Bertholletia excelsa Humboldt & Bonpland (Lecythidaceae) é uma árvore heliófita tropical, distribuída descontinuamente em florestas de terra firme (florestas que se desenvolvem em cotas mais elevadas e, portanto , não estão sujeitas a inundações periódicas), desde as Guianas até a Bacia Amazônica. No Brasil é conhecida popularmente por “castanheira-do-Pará”, “castanheira-do-Brasil” ou simplesmente “castanheira”, e ocorre nos estados do Amazonas, Amapá, Maranhão, Roraima, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre (Souza et al., 2008).
A castanheira é uma das árvores mais importantes da região amazônica, sendo uma das mais exploradas por comunidades extrativistas, pela extração da madeira e, principalmente, pelo fruto (amêndoa), muito apreciado tanto no Brasil como no exterior, sendo um dos principais produtos de exportação da região. As amêndoas podem ser consumidas in natura, em doces ou sobremesas (Souza et al., 2008). Ademais, a castanheira é uma espécie promissora para a recuperação de áreas degradadas, por ter um bom desempenho de crescimento em condições edafoclimáticas adversas e por apresentar poucos problemas fitossanitários (Salomão et al., 2014).
Ainda que a castanheira seja uma espécie arbórea com reduzidos problemas fitossanitários (patógenos e pragas), há relatos de surtos populacionais de lepidópteros na Amazônia brasileira que causam intensa desfolha e comprometem a produção nos anos subsequentes à infestação (Ronchi-Teles, 1991; Thomazini & Reis, 2008; Haugaasen, 2009). Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é registrar um surto populacional de lagartas em castanheiras-do-Brasil no município de Xapuri, estado do Acre, sudoeste da Amazônia brasileira.
O registro decorreu de observações realizadas em junho de 2018, por ocasião de uma visita técnica ao Polo Agroflorestal Raimundo Nonato de Araújo, Ramal Variante, km 11, Lote 6 (10º43’30,8” S; 68º27’05,3” O), localizado no município de Xapuri, estado do Acre, Brasil.
Na oportunidade, foi observado intenso desfolhamento em quatro castanheiras adultas em produção (mais de 15 anos de idade), cultivadas em quintal agroflorestal, visando ao extrativismo dos frutos. As árvores não receberam qualquer tipo de controle, cultural ou fitossanitário, desde que foram plantadas no local. Ainda, foi verificada a presença de lagartas e pupas em folhas das castanheiras (Figuras 1A e 1B).
Com auxílio de podão com cabo telescópico, folhas contendo lagartas e pupas foram retiradas das árvores, acondicionadas em caixa de isopor e transportadas ao Laboratório de Entomologia da Embrapa Acre. Em laboratório, seis lagartas e duas pupas foram acondicionadas em caixa de criação telada, até a emergência dos adultos, sendo a gaiola inspecionada diariamente.
Após cerca de 20 dias, houve emergências de três mariposas (2♂ e 1♀) as quais foram identificadas como Lusura chera (Drury, 1773) (Lepidoptera: Notodontidae) (Figura 2), com base em comparações com as descrições originais da espécie e seus sinônimos, segundo o checklist de Becker (2014). Atualmente, Lusura altrix (Stoll, 1780) é considerada sinônimo júnior de L. chera (Becker, 2014), portanto, todos os registros anteriores de L. altrix em B. excelsa (Ronchi-Teles 1991; Thomazini & Reis, 2008; Haugassen, 2009) referem-se a L. chera. Os espécimes foram depositados na Coleção Entomológica da Embrapa Acre.
A maior concentração de espécies da família Notodontidae encontra-se nos trópicos, sendo registradas 531 espécies no Brasil (Duarte et al., 2021). As mariposas apresentam densa pilosidade abdominal e as lagartas possuem como espécies hospedeiras, monocotiledôneas e dicotiledôneas, sendo a maioria lenhosas (Miller, 1992), embora poucas espécies sejam consideradas pragas florestais no Brasil (Kowalczuck et al., 2012). A lagarta de L. chera possui cabeça vermelha distinta, com corpo amarelo e exibem listras preto-acastanhadas nas laterais e no dorso (Figura 1A). A superfície dorsal das lagartas também exibe uma série de escolos defensivos nos segmentos corporais anterior e posterior (Haugaasen, 2009). Essas características foram observadas nas lagartas coletadas em castanheira no presente trabalho e são compatíveis com a descrição original da espécie.
Lusura chera já havia sido relatada infestando castanheiras no município de Rio Branco, AC, por Thomazini & Reis (2008) e, em castanheira-do-Brasil e ingazeiro (Inga sp., Fabaceae) no município de Manaus, AM, por Ronchi-Teles (1991). No entanto, esses relatos só foram publicados na forma de resumos simples, em congressos científicos.
Também na Amazônia brasileira, Haugaasen (2009) observou uma intensa infestação de L. chera em castanheiras nativas nas proximidades do baixo Rio Purús, estado do Amazonas. O autor discorre que infestações desse inseto são relatadas pelos extrativistas da região por décadas, reforçando que L. chera é uma praga sazonal e ocorre em surtos populacionais esporádicos. Ademais, afirma que, por observação visual, entre 80% a 95% das plantas adultas estavam afetadas, com cerca de 50% de desfolha, indicando o alto potencial danoso deste inseto. No presente trabalho, também por observação visual, foi verificada desfolha acima de 50% nas árvores infestadas.
Segundo Mérida (2004), na Bolívia os danos causados pelas lagartas de L. chera em B. excelsa são observados nas folhas, pecíolos, frutos jovens e ramos e consistem em cortes irregulares de diferentes tamanhos, que variam de acordo com o estado de desenvolvimento das lagartas e com o nível populacional do inseto na área. Segundo o autor, o principal dano causado é a queda acentuada de frutos jovens em árvores fortemente atacadas.
Apesar de no Brasil não haver nenhum produto fitossanitário registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para o controle de L. chera em castanheira, alguns parasitoides taquinídeos (Diptera: Tachinidae) e himenópteros foram verificados em pupas de L. chera por Thomazini & Reis (2008), embora não identificados em nível específico. Também foi observada uma epizootia de vírus da poliedrose nuclear (VPN) em lagartas de L. chera em ingazeiro por Ronchi-Teles (1991). A autora também constatou a presença de himenópteros parasitoides de ovos (Tetrastichus sp., Eulophidae) e de lagartas (Meteorus sp., Braconidae), este último apresentando índice de parasitismo de 25%. No presente trabalho, também foi constatada a presença de algumas lagartas aparentemente com sintomas de virose (flácidas) (Figura 1A).
Considerando-se a importância socioeconômica da castanheira para os povos da Amazônia e o expressivo desfolhamento causado por L. chera, reforça-se a necessidade da realização de pesquisas para conhecer sua distribuição geográfica na região, elucidar os fatores envolvidos em seus surtos populacionais, identificar seus inimigos naturais e mensurar os prejuízos econômicos causados. Com base nessas informações, será possível desenvolver estratégias de monitoramento e controle, com a finalidade de mitigar os prejuízos ocasionados por esta praga em castanhais na Amazônia.