complexas para todos os envolvidos, levando a família e a criança ao afastamento dos seus contextos significativos, a vivência de perda da autonomia no cuidado da criança, dentre outras experiências intensas que exigem mobilização para uma adaptação (Almeida et al., 2016). No sentido de atenuar o sofrimento proveniente do internamento da criança numa unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP), cabe à equipa de saúde utilizar estratégias para adaptação das famílias. Neste sentido, considera-se a comunicação clara e passível de compreensão uma ferramenta importante a ser utilizada no contexto apresentado.
Na saúde, a comunicação é um processo fundamental, devendo-se dar atenção à forma como as informações são transmitidas aos pacientes e às suas famílias, sendo necessária, por parte da equipa de saúde, preocupação em realizar adaptações na comunicação de acordo com o nível de entendimento de quem está a receber as informações (Nardi et al., 2018). Assim, é essencial que o locutor e o recetor utilizem uma linguagem que ambos compreendam. Dessa forma, a comunicação constitui um fator diferencial para a realização de um atendimento humanizado aos familiares, pois não há como ter um bom acolhimento por parte dos profissionais de saúde se não houver comunicação com efetividade e clareza (Luiz et al., 2017).
Tendo em conta a importância da comunicação entre a equipa de saúde e a família, para a adaptação durante o internamento numa UTIP, objetiva-se conhecer a perspetiva das famílias acerca da comunicação com a equipa de saúde intensivista durante a hospitalização da criança.
Enquadramento
Na perspetiva do modelo de adaptação de Roy, considera-se que a eficácia da adaptação do ser humano ao momento vivido se constata por meio do seu comportamento, o qual é expressado através de ações e reações sob circunstâncias específicas (Roy, 2009). Assim, perante o internamento de uma criança numa UTIP, a compreensão do que está a acontecer favorece o processo de adaptação às vivências experienciadas durante o internamento desta na UTIP, enquando a falta de entendimento pode levar a uma adaptação ineficaz.
Nesse contexto, a partir do comportamento pode-se obter uma resposta adaptável, que promoverá a integralidade da pessoa, não prejudicando a sua sobrevivência e domínio perante as circunstâncias impostas. Também, por meio do comportamento observam-se as respostas ineficazes que prejudicam a integralidade do indivíduo e podem ameaçar os elementos mencionados (Roy, 2009).
Com o intuito de proporcionar um processo de adaptação eficaz aos familiares e à criança, a equipa de saúde deve utilizar a comunicação como um instrumento para o processo de humanização do cuidado. Essa comunicação precisa de prever a interação com a criança e com o seu familiar, objetivando esclarecer as suas dúvidas quanto à terapêutica e aos exames e/ou procedimentos clínicos, diminuindo, dessa forma, a ansiedade e o medo provocados pela doença e pela hospitalização, pois as famílias também participam no processo (Vasconcelos et al., 2016).
A UTIP conta com uma equipa multidisciplinar (médicos; enfermeiros; fisioterapeutas; psicólogos; nutricionistas e técnicos de enfermagem), sendo necessário que essa equipa tenha um bom relacionamento e vínculo com as famílias, para que as necessidades de comunicação das mesmas sejam atendidas e a interação com a equipa seja satisfatória. Desta forma, pode-se conseguir maior confiança das famílias (Pêgo & Barros, 2017), contribuindo para o seu processo de adaptação.
Considerando esses pressupostos, compreende-se que a comunicação efetiva, regular e contínua sobre a condição clínica e o tratamento da criança é necessária para garantir que as informações consistentes sejam compartilhadas com as famílias. Além disso, os planos de assistência ao paciente, frequentemente, mudam após serem discutidos entre a equipa de saúde, portanto, o familiar necessita de ser informado acerca das atualizações de forma rápida, esclarecedora e propiciando condições para que compreenda as mudanças e o prognóstico.
Questão de investigação
Qual a perspetiva do familiar acerca da comunicação com a equipa de saúde de uma UTIP durante a hospitalização da criança?
Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa realizado numa UTIP, de um hospital universitário localizado no sul do Brasil. Essa unidade possui 10 camas, destes oito com atendimento para utentes do Sistema Único de Saúde e dois destinados para pacientes com plano de saúde e particulares. Nesse serviço, a família pode permanecer 24 horas por dia e conta com uma equipa multidisciplinar no atendimento à criança. Cabe destacar que este local de estudo é referência regional para o cuidado de crianças com doenças respiratórias e neurológicas, pelo que, os pacientes internados, na sua maioria, têm complicações em órgãos como pulmões e cérebro.
Por se tratar de um estudo qualitativo, a sua elaboração procurou atender à checklist de recomendações dos Critérios Consolidados de Relato de Pesquisa Qualitativa (COREQ). O período da colheita de dados ocorreu de julho a setembro de 2017. Participaram no estudo 13 familiares, 12 mães e um pai, de crianças que estiveram internadas na unidade em questão. A amostra foi selecionada de forma aleatória entre os familiares das crianças hospitalizadas. Foram considerados critérios de inclusão: familiares de crianças que receberam alta hospitalar na UTIP, mas que permaneciam internados na instituição hospitalar, e ser familiar de criança que esteve internada pelo período mínimo de 7 dias na UTIP. Excluiram-se os familiares de crianças que faleceram ou se encontravam em cuidados paliativos e os menores de 18 anos.
Os familiares foram convidados pessoalmente pela investigadora a participar do estudo, um dia após a alta da UTIP, quando a criança estava internada na unidade de pediatria ou em quarto individual da instituição.
A colheita de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas (Cardano, 2017), as quais continham questões de caracterização dos participantes, e a questão que permitiu atingir o objetivo deste artigo: Qual a sua perspetiva acerca da comunicação com a equipa de saúde desde o internamento na UTIP até à alta da criança? As entrevistas foram realizadas individualmente, em ambiente privado, estando presente no local o participante, a investigadora e a criança, e foram gravadas num telemóvel e transcritas manualmente na íntegra, tendo um tempo médio de 30 minutos. As transcrições tiveram dupla conferência por dois investigadores diferentes. No momento da entrevista os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para comprovação da sua anuência e voluntariedade em participar no estudo.
Para delimitar o número de participantes, seguiu-se o critério de saturação de dados. Para tanto, primeiramente, transcreveram-se as entrevistas extraindo os códigos iniciais. Após essa etapa, categorizaram-se os códigos pela prevalência e tipo, e identificou-se que cada código obteve profundidade e complexidade suficientes para compreensão da questão estudada (Hennink et al., 2017). Neste estudo, a saturação foi atingida na 11ª entrevista.
Para assegurar o anonimato dos familiares, utilizou-se a letra “F” remetente a “família”, juntamente com a numeração sequencial referente ao participante (F1, F2, e assim por diante). Ademais, foram respeitados os preceitos éticos que compõem a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que dispõe sobre os aspetos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos. Houve aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas pelo CAAE 69933617.7.0000.5316, perante o parecer número 066635/2017. As entrevistas não foram submetidas a feedback dos participantes, devido ao facto de não se ter tido mais contacto com eles após a colheita.
A análise dos dados ocorreu de forma indutiva e utilizando-se a análise temática que diz respeito a um método capaz de identificar, analisar e relatar padrões (temas) dentro das informações. Foi desenvolvido seguindo-se os seis estágios: transcrição dos dados, leitura e releitura dos mesmos e apontamento de ideias iniciais; codificação sistemática inicial dos dados; agrupamento de códigos em temas potenciais; revisão dos temas, foi gerado um mapa temático de análise; nomeação dos temas; e análise final dos pontos selecionados, produzindo um relatório académico de análise (Braun et al., 2019).
Posteriormente, os dados foram interpretados com base no referencial da teoria de enfermagem - o modelo de adaptação de Callista Roy, que objetiva compreender a adaptação das pessoas, nos contextos diversos das suas situações de vida, contemplando os processos adaptáveis da pessoa/grupo, modos adaptáveis e adaptação relacionada com a saúde (Roy, 2009). O processo de adaptação define-se pela resposta adaptável que promove integralidade da pessoa, modificando a sua forma de sobrevivência, crescimento, reprodução e domínio e também as respostas ineficazes que não promovem a integralidade, nem contribuem para os objetivos da adaptação (Roy, 2009). Isto é, podem ameaçar a sobrevivência da pessoa, o crescimento, a reprodução ou o domínio.
Portanto, perante cada novo facto que se apresenta para o indivíduo, ele terá novas ações definidas como comportamento, que está diretamente ligado às circunstâncias específicas que o atinge (Roy, 2009), por exemplo, cada novo facto informado à família sobre a saúde da criança impactará na mesma. Assim, para avaliar o processo de adaptação deve-se atentar para o comportamento individual diante dos objetivos gerais da adaptação.
Após análise e interpretação dos dados, tendo em vista o agrupamento de códigos numa unidade temática: Comunicação entre equipa de saúde intensivista e família de crianças hospitalizadas, assim, foram selecionados dois temas a serem abordados: Comunicação efetiva entre equipa e família no contexto da UTIP e Comunicação prejudicada entre equipa e família no contexto da UTIP.
Resultados
Participaram no estudo 13 familiares, sendo 12 mães e um pai, com idade entre 18 e 39 anos. Do total de participantes, cinco são casados e oito solteiros. Quanto à religião, quatro participantes declararam-se católicos, dois ateus, um evangélico e cinco referiram não seguir nenhuma religião, porém acreditavam em Deus. Quatro participantes vivenciavam o processo de internamento pela primeira vez e nove estavam a vivenciar o reinternamento, o que revela que, na sua maioria, os participantes estavam a viver o processo de adaptação pela segunda vez.
Os participantes do estudo, quando questionados a respeito da comunicação com a equipa de profissionais de saúde, elencaram dificuldades e facilidades neste processo. A partir da análise das informações designaram-se dois temas: Comunicação efetiva entre equipa e família no contexto da UTIP; Comunicação prejudicada entre equipa e família no contexto da UTIP.
Tema 1: Comunicação efetiva entre equipa e família no contexto da UTIP
A comunicação efetiva é uma importante ferramenta para adaptação dos familiares e das crianças ao contexto da UTIP. Nos depoimentos dos participantes, encontram-se elencadas facilidades como a disponibilidade da equipa em atender as suas necessidades. Nesse contexto, a comunicação foi referida como sendo efetiva, por meio da qual a equipa de saúde esclareceu sobre as dúvidas e transmitiu informações a respeito do quadro clínico da criança, de forma adequada ao entendimento de cada familiar.
“Conseguia (entender), quando os médicos falavam algo que eu não entendia, eu já perguntava e eles já me tiravam as dúvidas” (F6). “Foi tranquila (comunicação), pela parte da manhã que eles (os médicos) davam as notícias, os residentes sempre sanaram as dúvidas quando necessário” (F11). “Eu ficava nervosa na hora da notícia, sempre tinha um monte de informação [...] precisava entender tudo que estava acontecendo, quando não entendia eu pedia para eles repetirem, sempre tirei todas minhas dúvidas na hora para não deixar passar” (F13).
O facto de os profissionais de saúde explicarem ao familiar o que está a acontecer com a criança perante o tratamento, proporcionou-lhe tranquilidade para enfrentar o seu processo de adaptação - gerando resposta adaptável, como se pode vereficar a seguir:
Eu não tenho do que reclamar, sempre foram bem atenciosos, sempre me explicavam tudo, quando tinha alguma dúvida perguntava tanto para as enfermeiras quanto para os médicos, sobre o tratamento sempre me deixaram a parte do que estavam fazendo, do que poderia acontecer, mesmo que não acontecesse, eles já falavam o que poderia. Então assim, foi uma das coisas que me deixou tranquila em relação a deixar ele no hospital de novo e eu ter essa liberdade de ir em casa e voltar. . . . (F9)
Eu me sentia tranquila porque elas (enfermeiras) faziam aquilo explicando tudo estavam fazendo, então esse processo foi tranquilo . . . quando iam fazer uma coleta (de sangue) elas já iam dizendo: ‘ah! vou coletar pra fazer tal exame’. Então não foi difícil. (F8)
Tema 2: Comunicação prejudicada entre equipa e família no contexto da UTIP
Como referido anteriormente, a comunicação é primordial para a adaptação na UTIP, contudo existem diversos entraves nesse processo que a prejudicam. De acordo com os depoimentos, embora a equipa explique o ocorrido, seja em relação ao quadro clínico da criança, ou a determinado procedimento a ser realizado, a família não compreende o que está a ser dito, constituindo-se uma falha no processo de comunicação. A informação é passada, mas não compreendida pelas famílias e, assim, gera uma resposta ineficaz do receptor.
“Eles falavam que era diabetes, mas a gente não sabia o que que era essa coisa de diabetes” (F3).
Assim, eu acho que quando pergunta alguma coisa para o médico e ele não consegue te colocar a par, fica com aquela impressão ruim, um aperto no coração, que as vezes você não entende as coisas direito, eles te explicam e parece que tu não entende essas palavras . . . então tu começa a ficar preocupada. (F5)
Além de alguns participantes considerarem a comuni cação prejudicada, foi ponderado que mesmo não compreendendo a informação procuram responder as suas dúvidas, pedindo explicações seja aos profissionais ou, até mesmo, a outros familiares. Entende-se que, às vezes, essa situação ocorre devido aos profissionais utilizarem uma linguagem técnica específica da área da saúde, de difícil compreensão e assimilação pelos familiares, leigos, na sua maioria, acerca dos termos utilizados. Nota-se que esses familiares se sentem envergonhados e preferem procurar as informações noutros locais, por exemplo, na internet, para compreenderem o que está a ser comunicado. Tais situações podem ser visualizadas nas transcrições seguintes.
“Isso (comunicação) já foi um pouco mais difícil porque a gente não entende muito . . . o que é, eles falavam, até que um dia o doutor falou e eu anotei em um papel e fui procurar na internet” (F2). “Eu fico com vergonha de ficar perguntando toda hora, eu não entendo o que falam, prefiro procurar o que ele falou depois para tentar entender” (F4).
A linguagem técnica torna-se uma barreira para a comunicação com diferentes familiares, exigindo que a família pergunte várias vezes sobre o que está a ser falado e por que é que aquilo está a acontecer. Além disso, quando a mensagem não é passada adequadamente, os familiares procuram conversar com outros profissionais, com os quais a comunicação tem maior efetividade.
É, eles, que nem eu digo, eles falam muitas palavras difíceis, ele não te passa a coisa (informações), aí tu tens que estar perguntando várias vezes . . . Por que tem palavras que eles não falam claro, eu acho que eles não deixam muito claro as vezes . . . que eles falam na língua deles só que a gente não entende, aí perguntava várias vezes: tá e porquê isso? ai eles explicavam, as vezes a gente fica bem assustado. (F10)
“Quando eu não entendia alguma coisa, pegava e perguntava para uma mais experiente, que tinha lá . . . aí ela vinha e me explicava” (F7).
Durante o internamento da criança na UTIP, os familiares recebiam muitas informações, algumas difíceis de lidar. Com a dificuldade de enfrentar as notícias negativas em relação ao quadro clínico da criança, os familiares desencadeavam ansiedade e, muitas vezes, abstraíam as informações recebidas, para se manterem equilibrados emocionalmente. Este aspecto revelou-se como estratégia de adaptação utilizada, mesmo que inconscientemente.
Isso (informação) eu sempre tive, apesar de eu não aceitar, eu sempre tive (informações sobre o quadro) . . . para mim eles falam uma coisa e eu sei que o que está acontecendo ali, mas é como se entrasse aqui e saísse aqui (ouvidos), eu não dou bola. (F12)
Discussão
Tendo em vista um cenário de transformações repentinas, que ocorrem no panorama da UTIP, identificou-se neste estudo que existe a necessidade constante de adaptação, a qual ocorre de forma singular para cada família e momento vivenciado. Nesse sentido, um dos fatores de maior importância neste cenário é a comunicação entre a família e a equipa de saúde. Quando essa ocorre de forma clara, com o uso de termos de fácil compreensão, demonstrando a real situação clínica da criança, explicitando cada etapa do tratamento e respondendo as dúvidas que surgem, a comunicação influencia na adaptação eficaz dos familiares, dirimindo o sofrimento psíquico, já que promove confiança e segurança. A comunicação é entendida como um dos fatores essenciais na humanização do cuidado, tornando-se efetiva quando expressada com clareza (Luiz et al., 2017).
Portanto, de acordo com os resultados desta investigação, a comunicação entre a equipa intensivista e a família da criança é efetiva quando propicia o comportamento adequado para adaptação eficaz do familiar ao momento vivido (Roy, 2009) diminuindo níveis de ansiedade a partir do entendimento do que está a acontecer com a criança. Com isso, o familiar passa a confiar na equipa de saúde e nos cuidados que ela propicia, perante toda a gravidade e instabilidade vivenciadas durante o internamento da criança na UTIP.
Assim, a comunicação efetiva com a equipa de saúde facilita o processo adaptativo dos familiares. A enfermagem é responsável por proporcionar respostas adaptativas e minimizar as ineficazes, priorizando a integralidade da pessoa, permitindo, assim, que seu sistema não seja afetado e o internamento transcorra de forma a que os sentimentos de medo e ansiedade sejam minimizados (Roy, 2009), no que se refere à falta de comunicação.
Os dados revelam que há dificuldade de compreensão pelas famílias em relação às informações passadas por alguns profissionais da equipa de saúde, devido ao uso de linguagem extremamente técnica, o que não ocorreu com os profissionais de enfermagem. Isso pode ser reflexo do maior tempo de permanência da equipa de enfermagem junto à família, que favorece a formação de vínculo e, consequentemente, uma comunicação mais adequada, visto que a família sente mais liberdade para questionar acerca de dúvidas.
O estabelecimento de uma comunicação efetiva destaca-se a escuta terapêutica, que estabelece um elo de confiabilidade, de forma que promova a identificação de necessidades diariamente, bem como as condições necessárias aos profissionais, sobretudo, à equipa de enfermagem (Ribeiro et al., 2018) para o cuidado com a família e a criança.
Nos depoimentos dos participantes evidenciou-se que a comunicação ocorre, em alguns momentos, de forma branda e clara, havendo explicação antes do procedimento a ser realizado com a criança. Esse mecanismo de comunicação promove um reconhecimento ao familiar, que além de entender a situação atual, sente-se valorizado enquanto acompanhante.
É indiscutível a relevância de uma consistente comunicação capaz de promover o bem-estar entre profissionais de saúde e familiares. Se a comunicação não for adequada, efetiva, respeitosa e sincera pode ser um infortúnio (Luiz et al., 2017). A família, com orientação de qualidade e com um sistema de apoio presente vivencia o período de internamento infantil com maior tranquilidade e segurança, com o pensamento positivo e focado em dias melhores (Bazzan et al., 2019). Deste modo, é necessário que a equipa esteja capacitada para assumir essa função, já que a comunicação constitui um compromisso para que as famílias não se sintam desamparadas nesse momento. Isso gera uma redução de sentimentos negativos dos pais/familiares, bem como melhor aceitação e comprometimento destes no processo de cuidado.
Um estudo aponta a relevância do reconhecimento das necessidades das famílias por parte dos profissionais da saúde como sendo umas das peças-chave no cuidado e uma forma de fortalecer e promover a atenção às condições emocionais da família, fortalecendo o vínculo entre eles (Ramos et al., 2016). Em contrapartida, algumas vezes a comunicação dos profissionais com os familiares ocorre de forma inapropriada, comprometendo a compreensão devido ao uso de linguagem técnica (Biasibetti et al., 2019) e, assim, dificultando a formação de vínculo e confiança entre os familiares e a equipa.
O papel desempenhado pelos profissionais demonstra ser ainda mais necessário quando se tem famílias que entendem o que está a ser dito pela equipa, mas não aceitem que tal situação esteja a acontecer consigo e com a criança. Nesse sentido, existem diversos mecanismos de defesa adotados pelo ser humano frente às situações vivenciadas, dentre os quais destaca-se o processo de negação, no qual o indivíduo julga ser intolerável vivenciar determinado processo. Assim, quando uma criança é internada na UTIP, é comum que os familiares desenvolvam esse mecanismo, referindo entender o que a equipa de saúde explica, mas sem aceitar a situação vivenciada (Garboza Junior & Badiou, 2019).
Tal mecanismo assemelha-se ao luto, no que diz respeito à não aceitação no processo de saúde e de doença da criança, tendo no primeiro momento a reação de negação e isolamento (Afonso, 2013). Em geral, as famílias que têm essa atitude tentam provar de todas as formas que houve um engano, necessitando de tempo para absorver o processo, configurando-se numa fuga da realidade.
O adoecimento, o internamento na UTIP e o enfrentamento da situação de um filho em condição grave é devastador para a sua família, ao ponto de que no seu processo de adaptação, mesmo que inconscientemente, ela refira entender o que os profissionais de saúde transmitem através da fala, mas não dão a atenção necessária. Essa reflexão pode ser entendida como uma negligência à situação vivida, no entanto, trata-se de um comportamento desencadeado pela não aceitação do que está a ser descrito sobre o quadro clínico da criança.
Destaca-se que a falta de compreensão do familiar acerca da situação ou patologia da criança gera preocupação e aflição, sendo um dos exemplos de comportamento derivados dos estímulos a partir da comunicação prejudicada ou da comunicação ineficaz, quando quem comunica não consegue atingir o objetivo do entendimento daquele que recebe a informação, prejudicando, assim, o processo adaptativo (Roy, 2009).
Diante da comunicação prejudicada e ineficaz entre a família e a equipa de saúde intensivista, existem diversos pontos que devem ser levados em consideração ao transmitir as informações. Um estudo descreve que a comunicação adequada para expressar informações sobre o quadro clínico do paciente no horário de visita deve ser feita de forma clara, objetiva, sem termos técnicos e difíceis, abarcando informações importantes como o esclarecimento acerca do diagnóstico, tratamento, procedimentos e equipamentos utilizados (Poerschke et al., 2019).
Deste modo, os profissionais de saúde necessitam atentar para o nível de conhecimento do familiar, para que assim, ele possa entendê-los melhor e as suas interpretações sejam corretas. Isso pode diminuir o nível de ansiedade e preocupação do familiar (Poerschke et al., 2019) e também auxiliar no seu processo de tomada de decisão, facilitando a adaptação.
Ademais, é visível o desamparo em relação à família que, por não compreender o quadro clínico e o processo de saúde e de doença da criança internada, procura na internet ou com outros familiares esclarecimento sobre termos que desconhecem, quando estes poderiam ser esclarecidos pelos profissionais de saúde ou até mesmo substituídos por palavras de simples compreensão.
Dentro do campo da saúde, a internet é reconhecida como uma fonte significativa de informações e pode vir a contribuir para que os pacientes e os seus familiares encontrem informações, esclarecendo e promovendo entendimento acerca das orientações que receberam, dentro do sistema de saúde (Fergie et al., 2016). Contudo, é importante ressaltar a necessidade de buscar informações em sites confiáveis, o que pode ser uma dificuldade, levando a compreensões erróneas.
Ademais, ocorreu neste estudo também a procura por informações mais claras por meio de questionamento aos profissionais, quando estes são inquiridos pela família. Contudo, quando isso não é possível, surge um estímulo que contribui para um processo de adaptação ineficaz, pois o familiar pode apresentar respostas ineficazes, dificultando o processo natural e, assim, prejudicando a sua integralidade e o bem-estar familiar perante as circunstâncias impostas (Roy, 2009).
Um estudo revela um déficit do repertório de habilidades comunicativas de alguns profissionais de saúde, especificamente na componente não-verbal, tal como falar mais que o paciente e encerrar discussões, utilizar linguagem técnica, interromper enquanto o paciente ou o familiar acompanhante fala, ignorar as perguntas por ele feitas e adotar comportamento defensivo, fragilizando o processo de comunicação, o vínculo e a confiança do paciente e do seu familiar (Braga et al., 2020).
A comunicação na UTIP necessita de ser multifacetada e focar os diversos níveis de comunicação, envolvendo médicos, enfermeiros e demais profissionais que cuidam da família e prestam cuidados ao público infantil. Notavelmente, melhorar a comunicação na UTIP entre profissionais e família, através de intervenções no modo em que a comunicação é realizada e como ela é recebida, é um passo importante para melhorar os resultados de efetividade para a família e a sua criança enferma (Yagiela & Meert, 2019).
Dentre as limitações do estudo destaca-se o facto de ter abordado apenas os familiares, sendo que a inclusão dos profissionais atuantes nesse contexto poderia contribuir para ampliar a perceção acerca da questão. Além disso, somente foi avaliada a comunicação verbal, sendo que incluir a comunicação não verbal (gestos, contactos visuais e expressão facial), poderia enriquecer os resultados do estudo.
Conclusão
A perceção dos familiares das crianças hospitalizadas aponta para questões de fragilidade na comunicação com os profissionais da equipa, tais como o uso de linguagem técnica, a falta de orientação clara e de fornecimento de informações sobre o tratamento. Essas questões trazem preocupação e receio aos familiares, sendo necessário atentar para solucionar os problemas orindos da comunicação ineficaz, para ampliar a participação da família, empoderando-a para o cuidado da criança e minimizando os prejuízos decorrentes das dificuldades vivenciadas no processo de adaptação ao internamento infantil na UTIP.
Em contrapartida, quando a comunicação foi compreendida como efetiva pelos participantes, com as dúvidas esclarecidas instituiu-se uma sensação de tranquilidade, confiando o cuidado da criança à equipa e sentindo segurança em deixá-la na unidade enquanto vai para casa e volta. Nesse sentido, a efetividade da comunicação deve ser valorizada por toda a equipa de saúde, tornando-se parte da assistência e do cuidado a ser prestado, para que assim, se objetive, de facto, a compreensão da família, auxiliando na redução da ansiedade causada pelo internamento hospitalar da criança.
Enquanto contribuição para a prática, acredita-se que o estudo possa fomentar discussões sobre a comunicação entre a equipa de saúde e as famílias no contexto da UTIP, mostrando a centralidade que esta ocupa na assistência prestada e, assim, favorecendo a adoção e a ampliação de estratégias para promoção da comunicação eficaz entre a equipa e a família, contribuindo para a segurança e a confiabilidade quanto ao cuidado prestado neste serviço.