Introdução
Atualmente a sociedade vê-se cada vez mais confrontada com a realidade do envelhecimento populacional, condicionado quer pelo incremento na longevidade e consequente aumento da esperança média de vida, quer pelo declínio da natalidade. Tendo em conta que todas as previsões apontam para a manutenção desta tendência nos próximos 50 anos e sendo ainda expectável que o número de hospitalizações de idosos (pessoas com 65 ou mais anos) aumente consideravelmente (Tavares et al., 2020), urge uma maior necessidade de aperfeiçoar e redirecionar a prestação dos cuidados de saúde a eles dirigidos.
O envelhecimento provoca diversas alterações fisiológicas nos órgãos e sistemas que, segundo Martins et al. (2017), podem gerar défices de equilíbrio e alterações da marcha que predispõem o idoso a quedas e limitações na sua funcionalidade.
Deste modo, os idosos tornam-se uma população mais suscetível à doença e à hospitalização, o que por sua vez poderá ter também um impacto negativo na sua mobilidade. Durante a hospitalização pode surgir o declínio funcional, que em muitos casos não pode ser atribuído ao problema médico agudo pelo qual a pessoa foi admitida no hospital, mas sim a fatores pessoais como a idade, o estado socioeconómico, problemas de visão e audição, diminuição na mobilidade, diminuição do estado funcional e cognitivo, assim como fatores iatrogénicos à hospitalização como a imobilização no leito, infeções, úlceras de pressão e fatores como comorbilidades e alteração do equilíbrio (Tavares et al., 2021).
O declínio funcional, que acontece com a hospitalização, poderá levar a um descondicionamento físico com alterações da força, resistência, alterações de amplitude articular, entre outros, que inevitavelmente condicionam a mobilidade funcional e a marcha. Marques-Vieira et al. (2016) fazem referência à espiral de perda funcional a que pode levar uma diminuição na capacidade de marcha, tendo em conta que esta diminuição dificulta o acesso a um conjunto de atividades físicas funcionais que integram as atividades de autocuidado, instrumentais e laborais, com uma respetiva diminuição da força muscular. Esta, por sua vez, condiciona o movimento, tornando-se assim um ciclo vicioso entre inatividade e fraqueza. Além disso, a instabilidade na marcha condicionará, por sua vez, um aumento no desequilíbrio do idoso.
Considerando que a maioria dos idosos hospitalizados tem graus de dependência significativos, apresentando já algum risco de queda e até alteração no padrão de marcha e equilíbrio, ganha relevância esta questão, emergindo a necessidade de implementar programas de reabilitação que privilegiem o treino de equilíbrio, força muscular e adequação dos auxiliares de marcha (Martins et al., 2016), apresentando o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER), pelas competências que lhe estão atribuídas, um papel primordial.
Face aos pressupostos descritos, foi objetivo deste estudo avaliar a efetividade de um programa de exercícios de enfermagem de reabilitação (PEER) no equilíbrio, marcha e independência funcional em idosos hospitalizados.
Enquadramento
As alterações estruturais e funcionais que acompanham o processo de envelhecimento do ser humano são diversas, desde o metabolismo, os danos nas células e nos sistemas até às patologias decorrentes. Estes aspetos acarretam incapacidades na generalidade dos sistemas orgânicos do idoso, salientando-se as alterações que levam à perda da integração osteo-muscular-cerebral como principais responsáveis pelas alterações na mobilidade e equilíbrio (Esquenazi et al., 2014). Por sua vez, a limitação na marcha e no equilíbrio são apontados como um dos principais fatores predisponentes e de risco para a síndrome de imobilidade do idoso (Martínez-Velilla et al., 2016).
Conjuntamente com a problemática do envelhecimento, o tema da funcionalidade tem vindo a assumir um lugar de destaque e sobre o qual importa refletir. Apesar de o envelhecimento não ser sinónimo de doença e incapacidade, este potencia uma redução progressiva na capacidade funcional do indivíduo, que, em muitos casos, o torna dependente de terceiros para satisfazer as suas necessidades básicas, que anteriormente realizava com autonomia e independência (Marvanejo, 2017).
Fermento et al. (2019) referem que a dependência não pode ser encarada como uma condição estanque, de caráter permanente e estático, apontando para a importância da implementação de intervenções ajustadas e adequadas que podem modificar, reduzir, adiar e até prevenir a mesma.
Tendo em conta as alterações na capacidade de autocuidado, as intervenções do enfermeiro de reabilitação deverão centrar-se quer na maximização do potencial funcional da pessoa, quer na minimização das incapacidades instaladas (através de estratégias adaptativas), permitindo à pessoa a utilização do máximo potencial de autocuidado (Petronilho et al., 2017).
Enquadrado nas competências do EEER, este concebe e implementa intervenções procurando “otimizar e/ou reeducar a função a nível motor, sensorial, cognitivo, cardiorrespiratório, da alimentação, da eliminação, da sexualidade e da realização das Atividades de Vida Diária (AVDs)” e “implementa programas de treino motor e cardiorrespiratório” (Ordem dos Enfermeiros, 2019, p. 13566-13568).
Estes programas constituem uma mais-valia na manutenção/reabilitação da mobilidade, maximizando assim autonomia no exercício dos autocuidados. Por outro lado, não podemos esquecer que a melhoria na capacidade de mobilidade nos idosos hospitalizados, e neste caso do equilíbrio e da marcha, pode levar também a uma melhoria nas condições do cuidar destes idosos após a alta hospitalar. A realidade demográfica atual, associada à conjuntura sociocultural em que vivemos, demonstra que muitos idosos regressam a casa para serem cuidados por familiares (cônjuges ou outros) que se encontram também eles na mesma faixa etária, assumindo a dependência um papel que pode ser determinante no bem-estar e na dinâmica funcional da família.
Questão de investigação
Será que a implementação do PEER, por nós proposto, produz benefícios no equilíbrio, na marcha e na independência funcional do idoso hospitalizado?
Metodologia
Desenvolveu-se um estudo quantitativo, pré-experimental de caso único com pré-pós teste, realizado numa amostra não probabilística por conveniência, constituída por 40 idosos internados em serviços de medicina interna de um hospital da região centro de Portugal. Como critérios de inclusão foram estabelecidos: idade igual ou superior a 65 anos; apresentar alteração do equilíbrio e da marcha (teste de Tinetti); apresentar dependência completa (até 18 pontos) ou modificada (até 103 pontos; Medida de Independência Funcional) e aceitar a implementação do programa de reabilitação estabelecido. A recolha de dados foi realizada durante os meses de junho e julho de 2018, após parecer positivo da Comissão de Ética da instituição hospitalar (parecer nº CHUC-135-17). A participação no programa foi voluntária, tendo todos os participantes assinado o consentimento informado livre e esclarecido, e os procedimentos foram efetuados respeitando os princípios éticos inscritos na Declaração de Helsínquia.
Para a mensuração das variáveis foi utilizado um instrumento de colheita de dados que integra uma secção de caracterização sociodemográfica, uma segunda de caracterização clínica, e duas escalas: (a) Medida de Independência Funcional (Direção-Geral da Saúde, 2011) e (b) Teste de Tinetti (Apóstolo, 2012).
O PEER (Tabela 1) foi construído para o efeito, seguindo várias etapas: iniciou-se uma revisão exaustiva dos trabalhos realizados sobre a temática com base na evidência científica demonstrada recentemente, tendo em consideração a nossa população-alvo e os défices em estudo. Foram também analisadas as recomendações internacionais mais recentes sobre atividade física para idosos (em termos de tipo de exercício, intensidade, duração e frequência), estudos sobre tipos de exercícios e programas de reabilitação em idosos frágeis (treino de força, treino de flexibilidade, resistência aeróbica e treino de equilíbrio), estudos sobre os resultados do treino multicomponente em idosos frágeis (em termos de equilíbrio, marcha e independência funcional) e estudos sobre princípios da prescrição de exercícios em idosos frágeis. A implementação do PEER foi desenvolvida por três enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, durante 7 dias consecutivos, seguindo o programa estabelecido pelo investigador e depois de devidamente esclarecidos sobre a sua execução. As avaliações do equilíbrio, marcha e independência funcional foram realizadas pelos EEER num primeiro contacto com os doentes e após a implementação das sete sessões do PEER.
Características gerais do plano de exercícios | ||
1 - Tipo de exercício: Multicomponente (treino de força, treino de flexibilidade, treino de equilíbrio incluindo exercícios de reabilitação vestibular e de coordenação e proprioceção e treino de resistência aeróbica) 2 - Intensidade: Muito leve a moderada; Numa escala de 0-10 para perceção de esforço, 5-6 para intensidade moderada. 3 - Duração: 1 semana ou período de internamento até 4 semanas; 30-50 minutos por treino, (incluindo aquecimento, parte fundamental e retorno à calma), podendo ser dividido em períodos nunca inferiores a 10 min. 4 - Frequência: treino diário. 5 - Progressão: aumento lento e gradual da duração, frequência e intensidade ao longo do programa. | ||
Aquecimento | 10 min; baixa intensidade | Movimentação cíclica dos membros inferiores em cicloergómetro |
Treino de força | 1 série - 10 repetições; Intensidade leve(40%-50% de 1-RM) a moderada (60%-70% de 1-RM) | 1-“Flexão/extensão coxofemoral” 2-“Abdução/adução coxofemoral” 3-“Rotação interna/externa coxofemoral” 4-“Flexão/extensão do joelho” 5-“Flexão plantar” 6-“Flexão plantar” 7-“Ponte” 8-“Deslizamento ou agachamento contra a parede” 9-“Treino de Sentar-Levantar” |
Treino de Flexibilidade | 1 série de cada exercício; 15-30 segundos cada alongamento | Mobilizações articulares passivas dos membros inferiores com alongamentos contínuos estáticos (coxofemoral, joelho, tibiotársica, dedos) |
Treino de Equilíbrio | Cerca de 10 minutos de treino; 3 séries de cada exercício, com manutenção da posição de equilíbrio 10 segundos cada; no caso dos exercícios vestibulares a estimulação deve durar 1 a 2 minutos | 1-“Permanecer de olhos fechados com os pés juntos” 2-“Manter equilíbrio com um pé à frente do outro” 3-“Alternância de carga sobre os membros inferiores” 4-“Caminhar com um pé imediatamente à frente do outro” 5-“Caminhar sobre uma linha” 6-“Exercícios com step” 7-“Manter equilíbrio sobre um só pé” 8-“Transferência de peso (de uma perna para a outra)” 9-“Permanecer de olhos fechados e pés juntos numa superfície de espuma” 10-“Andar sobre piso irregular” 11-“Marcha com rotação simultânea da cabeça” Vestibular: 12-“Rodar a cabeça, para cima e para baixo, para um lado e para o outro, tentando manter a fixação visual num ponto” 13-“Sentado, inclinar o tronco para a frente e apanhar um objeto do chão” Proprioceção 14-“Andar por períodos alternados com os olhos fechados” 15-“Exercícios com almofada dinâmica, sentado ou em pé” |
Treino de resistência aeróbica | 30 minutos por dia (por períodos de pelo menos 10 minutos cada); Intensidade leve (até 4) a moderada (5-6) numa escala para perceção de esforço (0-10) | Marcha (com posterior introdução de mudanças de ritmo e direção) Subir-descer escadas |
Retorno à calma | 10 min; baixa intensidade ajustando a sua resposta fisiológica até ao nível de partida | Movimentação cíclica dos membros inferiores em cicloergómetro |
Outras considerações importantes para o treino | ||
- As sessões de atividade física devem começar com um aquecimento e acabar com um apropriado “retorno à calma” - A intensidade e duração do exercício deve ser leve para principiantes, pessoas com descondicionamento físico, com patologias crónicas ou limitação funcional - A progressão no exercício deve ser individualizada - As sessões de treino de força com uso de máquinas devem ser supervisionadas por profissionais, pelo menos no inicio do programa | - Idosos obesos ou com sobrepeso poderão beneficiar de uma progressão de pelo menos 250 minutos por semana de exercício de intensidade moderada - 1-RM corresponde à quantidade máxima de carga que uma pessoa consegue elevar numa única repetição durante toda a amplitude do movimento | - Os programas de treino multicomponente devem incluir aumentos graduais no volume, intensidade e complexidade dos exercícios, juntamente com a realização simultânea de exercícios de resistência muscular, resistência aeróbica e equilíbrio |
Nota. RM = repetição máxima.
As escalas foram aplicadas antes e depois da implementação do programa, seguidamente procedeu-se à verificação do preenchimento dos questionários e após comprovação de que estavam completos, os dados foram lançados numa base de dados para posterior tratamento estatístico.
Este, foi efetuado através do programa IBM SPSS Statistics, versão 22.0 para o Windows e foi processado utilizando estatística descritiva e estatística inferencial. Para avaliação da normalidade das variáveis, recorreu-se à consulta dos valores de assimetria ou enviesamento (skweness) e de achatamento ou curtose (kurtosis). Assim, sempre que utilizada a totalidade da amostra como grupo foram utilizados testes paramétricos. Na comparação dos valores dos componentes de funcionalidade (equilíbrio, marcha e independência funcional) obtidos antes e após a implementação do plano de reabilitação foi utilizado o teste t Student para amostras emparelhadas. Nos testes estatísticos foram considerados intervalos de confiança de 95% e/ou nível de significância p < 0,05.
Resultados
Em termos sociodemográficos, os participantes (n = 40) apresentavam idades compreendidas entre os 65 e os 91 anos, com uma média de 77 anos e maioritariamente do género masculino (75%; n = 30). Eram detentores do 1º ciclo de escolaridade (80%; n = 32), coabitavam maioritariamente com o cônjuge (45%; n = 18) e os agregados familiares da maioria eram constituídos por um ou dois elementos (75%; n = 30). Em termos clínicos, verificou-se que 45% (n = 18) foram hospitalizados com diagnóstico de patologia respiratória, possuindo dois ou mais antecedentes patológicos, polimedicados (≥ 5 medicamentos) pertencendo estes a grupos farmacológicos identificados pela literatura como potenciais na alteração do equilíbrio e marcha. Para além do referido, apresentavam ainda problemas associados à visão (90%; n = 36) e à audição (80%; n = 32).
Relativamente ao equilíbrio, marcha e independência funcional (Tabela 2), verificou-se que no primeiro momento de avaliação os participantes apresentavam valores médios muito baixos, indicando graves défices nas dimensões estudadas. Porém, após a implementação do PEER (7 dias consecutivos), obteve-se um aumento de 45% na média de valores de equilíbrio (passando de 1,73 para 8,93 num máximo de 16), um aumento de 48,8% no caso da marcha (passando de 1,08 para 6,93 num máximo de 12) e um aumento de 15,5% na média de valores de independência funcional (passando de 45,08 para 64,63 num máximo de 126).
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; SK = skewness; K = kurtosis; CV = coeficiente de variação.
Relativamente à funcionalidade, constatou-se que 75% dos participantes apresentava, no primeiro momento de avaliação, dependência modificada (com assistência de 25% até 50% da tarefa), não se identificando nenhum caso de independência. Após a implementação do PEER, os participantes com dependência completa diminuíram de 5% para 2,5%, os participantes com dependência modificada (com assistência até 50% da tarefa) diminuíram de 75% para 40%, aumentando os graus com mais independência, de 20% para 52,5% os participantes com dependência modificada (com assistência até 25% da tarefa) e de 0% para 5% os participantes com independência modificada (Tabela 3).
Níveis de Dependência Funcional | 1ª Avaliação | 2ª Avaliação | ||
n | % | n | % | |
Dependência Completa (18 pontos) | 2 | 5,0 | 1 | 2,5 |
Dependência Modificada com assistência até 50% da tarefa (19-60 pontos) | 30 | 75,0 | 16 | 40,0 |
Dependência Modificada com assistência até 25% da tarefa (61-103 pontos) | 8 | 20,0 | 21 | 52,5 |
Independência Modificada (104-125 pontos) | 0 | - | 2 | 5,0 |
Independência Completa (126 pontos) | 0 | - | 0 | - |
TOTAL | 40 | 100,0 | 40 | 100,0 |
Da análise inferencial conclui-se ainda que existem associações estatisticamente significativas entre os dois momentos de avaliação (antes e após a intervenção) relativamente ao equilíbrio (p < 0,001), marcha (p < 0,001) e independência funcional (p < 0,001; Tabela 4).
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; t = teste de t-Student; p = nível de significância.
Discussão
As características sociodemográficas da nossa amostra estão alinhadas com outros estudos realizados recentemente em contexto português e tendo por alvo populações semelhantes (Marques-Vieira et al., 2016; Tavares et al., 2020). Trata-se de um grupo de idosos com uma média de idade de 77 anos, estando 52,5% no escalão de 75-84 anos de idade. Embora se saiba que a idade só por si, não represente uma condição sine qua non na diminuição do equilíbrio, da marcha e da funcionalidade no geral, em muitos estudos é apresentada uma associação robusta (Lobo, 2012). Similarmente, os valores baixos da nossa primeira avaliação (e antes da implementação do PEER), com graves défices no equilíbrio, capacidade de marcha e independência funcional poderão, por esta razão estar justificados.
A comparação longitudinal dos resultados observados revelou a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos de avaliação em estudo (p < 0,001), verificando-se um aumento significativo nos valores médios do equilíbrio dos idosos entre a primeira e a segunda avaliação (45%), isto é, antes e após a implementação do PEER. Este ganho na capacidade de equilíbrio enquadra-se no intervalo de ganho verificado no estudo de revisão de Cadore et al. (2013), em que eram referidos ganhos de 5% a 80% no equilíbrio dos idosos, em sete estudos em que também tinham sido aplicados programas multicomponentes.
Relativamente à marcha, a comparação longitudinal dos resultados observados revelou a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos em estudo (p < 0,001), verificando-se um aumento significativo nos valores da marcha dos idosos da primeira para a segunda avaliação (48,8%). Também este ganho se enquadra no intervalo verificado por outros autores como Cadore et al. (2013) em que foram encontrados ganhos de 4% a 50% nos seis estudos realizados. Nestes estudos, em três foram aplicados treinos multicomponentes, em dois treinos de força e no último foi aplicado um programa combinado de treino de resistência aeróbica com yoga.
Corrobora-se Rodrigues (2019), ao afirmar que, embora a etiologia da instabilidade da marcha em pessoas idosas com comprometimento funcional leve a moderado seja multifatorial, as intervenções destinadas a reduzir a instabilidade da marcha podem ser eficazes em proporcionar um padrão de caminhada mais consistente e mais estável.
À semelhança das anteriores, a comparação longitudinal da variável independência funcional revela também a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois momentos em estudo (p < 0,001), verificando-se um aumento de 15,5% nos valores da independência funcional dos idosos entre o antes e o após a implementação do programa. Estes dados são indicativos de que o treino multicomponente implementado no estudo apresenta melhorias significativas com efeito positivo na funcionalidade do idoso. Outras investigações de dimensão internacional como as de Martínez-Velilla et al. (2016) chegaram às mesmas conclusões, demonstrando o efeito positivo do treino multicomponente no incremento da capacidade funcional em idosos institucionalizados com condição física muito precária.
Para estes autores, o exercício e os programas de reabilitação representam mecanismos pelos quais o declínio funcional pode ser prevenido durante a hospitalização. Referem ainda que, se tivermos em conta os benefícios que aportam, a nível clínico, biológico e até económico (e estes dados estão confirmados), o exercício surge como um fator importante no vasto leque terapêutico que se encontra à disposição dos profissionais de saúde.
Rodrigues (2019) vai ainda mais longe ao afirmar, que os programas de exercício físico multicomponente constituem as intervenções mais eficazes para retardar a incapacidade funcional e outros eventos adversos associados à fragilidade nos idosos. Na mesma linha de pensamento, Caldas et al. (2020) dão ênfase à capacidade das intervenções com treino multicomponente na redução da incidência de quedas e consequentemente na prevenção da incapacidade, morbilidade e morte.
O aumento de funcionalidade observado nos dados do nosso estudo (após implementação do treino de enfermagem de reabilitação) é ainda mais expressivo quando comparado com os dados relativos à prevalência de declínio funcional verificado durante a hospitalização, de Tavares et al. (2018), que foi de 54,5% no momento da alta hospitalar. Menezes et al. (2010), reforçam esta ideia relacionando diretamente a hospitalização com um certo grau de imobilidade para qualquer indivíduo, o que no caso do idoso pode rapidamente desencadear um processo de declínio funcional. Também Sousa (2014) num estudo sobre o declínio funcional e o risco de queda no idoso hospitalizado, aponta para a estreita ligação que parece existir entre a situação de doença aguda e a perda de capacidades no auto desempenho das AVDs.
Um dado novo que se pretende salientar, prende-se com o facto de não ter surgido nenhum efeito colateral negativo em nenhum dos idosos submetidos ao programa de enfermagem de reabilitação, evidenciando-se a boa adaptação das características do treino implementado no tipo de exercício, na intensidade, duração, frequência e progressão, às características dos sujeitos-alvo. Desconhece-se também a existência de estudos similares ao nosso, realizados em idosos hospitalizados (em processo de doença aguda) em Portugal.
Além disso, os resultados obtidos direcionam para a necessidade emergente de um maior investimento futuro por parte dos enfermeiros, mas em especial dos EEER, na implementação de programas multicomponentes (ainda pouco explorados) na maximização do potencial funcional da pessoa idosa (hospitalizada ou em contexto comunitário), como um dos pilares do Serviço Nacional de Saúde, numa lógica de promoção e continuidade de cuidados, podendo ser um recurso muito vantajoso para os indivíduos, para as famílias mas também para a sociedade em geral.
Como limitações do estudo, apontam-se: a utilização de uma amostra do tipo não probabilístico por conveniência, o que não permite generalizar resultados com precisão estatística; o facto de, na instituição onde decorreu o estudo, todos os doentes com estas características serem submetidos a programas de reabilitação impedindo deste modo a constituição de um grupo de controlo, pois não seria eticamente aceitável excluir destes programas alguns dos idosos internados; os curtos períodos de internamento, o que nos levou a estabelecer um período de avaliação do processo de reabilitação apenas em uma semana, sendo o recomendado pelas evidências científicas, períodos de 4 semanas.
Conclusão
O envelhecimento da população é hoje um dado irrefutável e com ele surgem novas problemáticas relacionadas com a perda de funcionalidade, com consequências a nível social, familiar, económico, entre outros. Impõe-se então a necessidade de cuidados específicos a este nível, capazes de assumir um papel preponderante quanto a estes novos desafios.
Os idosos internados que constituíram a amostra deste estudo apresentaram, como se constatou, melhorias significativas no seu potencial de recuperação. De facto, foram encontradas variações positivas de 45% na média de valores de equilíbrio, de 48,8% na marcha e de 15,5% na independência funcional, o que coloca em relevo a efetividade do PEER apresentado.
Os contributos que a enfermagem de reabilitação pode trazer à problemática relativa à perda de funcionalidade das pessoas idosas é uma questão inegável e diariamente confirmada na nossa vivência hospitalar. Os estudos realizados neste âmbito são de facto parcos, justificando-se a recomendação da Ordem dos Enfermeiros em 2015 sobre a necessidade de desenvolver pesquisas sobre a efetividade das intervenções de enfermagem de reabilitação como área prioritária a investigar em Portugal.
Foi nossa intenção contribuir para o colmatar desta lacuna e demonstrar a relevância que pode ter este profissional na prevenção e até reversão do declínio funcional, aquando do internamento (ou mesmo em momentos anteriores), através do programa que apresentámos e desde já disponibilizamos, sugerindo-se a sua aplicação diária e sistematizada nesta população.
Reconhecemos os efeitos benéficos da atuação do enfermeiro de reabilitação durante a hospitalização do idoso, contudo, na nossa opinião, estas intervenções poderão ser alavancadas se forem devidamente articuladas com os colegas dos serviços de cuidados de saúde primários, nomeadamente EER integrados nas equipas de cuidados continuados integrados (ECCI) das unidade de cuidados na comunidade (UCC), por forma a dar continuidade ao processo de reabilitação e manutenção da tão desejada funcionalidade.