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Revista de Ciências Agrárias
Print version ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.33 no.1 Lisboa Jan. 2010
Efeito da rega com injecção de ar na humidade do solo, disponibilidade de azoto nítrico, condutividade eléctrica e produtividade da alface cultivada em estufa plástica
C.R. Pivetta1, R.M. A. Machado 2, A. B. Heldwein1, L. Dalbianco3, A. J. S. Ferreira2 & M. R. G. Oliveira 2
1 Departamento de Fitotecnia, Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul -Brasil (urucapivetta@yahoo.com.br);
2Instituto de Ciências Agrárias Mediterrânicas, Universidade de Évora, Apartado 94, 7002-554 Évora;
3Departamento de Solos, Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul -Brasil
RESUMO
Este trabalho teve como objectivo verificar se a injecção de ar junto a água de rega gota-a-gota enterrada, afecta a humidade do solo, a disponibilidade de azoto nítrico, a condutividade eléctrica e o crescimento e produtividade da alface. Para tal realizou-se um ensaio com a alface variedade Mention cultivada em estufa plástica e localizada na Herdade Experimental da Mitra-ICAAM, da Universidade de Évora -Portugal. Utilizou-se o delineamento experimental blocos ao acaso com quatro repetições, com os tratamentos: rega com injecção de ar (CAR), e rega sem injecção de ar (SAR). O ar foi introduzido na água de rega por meio de um injector Mazzei. O teor de humidade na camada superficial (0-0,05 m) foi semelhante para os dois tratamentos, alcançando valores em torno de zero. Em termos de concentração de azoto nítrico (NO 3-) os valores observados na camada 0,100,20 m, aos 35 e 47 dias após a transplantação, foram mais elevados no tratamento CAR. Aos 47 dias após a transplantação, os níveis médios de NO3-foram de 95,33 e 67,94 ppm nos tratamentos CAR e SAR, respectivamente. A densidade radical no tratamento CAR na camada de 0-0,10 m do solo foi 34 % superior em relação ao SAR. A produção comercial não foi afectada pelo tratamento. A falta de resposta da cultura ao acréscimo de azoto nítrico e da densidade radical pode estar relacionada com o curto ciclo da cultura e/ou com o elevado teor de azoto presente no solo, ou ainda com a profundidade que os gotejadores foram instalados e não com a funcionalidade do injector de ar.
Palavras-chave: densidade radical, rega gota-a-gota enterrada, Lactuca sativa L., oxigenação
Effects of irrigation with injection of air in soil moisture, nitrate availability, electrical conductivity and lettuce productivity grown in plastic greenhouse
ABSTRACT
The objective of the present study was to evaluate the effect of the air injection through subsurface drip irrigation (oxygation) in soil moisture, availability of nitrogen oxide, and electrical conductivity, plant growth and yield of lettuce, variety "Mention", cultivated in plastic greenhouse. The experiment was carried out at the Mitra-ICAM, an Experimental Station of the University of Évora -Portugal. The experiment was arranged in a randomized block design with four replications and the treatments were: irrigation with (CAR) and without (SAR) air injection. The air was introduced into irrigation water through a jet "Mazzei". The soil moisture in the surface layer (00.05 m) was similar for the two treatments, reaching values around zero. Concerning NO3-concentration in 0.10-0.20 m soil layer at 35 and 47 days after planting was higher in the treatment CAR. At 47 days after planting, the average levels of NO3-were 95.33 and 67.94 ppm respectively in treatments CAR and SAR. Air injection increased root length density at 0-0.10m depth. The commercial yield was not affected by air injection. The lack of response by the crop to the increase of the soil nitrate concentration and root length density could be related with the short cycle of the crop and/or with high contents of nitrogen present in the soil, or result of the dripline setting depth.
Key-words: Lactuca sativa L., oxygation, root length density, subsurface drip irrigation
INTRODUÇÃO
A rega gota-a-gota enterrada é amplamente difundida no cultivo de espécies de alto retorno económico por área cultivada como as frutíferas e as hortaliças (Coelho, et al., 1999). O crescente interesse pelo uso desse sistema de rega deve-se ao potencial para aumentar a produção e a eficiência do uso da água e dos nutrientes (Gornat & Nogueira, 2003; Machado & Oliveira, 2003). Principalmente pela maior conservação da humidade no solo, a qual é mantida pela redução da evaporação da água a partir da superfície do solo, por não existirem perdas por escoamento superficial (Machado & Oliveira, 2007) e por serem controláveis as perdas por percolação (Bhattarai et al., 2006).
Não obstante, vários autores verificaram que a produção comercial das culturas sob rega gota-a-gota enterrada, em relação a rega na superfície do solo, foi semelhante ou sofreu decréscimos (Camp et al., 1993; Elgindy & El-araby, 1996; Marouelli & Silva, 2002; Machado & Oliveira, 2005). Este comportamento pode estar relacionado com a redução do teor de oxigénio na rizosfera, uma vez que a formação do bolbo molhado é caracterizada pela expulsão do ar dos poros do solo (Bhattarai et al., 2008).
A insuficiência de oxigénio no solo pode reduzir a respiração das raízes (Everard, 1985), desencadeando uma série de respostas adaptativas, muitas vezes à custa do rendimento e da eficiência na utilização da água (Goorahoo et al., 2001a; Barrett-Lennard, 2003). Para evitar a falta de oxigénio, pode-se injectar ar directamente na água de rega (gota-a-gota enterrada), o que pode favorecer a respiração das raízes e a actividade microbiológica, aumentando a nitrificação (Goorahoo et al., 2001) e contribuir para a formação de um micro ambiente mais favorável ao crescimento e desenvolvimento das plantas.
Actualmente, com os injectores de ar Mazzei, parece ser possível efectuar a injecção de ar, pois até pouco tempo atrás não existia um método prático e barato. O princípio destes injectores é captar água sob pressão e misturá-la ao ar que é aspirado pelo orifício de sucção para dentro do injector, através do vácuo que é criado pela diferença de pressão (Mazzei®). A mistura de ar e água é emitida pelo sistema de rega até a zona radical, constituindo-se em um método simples e facilmente utilizado em diversas culturas.
Os estudos sobre a influência desta técnica no crescimento e desenvolvimento das plantas são ainda recentes e têm sido feitos sobretudo na Austrália (Bhattarai et al., 2006; Pendergast & Midmore, 2006; Bhattarai et al., 2008) e na Califórnia (Goorahoo et al., 2001) e têm mostrado potencial para aumentar a produção e a eficiência do uso da água. A injecção de ar na rega aumentou a produção e a eficiência no uso da água em algodão (Pendergast & Midmore, 2006) em soja, grão-de-bico e abóbora (Bhattarai et al., 2006; Bhattarai et al., 2008), e o número e peso de frutos respectivamente em 33 % e 39 %, em pimentão (Goorahoo et al., 2001a). Ainda é necessário mais pesquisa, especialmente quanto às respostas fisiológicas das espécies vegetais para optimizar ainda mais este método (Pendergast & Midmore, 2006).
Verificou-se a funcionalidade da injecção de ar na água de rega gota-a-gota enterrada, por meio de um injector Mazzei e o seu efeito na humidade do solo, disponibilidade de azoto nítrico, condutividade eléctrica, crescimento e produtividade da alface.
MATERIAL E MÉTODOS
O ensaio decorreu de 05 de março a 21 de abril de 2008 em uma estufa plástica de 77 m2, situada na Herdade Experimental da Mitra-ICAM (38º57N; 8º32S; altitude 200 m), na Universidade de Évora Portugal. O clima da região é do tipo Csa, segundo a classificação de Köppen, com verão quente e seco e Inverno suave a relativamente chuvoso. O solo é um Luvisol de textura franco-argilo-arenosa, (pH= 6,8; maté-ria orgânica = 3,1 %; P2O5 e K2O> 250 ppm).
O ensaio foi delineado em blocos ao acaso com quatro repetições sendo que os tratamentos foram rega gota-a-gota enterrada com (CAR) e sem (SAR) a injecção de ar na água. A rede de linhas laterais equipada com os gotejadores auto compensantes (Netafim) com um débito de 2,3 L/h e espaçados a cada 0,40 m foram instaladas a 0,10 m (±0,001 m) de profundidade em cada linha de cultivo da alface. A injecção de ar foi efectuada por um injetor da marca Mazzei (Modelo A-3) tipo venturi. A transplantação da alface-crespa, tipo americana, variedade Mention foi realizada com raiz protegida aos 40 dias após a sementeira e sucedida de uma rega por aspersão de 5,0 mm para evitar stress logo após a transplantação. O espaçamento foi de 0,20 m entre plantas e entre fileiras, totalizando uma densidade de 2,5 pl/m2.
Devido à elevada concentração inicial de P2O5 e K2O no solo, foi aplicado somente o azoto na água de rega, na quantidade de 5,6 kg/ha em cada semana, de acordo com as taxas de absorção desse nutriente estimadas por Hartz (1994). Realizou-se diluição da dose semanal em aplicações diárias e aos 35 dias após a transplantação (DAT) suspendeu-se a aplicação de azoto, pois seus teores na forma de azoto nítrico (NO3-) encontrados no solo nas avaliações realizadas aos 21 e 35 DAT foram elevados. A rega foi realizada com base nos valores de tensão da água no solo, registada diariamente em sensores Watermark (Irrometer CO), instalados casualmente nas linhas de cultivo, a 0,10 m de profundidade e 0,10 m de distância das plantas, totalizando três repetições. As leituras nos watermark foram realizadas entre as 9:00 e 10:00 horas e quando a tensão encontrava-se com valores superiores ou iguais a 25 kPa era realizada uma rega de 0,5 a 3,0 mm. O volume total de água de rega, medido por contadores volumétricos individuais, foi igual para os dois tratamentos ao longo do ciclo. A evolução da humidade volúmica do solo (%) foi medida com uma sonda TDR (Timer Domain Reflectometer) nas camadas de 00,05 e 0-0,10 m, em todas as repetições de cada tratamento.
Aos 21, 35 e 47 DAT determinou-se o número de folhas (NF), área foliar (AF; cm2), massa seca (MS; g), disponibilidade de azoto nítrico (NO3-; ppm) e condutividade eléctrica (CE; µs cm-1) no solo, densidade radical (DRc; cm cm-3) e produção comercial (kg m-2). Para a determinação do NF, AF e MS colheram-se três plantas em todas as repetições. A AF foi determinada por meio de um medidor de área foliar (LICOR LI-3000). Para a MS, as plantas foram separadas em folhas e caule e secas em estufa com ventilação forçada, a uma temperatura de 70 ºC por 2-3 dias e posteriormente pesadas. Para a determinação da concentração de NO3-e da CE, nas camadas de 0-0,10 e 0,10-0,20 m, colheram-se três amostras do solo com um trado manual, junto à linha de cultivo, distanciadas em 0,10 m. Após a secagem e crivagem se determinou o NO3-com um eléctrodo selectivo (Crison, 2002) e a CE, com um condutivímetro (WTW, LF 330).
No momento da colheita, realizada aos 47 DAT, colheram-se 12 plantas em cada repetição para determinação da produção comercial. Nesse momento também foram colhidas amostras de solo mais raízes, nas camadas de 0-0,10, 0,10-0,20 e 0,20-0,30 m, para a determinação da DRc. A colheita foi efectuada paralelamente às plantas com trado manual de 0,10 m de altura e 0,069 m de diâmetro interno. A separação das raízes foi realizada por meio de lavagem mecânica, com um sistema de elutriação hidropneumático (Smucker et al. 1982). O comprimento radical foi medido por um "scanner (Comair) e a DRc calculada pelo quociente entre o comprimento radical e o volume de solo correspondente (216,76 cm³).
Para a avaliação estatística, a diferença entre tratamentos foi verificada com o teste F a 5 % de probabilidade de erro, pelo procedimento PROC GLM do programa estatístico SAS (Statistical Analysis System) (Sas Institute, 1997).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A injecção de ar por meio do injector Mazzei funcionou adequadamente durante o período experimental, mas diminuiu o débito de água (L/h) dos gotejadores. Em função da rega por aspersão de 5,0 mm realizada logo após a transplantação da alface, os teores de humidade do solo na camada superficial (0-0,05 m), para os dois tratamentos foram elevados nas primeiras leituras, e decrescentes até os 26 DAT, quando atingem valores em torno de 3 % (Figura 1a). A partir desta data, permaneceram em torno de zero, ou seja, solo praticamente seco, até o final do ciclo (47 DAT) dificultando o aparecimento de doenças, visto que não foi necessária aplicação de fungicidas. Segundo Marques et al. (2006) a rega gota-a-gota enterrada diminui a humidade na superfície do solo, reduzindo a incidência de doenças de solo e infestações por ervas daninhas. Por outro lado, no sistema de rega por aspersão o humedecimento da parte aérea das plantas e da superfície do solo favorece uma série de doenças, podendo provocar perdas significativas de produção e qualidade de frutos (Marouelli & Silva, 2000) ou das folhas no caso da alface. Entre as doenças mais comuns de cultivos de alface em estufa plástica encontram-se o míldio (Bremia lactucae), a fusariose (Fusarium oxysporum f. sp. Lactucae), o oídio (Erysiphe cichoracearum) e a alternariose (Alternari porri). Na camada de 0-0,10 m (Figura 1b), a humidade do solo, embora não havendo diferenças estatísticas, foi mais elevada no tratamento SAR. O débito normal de água nesses gotejadores pode ter formado um bolbo molhado menor, com a humidade se concentrando mais próxima do gotejador. No CAR, o solo foi sendo humedecido mais lentamente, o que pode ter influenciado na conformação do bolbo, podendo expandi-lo mais em largura do que em profundidade (Singh et al., 2006).
Figura 1 -Evolução da humidade volúmica do solo para os tratamentos com e sem injecção de ar na água de rega nas profundidades de 0-0,05 m (a) e 0-0,10 m (b).
A concentração de NO3-na camada de solo de 0-0,10 m foi semelhante entre os tratamentos (Quadro 1), não havendo diferença significativa. Contudo, pode-se fazer algumas observações relevantes, como a ocorrida aos 21 DAT, em que a concentração de NO3-em todos os tratamentos foi maior em relação às outras duas datas de amostragem no decorrer do ciclo da alface, provavelmente influenciados pelo elevado teor inicial de matéria orgânica presente no solo ou ainda relacionada com as duas aplicações de azoto por meio da fertirrega, realizadas neste período. Ainda, aos 35 e 47 DAT, a concentração média de NO3-na camada 0,100,20 m do solo foi mais elevada no tratamento CAR. Este comportamento pode estar relacionado com o efeito da injecção de ar na nitrificação (Goorahoo et al., 2001). Em solos com pouco arejamento pode ocorrer a desnitrificação, ou seja, a perda de nitratos na forma de gás (Bhattarai, 2004), o que pode ter ocorrido na camada 0,10-0,20 m no tratamento SAR, pois ocorreu uma redução do azoto nítrico.
Quadro 1 Valores médios de azoto nítrico (NO3-) e condutividade eléctrica (CE) nos tratamentos com e sem injecção de ar na água de rega gota-a-gota enterrada nas camadas de 0-0,10 e 0,10-0,20 m em função dos dias após a transplantação (DAT).
A CE foi semelhante em ambos tratamentos não apresentando diferenças significativas (Quadro 1), porém observa-se tendência de aumento dos seus valores na camada de 0-0,10 m e no tratamento SAR, provavelmente em consequência da menor humidade registada na superfície do solo, provocando uma menor dissolução dos iões. Na camada de 0,10-0,20 m, ocorreu um incremento nos valores da CE para o tratamento CAR, comportamento similar ao do NO 3-e possivelmente decorrente do maior arejamento, o qual pode favorecer a relação linear entre os teores de NO3-e CE no solo (Zhang, et al., 2002).
No desenvolvimento do sistema radical, a maior concentração de raízes na cultura da alface foi encontrada na camada de solo de 0-0,10 m, em que a maior DRc ocorreu no tratamento CAR, o qual teve um aumento em 34 % em relação ao tratamento SAR (Quadro 2), comportamento que foi também observado por Bhattarai et al. (2008) nas culturas da soja, grão-debico e abóbora. Esse incremento pode ter sido agregado pelas condições favoráveis que o arejamento proporcionou ao sistema radical da alface, uma vez que as raízes exigem uma oferta adequada de oxigénio para permitir a respiração normal (Everard, 1985).
Quadro 2 Médias das variáveis analisadas nas respectivas datas de amostragem.
Quanto ao crescimento da alface avaliado através da área foliar, matéria seca e produção comercial, verifica-se, no Quadro 2, que os valores destas variáveis foram semelhantes nos dois tratamentos, não apresentando diferença significativa. Porém, na injecção de ar manteve-se a tendência dos valores mais elevados ao longo do ciclo, em relação a rega sem a injecção de ar. A falta de resposta da cultura ao acréscimo de azoto nítrico e de aumento da DRc pode estar relacionada com o curto ciclo da cultura e/ou com o elevado teor de azoto presente no solo, ou ainda devido a profundidade de instalação dos gotejadores. Em soja, cultura de fraco enraizamento em profundidade assim como a alface, Bhattarai et al. (2008) somente obtiveram acréscimos na produção em parcelas com gotejadores colocados a 0,05 m de profundidade. Diante disso, infere-se que os resultados encontrados neste ensaio foram mais influenciados pela espécie cultivada do que pela funcionalidade do injector de ar, visto que o injector funcionou de maneira adequada na rega gota-a-gota enterrada.
CONCLUSÕES
A injecção de ar por meio do injetor Mazzei funcionou adequadamente na rega gota-a-gota enterrada. A rega gota-a-gota enterrada manteve os níveis de humidade na superfície do solo próximos a zero, inibindo a proliferação de patogénios. Aos 35 e 47 dias após a transplantação a concentração de NO3-e CE na camada de 0,10-0,20 m do solo foram mais elevadas no tratamento com a injecção de ar. A densidade radical no tratamento com injecção de ar, na camada de 0-0,10 m do solo, foi 34 % superior em relação a não injecção de ar. A produção comercial não foi afectada significativamente pelos tratamentos, sugerindo-se a necessidade de realização de outro ensaio sob as mesmas condições para aferir os resultados encontrados com a cultura da alface.
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