Introdução
Os aneurismas da artéria temporal superficial (ATS) não traumáticos são extremamente raros, constituindo cerca de 8% de todos os aneurismas da ATS.1 Apresentam-se habitualmente como uma massa pulsátil na região temporal ou parietal, frequentemente não dolorosa. A presença concomitante de paralisia do nervo facial é rara, mas possível. (2 Na maioria dos casos correspondem a verdadeiros aneurismas, já que os pós-traumáticos são habitualmente pseudo-aneurismas. (3
Em termos etiológicos, fatores adquiridos como a hipertensão e a arteriosclerose parecem ser as principais causas dos aneurismas não-traumáticos da ATS. (4)- (5 Ainda assim, pelo facto destes aneurismas estarem também descritos em doentes jovens, fatores congénitos poderão estar também envolvidos na etiopatogénese desta entidade. (2 Por este motivo, é importante excluir a presença de outros aneurismas intra e extracranianos durante a avaliação destes doentes.
Como diagnósticos diferenciais deste tipo de aneurismas não-traumáticos identificam-se os seguintes: hematoma subcutâneo; fístula arteriovenosa dural; doenças inflamatórias como a arterite de células gigantes; cisto sebáceo; cisto dermoide, schwannoma, tumor da glândula parótida; linfadenopatia; e abcesso subcutâneo. O tratamento dos aneurismas da ATS é cirúrgico, habitualmente realizado sob anestesia local. (2
Considerando que se trata de uma entidade rara, potencialmente grave, com uma diversidade de diagnósticos diferenciais e sendo importante um diagnóstico atempado, este relato de caso é relevante para a prática clínica e tem como objetivo sensibilizar os colegas, principalmente de medicina geral e familiar, para esta patologia.
Descrição do caso
Identificação e antecedentes pessoais
Mulher de 67 anos, de raça caucasiana, natural e residente em Penafiel, com quatro anos de escolaridade e atualmente reformada, casada, integra uma família nuclear, na fase VII do ciclo de Duvall e de classe média segundo a escala de Graffar.
Apresenta os seguintes antecedentes pessoais: hipertensão arterial essencial, diabetes tipo 2 não insulino-dependente; obesidade grau II; dislipidemia; glaucoma; cancro de mama há 17 anos (em remissão); tiroidectomia total em 2009, por bócio multinodular; perturbação do sono; múltiplos cistos sebáceos no couro cabeludo (alguns deles já submetidos a exérese e que recidivaram).
A sua medicação habitual inclui: ramipril 5 mg, metformina 850 mg + sitagliptina 50 mg, empaglifozina 10mg, sinvastatina 20 mg, clopidogrel 75 mg, tafluprost 15 µg/ml, esomeprazol 20 mg, cloridrato de raloxifeno 60mg, levotiroxina 0,1 mg e diazepam 5 mg.
Os antecedentes familiares são irrelevantes.
História da doença atual
Recorreu a uma consulta aberta no dia 10/10/2019 devido a uma tumefação na região temporal direita, com cerca de um mês de evolução, dolorosa e acompanhada por cefaleia temporal direita, com agravamento nos últimos dias e sem resposta franca ao tratamento sintomático (paracetamol 1000 mg em SOS). Esta cefaleia manter-se-ia constante ao longo do dia, não agravando com manobras de Valsalva nem com a adoção do decúbito dorsal. Negava outros sinais e sintomas, como foto e fonofobia, náuseas, vómitos e síncope. Negava história de queda ou trauma.
À observação apresentava, de facto, uma tumefação na região temporal direita, com cerca de 1,5 cm de maior eixo, não pulsátil, sem rubor, dura e dolorosa à palpação, sem evidência de outros sinais inflamatórios. Sem alterações ao exame neurológico sumário. Apresentava ainda múltiplos cistos sebáceos no couro cabeludo de várias dimensões. Pelo agravamento da cefaleia, duração da mesma e perante a preocupação da doente, foi feita referenciação ao serviço de urgência. Aqui, após observação, foi solicitado exame de imagem, nomeadamente ecografia de partes moles, que terá sido recusada pelo colega de radiologia devido à ausência de motivos para a sua realização em contexto de urgência. No entanto, o colega de cirurgia que observou a doente aconselhou-a a recorrer novamente ao seu médico assistente, de forma a realizar a ecografia em ambulatório.
Deste modo, a utente recorre no dia seguinte, 11/10/2019, ao seu médico de família (MF), que solicita uma ecografia da região dolorosa na suspeita de que seria mais um cisto sebáceo; no entanto, perante o agravamento da dor foi solicitada a sua realização com caráter de urgência. A ecografia com estudo doppler, realizada nesse mesmo dia, revelou a presença de um “aneurisma da artéria temporal superficial com presença de massa hipoecoíca de 5 mm de diâmetro a rodear a artéria temporal superficial direita, que se encontrava permeável. Conclusão: aneurisma da artéria temporal superficial trombosado”. Por este motivo, a utente é de novo referenciada para o serviço de urgência, onde foi observada no próprio dia 11/10/2019 por neurologia e cirurgia vascular, tendo realizado estudo analítico com marcadores inflamatórios (leucograma, PCR e VS), que estavam negativos, o que excluiu a possibilidade de arterite temporal, e tomografia cerebral (TC-CE), que não mostrou alterações relevantes. Portanto, optou-se pela exérese do aneurisma de modo programado, agendada para o dia 17/10/2019, tendo a utente dado o seu consentimento informado e o procedimento decorrido sem intercorrências. Inicialmente, a doente apresentou dor peri-incisional ligeira, sem necessidade de medicação analgésica. O alívio da cefaleia temporal direita, que acompanhava a tumefação, foi imediato após a cirurgia.
Na perspetiva da utente, apesar de o desfecho ter sido favorável, foi lamentável não lhe terem realizado a ecografia na primeira ida ao serviço de urgência, tendo adiado o diagnóstico desnecessariamente. Em relação à cirurgia, a senhora ficou ansiosa quando lhe explicaram que seria esta a estratégia mais adequada; no entanto, aceitou a intervenção. No pós-operatório, preocupava-a a hipótese de alopecia no local da ferida cirúrgica onde foi realizada uma tricotomia, mas foi tranquilizada pelo seu MF, que lhe explicou que o cabelo iria crescer normalmente.
Comentário
O aneurisma da ATS não traumático é uma entidade extremamente rara. (1 Os relatos de caso de aneurismas espontâneos da ATS descritos na literatura são escassos. Ainda assim, tipicamente surge como uma tumefação na região temporal ao longo do trajeto da artéria, habitualmente pulsátil, não dolorosa e sem outros sinais ou sintomas acompanhantes. (2 Um dos diagnósticos diferenciais são os cistos sebáceos, (2 neste caso também presentes na doente e potencialmente indutores de erro.
Na situação particular desta utente, a massa era não pulsátil, o que é muito atípico nestes casos, e apresentava dor moderada à palpação, associada a um quadro de cefaleia localizada, levantando no MF a suspeita de não se tratar de mais um cisto sebáceo, mas antes de outra entidade etiológica potencialmente mais grave. Por este motivo, e apesar de raro, o aneurisma da ATS deverá ser sempre considerado como diagnóstico possível em qualquer tumefação que surja de novo na região temporal, seja ela ou não pulsátil.