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CIDADES, Comunidades e Territórios
On-line version ISSN 2182-3030
CIDADES no.26 Lisboa June 2013
https://doi.org/10.7749/citiescommunitiesterritories.jun2013.026.art04
ARTIGO ORIGINAL
A Participação Social como Mecanismo à (re)Construção da Democracia: Juntos, Portugal e Brasil. O orçamento participativo como instrumento viabilizador das transformações urbanas numa democracia
Social Participation as a Mechanism for the (re)Construction of Democracy: Together, Portugal and Brazil. Participatory budgeting as an enabler for urban transformation in democracy
[I]Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, Brasil. e-mail: gurgel.c@ig.com.br
RESUMO
O trabalho analisa numa primeira parte algumas questões acerca da democracia participativa e cidadania de forma ampla, e na atualidade de Portugal e Brasil; inserindo o Orçamento Participativo- OP- nesse contexto e seu desenvolvimento institucional. Numa segunda etapa, apresenta considerações das experiências de Porto Alegre RS- Brasil e a do Concelho de Cascais- Lisboa, Portugal.
Palavras-chave: Orçamento Participativo; Democracia e Leis Municipais
ABSTRACT
This paper begins by analyzing a few questions about participatory democracy and citizenship in a broad manner, in Portugal and Brazil, in present times, inserting the Participatory Budgeting in this context and its institutional development. In a further stage, it presents considerations concerning experiences of Porto Alegre, RS, Brazil and the Municipality of Cascais, Lisbon, Portugal.
Keywords: Democracy and Citizenship, Participatory Budgeting; Cascais and Porto Alegre; Portugal and Brazil
Desconfiai do mais trivial, na aparência singela. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar. (Bertolt Brecht)
1. Introdução
O artigo analisa primeiramente o
fortalecimento da democracia participativa em Portugal e no Brasil à luz dos
ensinamentos da melhor doutrina e na estreita vinculação aos ditames
constitucionais. Dos vários instrumentos de participação ativa dos cidadãos no
cenário político-institucional, destaca-se nesse trabalho o Orçamento
Participativo (doravante denominado de OP).
O trabalho estáestruturado em duas
partes; na primeira parte abordam-se os conceitos doutrinários e os fundamentos
constitucionais que legitimam as práticas de participação, em especial a do OP
nos dois países, contextualizados nas democracias representativas e participativo-deliberativas,
com enfoque nos ensinamentos de Jürgen Habermas que convergem para o
fortalecimento, quer da democracia, quer do seu êxito como prática social e
política.
Numa segunda parte, apresentam-se as
experiências da cidade de Porto Alegre, Brasil, e a do concelho de Cascais, Portugal,
suas principais características, sendo o objeto central da investigação a
experiência de Cascais, propondo-se descrever seu processo de implementação, os
dados e resultados e, numa etapa final algumas conclusões.
Para essa análise, optou-se por extrair
os dados relevantes das experiências, tomando como base quatro dimensões e suas
respectivas variáveis e indicadores, seguindo a orientação do relatório da rede
URBAL N. 9[3], a saber:
I. Dimensão participativa: participação popular e participação comunitária,
instâncias de controle de execução do orçamento e de aprovação das obras,
orçamento participativo e gênero (consultivo ou deliberativo), instância de
aprovação final.
II. Dimensão normativa (jurídico-legal): o grau de
formalização e de institucionalização, instrumentos de formalização e/ ou
institucionalização, relações entre orçamento participativo e outros
instrumentos de planeamento.
III. Dimensão do nível de participação dos governos locais: a ancoragem
institucional do orçamento participativo na máquina administrativa, o grau de
adequação da máquina administrativa e as exigências dos orçamentos
participativos e, os canais e métodos para a divulgação dos resultados,
IV. Dimensão financeira: valor dos recursos debatidos, relação entre orçamento
participativo e recomendação fiscal.
2. Conceitos
e aspectos constitucionais
2.1 Democracias Representativa e Participativa: A
Participação ativa nas Constituições Portuguesa e Brasileira - uma
trajetória
Os anos 80 do século passado
levaram, forçosamente, tanto Portugal quanto o Brasil a enfrentarem os desafios
sociais e políticos que os aguardavam depois de anos de um regime
centralizador, direcionando-os para a preparação para um novo milênio. A
revolução de 25 de abril de 1974, e sua sequência, sem dúvida foi o marco que
rompeu com o passado e direcionou Portugal para o futuro. No Brasil, uma
vintena de anos após o golpe militar de 1964, que fez instalar um governo
centralizador e ditatorial, houve a volta gradual em 1985 ao regime
democrático, mas a ruptura total só veio em 1988, com a promulgação de uma nova
Constituição - chamada de Carta Cidadã. Nessa época, nos países vizinhos
do cone sul, os ventos da primavera
democrática também se faziam anunciar.
Para tanto, profundas
transformações deveriam ser iniciadas e consolidadas num curto espaço de tempo,
com fito de resgatar, de entre tantos outros direitos, o pleno exercício e gozo
dos direitos e valores universais que, afastados ou retirados por um regime político centralizador, este
não teve a força suficiente para apagá-los da memória do povo. Por certo, a
cada nova Constituição promulgada surge um novo Estado, na esperança de ser um
verdadeiro Estado Democrático de Direito, onde as lutas pela liberdade e pela
igualdade que no passado histórico marcaram os ideais revolucionários de um
povo, tendiam a concretizar e a revelar ao mundo
democrático a necessidade perene de que esses valores estivessem presentes
no cenário político de cada País.
De entre tantas reflexões acerca do
Estado Democrático de Direito, hodiernamente marcam presença os debates que
analisam as relações entre o Poder estatal e a sociedade, em especial atenção à
participação cidadã nos debates públicos, com primazia à efetividade dos
valores universais ditados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, fonte inspiradora para a grande maioria das atuais Constituições
ocidentais. Esquematizada num arcabouço axiológico passou, a partir da década
de 50 do século findo, a ditar os alicerces institucionais de muitos países,
objetivando uma aliança na defesa irrenunciável aos direitos humanos
fundamentais, na construção de uma vida digna aos cidadãos, cujo elenco lhe
confere a máxima da concretização, como afirma no seu artigo 1.º - Todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de
razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade - afastando por completo os atos que afrontem à dignidade do Homem.
As Cartas dos Países de regime
democrático que vieram a ser criadas após 1948, em especial Portugal (1976 e
posterior alteração) e Brasil (1988), tornaram presentes no decorrer de seus textos um rol de direitos e
deveres que tomaram como eixo central o valor atribuído à dignidade da pessoa;
jáno viés do ser político, sua
condição primacial de sujeito portador do efetivo exercício dos direitos
inerentes à cidadania foi além do sufrágio universal e, em boa hora, esses países
se alinharam à participação direta dos citadinos como eixo político nas
escolhas e decisões políticas.
Ao longo das últimas décadas,
muitos estudos se debruçam sobre a análise dos movimentos sociais e o seus
reflexos na consolidação dos ideais democráticos. Vislumbrou-se assim emergirem
desses movimentos questões acerca da construção de um novo desenho do regime
democrático, em total observância aos ditames universais e às idiossincrasias
da realidade social de cada povo. Dessa forma, analisa Citadino (2009), que o
pluralismo, tanto político quanto social, marca as sociedades contemporâneas e
preocupa-se em quebrar a crença de que jánão é mais possível ter uma única ideia substantiva acerca
do bem comum a ser compartilhado por todos. Com significações distintas, o
termo pluralismo, ora descreve a sociedade construída sobre a diversidade de
concepções individuais acerca da vida digna, fonte do pensamento liberal ora a
do pensamento comunitário, característica de uma sociedade moderna marcada por
uma multiplicidade de identidades sociais e de culturas étnicas e religiosas
(Cittadino, 2009).
As
iniciativas dos diversos segmentos sociais na construção de um ideário de
Estado Democrático deram origem às formulações legais, leia-se, Pactos Sociais, empenhados em abarcar
essa multiplicidade de identidades e
foram uma das principais molas
propulsoras para que fossem efetivadas as mudanças almejadas pelo povo. Háprincípios,
valores, e legítimos interesses a serem acautelados pelo Estado, mas hátambém
o dever de atenção à dinâmica da vida coletiva. Com arrimo nos textos formais,
as questões acerca da cidadania não podem deixar de ocupar um lugar cimeiro na
realidade de sempre, e nos dias atuais, diante das mutações sociais, não pôde a
Constituição deixar de regular ou prever novas questões, abrir novos caminhos,
perspectivas e propostas na direção ao efetivo exercício da cidadania, ao que
se denomina direitos de Cidadania,
onde seu exercício só pode ser efetivado na Democracia.
Sem embargo, a partir do século XVIII e
defendido ao longo dos séculos, surgiram as Democracias indiretas ou
representativas onde a adoção desse modelo implica, necessariamente, a
aceitação, por parte dos governantes, da vontade da maioria, por meio dos seus
representantes, em lugar da soma de vontades individuais dos detentores do
Poder. Norberto Bobbio chama a atenção para as ideias iniciais desta
democracia, nascida da convicção de que os representantes eleitos pelos
cidadãos estariam em melhores condições de avaliar quais seriam os interesses
gerais da coletividade a serem protegidos, alcançando assim os fins nos quais a
soberania popular fora predisposta. (Bobbio, 1990: 32).
Contudo, desde meados do século XX, a sociedade civil em tempos atuais, pelas conquistas históricas de
conscientização democrática passou a exigir mudanças na estrutura dos governos
representativos, impondo uma incisiva participação ativa nas questões públicas,
na crença em novos movimentos
sociais democráticos, para que mudanças
significativas acontecessem. Nesse sentido, parte-se do pressuposto que no
século XXI a democracia somente representativa não mais atende à plena
concretização do princípio democrático, sendo necessário evoluir com um olhar
atento às novas ondas da democracia e aos mecanismos que atestem sua
efetivação. Acompanhando esta tendência, Portugal e Brasil não ficaram ao largo
dessas questões, que, alhures, jáestavam consolidadas pelo contrário,
fortaleceram os elos na adoção duma participação mais ativa da sociedade nas
escolhas públicas ao lado dos representantes eleitos, inaugurando nesses países
uma nova face da democracia, ao amplear a tradicional democracia
representativa, alargando as bases para uma democracia também próativa direta.
Assim, conforme
refere Bobbio, na passagem da democracia dos gregos à democracia dos modernos,
a alteração se deu não no que diz respeito ao titular do poder político, que
sempre seráo povo, mas no modo, mais ou menos amplo, de exercer o direito de
tomar decisões coletivas (Ibidem: 34); é a era da liberdade de pensar,
religião, das escolhas políticas, das associações, do diálogo público e da
participação (Bobbio, 1990). A democracia passa a ser entendida como um direito
fundamental de quarta geração ou de quarta dimensão, na esteira das dimensões
dos direitos fundamentais, ao lado dos direitos à informação e do pluralismo. (Bonavides,
2001: 278).
Em Portugal e no
Brasil, a praxis da participação foi
transposta para a esfera jurídico-institucional, notadamente através da
promulgação das últimas Constituições (respectivamente artigos 2.º e 1.º; vide
anexo - tabelas 1 e 2). Com base na história dos movimentos sociais e sindicatos
e moduladas pelos princípios garantidores dos direitos fundamentais e do Estado
de Direito, e na interpretação e aplicação desses dispositivos se passou a legitimar os novos
mecanismos de participação direta que surgiram nos dois países. Foi nesse
contexto que o OP foi desenvolvido.
Importante é destacar nas Constituições de Portugal
e Brasil os dispositivos que fundamentam e legitimam a institucionalização, nos
demais níveis de Poder, dos arranjos e experimentos de participação social,
voltados às linhas programáticas duma participação direta nas questões
públicas.
No estudo do tema
"participação", o que merece atenção é o que envolve a terminologia que se
emprega. Nesse sentido, participação
pública, é um termo de maior amplitude, em regra empregado em
processos que pouco mais são consultivos e informativos do que propriamente
participativos, pelos quais a Administração local[4] informa população
sobre questões que pretende concretizar, decididas no âmbito dos gabinetes, ou
realiza consultas públicas sobre questões pontuais. Por conseguinte, esses
processos, que malgrado sejam de extrema valia para as práticas democráticas,
não são significativamente participativos, pois a participação é limitada, disso
difere da participação direta e ativa da sociedade em que se permite uma
percepção da realidade e dos problemas em ações conjuntas com o "Poder local"
na solução das demandas.
Assim, a cidadania
ativa, em sentido estrito, refere-se a um grau mais elevado do desenvolvimento político, que juntamente com a
Administração local, participa
as escolhas públicas. De qualquer forma,
na análise da Constituição Portuguesa reconhece-se por um lado, um rol
extensivo de artigos que privilegiam a participação pública, o que só fortalece
os ideais democráticos e os elos entre cidadão e poder Público, por outro lado,
com base nos princípios de uma sociedade justa e fraterna, a democracia participativa
portuguesa vem expressamente referida no artigo 2.º, tomando acento como o
principal fundamento jurídico para fomentar, nos demais níveis de Poder, os
instrumentos e arranjos participativos que vieram a ser criados a partir de
então. (cf. anexo - tabela 2).
No Brasil, nos moldes do exemplo português, o Constituinte
brasileiro de 1988 não se
afastou do compromisso de indicar os modelos de participação pública (entendida
de forma ampla), que para além dos tradicionais mecanismos de
participação popular - plebiscito, o referendo e a iniciativa popular inovou ao
disciplinar as audiências
públicas, bem como de forma
expressa, abarcou o modelo de democracia participativa passando esse ser o fundamento jurídico
para novos experimentos participativos. (cf. anexo - tabela 2; vg, parágrafo único do artigo
primeiro).
Por essas considerações, não se duvida que as
Constituições Portuguesa e Brasileira projetaram uma racionalidade construtiva
ao modelo de democracia direta, que passou a ser construído em cada um desses
países, a partir da pujança dos arranjos sociais que foram formados,
possibilitando a criação de novos experimentos além dos tradicionais de
participa&c cedil;ão pública. Nesse ambiente, o OP nos dois países, foi desenvolvido e
adaptado às realidades locais em cada experimento surgido ao longo dos anos.
2.2 O Orçamento Participativo como instrumento da cidadania ativa: conceitos e caracterização
Como produto das
interações entre Estado e Sociedade, a experiência do Orçamento Participativo
desde o seu início se apresentou no cenário jurídico-político como proposta
alternativa para um novo formato institucional de discussão e decisão acerca do
orçamento público local. Neste modelo, a sociedade organizada decide
prioridades de investimentos a serem realizadas a cada ano, em regra obras e
serviços, com recursos provenientes de parcela do orçamento local anual; tudo
na perspectiva duma democratização das instituições administrativas, passando a
sedimentar novas regras à participação cidadã nos debates das questões
públicas.
A experiência pioneira do OP se deu na
cidade de Porto Alegre- Brasil em 1989, e depois em muitas outras cidades
brasileiras, alastrando nos países do Cone Sul, prosseguindo na Europa e mais
recentemente na áfrica. Na Europa, Portugal desde a década de 90 é o país com
maior visibilidade no desenvolvimento e aprimoramento desse modelo de
participação. De entre as experiências portuguesas destaca-se a do Concelho de
Cascais, como sendo uma das mais recentes, tendo o seu primeiro ciclo ocorrido
em 2011, e em 2013 o terceiro. Com características peculiares é, sem olvidar
outros exemplos, um contributo português à democracia.
No contexto
histórico, lembra Avritzer (2003) que
as bases do OP na experiência pioneira da cidade de Porto Alegre (1989-Brasil),
tiveram 4 pilares estruturais que, passadas mais de duas décadas, estão de
certa forma presentes nos mais diferentes experimentos de que se tem notícias.
Nesse ponto, primeiro o OP reforça a ideia de democracia de alta
intensidade, pois como instrumento inclusivo, atores sociais de
preferências fortes, como as associações de bairro, bem como os cidadãos
comuns, passaram a ter um papel de destaque nas arenas participativas, num
processo de negociação e deliberação com o Estado, encarnado tanto nas funções
executivas como na legislativa; um instrumento
associativo-deliberativo na distribuição de recursos públicos para o
atendimento ao interesse comum, o que muito colabora para diminuir, senão
anular o papel do clientelismo na distribuição de bens públicos; pela dinâmica
costumeira do OP um novo desenho
institucional na cidade passa a ser construído, com assembleias regionais e
reuniões em fóruns pelas diversas regiões citadinas; e como resultado final das
deliberações - a capacidade distributiva
do OP, com vinculação ao processo de reforma do Estado, na ideia central de
que a eficiência estatal não se alcança somente pela diminuição do tamanho do
aparato estatal, mas também e importante, pela inversão da relação entre a Administração
Pública e as atividades fins das políticas sociais a serem postas a cabo com a
participação ativada pelos mecanismos democráticos (Avritzer, 2003).
Aos poucos, o OP
passou a ser reconhecido como um canal direto de diálogo com o administrador
público, numa experiência de co-gestão da cidade, criando uma esfera pública
não estatal e, como ensina Dias (2008), toma como sede a participação geral de
todos os cidadãos que auto-regulam o processo e, de entre os vários objetivos,
um se destaca â o controle social sobre o destino e alocação das receitas
públicas em total transparência
administrativa, almejando uma distribuição mais justa dos bens públicos,
â redesenhando a inúmeras mãos o destino da cidade (Dias, 2008).
Como processo de
participação dos cidadãos na tomada de decisão, Santos (1998) pensa o OP
assentado em três princípios:
1) Participação aberta dos cidadãos,
sem discriminação positiva atribuída às organizações comunitárias;
2) Articulação entre democracia
representativa e direta, que confere aos participantes um papel essencial na
definição das regras do processo;
3) Definição das prioridades de
investimento público processada de acordo com critérios técnicos, financeiros e
outros de caráter mais geral, que se prendem, sobretudo, com as necessidades
sentidas pelas pessoas (Santos, 1998: 461-510).
Entendido como um instrumento de cidadania próativa, o OP
é uma alternativa viável à implementação, no âmbito do governo local, dum
processo de formulação, implementação e manutenção de políticas públicas, por
meio da participação direta da sociedade, com o objetivo de auxiliar na
promoção do desenvolvimento social, econômico e político do território-cidade,
tendo como postulados a solidariedade e a justiça distributiva na alocação das
verbas públicas orçamentárias.
No limiar das democracias que se querem participativas
diretas, o OP é visto como processo de consulta e ou de deliberação em
co-decisão e corresponsabilidade e é também uma ferramenta para uma nova forma
de governança, onde juntos, Administração local e sociedade ativa constroem uma
agenda de prioridades de investimentos, tomando assento nas bases do orçamento
público tradicional. O OP passa a ser entendido mais do que como uma ferramenta
orçamentária, para ser também entendido como um processo de reflexão sobre os
problemas das pessoas e do território, levando a construir uma relação de
confiança e de cooperação entre políticos e cidadãos, com fito às soluções mais
eficientes. Passa-se do individualismo à construção de consenso. (Dias, 2008).
Pelo mundo, um levantamento realizado
em 2008 apontava cerca de 2000 experimentos do OP (realizados e em andamento),
sendo s ua maior concentração na América Latina, seguindo em outros continentes,
a exemplo na Europa e áfrica, conforme quadro indicativo das experiências mais
conhecidas (cf. anexo â tabela 3). Nesse
sentido é forçoso verificar que e a experiência do OP decorre de uma agenda
moderna de cidadania, desafiando o poder público administrador que desde há
muito estáarraigado em práticas tradicionais de política, e que nesse novo
milênio, em democracias consolidadas, se vê forçado a quedar-se aos modelos
participativos.
2.3 O experimento do OP como instrumento ao fortalecimento dos alicerces democráticos e a empresa teórica do discurso prático habermasiano
Hodiernamente as demandas oriundas da movimentação social
por novos espaços de intervenção e participação, circunscritas na atuação da
governança local, refletem as necessárias inovações que urgem serem
implementadas pelo administrador público, no ideário de um diálogo profícuo com
os administrados, sem o qual as bases democráticas não mais se sustentam. Uma
administração pública não inovadora e não atualizada nas modernas práticas de
boa governança dificilmente daráconta de se sustentar politicamente.
Poder local. Reprodução ou inovação? Com esse título,
Isabel Guerra (1986) com maestria apresentou nesse ensaio valiosas reflexões
que não desapareceram com os anos, pelo contrário, estão presentes na cimeira
tanto acadêmica quanto política, acerca dum projeto político local voltado para
compreensão das articulações sociais com a máquina estatal local a definir
projetos alternativos.
Malgrado Portugal e Brasil serem países que se diferenciam
na estrutura político-administrativa do Poder â unitário e federação
â comungam nas questões que definem o papel do Estado no alcançar de uma
racionalidade administrativa que evidencie a legitimação da atuação estatal
pública, e que se deseja ser também eficiente, diante da partidarização da
sociedade em ambos os países. Nesse sentido, as atribuições conferidas ao Poder
local nas Constituições dos dois países, mesmo levando em conta suas
idiossincrasias, assumem as possibilidades de serem os fomentadores dos
mecanismos participativos que convirjam numa administração pública racional e
democrática contendo, na vertente participativa.
As debilitações das políticas do governo central fazem
com que os poderes locais sejam um ponto importante numa reconfiguração das
atribuições públicas. Nessa visão, se debruçam opiniões que encaram o conjunto
das atribuições do poder local como instrumento fundamental para re-problematizar
o pensamento político, ensaiar novas experiências de desenvolvimento e novas
responsabilidades de democratização, jáque o contato próximo que se dá entre administrador público
local e a sociedade auxilia na percepção das expectativas das várias classes
sociais que de certa forma reivindicam em tempo atual novos espaços de
intervenção política para expressão de interesses consideráveis (Ibidem: 58-59).
Nos debates acadêmicos que se circunscrevem às teorias
democráticas do exercício do Poder, destaca-se de entre os pensadores contemporâneos o
sociólogo e filósofo alemão Jürgen Habermas. Reconhecido como um dos pensadores
mais originais desde o início da segunda metade do século XX, formulou ao longo
do tempo, valiosas contribuições, muitas delas alicerçadas em elos kantianos,
que passaram a influenciar os estudos, não só das ciências sociais, como da
filosofia, política e decerto do direito. Foi um dos responsáveis tanto pelo
desenvolvimento de uma teoria moral e do direito com base no discurso prático e
igualitário entre os atores sociais de fala, como pelos questionamentos mais
marcantes da história da filosofia. Jürgen Habermas afirma a sua posição a
partir da década de 70 do século passado, época denominada virada kantiana pela volta aos debates acadêmicos das principais
reflexões kantianas na reconstrução do entendimento acerca das novas bases das
relações humanas numa sociedade com alto grau de heterogenia, marca da era
pós-convencional e moderna.
Do legado kantiano pode-se afirmar que através da sua
consciência, cada indivíduo racional deve identificar suas ações como
moralmente boas, e pela sua autonomia exercida pelo livre arbítrio, afastaráa
possibilidade de se ver guiado por terceira pessoa, e este ser racional lança
sobre os outros a sua perspectiva de se buscar um fim universal de conduta
moral, ou seja, exercício universal do pensar esclarecido iluminista. Da ética
filosófica kantiana depura-se a idéia de relação entre o indivíduo pensante e o
objeto de seu pensamento, a reflexão monológica e o dogmatismo, e de entre
tantos temas, ao se debruçar sobre os juízos sintéticos a priori, fez construir um sistema cujo método transcendental se
apoia na sensibilidade e no entendimento do sujeito sobre os conceitos, é o que
se passou a denominar apriorismo
subjetivista kantiano.
Nesse sentido, hodiernamente, as questões complexas que
envolvam as relações subjetivas sociais, estão no epicentro dos debates
voltados para a compreensão do funcionamento do poder e o papel que o Estado
desempenha na realização dos interesses do cidadão, e que passam
necessariamente pelo entendimento do mundo objetivo, da razão pelo
conhecimento, nos fundantes do pensamento, e pelas questões sobre a ética, a
moral, a verdade, a validade das normas, a legitimidade. Avança-se do
individualismo para a compreensão do
olhar para o outro, tudo estruturado em dois alicerces: liberdade e
igualdade do indivíduo numa sociedade. Liberdade, é um valor e pressuposto de
todo ser racional para agir jungido pelo manto da lei moral (Kant, 2002: 101);
e igualdade pressupõe que este homem racional e inteligível seja considerado um
fim em si mesmo quando agir com autonomia.
Empenhado em fundamentar uma ética dos discursos, com
atenção voltada para a legitimidade, Habermas, ao desenvolver os seus estudos
sobre os procedimentos dos discursivos, bem como os enunciados morais e da
legitimidade e veracidade das normas, revelou um paralelo estreito com os
dogmas kantianos. Avançou nas teorias sobre a linguagem e nas pretensões de
validade ju stificadoras e discursivamente postas, desenvolvendo os ideais de
uma pragmática universal, cujo papel é expor as condições necessárias a uma comunicação entre os atores
numa sociedade moderna, dando destaque à participação social na arena política,
quando da formação de uma esfera pública que privilegia a igualdade no
discurso, revelando um realismo
pragmático na construção das apreensões da verdade.
Alessandro Pinzani (2009: 10), em estudo feito sobre a
evolução do pensamento habermasiano, afirma que não hácomo negar a presença de
influências kantianas na sua filosofia moral. Com isso, pode-se pensar num
Habermas reconstrutivistas das bases das relações sociais, redirecionando as
dimensões subjetivas da consciência e do autoconhecimento do indivíduo numa
relação individual com o objeto, aos moldes kantianos do Ser, para uma visão
intersubjetiva das relações sociais â Ser dialógico â que
privilegia a razão e a interlocução entre os atores, direcionando a argumentação
ao consenso esperado.
Assim, o processo argumentativo proposto por Habermas
converge à imparcialidade, no sentido de certificação discursiva das exigências
de validez cognitivas, que orientam não só a aprendizagem nas condições das
participações, como também nas soluções dos conflitos surgidos, visto que esses
nascem das refutações e dos diversos argumentos postos pelos atores sociais nos
debates nas arenas, visando à validez pelo consenso. Seráno jogo da linguagem que os participantes
tendem a se convencer mutuamente e, num agir comunicativo, cotidianamente se
orientam para um nível reflexivo da exigência de validez tematizada,
objetivando o entendimento da sua emancipação (Habermas, 2001: 50-51).
Nesse ponto, Habermas, constrói sua empresa argumentativa
partindo da premissa de que mesmo nas sociedades multiculturais e heterogêneas
estão presentes inúmeras visões de mundo sendo que a verdade poderásurgir pela perspectiva performativa dos atores
participantes nas arenas públicas formadas, pois serão eles, no final, os
autores e destinatários das normas num Estado de Direito Democrático, onde se
valoriza o processo deliberativo. Processo
para emancipação do indivíduo.
Num artigo intitulado Teorias
Sociológicas Comparadas e Aplicadas: Bourdieu, Foucault, Habermas e Luhmann
face ao Direito, Pierre Guibentif
(2007) traça um paralelo dos posicionamentos desses pensadores numa perspectiva
do direito. Sobre Habermas, acentua o ideário de reconstruir, pela
razão, o papel do direito nas sociedades modernas o que não resulta de um
sujeito individual. Nesse ponto, adverte o autor que num primeiro momento da
empreitada habermasiana seráa razão o ponto central da análise, que nesse
contexto não advém de um sujeito, mas sim da comunicação e da discussão entre
sujeitos, quando são construídos os argumentos para interação intersubjetiva
entre os atores falantes; tudo com o objectivo de identificar as melhores
condições que favoreçam o processo de comunicação nas sociedades complexas
(Guibentif, 2007). Da complexidade das questões que envolvem Democracia,
representação política e legitimidade, Habermas arquiteta em Facticidade e Validade
a sua tese, onde salienta que serápela comunicação que a coletividade
construirásua história de vida sob a égide da argumentação para concretizar
seus projetos. Numa sociedade complexa a comunicação se darápor meio de
procedimentos realizados em duas esferas: a dos sistemas (onde são tomadas as
decisões política e administrativa) e os espaços públicos (universo de debates
espontâneos onde se exerceráo poder da fala â comunicação espontânea).
Com muita propriedade, Guibentif (2007: 532) expõe os principais pontos da teoria habermasiana
na construção duma democracia deliberativa, em especial a importância dos
arranjos participativos que acontecem na esfera pública, nos seguintes dizeres:
A teoria
comunicacional da sociedade entende o sistema político constituído em estado de
direito como um entre vários sistemas de acção. Este sistema pode, se
necessário, oferecer garantias em casos de problemas de integração da sociedade
no seu conjunto, (...) na condição de estar enraizado (eingebettet) nos
contextos da Lebenswelt pelo meio de um espaço público que se fundamente na
sociedade civil.â(...) o espaço público político não é apresentado apenas como
antecâmara do aparelho parlamentar, mas sim como a periferia impulsionadora que
cerca o centro político. Gerindo argumentos normativos, esta periferia, sem
assumir intenções de conquista, tem efeitos sobre todas as partes do sistema
político. Pelo meio de eleições gerais e de formas especiais de participação,
as opiniões públicas transformam- se num poder comunicacional que autoriza o
legislador e legitima uma administração reguladora, enquanto a crítica
jurídica, publicamente mobilizada, obriga os tribunais, que intervêm na
formação do direito, a um esforço mais rigoroso de justificação. (in Faktizität und Geltung, 1992: 532).
Nessa visão, a ação comunicacional
passa a não servir simplesmente como método de análise da produção dos efeitos
dos discursos e do poder, mas, ao voltar-se para o estudo da teoria do direito,
seráo elemento imprescindível na formação de uma nova vertente do Poder,
tendente a encontrar nos arranjos sociais e nos processos de socialização as bases
da mediação racional dos interesses de todos. Assim, Habermas incorpora as
reflexões da filosofia moral e da ética do discurso na visão de integrar, numa
concepção imbricada, as esferas sociais â sistema político e espaços
públicos â numa proposta de democracia deliberativa, onde a justificação
das normas seráfruto dos discursos racionais entre os cidadãos, realizados nos
espaços públicos, de forma equitativa e livremente assegurada. Todos os que
suportaram os efeitos das normas serão de antemão os seus elaboradores.
Em sede de Orçamento Participativo, de
forma lata, esse experimento social encontra amparo doutrinário nos
ensinamentos habermasianos, no que toca à
construção da esfera pública, objetivando a realização de debates
sociais onde os argumentos serão apresentados e debatidos e os atores falantes
estão em igualdade de condições e de conhecimentos na busca do consenso sobre a
criação, no caso, da norma orçamentária.
3. As experiências de Porto Alegre e do Concelho de Cascais
3.1 Porto Alegre como exemplo brasileiro, da estrutura e dinâmica do OP, como as deliberações acontecem
O Brasil, desde 1989, jácontou com cerca de 500 experimentos do OP, alguns consultivos, outros tantos deliberativos, mas ao longo dos anos muitos foram suspensos por variáveis razões. Tendo sido a cidade de Porto Alegre a pioneira, vindo a completar, em 2012, 23 anos de prática, tornou-se referência nacional e internacional quando em 1995, foi selecionado pela ONU de entre as 40 melhores experiências de gestão local para a conferência Habirtat II, realizada em Istambul; e posteriormente foi escolhida para sede do Fórum Social Mundial.No âmbito do Brasil, Porto Alegre é a capital do estado do Rio Grande do Sul, situado na região sul do País, e destaca-se pela alta da qualidade de vida. De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) referente ao ano de 2012, o índice desemprego na Capital é o menor em 20 anos, ao passar de 6,5% da população economicamente ativa (PEA), em 2011, para 6,4% em 2012. No que toca à infraestrutura, e comparando POA com outras capitais de estados brasileiros, apresenta situação positiva em relação aos indicadores, em especial a ampla cobertura no que se refere a serviços básicos para a população, como esgoto sanitário adequado, abastecimento de água, iluminação pública e energia elétrica.[5]
Através do censo de 2012 foram os seguintes os dados coletados: Em termos de dimensão populacional, Porto Alegre possui um total de 1.409.351 citadinos, representando 13,2% da população do Estado do Rio Grande do Sul, sendo 53,61% mulheres e 46,39% homens. O crescimento em relação ao ano de 2000 foi de 0,35% ao ano, com um acréscimo de 48.935 de pessoas no período. Toda a população está em área urbana. Os domicílios particulares permanentes ocupados estão em torno de 508.456.
No que toca à educação, os estabelecimentos de ensino são distribuídos por rede e alcançaram em 2012 o número total de 96 unidades da rede municipal, 257 unidades estaduais e 5 universidades federais. Do ensino particular o número total é de 657 estabelecimentos. Esses números por certo influenciaram a taxa de analfabetismo que apresentou um decréscimo na população. A taxa de analfabetismo entre os moradores de Porto Alegre, que era de 3,44% no ano de 2000, diminuiu para 2,3% em 2010. Na comparação entre os anos de 2000 e 2010, eram 35.928 residentes que não sabiam ler e escrever, este número passou para 26.045 em 2010. No grupo específico entre 15 e 24 anos, a taxa passou de 2,3%, em 2000, para 1,5%, em 2010[6].
Os dados positivos sobre a qualidade de vida, educação e queda da taxa de analfabetismo de certa forma estão refletidos no sucesso que acompanha o OP pois, como jámencionado, conta com 23 anos de prática. No seu mais recente ciclo (2012/2013), as Assembleias Regionais e Temáticas registraram 11% de aumento na participação. As seis temáticas e as 17 regionais contabilizaram 16.721 credenciamentos, significando o maior número de participantes nos últimos 10 anos OP.[7]Seguindo sua trajetória, foi para muitas experiências posteriores um exemplo institucional seguido, conforme se verifica com dados até 2009, abaixo.
No que toca à dimensão da institucionalização das normas que regem a estrutura e o procedimento da consulta, estão elas tipificadas tanto na Lei Orgânica do Município como no Regimento próprio. Na sua dinâmica, para efeitos de OP, a cidade é dividida em regiões, que podem ser as mesmas do Plano Diretor; e em 2012 foram 17 regiões. A estrutura do OP portoalegrense é complexa, tendo como órgão central o COP â Conselho do Orçamento Participativo â o órgão máximo de deliberação, composto por conselheiros eleitos nas Assembleias Regionais e Temáticas, com mandatos e atribuições específicas, segundo art.1º[8] do regulamento. O COP tem como principais atribuições as de planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre, bem como as relacionadas com o OP. O conjunto de regras que determinam o funcionamento do OP é revisado pelo COP segundo critérios gerais e técnicos, e considera-se que é a auto-regulação que garante um constante aperfeiçoamento. Nesse sentido, o COP tem uma função acentuada de fiscalização do orçamento público em geral[9], traduzindo num importante órgão garantidor da transparência fiscal, fator obrigatório pelas leis brasileiras quando se refere à temática orçamentária. (Lei de Responsabilidade Fiscal LC 101/00).
Noutra instância, que para efeitos didáticos do presente texto denominar-se-áde âprimeira instânciaâ, estáo Fórum de Delegados. Integrado por Delegados eleitos pela população em reuniões que se realizam ao longo de um ciclo, são os representantes diretos da população no processo de participação popular, mormente líderes comunitários, representantes de sindicatos e movimentos populares, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos Regionais de Assistência Social, Conselho Municipal de Educação, e além dos fóruns, como a exemplo os das Pessoas com necessidade especiais, ditas Portadoras de Deficiências, e outras entidades.[10] Nesse sentido, a dimensão participativa dos cidadãos no OP de Porto Alegre, é do tipo direta, que se faz por meio dos representantes eleitos pela sociedade a comporem os quadros do COP e Delegados.
Nas
várias etapas do ciclo participativo, as reuniões acontecem ao longo dos meses
nas regiões pré- estabelecidas, onde são realizadas as votações e deliberações
que passam pelas duas instâncias deliberativas e, no final, a escolha das propostas
vencedoras. Cabe mencionar que as temáticas gerais estão definidas no
Regulamento Interno â Critérios Gerais, Técnicos e Regionais, em total
simetria com as competências dos municípios dispostas na Constituição Federal
do Brasil. Em 2012/2013 foram as seguintes: Educação,
Esporte e Lazer; Circulação (Transporte e Mobilidade Urbana);
Habitação, Organização da Cidade Desenvolvimento Urbano e Ambiental; Cultura; Saúde e Assistência Social;
Desenvolvimento Econômico, Tributação, Turismo e Trabalho.[11]
Na dimensão da
participação do governo local, a
ancoragem institucional do orçamento participativo na administração da cidade
de Porto Alegre talvez seja a marca mais significativa desse experimento. Tendo
um o grau elevado de integração formal essa dimensão não só diz respeito ao
apoio técnico e logístico necessário[12], mas também à
participação do COP na feitura do orçamento geral da cidade bem como na
prestação de contas e divulgação dos resultados que o governo local presta
anualmente ao COP. Existem fases preparatórias e obrigatórias para o início de
um novo ciclo de reuniões do OP, o que vem a corroborar a tarefa de controle e
fiscalização que possui o COP sobre o Executivo municipal que também teráque
apresentar o plano dos investimentos e os resultados do orçamento público geral
do ano anterior.[13] No que toca às
etapas do ciclo de debates e votação, em razão da complexa estrutura que
apresenta, é um ciclo de duração longa, se estendendo praticamente por todo
ano, mesclando etapas de deliberação votações das propostas nas reuniões das
assembleias temáticas com matéria de administração interna regimentais do
COP. Em dezembro de 2012 do COP
aprovou alterações nas fases do ciclo do OP[14], que passaram a
ser as seguintes:
1. Janeiro: Recesso;
2. Fevereiro-Março-Abril:
Detalhamento do plano de investimentos e serviços, finalização da distribuição
dos recursos às regiões temáticas, análise técnica e financeira das propostas
eleitas, discussão para alteração do regimento interno;
3. Abril-Maio-Junho: Reuniões de articulação
e preparação nas regiões e temáticas, prestação de contas;
4. Julho-Agosto: Assembleias regionais e temáticas Rodada única em
reuniões nas regiões temáticas. Eleição dos conselheiros e definição do número
de delegados, prestação de contas dos delegados;
5. Agosto-Setembro-Outubro: Fóruns Regionais
e eleição dos delegados, hierarquização das obras e serviços; COP- Discussão e
votação da lei orçamentária anual até 30 de setembro;
6. Novembro: Assembleia
Municipal, posse dos novos conselheiros e entrega das obras e serviços
hierarquizados; debates;
7.
Novembro-Dezembro-Janeiro: Análise das demandas e capitação dos Conselheiros e
servidores municipais- Governo faz a análise técnica das demandas vitoriosas
hierarquizadas por regiões.
Assim, verifica-se que o OP de Porto Alegre apresenta uma
estrutura complexa, com inserção direta no Orçamento Público local sob a ótica
da transparência fiscal, que malgrado seja uma exigência legal, mais acentuada
se torna diante das regras estruturantes e das atividades e prerrogativas do OP
e do COP, conforme a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, parágrafo 1.º
do art. 116, bem como art.1.º do Regimento interno do OP-POA.[15]
3.2 A Experiência Participativa do Concelho de Cascais - Portugal
A experiência do OP do Concelho de Cascais tem
características peculiares originadas pela região e referem-se os dados
coletados nos dois primeiros anos de experimento (2011-2012).
Num olhar de conjunto, Portugal conta com uma década de
OPs e cerca de 70 experimentos â suspensos e em andamento-, tendo um
montante financeiro envolvido da ordem de 35 milhões de euros. Como aponta Dias
(2001), no que se refere à
participação, as experiências que se desenharam em Portugal foram tantas
de natureza consultivas como deliberativas, prevalecendo as de cunho consultivo
quando se leva em consideração a dimensão populacional: foram 54 experiências
consultivas (77%) e 16 experiências deliberativas (23%). é conhecido que
Cascais é um dos 18 Concelhos da área metropolitana de Lisboa, inserindo no que
tradicionalmente se denomina área metropolitana norte. Essa área geográfica detém, segundo os
censos de 2011, 2.815.851 habitantes (27% da
população de Portugal). O
municipio de Lisboa tem vindo a sofrer um decréscimo populacional desde a
década de 1960, quando a sua população passou a representar, pela primeira vez,
menos de 50% da população total da AML num período em que outros concelhos
atingem taxas de crescimento muito elevadas: Almada (51,6%), Barreiro (68,3%),
Seixal (86%), Cascais (55,3%), Lourdes (63,1%), Oeiras (91,2%), Sintra (55,6%).
O território cascaense encontra-se dividido
administrativamente em 6 freguesias (Alcabideche, Carcavelos, Cascais,
Estoril, Parede e S. Domingos de Rana).
Pelos dados colhidos[16], em relação ao número de indivíduos residentes no
Concelho de Cascais - 2001 a 2011-, háum crescimento significativo da sua
população, traduzido na ordem de
20,3%, ou seja, 34.881 (trinta e quatro
mil e oitocentos e oitenta e um) indivíduos. Assim, em 2001 Cascais
contava com 171.735 habitantes
(indivíduos), ao passo que em 2011, passou para 206.616 (aproximadamente),
trazendo como efeito um rejuvenescimento populacional, constatando-se um
ligeiro aumento no percentual das faixas etárias mais jovens, mas,
ao mesmo tempo, houve um significativo aumento
dos escalões etários da classe seguinte, que engloba em sua maioria a população
ativa[17] produtiva da região, com um
leve aumento na faixa etária mais elevada.
Na dinâmica social cultural, os dados do Censo de 2001 já
revelavam um nível de instrução muito superior às médias nacionais: 55,7%
da população residente tem a escolaridade europeia (9 ou + anos, em
contraste com os 40% registrados a nível nacional) e 21,2% possuem o Ensino
Superior (o dobro do valor nacional com 10,6%). Tendo sido comparado aos
dos âpadrões europeus"[18], essa tendência
trouxe numa evolução positiva, pois se em 2001 havia 144.882 indivíduos
no ambiente escolar, em 2011 o Concelho de Cascais passou a contar com 173.824,
distribuídos nos diversos níveis escolares. Percebe que a taxa relativa às
pessoas que não possuem nenhum grau de instrução, considerados sem nível
escolar teve um declínio.[19]
A
par desses dados, o crescimento e fortalecimento das atividades culturais em
geral apontam na direção de melhorias na qualidade de vida da população. O
Concelho de Cascais se apresenta como um polo de fomento, com um número
significativo de coletividades e associações culturais com uma agenda de atividade
regular ao longo do ano, quer ao nível da produção de espetáculos, quer na
vertente do ensino artístico, nomeadamente nos domínios da música, dança e
teatro, que favorecem a diversidade e a descentralização cultural, promovendo
igualmente a participação dos cidadãos.[20]
3.3 O Orçamento Participativo do Concelho de Cascais. As dimensões e resultados
i) Dimensão participativa
Ponto inicial da investigação se dácom a análise dos meios com os quais
a Administração Pública local em Cascais, vem desde o primeiro ciclo do OP,
esclarecendo a sociedade sobre a implementação, regras e objetivos do
procedimento. Foram utilizadas diversas ferramentas; a Internet (através do
site da prefeitura o cidadão é informado sobre todas as etapas, dados e
dinâmicas que envolvem o OP), além de outros meios mais simples e diretos de
comunicação com a sociedade, como cartazes pela cidade e folhetos distribuídos
por todo Concelho. Também foram realizadas reuniões nas freguesias, com ampla
divulgação, com os mesmos propósitos. Essas reuniões também foram realizadas
para o segundo ciclo â 2012.
Os atributos ou requisitos do cidadão que participa do
processo do OP, segue-se a vertente mais ampla da participação direta, jáque
todo o cidadão que tenha uma relação com o Concelho poderáparticipar,
independentemente de ser ele residente ou não, estando assim apto a participar
qualquer cidadão eleitor, que de alguma forma se relacione com o Município de
Cascais, seja ele residente, estudante, trabalhador ou representantes do
movimento associativo, do mundo empresarial e das restantes organizações da
sociedade civil, conforme a Carta de Princípios.[21]
Com
intuito de promover práticas mais fáceis para participação, foi incluída no
regulamento para o OP de 2012 uma nova e única ferramenta para votação o SMS
(Short Message Service). Conforme as regras, dentro do prazo para escolha final
das propostas, basta o cidadão enviar um SMS gratuito indicando o código único e singular do projeto pretendido
(dados prévia e amplamente publicados pela equipe técnica responsável),
cada número de telefone só pôde votar
uma vez. Tudo conforme o artigo 10.º das Normas de Participação 2012.[22] No final do processo do primeiro ciclo
foram cerca de 7.000 cidadãos que participaram na aprovação das melhores
propostas. Conforme dados publicados,[23] o resultado em
2012 respondeu às expectativas, pois ao final praticamente o número de
participantes triplicou, totalizando 23.198 de votos dos munícipes e demais
interessados na concretização dos projetos propostos[24].
ii) Dimensão normativa
O modelo institucionalizado foi o deliberativo, onde a sociedade discute
e elege, nas arenas públicas, organizadas num calendário próprio, as demandas
prioritárias a serem concretizadas. Nesse modelo, a sociedade não é somente consultada a respeito de questões
postas pelo Poder Público, pelo contrário, diante das propostas apresentadas
pelos cidadãos, todos, em conjunto, passam a conhecer as necessidades do
território, numa co-responsabilidade e co-gestão[25].
A
institucionalização do OP de Cascais estáancorada numa estrutura normativa
simples, tanto na forma como na linguagem utilizada nos dois instrumentos
legais utilizados, submetidos à apreciação e aprovação da Assembleia
Legislativa local: a Carta Princípio e as Normas de Participação de 2011 e 2012. Esses
documentos funcionam como verdadeiros regulamentos ou regimentos, possuindo uma
linguagem clara e de simples estrutura jurídica, facilitam ao Homem médio
o entendimento acerca do OP, seus objetivos e composição, o procedimento e
fases. Face aos procedimentos, reforça-se a ideia de um experimento
marcado pela simplicidade (conforme imagem abaixo) uma vez que todo o processo
estáorganizado num ciclo anual com cinco etapas distintas e de simples
compreensão: inicia-se com a preparação da sociedade, seguida do período de
apresentação de todas as propostas em reuniões públicas que serão recolhidas
para análise técnica para que ao
final do ciclo se dê a votação das melhores[26].
iv) Dimensão do nível de participação dos governos locais
Na ancoragem institucional
percebe-se que máquina administrativa estávinculada ao experimento de Cascais
organizando os canais e métodos para a divulgação de todo o processo do OP. Num
primeiro momento, condensado na fase 3 do quadro acima, a análise técnica das
propostas é feita por uma equipe composta, em regra, por servidores públicos do
quadro técnico â arquitetos e engenheiros, responsável pela primeira avaliação sobre a viabilidade
técnica e orçamentária das propostas apresentadas, observando o enquadramento
de cada uma aos requisitos estabelecidos nas regras de participação,
nomeadamente a qualidade da proposta e o valor alçado.
Para efeitos de enquadramento na
máquina administrativa, essa equipe encontra-se situada na estrutura da âAgenda
21â, órgão que integra a Divisão de Cidadania e Participação no âmbito da
vereação de Planejamento e Gestão. A equipe técnica acompanha todo o
procedimento do OP de Cascais, dando suporte em todas as fases, inclusive na
execução de cada projeto vitorioso, até a entrega da obra ou serviço à
sociedade, em permanente contato com a mesma. O canal de comunicação é o mais
direto possível, em reuniões agendadas, por emails ou pelo andamento das obras
via sie da Câmara de Cascais.
v) A Dimensão financeira: O volume dos recursos aplicados â reforçando a credibilidade dos cidadãos
Importante
dimensão, para além da continuidade do experimento servir como reforço à
credibilidade ao governo na condução da gestão pública e na governança, retrata
o volume de verba do Orçamento Geral destinado ao OP para cada ciclo. De forma
geral, salvo quando hápor lei um percentual pré-fixado de verba destinada ao
OP, o Poder Executivo atribui um montante para financiar os projetos eleitos
para posterior sanção do Poder do Legislativo. Esse último modelo é o que foi
escolhido pelo Concelho de Cascais na condução das finanças, cada projeto não
pôde ultrapassar a soma de 300 mil euros, sendo o total incorporado à
proposta orçamentária para aprovação simultânea na Assembleia Municipal, nos
meses de Novembro e Dezembro[27]. Dados publicados dão conta do montante
da receita pública disponibilizado para os primeiros ciclos de OP, conforme
segue:
Orçamento Geral (total da Receita) |
Verba disponibilizada por ano ao OP |
Percentual do orçamento geral aplicado ao OP |
Ano 2012 170.500.000 milhões ⬠|
2,1 milhões de euros (OP ciclo de 2011) |
1,23% |
Ano 2013 188.850.000 milhões ⬠|
2,5 milhões de euros(OP ciclo de 2012) |
1,32% |
Fonte: Câmara Municipal de Cascais, em http://www.cm-cascais.pt/noticia/resultados-do-orcamento-participativo-de-cascais-2012.
3.4 Dos resultados: As propostas vencedoras em 2011 e 2012
De seguida, apresentamos a listagem dos
projetos aprovados em ordem de votação, com um valor máximo orçado para cada
proposta de 300 mil euros.
O OP de Cascais de 2012 trouxe, como jásalientado, algumas mudanças
estruturais e que, no contexto democrático, são salutares ao ideário de
continuidade que se pretendia. Nesse sentido, comparando com os resultados de
2011, o número de projetos ao final aprovados aumentou de 12 para 16, podendo
indicar dois fatores que influenciaram para esse dado: 1) por parte da
administração pública municipal, ao apresentar um aumento orçamentário
dispensado ao projeto do OP e, pelo lado do cidadão, o aumento expressivo no
número de participantes.
Diferente do modelo de Porto Alegre,
onde jáexistem temáticas pré-fixadas que funcionam como paradigmas das
propostas apresentadas, no modelo de Cascais não hálimitação temática, ficando
livre o participante para apresentar proposta que entenda ser de relevante
interesse para coletividade local, enquadrada num dos eixos orientadores da
estratégia de sustentabilidade do Concelho, bem como esteja orçada no limite de
custo para cada projeto - 300 mil euros.
A liberdade para escolhas das propostas
defendidas se reflete nos projetos vitoriosos que são de natureza diversa,
convergindo alguns no tema para intervenção na requalificação de espaços já
existentes, mas não utilizados ou subutilizados e outros voltados para lazer e
cultura. Contudo, deve-se observar que notadamente algumas propostas estão
afeitas à arquitetura de políticas públicas inclusivas, aqui entendidas como um
conjunto de ações e/ou atividades desenvolvidas pelo Poder Público visando
assegurar de forma difusa â para todos da coletividade â ou a determinado
seguimento social ou cultural o exercício de direitos.
As políticas públicas em regra
correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam
graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos
enquanto novos direitos. Num ambiente que se deseja de uma democracia
participativa, as políticas públicas por vezes são desenhadas em conjunto pelo Estado e cidadão, como se pretende que
venha acontecer na experiência de Cascais, onde algumas das vitoriosas demandas
apresentam uma natureza de política pública conforme os quadros abaixo (em destaque as propostas com
viés de políticas publicas).
Nº Proposta Proposta |
Projeto 1 Acesso pedonal ao CascaiShopping |
Projeto 5 Centro Cultural aberto à noite (Centro Cultural da Parede) |
Projeto 8 Construção de espaço polivalente na Escola Básica 1.ºciclo (Parede) |
Projeto 9 Requalificação Nossa Sr. da Assunção Criação de passeios na estrada Janes Malveira |
Projeto 14 Requalificação do Largo de São Brás e passeios |
Projeto 15 Crianças à Sombra |
Projeto 16 Proteção e Fruição da natureza e dos caminhos rurais na Areia e zona adjacente ao Parque Natural Sintra-Cascais |
Projeto 19 Parque das Gerações - São João do Estoril |
Projeto 20 Requalificação da Praça da Carreira |
Projeto 26 Criação de zona coberta multi-usos na Associação Jerónimo Usera |
Projeto 28 Parque Infantil Inclusivoa |
Projeto 29 Requalificação dos terrenos abandonados Av. Aníbal Firmino |
OP Cascais 2012
Nº Proposta Proposta |
Projeto 26 Espaços lúdicos inclusivos â Malveira da Serrab |
Projeto 12 Espaço Comunitário â Bairro das Faceirasc |
Projeto 18 Dog Park (Parque Canino) |
Projeto 3 Um projeto de eco-intervenção na Escola Fernando Lopes Graça |
Projeto 22 Requalificação da SMUP (Sociedade Musical União Paredense) |
Projeto 4 Passeios da Abóboda à rotunda do cemitério de São Domingos de Rana |
Projeto 20 Requalificação do terreno junto à Rua Alexandre Herculano, |
Projeto 15 Crianças Protegidas (construção de telheiros para as escolas do 1º ciclo) - Agrupamento de Alapraia. |
Projeto 8 Mountain bike skill park - parque urbano do Outeiro da Vela |
Projeto 14 Criação de uma Quinta Comunitária (Hortas Comunitárias) na Quinta da Bela Vista |
Projeto 28 Arranjo do passeio da Rua Homem Cristo- São João do Estoril |
Projeto 27 Viva o Paredão! - Cascais/Estoril |
Projeto 19 Requalificação da Quinta do Rato - Parede |
Projeto 32 Intervenção paisagística no Vale da Amoreira - Alca bideche |
Projeto 1 Rotunda do Carrascal de Alvide |
Projeto 30 Requalificação da Rua do Viveiro - Estoril |
Fonte: Câmara Municipal de Cascais, disponível em http://www.cm-cascais.pt/orcamentoparticipativo.
a Parque
Infantil Inclusivo: A proposta visa a construção de um parque
urbano no Bairro do Navegador com parque infantil inclusivo destinado a crianças
com mobilidade reduzida. Este projeto encontra-se jáem obra, sendo
o primeiro do orçamento participativo a entrar nesta fase. Para quem passou
pelo local hácerca de três meses, não o iráreconhecer.
b Espaço Comunitário - Bairro
das Faceiras (bairro de origem populacional africana, de classe
menos desprovida de recursos): A proposta consiste na construção de um edifício multiusos,
destinado a espaço comunitário, integrado em espaço verde, conjuntamente com
outros equipamentos, como um parque infantil, um circuito de manutenção e um
espaço exterior multiuso destinado a pequenos jogos e outras actividades ao ar
livre, de modo a potenciar as actividades e o uso dos equipamentos.
c Espaços lúdicos inclusivos -
Malveira da Serra: A
proposta apresentada, destina-se à comunidade em geral e mais especificamente a
crianças e jovens com necessidades educativas especiais tendo em vista um
contributo para o sucesso do seu percurso educativo, da sua formação pessoal,
social e inclusiva.
Seráum espaço aberto à comunidade,
enquanto ludoteca e biblioteca, pensado para crianças e adolescentes dos 3 aos
18 anos, oferecendo tempo para brincar, apostando na ludicidade, no jogo e na
participação ativa das famílias. Haveráuma resposta mais específica, baseada
nos mesmos princípios, para as crianças com necessidades educativas especiais
dos 10 aos 18 anos de idade, tanto no período pós escolar como no período de
férias. Tendo em conta as grandes necessidades das famílias de crianças e
jovens com necessidades educativas especiais, este espaço daráuma resposta de
qualidade nos seus períodos não lectivos, ou seja, nos seus tempos livres.
4. Conclusão
Pelo conjunto de
dados que serviu de mote à pesquisa e que constituiu o motivo do estudo
pretendido, num cotejo de duas experiências de OP em Países diferentes, pode-se
depreender que pela trajetória nesses 23 anos e com um número expressivo de
participantes, mesmo numa estrutura complexa, o experimento em Porto Alegre vem
seguindo no tempo, levando ao fortalecimento dos ideais da democracia participativa,
mostrando ser um importante complemento à cidadania ativa e tendo como efeito
secundário o estreitamento das práticas argumentativas entre os cidadãos.
De outra feita, o Concelho de Cascais, avançando para o terceiro ano do
experimento, com uma estrutura muito mais simples, afastando-se do modelo comunitário e do de órgão interno
de representação (a exemplo, o COP de Porto Alegre), marca sua estreia no cenário
democrático como sendo um dos experimentos com
uma pujança da participação direta elevada ao grau máximo, sendo sem duvidar
uma participação genuinamente de base individual no exercício direito da cidadania.
O amadurecimento das práticas
participativas inicia-se com a conscientização da sociedade do seu papel de
co-agente nas transformações sociais e avança para um ciclo virtuoso quando há
a igualdade entre os participantes em termos de compreensão da importância
do experimento para o desenvolvimento do território; igualdade essa que também
deveráestar presente aquando dos debates racionais travados nas arenas
públicas onde se pretende que sejam desenvolvidos entre os atores falantes
argumentos justificados ausentes qualquer tipo de coerção, e no final prevaleça
o consenso. Esse ideário se faz
presente nas duas experiências. Entende-se que a ausência dessas reais
possibilidades traráao longo do tempo uma
fragilidade capilar ao processo de participação pelo OP, quer seja consultivo
ou deliberativo.
Nas duas experiências
verifica-se a opção por um processo deliberativo de OP, que incentiva a
cogestão e a corresponsabilização, levando por um lado os munícipes a decidir
sobre prioridades a serem realizadas com uma percentagem de verbas públicas e,
por outro lado, origina uma maior transparência nos atos de gestão pública.
Nessa abordagem, o OP passa a ser também um canal direto entre poder local e
sociedade, gerando confiança na iniciativa de governança.
O programa teórico Habermasiano (1998) de uma democracia
deliberativa estáassente de entre vários outros elementos, no discurso ético
capaz de levar a cabo um programa democrático emancipatório, centrado na
capacidade do cidadão em decidir sobre o objeto principal do processo em condições
de igualdade e liberdade argumentativas. A razão comunicativa decorre da
intersubjetividade para justificação das normas (Habermas, 1998).
Nesse sentido, o experimento do OP vivenciado nas duas
cidades pode ser visto como um mecanismo de realização duma democracia
deliberativa capaz de integrar os mundos sociais diferenciados. Sem embargo, o
poder local pode ser o facilitador dos instrumentos de diálogo no
desenvolvimento das potencialidades locais que possam sobremaneira contribuir
para se ter uma sociedade mais solidária e democrática.
Nesse ponto convergem Portugal e Brasil no que toca às
práticas participativas para esse desiderato, sendo o Orçamento Participativo
um caminho seguido por ambos no ideário de justificação e legitimidade das
normas do Orçamento Público, onde o OP aparece como um modelo democrático vindo
dum procedimento no campo da argumentação criado nos espaços públicos, onde as
razões das questões práticas reforçam os ideais de uma democracia também
deliberativa.
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Introdução, Porto Alegre: Artmed. [ Links ]Santos, B.S., (1998), âParticipatory Budgeting in
Porto Alegre: Toward a Redistributive Democracyâ, Politics & Society (12), vol. 26, pp. 461-510. [ Links ]
Notas
[2]Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), doutoranda em Direito pela UERJ, na linha de pesquisa Direito da Cidade. Esse trabalho foi fruto dos estudos e do estágio realizado em Lisboa e Cascais (Janeiro a Maio de 2013), Portugal, no âmbito do DINAMIA-CET do ISCTE-IUL, financiado com bolsa auxílio âdoutorado sanduicheâ, concedida pela CAPES- Brasil em Janeiro de 2013.
[3]A Rede URB-AL é um programa descentralizado de cooperação da Comissão Européia que objetiva a aproximação de cidades, entidades e coletividades locais da América Latina e União Européia, através da troca de experiências de políticas urbanas. Resumo executivo do documento base disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/urbal9/usu_doc/resumo_docbase_pt_res.pdf.
[4]Administração local entendida como Administração Publica
local em sentido subjetivo ou orgânico, pode-se definir como sendo o conjunto
de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função
administrativa no nível do poder público local.
[5]Observa Poa. Observatório da cidade de
Porto Alegre, http://www2.portoalegre.rs.gov.br/observatorio/default.php?reg=184&p_secao=17.
[6]Ibidem.
[7]Fonte: Observando o Orçamento Participativo de Porto Alegre. Disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usu_doc/observando_v.1_n.1_2009.pdf.
[8]Artigo 1º - O Conselho do Orçamento Participativo é um órgão de participação direta da comunidade, tendo por finalidade planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre, de acordo com o que preconiza o Artigo 116 da Lei Orgânica do Município, disponível em http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/op/usu_doc/pa002010-op_reg_int.pdf).
[9]Cf. http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/op/usu_doc/pa002010-op_reg_int.pdf.
[10]Idem.
[11]Cf. Portal do OP, disponível em http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/default.php?p_secao=89.
[12]Do Processo http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/op/usu_doc/pa002010-op_reg_int.pt.
[13]Idem.
[14]Cf. http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/default.php?p_secao=16.
[15]Idem.
[16]PORDATA - Base de Dados de Portugal Contemporâneo, organizada pela FFMS, Fundação Francisco Manuel dos Santos. Disponível em http://www.pordata.pt.
[17]Entendendo por população ativa o conjunto de indivíduos com a idade mínima de 15 anos, forma o que se chama mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços, e entra no circuito econômico compreendendo: empregados e desempregados. Disponível em http://www.pordata.pt.
[18]Centro de Estudos de Investigação Aplicada (CEIA) do Instituto Superior de Serviço Social. Disponível em http://www.cm-cascais.pt/sites/.../carta_da_educacao.
[19]PORDATA - Base de Dados de Portugal Contemporâneo.
[20]CMC/DPGU/Divisão de Estatística, Outubro 2011 e Departamento de Cultura, Divisão de Promoção e Animação Cultural, 2012, disponível em http://www.cm-Cascais.pt/sites/default/files/anexos/indicadores/ensino.pdf.
[21]Cf. Carta de Princípios, disponível em http://www.cm-cascais.pt/sites/default/files/anexos/gerais/carta_principios.pdf.
[22]Idem.
[23]Cf. http://www.cm-cascais.pt/noticia/resultados-do-orcamento-participativo-de-cascais-2012.
[24]Idem.
[25]Cf. Orçamento Participativo de Cascais- Normas de Participação 2012, disponível em http://www.cm-cascais.pt/sites/default/files/anexos/gerais/op_2012_-_normas_de_participacao_2012_-_final.pdf.
[26]Cf. Carta de Princípios e regimento 2012.
[27]Idem, conforme regras expressas no regulamento do OP de 2012, artigos 4.º, 11.º e 12.º, das regras de 2012.
Tabela 1.
Constituição Portuguesa
CRP (Tema) |
Conteúdo |
Princípios fundamentais |
Art. 1.º Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. |
Princípios fundamentais Estado de direito democrático |
Art. 1.º Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Artigo 2.ºA República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direi tos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. |
Tarefas fundamentais do Estado | Artigo 9.º São tarefas fundamentais do Estado:c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais. |
Sufrágio universal e partidos políticos | Artigo 10.º O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição |
Participação na Vida Pública | Artigo 48.º1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos. |
Direito de sufrágio | Artigo 49.º1. Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral. |
Direito de petição e direito de acção popular | Artigo 52.º1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação. 3. é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei. |
Direitos e deveres sociais(Habitação e urbanismo) | Artigo 65.º5. é garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território. |
Organização do poder político Titularidade e exercício do poder Participação política dos cidadãos | Artigo 108.º O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição.Artigo 109.º A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos. |
Tabela 2. Constituição Brasileira
CRFB (Tema) |
Conteúdo |
Princípios fundamentais |
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania |
Princípios fundamentais - democracia participativa |
art. 1.º (...) parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição. |
Dos Direitos Políticos Tradicionais mecanismos de participação popular |
art. 14. A soberania popular seráexercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I- plebiscito; II- referendo; III- iniciativa popular. |
Competência dos Municípios (direitos e deveres) | art.29, XII- cooperação das associações representativas no planejamento municipal. |
Poder Legislativo | art. 58, parágrafo 2o., II - adoção nominal pelas comissões do Congresso Nacional, nas matérias de sua competência, de audiências públicas com entidades da sociedade civil |
Seguridade Social | art. 194, parágrafo único, VII â Participação da comunidade nas decisões sobre a seguridade social |
Seguridade Social Saúde e Assistência Social | art. 198, III âparticipação da comunidade nas ações e serviços públicos de saúde; art. 204, II - a participação da população através de organizações representativas na formulação de políticas de assistência social |
Meio Ambiente | art. 225, caput - implicitamente impõe à sociedade o dever de atuar para defender e preservar o meio ambiente |
Tabela 3. Exemplos de experiências de OP no Mundo
Continente |
País |
Experiências |
América do Sul e Central |
Brasil |
Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Guarulhos, Diadema, Santo André, Fortaleza, Mundo Novo, Suzano, João Pessoa, São Carlos, Varginha, São Leopoldo, Gravataí, Campina Grande, São Mateus, Osasco, Vitória, Várzea Paulista, Concórdia, Goianésia, Londrina, Natal, Olinda, Paráde Minas, Rio das Ostras, Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul |
El Salvador |
San Salvador, Micro-região de Juayúa, Nejapa, Alegria |
|
Colômbia |
Samaniego, Manizales, Marsella, Medellín, Envigado, Arauca, Pereira, Valle del Cauca, Ibague |
|
|
Equador |
Cuenca, Cotacachi, Ibarra, Montufar, Chimborazo, Cayambe. |
Argentina |
Buenos Aires, Rosário, Córdoba, La Plata, Moron, Bella Vista â Corrientes |
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Peru |
O OP estáprevisto na Constituição da República, sendo assim considerada uma política de Estado de carácter obrigatório |
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Bolívia |
Uncía, Ciudad de El Alto (La Paz), Pintada |
|
Chile |
Buin, Cerro Navia, La Pintana, Molina, San Antonio, Rancaqua, Illapel, Talca, Lautaro, Freirina, S.Salud Tacahuano, San Joaquín, Municipalidad de Frutillar, Municipalidad de Puerto Montt |
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Costa Rica |
Escazu |
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Venezuela |
Caracas, Guacara, Libertador, Mérida, Baruta |
|
Guatemala |
Quetzaltenango, San Juan Comalapa... |
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República Dominicana |
O OP tornou-se lei nacional em 2007. |
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Uruguai |
Montevideo, Paysandu, Maldonado, Florida |
|
Paraguai |
Asunción |
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México |
San Pedro, Gomez Palácio |
|
Europa |
Inglaterra |
Bradford, Salford, Harrow, Sunderland |
Bélgica |
Mons |
|
França |
Saint-Denis, Bobigny, Arcueil, Limeil- Brevannes, Morsang-sur-Orge, Paris XX, Poitiers, Região Poitou Charentes (OP dos Liceus) |
|
Itália |
Comune de Grottammare, Roma XI, Napoles, Modena, Arezzo, Colorno, Reggio Emilia, Trento, Paderno Dugnano, San Canzian dâIsonzo, Anzola dellâEmilia, Novellara, Provincia de Cagliari, Provincia de Reggio Calabria, Senago, Senigallia, Vimodrone, Bergamo, Veneza, Região de Lázio |
|
Alemanha |
Rheinstetten, Lichtenberg (Berlin)... |
|
Portugal |
Alcochete, Alvito, Aljustrel, Avis, Batalha, Braga, Carnide (Lisboa), Castelo de Vide, Castro Verde, Lisboa, Marvão, Palmela, Santiago do Cacém, São Brás de Alportel, São Sebastião (Setúbal), Serpa, Sesimbra, Vila Real de Santo António |
|
Espanha |
Sevilha, Córdoba, Getaf, Albacete, Campillos, Novelda, Xirivella, Santa Cristina dâAro, Figaró-Montmany, Logroño, Tudela, Donostia-San Sebastián, Zaragoza, Sant Joan DâAlacant, Jerez, Castellón, Petrer |
|
áfrica |
Cabo Verde |
Sta Cruz (Ilha de S.Vicente), São Miguel (Ilha de S.Vicente), Paul (Ilha de Sto.Antão), Mosteiros (Ilha do Fogo) |
Ãfrica do Sul |
Bufalo |
|
Moçambique |
Maputo |
Fonte: N. Dias (2008), disponível em: http://www.op-portugal.org/downloads/Livro_ OP _AF_web.pdf.