INTRODUÇÃO
A produção de amêndoa é uma atividade economicamente importante nos países mediterrânicos. Em Portugal, tradicionalmente esta espécie era sobretudo cultivada no Algarve e na Terra Quente Transmontana (Monteiro et al., 2003), regiões onde além da importância económica é também parte importante da paisagem (Santos e Teixeira, 2020). A área de amendoal duplicou entre 2014 e 2021 e a produção teve um crescimento de cerca de 3,5 vezes (INE, 2021). Esta cultura tem assumido uma posição de destaque por parte de regiões que tradicionalmente não eram produtoras de amêndoa, havendo um investimento em pomares com elevada densidade de plantação e o recurso a novas variedades e porta-enxertos, a par da introdução do regadio e de novas tecnologias. Em Portugal, a amêndoa tem grande importância a nível económico e gastronómico, visto que é largamente utilizada como parte do padrão alimentar da dieta mediterrânica e contribui para a economia das regiões mais desfavorecidas.
A cultura é atacada por vários artrópodes-praga que podem contribuir para a redução quantitativa e qualitativa da produção de amêndoa. Em Trás-os-Montes, as principais espécies de artrópodes que podem atacar a amendoeira causando, em alguns casos, prejuízos significativos, são hemípteros das famílias Tingidae (Monosteira unicostata Mulsant e Rey, 1852), Aphididae (Myzus persicae Sulzer, 1976, Brachycaudus amygdalinus Schouteden, 1905 e Cicadellidae (Asymmetrasca decedens Paoli 1932, Fruticidia bisignata Mulsant & Rey 1855; lepidópteros (Anarsia lineatella Zeller 1839, Grapholita molesta Busck, 1916, Cossus cossus Linnaeus, 1758. e Zeuzera pyrina Linnaeus, 1761; e coleóptero (Capnodis tenebrionis Linnaeus, 1761.) (Santos et al., 2017; Rodrigues et al., 2020).
Os inimigos naturais, antagonistas ou auxiliares, são organismos que atuam como reguladores das populações de pragas, frequentemente diminuindo a sua densidade populacional a níveis mais baixos do que aquele que normalmente ocorreria na sua ausência. Os auxiliares precisam de alimento e de abrigo e são bastante vulneráveis aos pesticidas mais tóxicos. Para que sejam eficazes na limitação natural das pragas, esses artrópodes auxiliares têm de estar presentes na cultura ou próximo dela quando a praga inicia o seu ataque (Ferreira e Cunha-Queda, 2022).
O crescimento das populações de pragas pode ser influenciado tanto pelas condições meteorológicas quanto pelas interações multitróficas com o complexo de artrópodes que coexistem na copa das amendoeiras, e contribuem para manter os níveis de pragas abaixo do nível económico de ataque. No entanto, o conhecimento sobre a biodiversidade desses inimigos naturais associados à amendoeira e principalmente sobre a sua ação, é escasso (Benhadi-Marin et al., 2011).
Compreender como as comunidades de artrópodes se estruturam em pomares de amendoeiras pode ser útil nas escolhas de técnicas para o controlo biológico natural. Preservar e aumentar a abundância e biodiversidade funcional é de interesse crítico para o desenvolvimento de estratégias que promovam a agricultura sustentável (Jacobson et al., 2019).
No caso do amendoal, a fauna auxiliar poderá ser importante na dinâmica de pragas como A. lineatella, G. molesta M. unicostata, Z. pyrina e C. cossus, sendo um fator importante na regulação das suas populações (Pereira, 2009). De entre os predadores generalistas, são citados indivíduos das famílias Coccinellidae, Syrphidae, Chrysopidae, Antocoridae, Araneae e Formicidae, como podendo desempenhar um papel importante na limitação natural dos insetos considerados praga da cultura da amendoeira (Santos et al., 2017).
De entre os parasitoides, espécies das famílias Braconidae e Pteromalidae são citadas para controlo de A. lineatella (Sarto et al., 1995; Santos et al., 2017). Para G. molesta a utilização de espécies do género Ascogaster que atacam as lagartas, e do género Trichogramma, importantes parasitoides de ovos, pode ser uma alternativa para diminuir o nível populacional da praga (Garcia et al., 2006; Arioli et al., 2013). Guerrieri e Noyes (2005) citam espécies do género Copidosoma com potencial para serem utilizadas como agentes de biocontrolo de Z. pyrina.
Para o controle biológico de ácaros pode-se utilizar ácaros predadores da família Phytoseiidae (Santos et al., 2017). Em relação a M. unicostata, a informação existente quanto a predadores e parasitoides é escassa e não específica.
O objetivo do trabalho foi comparar a abundância e a diversidade das comunidades de artrópodes, em pomares de amendoeira com diferentes métodos de gestão das infestantes (solo mobilizado e solo com presença de coberto vegetal, destroçado), na região de Trás-os-Montes, sendo dado especial relevo à diversidade funcional.
MATERIAL E MÉTODOS
Descrição dos pomares
A parte experimental do presente estudo realizou-se em 2020, em dois amendoais de sequeiro em modo de produção biológica. O primeiro situado na freguesia de São Salvador, Mirandela, a uma altitude de 350 metros, sendo que a área da parcela onde se realizou o ensaio tem 2.0 ha, inserido numa mancha de amendoal. As amendoeiras da variedade Laurrane (80%) e Francoli (20%), possuem porte médio dispostas num compasso de plantação de 6 x 6 metros, numa encosta com alguma inclinação, voltada a poente. O solo é um leptossolo êutrico com textura franca. O pomar (CCV) possui coberto vegetal natural composto predominantemente por Bromus sp, Sonchus sp. e Jasione sp. que desenvolveram-se até a fase reprodutiva no pomar. O segundo amendoal está situado na freguesia de Bornes, Macedo de Cavaleiros, a uma altitude de 645 metros, sendo que a área da parcela onde se realizou o ensaio tem 4,0 ha. As amendoeiras são todas da variedade Laurrane, possuem porte médio, dispostas num compasso de plantação de 6 × 5 metros, numa encosta com alguma inclinação, voltada a sul. O solo é um leptossolo êutrico com textura franca. A gestão das infestantes é feita com recurso a mobilizações superficiais (SCV), normalmente duas, no início e fim da primavera.
Método de Amostragem
A avaliação do efeito do método de gestão da vegetação na entomofauna realizou-se através da técnica das pancadas, quinzenalmente, entre os meses de abril e setembro de 2020.
Amostram-se 25 árvores, dois ramos por árvore, duas abanadelas por ramo. As árvores foram selecionadas de forma totalmente aleatória dentro de cada um dos pomares, com o objetivo de obter 25 amostras representativas de cada uma das parcelas.
Após a recolha, o material foi transportado numa mala térmica com gelo e no laboratório foi logo colocado numa arca congeladora. Posteriormente, as amostras foram colocadas em tabuleiros com os sacos abertos para facilitar a secagem da amostra. Depois do material seco, os artrópodes foram identificados com auxílio da lupa binocular, até ao mais baixo nível trófico possível.
A estrutura da comunidade de artrópodes nos dois amendoais foi avaliada em termos de abundância, riqueza e diversidade. Todas as análises estatísticas foram realizadas no ambiente R (R studio 4.3). Para a comparação de médias entre grupos recorreu-se ao teste não paramétrico Kruskal-Wallis, usando também o programa estatístico R (R studio 4.3).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No total foram capturados 13.709 artrópodes pertencentes à classe Insecta, de dez ordens e à classe Arachnida, de duas ordens. O amendoal com coberto vegetal (CCV) apresentou maior número de artrópodes (p<0.001), com 9.255 indivíduos, enquanto no amendoal sem coberto vegetal (SCV) foram capturados 4.454 indivíduos (Quadro 1).
Estudos anteriores (Serra et al., 2006; Silva et al., 2010; Finney e Kaye, 2017; de Pedro et al., 2020) demonstraram que as coberturas vegetais permitem a existência de uma artropofauna mais abundante em pomares de fruteiras em comparação a pomares sem coberto vegetal. Porém, considerando o crescente interesse em infraestruturas verdes para a conservação da biodiversidade em terrenos agrícolas, há relativamente pouca informação sobre o impacto das culturas de cobertura na diversidade de artrópodes em pomares de amendoeiras (de Pedro et al., 2020).
O pomar CCV apresentou maior de indivíduos de Araneae (p<0.001), Hemiptera (p=0.003) e Neuroptera (p=0.007), enquanto o pomar SCV apresentou maior número de Coleoptera (p<0.001) e Hymenoptera (p<0.001). A ordem Hemiptera foi o grupo mais abundante nos dois pomares, representando mais de 63% dos artrópodes capturados na técnica das pancadas. Esta ordem também foi a mais abundante em outros ensaios em Trás-os-Montes (Pereira et al., 2007; Rodrigues et al., 2020). No pomar CCV, 91.7% dos hemípteros são da espécie M. unicostata, enquanto no pomar SCV essa espécie representou 52.11% do total de indivíduos capturado. Monosteira unicostata, considerada praga-chave da amendoeira na região de Trás-os-Montes, possui atividade fitófaga tanto na fase adulta como no estádio de ninfa, sugando o conteúdo celular das folhas. O ataque pode levar a um enfraquecimento da árvore, perda de folhas e diminuição na colheita por afetar o desenvolvimento normal e a maturação dos frutos (Arquero, 2013; Baspinar et al., 2018).
CCV | SCV | p-value | |
N | N | ||
Araneae | 1612 a | 834 b | <0.001 |
Coleoptera | 337 b | 817 a | <0.001 |
Anthicidae | 1 b | 321 a | <0.001 |
Carabidae | 21 b | 126 a | <0.001 |
Chrysomelidae | 21 a | 44 a | 0.257 |
Coccinellidae | 214 b | 274 a | 0.033 |
Curculionidae | 23 a | 24 a | 0.559 |
Phalacridae | 54 a | 25 a | 0.281 |
Outros | 3 a | 3 a | NA |
Hemiptera | 6706 a | 1944 b | 0.003 |
Aphididae | 16 a | 26 a | 0.454 |
Aphrophoridae | 7 a | 12 a | 0.842 |
Cicadellidae | 503 b | 839 a | <0.001 |
Lygaleidae | 2 a | 5 a | NA |
Tingidae | 6149 a | 1013 b | <0.001 |
Outros | 29 a | 49 a | 0.352 |
Hymenoptera | 322 b | 579 a | <0.001 |
Outros | 27 a | 37 a | 0.14 |
Formicidae | 112 a | 50 b | 0.047 |
Parasitoide | 183 b | 492 a | <0.001 |
Neuroptera | 123 a | 111 b | 0.007 |
Chrysopidae | 36 a | 82 a | 0.551 |
Larvas | 87 a | 29 b | <0.001 |
Dermaptera | 89 b | 112 a | <0.05 |
Orthoptera | 6 a | 1 a | NA |
Psocoptera | 60 a | 56 a | 0.115 |
Total Geral | 9255 a | 4454 b | <0.001 |
Valores seguidos pela mesma letra não diferem estaticamente entre si pelo teste de Kruskal-Wallis a 5%.
No pomar CCV, as maiores capturas de hemípteros observaram-se sobretudo a partir de junho. Entre o final de agosto e outubro, M. unicostata dominou as capturas com poucos indivíduos de outras ordens. No pomar SCV, a dominância de hemípteros foi menor (Figura 1). As flutuações ao longo do período de amostragens são semelhantes aos observados por Rodrigues et al. (2020).
O pomar CCV apresentou maior número de artrópodes fitófagos (p<0.001) e predadores (p<0.01). Não houve diferença entre polinizadores e fungívoros (Figura 2). Dentre os fitófagos, o pomar SCV apresentou maior abundância de Cicadellidae (p<0.001) e o pomar com CCV maior frequência de insetos da família Tingidae (p<0.001).
Os inimigos naturais apresentam uma resposta positiva à complexidade da paisagem e o uso de plantas de cobertura cria microclimas favoráveis que podem tornar-se habitats adequados para predadores, o que pode explicar a maior abundância desse grupo no pomar com coberto vegetal. Uma maior abundância de predadores em pomares de fruteira com presença de cobertura vegetal também foi relatada por outros autores (Sanguankeo, 2011; Birkhofer et al., 2015; Gómez-Marco et al., 2016; Sommaggio et al., 2018).
As aranhas (Araneae) observaram-se com maior abundância no pomar CCV (p<0.001), mas foram o grupo de predadores com maior número de capturas nos dois pomares, representando 74.11% no pomar CCV e 48.71% no pomar SCV, estando presentes em todas as amostragens nos dois pomares. Esse grupo de predadores também foi o mais abundante em estudos anteriores (Pereira et al., 2007; Pereira, 2009; Benhadi-Marin et al., 2011; Rodrigues et al., 2020). Porém, o pico de ocorrência observou-se um pouco mais precoce do que nesses estudos (Figuras 3 e 4). Resultados distintos dos observados neste ensaio foram relatados por Cárdenas et al. (2015) que não encontraram diferenças significativas na diversidade de aranhas entre pomares com o solo com cobertura e pomares com o solo mobilizado.
O número de himenópteros parasitoides foi significativamente maior (p<0.001) no pomar sem coberto vegetal, ao contrário do que foi observado noutros estudos (Eilers e Klein, 2009; Silva et al., 2010; Nitschke et al., 2017). Embora o aumento da diversidade de plantas tenha aumentado significativamente a diversidade de artrópodes predadores, a diversidade local de fitófagos também foi superior. Siemann et al. (1998) sugerem que aumentando a diversidade de plantas também poderia aumentar a diversidade de níveis tróficos superiores diretamente pelo aumento da diversidade de recursos florais que muitos artrópodes fitófagos e predadores utilizam ou requerem.
O período de maior ocorrência de predadores registou-se de junho a setembro no pomar CCV (Figura 3) e em maio/ junho e agosto/setembro no pomar SCV (Figura 4). Os indivíduos mais abundantes pertencem às ordens Araneae, Coleoptera (Coccinellidae), Neuroptera e Hymenoptera (Formicidae) com dados similares nos dois pomares amostrados, exceto a grande presença de indivíduos Coleoptera (Anticidae) no pomar SCV. Esses resultados são concordantes com a pouca bibliografia disponível (Benhadi-Marin et al., 2011; Santos et al., 2012; Rodrigues et al., 2020).
Não se observaram diferenças significativas na flutuação ao longo do período de amostragem dos demais auxiliares nos dois pomares estudados. Os himenópteros parasitoides foram capturados em maior abundância de julho a setembro nos dois pomares, as formigas em agosto. Os coccinelídeos apresentaram alguma variação, aparecendo em maiores quantidades em julho e agosto no pomar SCV e até setembro no pomar CCV.
Em relação à biodiversidade, o índice de diversidade de Simpson foi significativamente maior na presença de coberto vegetal (p<0,01) O pomar SCV apresentou um índice de 0,5241 e o CCV 0,854 Resultados similares foram relatados por outros autores ao estudar a diferença na diversidade de artrópodes em pomares com área de solo descoberto e com presença de coberto vegetal em pomares de pereiras (Rieux et al., 1999) e vinhedo (Sáenz-Romo, 2019). As plantas de cobertura podem aumentar a disponibilidade de recursos como pólen, néctar, hospedeiro alternativo e abrigo permitindo sustentar uma comunidade rica de inimigos naturais que podem eventualmente mover-se para parcelas de cultivo adjacentes e aí exercer um efeito benéfico (Corbett, 1998; González-Chang et al., 2019).
CONCLUSÕES
No presente trabalho, verificou-se que as plantas de cobertura tiveram um efeito significativo na diversidade de artrópodes, com a maioria dos principais grupos de artrópodes significativamente afetada pela presença de uma cobertura vegetal.
O pomar com coberto vegetal apresentou maior número de indivíduos Araneae, Hemiptera e Neuroptera, enquanto no pomar com solo mobilizado detetou-se um maior número de indivíduos Coleoptera e Hymenoptera.
Quanto aos grupos funcionais, o pomar CCV apresentou maior número de artrópodes fitófagos e predadores, não se tendo observado diferenças significativas entre polinizadores e fungívoros.
Os resultados do presente trabalho indicam que a presença de cobertura vegetal aumenta a biodiversidade de artrópodes em pomares de amendoeira. De facto, o índice de diversidade de Simpson foi significativamente maior na presença de coberto vegetal, com uma maior dominância de hemípteros, nomeadamente da praga M. unicostata.