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Medievalista

On-line version ISSN 1646-740X

Med_on  no.15 Lisboa Jan. 2014

 

RECENSÃO

BURGTORF, Jochen; CRAWFORD, Paul; NICHOLSON, Helen J. (eds.) - The debate on the Trial of The Templars (1307-1314).

Cláudio Neto*

 

*Cardiff University, Cardiff School of History, Archaeology and Religion / Instituto de Estudos Medievais, CF 10 3EU, Cardiff, País de Gales. E-mail: claudioacnneto@gmail.com

 

O ano de 2007 marcou o sétimo centenário do desencadear do processo que conduziu à extinção da Ordem do Templo no ano de 1312 por meio da bula Vox in excelso, de 22 de Março, e que, nas suas derradeiras consequências, conduziu à fogueira o seu último Grão-Mestre, Jacques de Molay, no ano de 1314. A propósito dos setecentos anos decorridos sobre a prisão dos templários no reino de França, foram organizados dois painéis dedicados a uma reapreciação do tema nos congressos internacionais de Kalamazoo (Michigan, E.U.A., Maio de 2007) e de Leeds (Reino Unido, Julho de 2007), fomentando assim a série de artigos compilados neste volume. Trata-se de um conjunto de vinte e oito artigos que se dedicam a aflorar questões relacionadas com os antecedentes e as consequências do processo, assim como com a condução do mesmo nas várias regiões da Cristandade Latina onde a milícia se implantara nos dois séculos anteriores.

Datado de 1978 e contando com actualização de 2006, o trabalho seminal de Malcolm Barber, The Trial of the Templars1, representa ainda o ponto de partida essencial para o estudo do processo de extinção dos Templários. Outros trabalhos, tais como a biografia de Jacques de Molay escrita por Alain Demurger2, ou as investigações conduzidas por Alan Forey sobre o processo no reino de Aragão3, de Peter Edbury para o reino de Chipre4, de Helen Nicholson para as Ilhas Britânicas5, ou ainda de Philippe Josserand para Castela6 têm contribuido para um alargamento do âmbito geográfico e para a clarificação das diferentes questões que o estudo da extinção da Ordem coloca. No entanto, o tema suscita um vasto leque de questões que necessitam ainda de aprofundamento, desde logo devido à dispersão geográfica do processo. Desencadeado em França, e tradicionalmente abordado pela historiografia como conduzido pela vontade do monarca francês Filipe IV, a extinção da Ordem afectou um largo espaço, estendendo-se de Ocidente para Oriente desde a Península Ibérica até à Polónia, e de Sul para Norte desde a Sicília até às Ilhas Britânicas. Naturalmente, tal dispersão espacial não só alarga o espectro documental a ser tido em conta, como também multiplica as questões relativas ao conhecimento das especificidades historiográficas, arquivísticas e arqueológicas de cada região envolvida neste fenómeno. Este factor tem contribuido para que a compreensão global do processo de extinção da milícia esteja dependente de um trabalho internacional colectivo que se tem desenvolvido a vários ritmos, o que reforça a importância de esforços de investigação e discussão alargada e dotada de coordenação, como é o caso do trabalho ora recenseado.

E se a geografia do julgamento da milícia é já vasta, as implicações temáticas não o são menos. Desde logo, o estudo desta questão estende-se bastante para lá do âmbito circunscrito dos estudos sobre a Ordem do Templo enquanto instituição religioso-militar, envolvendo um elenco considerável de problemas historiográficos, tão importantes como férteis. Entre eles, podem-se arrolar problemáticas já clássicas como as clivagens relacionadas com o fortalecimento dos poderes monárquicos e a emergência do Estado Moderno ou como as questões decorrentes do estabelecimento do Papado de Avinhão e as implicações desta transição nas relações entre a monarquia papal e os reinos da Cristandade Latina. O debate historiográfico sobre o processo dos templários tem também envolvido campos mais recentes de investigação, como o estudo de processos inquisitoriais análogos ao da milícia, ou a compreensão dos formulários e das técnicas de interrogatório utilizadas pelos inquisidores. Por último, é importante sublinhar que o horizonte cruzadístico desta questão nunca pode ser posto de parte, não sendo possível compreender os argumentos para a extinção da milícia sem se ter em conta a evolução da ideia de Cruzada após a queda de Acre, em 1291, e os desafios colocados pelos projectos de recuperação da Terra Santa no início do século XIV.

O conjunto de artigos que compõe este volume conduz o leitor através deste elenco de temáticas, fornecendo um bom panorama das questões levantadas pelo processo de extinção da Ordem do Templo. Na primeira parte, cinco artigos dedicam-se a considerar aspectos relativos aos antecedentes do processo. Só o artigo de Alan Forey (pp. 11-19) escapa à inevitável atracção exercida pela acção de Filipe IV de França, procurando reflectir sobre a possibilidade de uma perpetuação de heresias dentro da milícia e expondo as fragilidades da tese que, eventualmente, danificou a imagem da Ordem do Templo ao ponto de tornar a sua dissolução incontornável. Os restantes quatro artigos que se dedicam a analisar o momento precedente à acção desencadeada pelo monarca francês gravitam em torno da busca das motivações que teriam levado Filipe IV a proceder à prisão dos templários franceses no dia 13 de Outubro de 1307. Neste âmbito, Anthony Luttrell, discutindo a eleição do grão-mestre Jacques de Molay (pp. 21-31), avança com a hipótese da eleição ter resistido à influência do rei de França, afastando o candidato preferido pelo monarca.

Esta intromissão dos monarcas nas eleições dos mestres das milícias não era nem novidade nem práctica incomum no início do século XIV. Ora, de acordo com o artigo de Nicholas Morton (pp. 33-43), esta exposição da milícia à ingerência do monarca articula-se com a dependência estrutural da milícia do Templo relativa aos poderes seculares e eclesiásticos em solo francês, em especial com a necessidade de manutenção de boas relações com a Coroa. Conforme a exposição de Bernard Schotte (pp. 45-56), do ponto de vista do carácter internacional da milícia do Templo, estas relações estariam comprometidas. O autor expõe elementos documentais que atestam o envolvimento, tanto de templários como de hospitalários, no recrutamento de contingentes militares que combateram Filipe IV na Flandres durante a primeira década do século XIV. Embora Schotte deixe pendente a interrogação acerca de um verdadeiro nexo de causalidade existente entre a participação dos cavaleiros templários na rebelião flamenga e o desencadear do processo contra a milícia, os elementos documentais trazidos a lume por este autor demonstram que esta participou activamente na resistência flamenga contra o monarca francês. Outro mérito a sublinhar neste artigo é o de trazer novos dados que permitem confirmar a proximidade entre as milícias do Templo e do Hospital com o mundo urbano do Norte da Europa. Elementos que podem ser aduzidos ao já desenvolvido conjunto de evidências que demonstram as íntimas relações entre as milícias religiosas e o universo urbanístico medieval.

Contudo, a relação entre a rebelião flamenga e o processo dos templários não se esgota na participação activa da milícia no esforço de guerra contra o monarca francês. Conforme Ignacio de la Torre (pp. 57-68), este conflito contribuiu para a perseguição do Templo ao constituir uma das causas do agravamento da situação financeira da Coroa francesa. O artigo traça-nos um panorama da evolução das finanças do reino francês, evidenciando a crescente necessidade de arrecadar fundos monetários que Filipe IV foi sentindo ao longo do seu reinado, levando-o a recorrer a empréstimos, à desvalorização da moeda e à perseguição das comunidades lombarda e judaica. Ignacio de la Torre argumenta que os cofres da casa do Templo em Paris teriam então sido outro dos recursos encontrados pelo Belo para restituir algum equilíbrio às suas finanças.

Não obstante, o pretexto apresentado pela Coroa para o assalto às comendas templárias em França foram as acusações de heresia, mais tarde confirmadas numa leva de interrogatórios conduzidos pelos oficiais régios franceses. Abrindo a secção dedicada ao processo em França, Thomas Krämer questiona a fiabilidade dos depoimentos dos templários interrogados (pp. 73-65), não só por terem sido obtidos mediante o emprego da tortura, mas também por acusarem os condicionalismos impostos pelas fórmulas e métodos de interrogatório dos inquisidores. Estes métodos, aperfeiçoados desde a centúria anterior, caracterizam-se por serem particulamente direcionados a obter confissões positivas no tocante a prácticas de heresia, o que naturalmente inibe uma averiguação mais pormenorizada dos quatidianos, prácticas e costumes das preceptorias templárias. De acordo com Krämer: «Most of the inquisitors, like Guillelmus de S. Laurencio, were convinced that they were dealing with guilty heretics when they were interrogating the Templars. For reasons inherent to inquisitorial procedures, they tried to extract confessions whenever possible» (p. 85).

Mesmo assim, apesar do voluntarismo do monarca francês, a condução de um processo desta natureza dirigido a uma instituição religiosa directamente dependente do sumo pontífice teria de passar forçosamente para a alçada das autoridades papais. Procurando contrariar a corrente historiográfica que tem encarado Filipe IV como um firme opositor da Igreja, Dale Streeter torna evidente no seu texto (pp. 87-95) a forma como o rei de França procurou articular a sua acção com o papado e com os bispos do seu reino, através da criação da comissão papal para o processo em 1308 e da criação de tribunais diocesanos para o efeito. Foi precisamente este envolvimento que ditou a condução dos interrogatórios subsequentes. Um destes, datado de 1309, resultou no testemunho de Ponsard de Gisy, comendador de Payns, que é alvo de uma primeira abordagem feita por David Bryson (pp. 97-103).

Porém, como é já sabido, deste processo não sobreviveram apenas os testemunhos dos freires interrogados, tendo também sobrevivido uma série de inventários realizados sobre os bens do Templo, não só em França como também noutras áreas da cristandade. É da sua utilidade para obtenção de informações acerca das comendas da milícia nas suas últimas décadas de existência que se ocupa o artigo de Jochen Burgtorf (pp. 105-115), que conclui afirmando: «To sum up, the inventories of the Templar trial deserve much more attention than they have received thus far. Procedurally, they have much to tell about the actual arrests and seizures. They provide an insight into the daily life and material culture of both major commanderies and minor houses, and they indicate the value or non-value that early fourteenth century society ascribed to the order’s various possessions. Moreover, the inventories are a gold mine for the prosopographer and an important textual aid for the medieval archaeologist» (p. 115).

Não só as fontes emanadas directamente do julgamento dos Templários possuem contributos para fornecer para uma melhor compreensão do que aconteceu entre 1307 e 1314. Tanto Alain Provost (pp. 117-127) como Paul Crawford (pp. 129-143) foram capazes de lançar luz sobre a extinção do Templo através da análise de processos de acusação de heresia sensivelmente contemporâneos do processo da Ordem do Templo. Analisando o processo de acusação de Guichard, bispo de Troyes, e relacionando-o tanto com o processo de acusação dos freires templários, como com o processo póstumo de acusação do papa Bonifácio VIII, Provost propõe uma leitura mais lata do julgamento do Templo, enquadrando-o numa série de processos que visaram reforçar o campo de acção do monarca francês, alargando-a a áreas previamente exclusivas da jurisdição eclesiástica.

Parece evidente que Filipe IV procurou respaldo jurídico para a transgressão dos limites jurisdicionais da Coroa, uma vez que o monarca requisitou à Faculdade de Teologia da Universidade de Paris um veredicto sobre a legitimidade da Coroa intervir sobre as alegadas prácticas de heresia da Ordem do Templo. É sobre este veredicto, datado de 25 de Março de 1308 que Crawford se debruça, comparando-o com o julgamento de Marguerite Porete, também analisado pela mesma faculdade em 1310. A resposta do juri relativamente ao caso do Templo assumiu um tom cauteloso, tendo sido negado ao monarca a legitimidade de intervir sobre uma instituição religiosa directamente dependente do papado. Esta resposta aparentemente positiva para a milícia esconde, porém, o facto de uma quantidade significativa de teólogos ter-se abstido de emitir um juízo neste caso. Através da comparação da composição do juri que se pronunciou no caso relativo ao Templo com a composição do juri que se pronunciaria, mais tarde, no caso de Marguerite Porete, Crawford demonstra que a abstenção de um número significativo de membros da Faculdade de Teologia em 1308 se deveu, sobretudo, à sua filiação como clérigos seculares e também devido à proximidade que mantinham relativamente a Filipe IV. O autor vem demonstrar que a actuação das autoridades eclesiásticas neste processo não se resumiu à exclusiva apreciação da matéria de heresia, tendo o conflito de interesses entre Seculares e Regulares e as relações entre o trono e o altar desempenhado um papel significativo na condução do processo de extinção da Ordem.

Encerrando a secção sobre o processo em França, o presente volume apresenta-nos dois artigos. Jochen Schenk (pp. 145-159) analisa os laços familiares dentro da milícia a partir dos testemunhos do processo. O seu artigo evidencia a utilidade destas fontes para um melhor conhecimento das prácticas de recrutamento da Ordem, podendo inclusive subsistirem indícios de favorecimento de certos recrutas ou, até, de uma rede de nepotismo dentro de alguns sectores templários. A atestar-se a existência destas anomalias, estes indícios poderão trazer alguma luz sobre as orígens das acusações de desvio à norma que, presumivelmente empoladas pelos acusadores, difamaram gravemente a milícia. Por último, de outro prisma, Magdalena Satora (pp. 161-168) problematiza a difusão da informação sobre o processo durante o século XIV como uma forma da propaganda régia de Filipe IV. A autora discute os diferentes alcances da circulação dos rumores e acusações sobre a milícia. Este factor é de suma relevância se se tiver em consideração que a dissolução da milícia em 1312 assentou menos nas provas obtidas contra os templários relativas à matéria de heresia, mas mais no facto de a imagem da Ordem se encontrar já fortemente carregada com valores negativos.

A terceira secção do conjunto de artigos é dedicada ao processo na Península Ibérica. Clive Porro (pp. 171-182) dedica o seu artigo à acção de D. Dinis relativa ao processo do Templo em solo português. O artigo reveste-se da utilidade de reconstituir as diferentes etapas do processo no reino portugês e de chamar a atenção de um público mais alargado para a dimensão portuguesa do processo de extinção da milícia. Contudo, talvez seja necessário repensar a interpretação lançada pelo autor relativamante às trocas de propriedades efectuadas entre o monarca português e a milícia nos primeiros anos do século XIV. Clive Porro qualifica-as como um ataque deliberado à Ordem realizado por D. Dinis, monarca que o autor caracteriza neste domínio como uma espécie de Filipe IV avant la lettre: «It is arguable that, if Philip IV had not precipitated the final crisis when he did, Dinis may well have extended his legal challenge to other Templar estates. On this interpretation of events, therefore, Dinis emerges not as the protector of the Templars but as one of their earliest and more dangerous adversaries.» (p. 182).

No entanto, a historiografia portuguesa deu já os seus passos no tocante à reapreciação do processo de extinção da Ordem do Templo em Portugal e a subsequente criação da Milícia de Cristo. A leitura do artigo de Clive Porro deverá, portanto, ser acompanhada dos contributos de Saul António Gomes7 e de Mário Farelo8, que põem em perspectiva algumas das afirmações de Porro e precisam de forma mais rigorosa o contexto e o decorrer do processo no reino português. Porém, salientem-se uma vez mais os méritos deste artigo, que fornece uma grelha factual precisa, distinguindo os meios de acção do monarca português dos meios empregues por Filipe IV, ao mesmo tempo que comprova o interesse da historiografia internacional sobre o universo das milícias religiosas no reino português.

É de referir que nesta secção não se encontram artigos dedicados ao processo do Templo em Leão e Castela. Aragão, porém, merece uma maior atenção neste volume. Na linha do já citado artigo de Jochen Burgtorf, Sebastián Salvadó (pp. 185-197) debruça-se sobre as potencialidades dos inventários das comendas templárias realizados no reino de Aragão após o ano de 1307 para o estudo da espiritualidade da milícia. Neste caso, o conjunto de objectos litúrgicos encontrado nas capelas das comendas do Templo sobressai como um elemento de análise da espiritualidade militar. Noutro quadrante, analisando a questão da extinção do Templo em Aragão e da criação da Ordem de Montesa, Luis García-Guijarro Ramos (pp. 199-211) enquadra a criação da nova milícia aragonesa no seio de uma estratégia régia para travar um eventual crescimento súbito da Ordem do Hospital de São João em Aragão. Por outro lado, conforme o autor, a criação de uma Ordem Militar de fundação aragonesa deve ser entendida à luz da tendência territorializante da Cruzada Peninsular, que, no caso da Coroa de Aragão, obedecia a uma estratégia de expansão mediterrânica, já materializada desde a centúria anterior.

De acordo com o que o estado actual dos estudos permite saber, a actuação do monarca francês não foi linearmente seguida pelos seus pares nos reinos vizinhos da cristandade. A actuação e as soluções avançadas pelos monarcas português e aragonês constituem uma forte evidência desta tendência, que, conforme os artigos de Jeffrey Hamilton (pp. 115-224) e de Helen Nicholson (pp. 225-235), também se detecta nas Ilhas Britânicas. Inaugurando a secção dedicada ao processo do Templo na Grã-Bretanha e Irlanda, a investigação de Hamilton sobre a actuação de Eduardo II relativamente ao processo desencadeado contra a milícia do Templo revela que o monarca inglês terá procedido de forma branda. De acordo com o autor, tudo aponta para que as acusações dirigidas aos templários não tenham convencido o rei de Inglaterra, tendo este procurado agir de forma a retardar a supressão da milícia. Actuação que, no fim, evitou uma perseguição aos freires nos seus domínios.

Em última análise, de acordo com este artigo, a supressão da Ordem no reino inglês prendeu-se mais com pressões externas do que com uma vontade da Coroa inglesa. Esta, por fim, terá lucrado com o processo de extinção, ao fazer reverter para si uma grande parte dos bens que pertenciam à Ordem do Templo, demorando a respeitar a resolução papal que ordenava a transferência dos bens templários para as mãos da Ordem do Hospital. Helen Nicholson destaca a mesma tendência, e até um maior desinteresse relativamente ao processo, para os territórios irlandeses. O seu texto aponta para um desinteresse generalizado por parte das autoridades anglo-irlandesas relativamente ao processo na Irlanda, o que se coaduna com a visão de Jeffrey Hamilton relativa a uma fraca convicção de Eduardo II relativamente às acusações feitas contra os freires do Templo.

Não se pode, no entanto, ilibar a Coroa inglesa de ter procedido com pragmatismo relativamente a uma perspectiva de súbito crescimento das possessões hospitalárias no reino. Simon Phillips demonstra-o através do estabelecimento de uma cronologia da transferência dos bens templários para a posse da Ordem do Hospital em Inglaterra (pp. 237-246). Apesar da colaboração do rei para levar a cabo a mudança de mãos dos bens, esta foi marcada por dificuldades e obstaculos colocados por particulares, sobretudo por membros da aristocracia interessados em beneficiar com a dissolução do Templo.

Contudo, a acção do monarca inglês, mais cautelosa relativamente a emitir a ordem de prisão dos freires templários não encontrou ecos em todas as monarquias da Cristandade Latina. Dando início à secção dedicada ao julgamento noutras paragens, Peter Edbury (pp. 259-258) discute o processo de captura dos Templários no reino de Chipre. De acordo com o autor, a prisão dos freires em Junho de 1308 deve ser vista à luz da necessidade de legitimação papal do rei cipriota Amaury de Lusignan, que o terá compelido a alinhar com a ordem papal de captura dos freires. Por outro lado, conforme Edbury sublinha: «The second principal reason is that, although the Templars had supported Amaury's rule, they were not integrated into Cypriot society. The trial documents show that some individual Templars had been received int the order in the Latin East, but it appears that these men were invariably from western Europe, and that the Templars did not recruit from among the members of the Frankish nobility. So there were no prominent families who might want to come to the defense of the order because their relatives were Templar brothers» (pp. 257-258). Este factor, associado a uma tendência para a manutenção de relações menos felizes entre a milícia e a coroa cipriota desde a década de ’70 do século XIII, terá contribuido para que o rei sentisse que a milícia poderia ser um elemento passível de ser sacrificado em nome da estabilização do seu poder.

Não será excessivo sublinhar que um dos méritos do presente volume é a dimensão comparativa que atribui ao estudo do processo do Templo. O alargamento do espectro geográfico das investigações permite compreender as assimetrias que caracterizam a actuação dos principes seculares e da Igreja relativamente à acusação dos freires. Elena Bellomo, estudando o julgamento dos Templários no Norte de Itália e, em particular, a actuação do arcebispo de Ravena, Rinaldo da Concorezzo (pp. 259-272), traz a lume uma actuação diametralmente oposta à do monarca Francês. De facto, de acordo com o artigo, o arcebispo terá procedido de forma neutral, recusando a utilização de tortura e conduzindo o processo até à absolvição dos freires das acusações que eram alvo.

As investigações sobre este tema demonstram, de facto, que o processo movido contra a Ordem veio expor os diferentes níveis de implantação e relacionamento da milícia nos diversos espaços da Cristandade Latina. No seu artigo (pp. 273-283), Kristjan Toomaspoeg comprova a influência que as características de implantação da Ordem do Templo tiveram na condução do processo. Partindo da análise das redes templárias nos dois reinos da Sicília, Toomaspoeg expõe a forma como o processo foi conduzido de forma diferente entre o reino siciliano continental e o insular, tendo-se desencadeado algumas pequenas acções sem grande impacto contra a Ordem do Templo na parte continental, sobretudo devido à necessidade da Corte angevina alinhar com os seus aliados – o monarca francês e o papado. Na Sicília insular, de acordo com a opinião de Toomaspoeg, a popularidade e os valores positivos que constituiam a imagem da milícia, sem dúvida associados à função cruzadística que a Ordem ainda desempenhava no Mediterrâneo, terão servido para que esta permanecesse nas boas graças da população e dos poderes locais, não se tendo registado nenhuma acção contra a milícia nesta região.

Mais a Norte, na Flandres, os conflitos que a Ordem do Templo desenvolvera no período anterior com a cidade de Ypres parecem não ter tido um grau elevado de correlação com a forma mais dura como o processo foi desenvolvido. De acordo com o texto de Filip Hooghe (pp. 285-299), a intensidade da actuação contra a milícia nos territórios flamengos deveu-se sobretudo ao facto de terem sido as autoridades francesas a conduzirem o processo neste espaço.

As assimetrias relativas ao processo ganham maior dimensão quando se toma contacto com a investigação produzida sobre as margens orientais da Cristandade Latina. Terminando esta secção, Maria Starnawska (pp. 300-314) analisa o processo tardio e fragmentado de implantação da Ordem nos territórios da actual Polónia. A autora relaciona o progressivo afastamento das elites regionais relativamente à ideia de Cruzada com o entrosamento das comendas templárias nos poderes locais. Justifica-se assim que, apesar de se terem verificado transferências dos bens templários para a Ordem do Hospital, não se verificaram julgamentos de freires do Templo nestes territórios.

O último capítulo do presente volume dedica-se a questões de âmbito mais genérico e às consequências do processo. Christian Vogel (pp. 317-326) e Anne Gilmour-Bryson (pp. 327-338) lançam perspectivas sobre a veracidade das acusações feitas contra a milícia. De acordo com Vogel, o número de freires que rompiam ilicitamente os laços com a milícia não sofrera uma grande alteração nas últimas décadas de existência da Ordem do Templo relativamente a períodos anteriores. Por outro lado, de acordo com o autor, não é possível estabelecer uma correlação entre as fugas e deserções com as alegadas prácticas de heresia, opinião que se coaduna com o texto de Gilmour-Bryson, que analisa os testemunhos dos sacerdotes da milícia. A autora defende que todas as evidências recolhidas destes depoimentos apontam para que todos os comportamentos da milícia em termos espirituais se situassem dentro da ortodoxia cristã, não havendo nenhum indício de uma corrupção generalizada da milícia.

O penúltimo artigo deste volume, da autoria de Theresa Vann (pp. 339-346), procura fornecer uma visão mais generalizada das consequências que a integração dos bens dos templários no património dos hospitalários acarretaram. A decisão papal procurava perpetuar a missão que a milícia do Templo vinha a desenvolver, mas esta transferência de bens impôs um grande desafio à Ordem de São João, sediada à data em Rodes. Não só o papa não previra as dificuldades que a milicia são-joanina enfrentaria para reclamar e gerir o património que ora lhe pertencia, como agora esta se tornara o único elemento permanente na frente mediterrânica contra os poderes muçulmanos.

Divergindo da investigação sobre o processo em si e as suas consequências directas para o mundo medieval, o artigo de John Walker sobre o envolvimento dos Templários e do seu processo de extinção nas redes contemporâneas do esoterismo e da pseudo-história (pp. 347-357) fornece o mote para o encerramento do conjunto de artigos e para uma reflexão mais profunda acerca da forma como a história da milícia e do seu abrupto fim tem sido recebida pelo público em geral, susceptível a acolher tanto as opiniões dos académicos como de outros apaixonados pela Ordem do Templo.

Em jeito de remate, saúda-se a edição do presente volume e a iniciativa de aprofundar o debate em torno dos momentos derradeiros da existência da Ordem do Templo. Uma leitura atenta de cada artigo presente nesta obra poderá levar os especialistas de diferentes geografias e temas a tecer críticas e a fornecer dados mais rigorosos, dado o vasto alcance dos estudos neste volume reunidos. Ainda assim, esta obra fornece uma pertinente actualização deste tema, a juntar aos trabalhos clássicos já citados. Para além de constituir um marco na investigação aprofundada sobre a extinção da Ordem do Templo, espera-se que, como para o caso português, cada um dos artigos presentes forneça um estímulo para o prosseguimento dos estudos sobre este fenómeno único na Idade Média.

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Referência electrónica:

NETO, Cláudio – “Recensão: BURGTORF, Jochen; CRAWFORD, Paul; NICHOLSON, Helen J. (eds.) – The debate on the Trial of The Templars (1307-1314). Farnham/Burlington: Ashgate, 2010. ISBN: 9780754665700 (hbk); 9781409410096 (ebk)”. Medievalista [Em linha]. Nº15, (Janeiro - Junho 2014). [Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA15/neto1508.html.         [ Links ]

 

Notas

1 BARBER, Malcolm - The Trial of the Templars. 2nd ed.. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. ISBN-10: 0521856396; ISBN-13: 978-0521856393

2 DEMURGER, Alain - Jacques de Molay. Le crépuscule des templiers. Paris: Payot, 2002. ISBN: 2-228-89628-4

3 FOREY, Alan – The fall of the Templars in the Crown of Aragon. Aldershot: Ashgate, 2001. ISBN-10: 0754605191; ISBN-13: 978-0754605195

4 EDBURY, Peter – “The Suppression of the Templars in Cyprus”. St. John Historical Society Proceedings, London. (2003), pp. 24-39

5 NICHOLSON, Helen - The Knights Templar on Trial: 1308-1311. Stroud: The History Press, 2009. ISBN-10: 0750946814; ISBN-13: 978-0750946810

6 JOSSERAND, Philippe – “O processo da Ordem do Templo em Castela”. In CARREIRAS, José Alberto; ROSSI VAIRO, Giulia (eds.) – I Colóquio Internacional. Cister, os Templários e a Ordem de Cristo. Da Ordem do Templo à Ordem de Cristo. Os Anos da transição. Actas. Tomar: Instituto Politécnico de Tomar, 2012. ISBN: 9789729473593. pp. 141-157

7 GOMES, Saul António – “A Extinção da Ordem do Templo em Portugal”. Revista de História da Sociedade e da Cultura. Coimbra. ISSN: 1645-2259. n.º 11 (2011). pp. 75-116; idem – “O Mosteiro de Alcobaça ao tempo do processo contra os templários”. In CARREIRAS, José Alberto; ROSSI VAIRO, Giulia (eds.) – I Colóquio Internacional. Cister, os Templários e a Ordem de Cristo... pp. 159-170.

8 FARELO, Mário – “Pro defensione iuris regis. Les relations entre la Couronne portugaise et le pape Clément V à la lumière du procès des Templiers”. In CARREIRAS, José Alberto (ed.) – A Extinção da Ordem do Templo, Tomar: Instituto Politécnico de Tomar, 2012, pp. 63-109.

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