Introdução
Em Portugal calcula-se que 94% das mulheres utilizam algum método contracetivo. Dentro dos métodos contracetivos disponíveis, a contraceção hormonal combinada (CHC) tem sido a escolha de eleição pela maioria das mulheres. 1
A CHC apresenta diversos benefícios além da contraceção, mas também acarreta alguns riscos para a saúde da mulher. Relativamente aos benefícios salienta-se a redução de risco de cancro do ovário, do endométrio e colorretal. Por outro lado, há um aumento do risco cardiovascular, nomeadamente do risco de tromboembolismo pulmonar, enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. 2 Como medicação, que por vezes é tomada durante vários anos, é conveniente que as utilizadoras estejam cientes dos seus efeitos secundários mais frequentes e dos seus riscos e benefícios, quer a curto quer a longo prazo, no sentido de adotarem condutas preventivas que minimizem os seus riscos.
Este trabalho tem como objetivo primário avaliar a literacia das utentes do Agrupamento de Centros de Saúde Cova da Beira acerca dos benefícios e riscos do seu método contracetivo hormonal combinado. Como objetivos secundários pretende-se compreender se os fatores demográficos, como a idade da mulher, as habilitações literárias, o estado civil, o número de filhos, a idade aquando do primeiro filho, a idade aquando do último filho, a duração de utilização do método contracetivo, influenciam a literacia face à contraceção hormonal combinada; perceber o perfil sociodemográfico das utilizadoras da CHC; encontrar métodos de intervenção que possam contribuir para a melhoria da literacia das utilizadoras da CHC.
Método
Este estudo realizou-se no Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) da Cova da Beira, em 2021, tratando-se de um estudo observacional com o objetivo de avaliar o conhecimento das utilizadoras de CHC acerca dos seus riscos e benefícios. Para proceder à recolha dos dados utilizados nesta investigação obtiveram-se as autorizações necessárias, nomeadamente o parecer da Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Centro e a autorização do diretor executivo do ACeS Cova da Beira.
Assim, foram integradas 150 utentes do ACeS. Para obter uma amostra estratificada e proporcional foram incluídas, de forma aleatória, 37 utentes da Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) Covilhã, 17 da Unidade de Saúde Familiar (USF) da Estrela, 46 da UCSP Fundão, 12 da UCSP Belmonte, 24 da UCSP Tortosendo e 14 da UCSP Teixoso.
Foram selecionadas utentes com idades compreendidas entre os 18 e 50 anos, que utilizavam CHC e eram acompanhadas nas consultas de planeamento familiar da unidade de saúde.
Para a realização do estudo foi utilizado um questionário de autopreenchimento elaborado pelos autores, de acordo com os pontos que pretendiam ser alvos de investigação, e que foi validado antes de se proceder à sua aplicação.
A participação no estudo por parte das utentes foi precedida do esclarecimento dos objetivos do estudo e da assinatura do consentimento informado. O questionário foi distribuído às utentes com a colaboração de alguns profissionais das unidades de saúde e autopreenchido, tendo sido aplicado entre janeiro e junho de 2021.
O questionário era constituído por 24 questões, das quais as primeiras 11 procuravam avaliar as variáveis sociodemográficas e os dados relativos ao método contracetivo atual. As restantes 13 questões abordavam os benefícios e riscos da CHC.
Para análise das respostas ao questionário, o conjunto das 13 questões relacionadas com o conhecimento acerca dos riscos e benefícios da CHC foram agrupadas em grupos relacionados com: 1) questões oncológicas (cancro do ovário, cancro do endométrio, cancro do colo do útero, cancro da mama e cancro colorretal); 2) questões cardiovasculares (insuficiência venosa crónica, acidente vascular cerebral [AVC], enfarte agudo do miocárdio [EAM] e tromboembolismo venoso [TEV]); e 3) questões acerca de outros efeitos (ciclos menstruais, depressão, cefaleias e infertilidade). Com exceção da questão relativa aos ciclos menstruais, todas as questões apresentaram quatro opções de resposta possível: «Evita», «Provoca», «Não evita nem provoca» ou «Não sabe». Na questão relativa aos efeitos da CHC nos ciclos menstruais, as opções de resposta foram: «Regulariza os ciclos», «Desregulariza os ciclos», «Não regulariza nem desregulariza os ciclos» e «Não sabe».
Os resultados obtidos com a aplicação do questionário foram tratados e analisados através do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), v. 23. Após uma análise descritiva dos dados recolhidos, a análise estatística foi realizada através do teste Qui-Quadrado ou teste exato de Fisher e os resultados foram considerados estatisticamente significativos para um nível de significância inferior a 0,05.
Resultados
Caracterização demográfica da amostra
A média das idades das utentes que participaram no estudo foi de 33,57 ± 10,025 anos, com 40% da amostra na faixa etária dos 18 aos 29 anos, 26,67% na faixa etária dos 30 aos 39 anos e 33,33% pertencentes à faixa etária dos 40 aos 50 anos.
Relativamente às habilitações literárias, 24 mulheres frequentaram o ensino básico, 63 o ensino secundário e 63 o ensino superior. Assim, a maioria da amostra possuía como habilitações literárias o ensino superior ou o ensino secundário.
Na amostra observou-se que 73 mulheres eram nulíparas e 77 tiveram pelo menos um parto. Relativamente à idade do primeiro parto foi de 26,23 ± 4,454 anos e a idade média de quando tiveram o último filho foi de 31,87 ± 3,603 anos.
Dados relativos ao método contracetivo
A pílula combinada foi o método contracetivo mais utilizado pela amostra (129 mulheres). Do total da amostra 19 mulheres utilizavam o anel vaginal e duas o sistema transdérmico.
Relativamente ao principal motivo de escolha do método contracetivo atual, das 150 mulheres da amostra, 142 (94,7%) apontaram a recomendação do médico/enfermeiro, três a recomendação de um familiar, três a informação recolhida através da internet e duas a recomendação de uma amiga.
Das 150 mulheres inquiridas oito utilizavam o seu método há menos de um ano, 40 usavam entre um e quatro anos, 38 entre cinco e dez anos e 64 utilizavam o seu método há mais de dez anos.
Quanto à satisfação com o método contracetivo, a maioria das inquiridas (88 mulheres) encontravam-se muito satisfeitas com o seu método atual. Da restante amostra, 47 mulheres estavam moderadamente satisfeitas, cinco não estavam satisfeitas nem insatisfeitas, seis estavam moderadamente insatisfeitas e quatro estavam muito insatisfeitas.
Literacia acerca da CHC
A Tabela 1 apresenta as respostas assinaladas pelas utentes.
Em todas as questões oncológicas mais de 50% das mulheres admitiram não saber responder à questão apresentada. As quatro mulheres que assinalaram que a CHC provoca o cancro do ovário apresentavam uma idade superior à média da amostra, utilizavam o seu método há mais de 10 anos e tinham um filho.
Em três das quatro questões cardiovasculares mais de 50% das mulheres admitiram não saber responder à questão colocada. Das quatro mulheres que assinalaram que a CHC evita as varizes, três delas tinham apenas o ensino básico. Três mulheres assinalaram que a CHC evita o AVC, das quais duas frequentaram o ensino superior. Das cinco mulheres que assinalaram que a CHC evita o TEV, três frequentaram o ensino superior.
Relativamente ao efeito da CHC nos ciclos menstruais, 91,3% das inquiridas afirmou que regulariza os ciclos menstruais. As duas mulheres que responderam que a CHC desregulariza os ciclos menstruais tinham apenas o ensino básico. Relativamente à depressão, 52,7% da amostra afirmou que a CHC não afeta o desenvolvimento da mesma. Das sete mulheres que assinalaram que a CHC evita a depressão seis delas tinham filhos e apresentavam uma idade superior à média da amostra. Já das nove mulheres que assinalaram que provoca a depressão oito delas eram nulíparas e tinham idade inferior à média.
De acordo com a Tabela 1, no total das 13 questões relativas aos benefícios e riscos da CHC oito apresentaram uma percentagem superior a 50% de mulheres que admitiram não conhecer. A questão onde as mulheres da amostra mostraram um melhor conhecimento foi a relativa aos ciclos menstruais - 91,3% de respostas corretas. Pelo contrário, aquela em que demonstraram um pior conhecimento foi a relativa às cefaleias, com 48,0% de respostas erradas. A questão onde as mulheres mais frequentemente admitiram não saber a resposta foi a relativa ao cancro do endométrio (62,7%).
Posteriormente analisaram-se o número médio de respostas corretas, incorretas e o número médio de vezes que se admitiu não saber a resposta em cada grupo (Tabela 2).
No total das 70 mulheres que responderam à questão relativamente ao cancro do ovário, as mulheres da faixa etária dos 30 aos 39 anos tinham menos conhecimentos que as dos restantes grupos etários e as que se encontravam na faixa etária dos 18 aos 29 anos tinham mais conhecimentos (p=0,016). Relativamente às habilitações literárias observou-se que foram as mulheres que frequentaram o ensino superior que apresentaram a maior percentagem de respostas corretas, mas também a maior percentagem de respostas erradas (p=0,034).
Na questão relativa ao cancro do endométrio, das 56 mulheres que responderam à questão foram as mulheres pertencentes à faixa etária dos 18 aos 29 anos que demonstraram um melhor conhecimento e as pertencentes à faixa etária dos 30 aos 39 anos foram as que apresentaram maior percentagem de respostas erradas (p=0,001). Além disso, as mulheres que frequentaram o ensino superior (p=0,023) e as nulíparas também demonstraram um melhor conhecimento (p=0,009).
Entre as 65 mulheres que tinham uma opinião formada relativamente ao cancro do colo do útero, as mulheres que frequentaram o ensino superior demonstraram mais conhecimentos que as mulheres com habilitações literárias inferiores (p=0,013).
Entre as 30 mulheres não nulíparas que responderam à questão acerca da relação entre a CHC e o cancro colorretal observou-se que aquelas que tiveram o primeiro filho após os 25 anos tinham um pior conhecimento relativo a esta questão (p=0,049).
Na questão relativa ao efeito da CHC no TEV, das 38 mulheres não nulíparas que responderam à questão constatou-se que aquelas que tiveram o primeiro filho após os 25 anos tinham um melhor conhecimento relativo a esta questão comparativamente àquelas que tiveram o primeiro filho antes dos 25 anos (p=0,027).
Das 100 mulheres que responderam à questão acerca da relação entre a CHC e as cefaleias, as que não coabitavam com companheiro tinham mais conhecimentos em comparação com as que coabitavam (p=0,035).
A análise das questões relativas ao efeito da CHC nas varizes, EAM, AVC, ciclos menstruais, depressão e infertilidade não revelaram a existência de diferenças estatisticamente significativas.
Discussão
A contraceção continua a ser um tema tabu apesar de existirem registos da mesma desde a Antiguidade. A primeira alusão a este tema remonta há 15.000 anos, em que uma pintura numa caverna francesa demonstrada a utilização de um preservativo durante uma relação sexual. 3
Os métodos contracetivos eficazes permitiram, assim, separar a sexualidade da reprodução. Logo após a introdução da pílula na década de 60, as taxas de interrupção voluntária da gravidez diminuíram. No entanto, após algum tempo surgiram comunicados por parte do governo que questionavam a segurança da pílula e foram criados movimentos contra a contraceção, o que se traduziu num aumento das interrupções voluntárias da gravidez em alguns países europeus. 4 É função do médico combater essas tendências, informando as utilizadoras de CHC acerca dos seus benefícios e riscos, e fornecer alternativas à sua utilização.
Numa perspetiva global verificou-se que a maioria das mulheres da amostra desconhecia os benefícios e riscos da CHC. As mulheres que frequentaram apenas o ensino básico foram as que mais admitiram o seu desconhecimento face aos efeitos da CHC. As mulheres que frequentaram o ensino superior foram as que apresentaram um menor número médio de vezes em que admitiram não saber a resposta e o maior número médio de respostas erradas, talvez porque ao responderem mais também erraram mais, sugerindo que a formação académica das mulheres tem diminuta influência sobre a literacia acerca da CHC.
A análise por estado civil, considerada inicialmente como um dos objetivos do estudo, apenas mostrou influenciar de forma estatisticamente significativa na questão relativa às cefaleias, onde se verificou que as mulheres que não coabitavam com companheiro apresentaram melhor conhecimento.
É de salientar que no grupo das questões oncológicas, todas elas obtiveram uma percentagem de resposta superior a 50% de mulheres que admitiram não saber, o que demonstra um grande desconhecimento nesta área. A CHC associa-se a uma diminuição de 40% do risco de cancro do ovário. 2,5 Nesta questão, as mulheres entre os 18 e 29 anos foram as que mais responderam corretamente. É possível que a prescrição e consequente explicação dos benefícios e riscos da CHC tenha sido mais recente nas mulheres mais jovens, podendo assim recordarem-se mais facilmente. Além disso, a maioria das mulheres com menos de 30 anos frequentaram aulas de educação sexual na escola, o que pode ter aumentado a sua sensibilização para os assuntos relativos à contraceção. As mulheres que frequentaram o ensino superior também mostraram um melhor conhecimento nesta questão, talvez por estarem mais sensibilizadas para esta forma de cancro.
Relativamente ao cancro do endométrio, é consensual na comunidade científica que a utilização de CHC diminui o seu risco. 2,5 Aqui, voltaram a ser as mulheres mais jovens e as que frequentaram o ensino superior a responder corretamente, o que pode ser explicado pelas razões atrás apresentadas. No entanto, esta foi a pergunta com maior percentagem de mulheres que admitiram não saber a resposta. Algumas mulheres, durante a aplicação do questionário, revelaram desconhecer o que era o endométrio. Além disso, não existe um rastreio do cancro do endométrio e consequente consciencialização para este cancro, o que pode justificar este desconhecimento.
A relação entre o uso de CHC e o cancro do colo do útero é controversa, tendo sido encontrada uma associação fraca entre o uso de CHC e a ocorrência de carcinoma epidermoide, mas com diversos cofatores de risco associados. 2,5 Além disso, a principal etiologia deste cancro é o vírus do papiloma humano; 6 daí que a resposta considerada como correta no questionário deste estudo seja que a CHC «Não evita nem provoca o cancro do colo do útero». Como se verificou nas questões anteriores, foram as mulheres que frequentaram o ensino superior que demonstraram um melhor conhecimento nesta questão. Ao contrário do que se verificou nas questões do cancro do ovário e do endométrio, a percentagem de respostas corretas foi superior à percentagem de respostas incorretas, o que demonstra que há um melhor conhecimento relativo ao cancro do colo do útero, podendo ser justificado pela existência do rastreio do cancro do útero e consequente maior sensibilização para o mesmo. Além disso, este rastreio inicia-se aos 25 anos, o que também pode contribuir para o facto das mulheres mais jovens acertarem mais esta questão.
A relação entre o uso CHC e o desenvolvimento de cancro da mama é bastante controversa. Um estudo que envolveu cerca de dois milhões de utilizadoras de CHC concluiu que o risco de cancro da mama aumenta nas utilizadoras de CHC em comparação com as mulheres que nunca utilizaram CHC. Este risco aumenta com a duração de utilização. 7 Assim, a resposta considerada como correta foi «Provoca cancro da mama». Pelo facto de o tema em questão ser bastante controverso e os resultados de vários estudos apresentarem algumas dúvidas pela quantidade de variáveis que podem estar envolvidas, as mulheres apresentaram uma elevada percentagem de respostas incorretas, refletindo a dificuldade da questão apresentada.
A utilização de CHC reduz o risco de cancro colorretal. 2,5 O cancro colorretal é um cancro do aparelho digestivo, ao contrário dos cancros abordados nas restantes questões, que eram ginecológicos. Assim, poderá ser difícil para as mulheres compreenderem como é que a CHC, que funciona através de hormonas produzidas pelo aparelho reprodutor, afeta o aparelho digestivo. Esta foi a questão que apresentou maior percentagem de respostas erradas no grupo das questões oncológicas.
Relativamente aos efeitos da CHC no sistema cardiovascular, vários estudos demonstraram existir um aumento do risco de EAM e de AVC em mulheres sob CHC devido ao risco tromboembólico que se relaciona com a dose de estrogénios. 2,8 Relativamente ao sistema venoso há um aumento do risco de TEV com a utilização de CHC, 3 mas este aumento de risco não se reflete no aparecimento de veias varicosas. 9 Também nas questões relativas ao risco cardiovascular é notório o desconhecimento acerca deste tema, com uma percentagem superior a 50% de mulheres que admitiram não saber a resposta em três das quatro questões apresentadas. Nestas quatro questões não se observaram diferenças demográficas estatisticamente significativas, o que demonstra que o desconhecimento nesta área é transversal a todas as mulheres. De salientar que a questão relativa ao TEV, ao contrário das restantes questões cardiovasculares, apresentou uma percentagem de respostas corretas superior à percentagem de respostas erradas, o que pode ser explicado pela recente polémica gerada com a comparação dos efeitos adversos da vacina COVID-19 e da CHC.
O efeito benéfico da CHC sobre os ciclos menstruais é quase unânime para as mulheres da amostra, com 91,3% de respostas corretas. Isto poderá ser justificado pelo facto de uma das indicações para a utilização de CHC ser a regularização dos ciclos menstruais, algo que é experienciado e objetivado pela própria mulher.
Estudos randomizados não encontraram evidências de que o uso de CHC esteja associado ao comprometimento do processamento cognitivo-emocional e consequente desenvolvimento de depressão, 10 daí a resposta considerada como correta no questionário deste estudo ser que a CHC «Não evita nem provoca a depressão». O bem-estar psicológico apresenta um caráter multidimensional e multifatorial, podendo ser alcançado mais facilmente quando existe um suporte familiar. Neste estudo observou-se que as mulheres mais jovens e nulíparas assinalaram que o uso de CHC provoca depressão. Por outro lado, foram as mulheres mais velhas e com filhos que assinalaram que o uso de CHC evita a depressão, reforçando assim a importância de uma rede familiar sólida na saúde mental.
Apesar das cefaleias serem um efeito indesejável da CHC, estas são mais frequentes no período de pausa do método, o que poderá justificar que esta questão tenha sido a mais errada neste estudo, com a maioria das mulheres a afirmar que o uso de CHC evita o aparecimento de cefaleias. 2
Apesar de o uso de CHC não evitar nem provocar infertilidade a longo prazo, 2,11 14% das inquiridas ainda acreditavam que o uso de CHC está associado ao desenvolvimento de infertilidade a longo prazo, sendo assim ainda um aspeto a desmistificar entre as mulheres.
O conhecimento das utilizadoras acerca da CHC depende da educação para a saúde das mulheres. Esta educação para a saúde depende de fatores sociais, culturais e educacionais, que variam bastante de país para país, o que dificulta a comparação dos resultados obtidos neste estudo com os estudos já existentes. 12-15 Por exemplo, uma maior duração de utilização do método contracetivo é um preditor de um melhor conhecimento nas mulheres australianas, 12 o que não se observou no presente estudo nem num outro efetuado em Portugal no âmbito de uma dissertação de mestrado. 16
Outro objetivo deste estudo era perceber o perfil sociodemográfico das utilizadoras da CHC. Constatou-se que a maioria das utilizadoras tinha idade entre os 18 e os 29 anos, era solteira e nulípara. Relativamente à escolaridade, a maioria frequentou o ensino secundário ou o superior, o que pode estar relacionado com a emancipação da mulher e consequente atraso na constituição da sua família à custa da formação académica.
O presente estudo demonstrou a importância da influência do profissional de saúde no uso da CHC, uma vez que o principal motivo de escolha do método contracetivo apontado pela maioria das mulheres foi a recomendação do médico/enfermeiro, o que vai ao encontro dos achados noutros estudos. 12 O facto da prescrição da CHC ter sido efetuada principalmente por profissionais de saúde sugere que o elevado grau de desconhecimento dos benefícios e riscos do método contracetivo, por parte das utilizadoras, se possa dever à informação insuficiente providenciada pelos profissionais e/ou ao desinteresse das mulheres. É de notar que as utilizadoras de CHC se encontravam maioritariamente muito satisfeitas com o seu método contracetivo, apesar de a maioria não estar ciente dos seus benefícios e riscos, demonstrando a incorreta atual banalização da CHC.
Uma vez que os dados foram recolhidos no interior de Portugal era esperado existir uma população mais heterogénea em termos de habilitações literárias, pelo que se optou pela aplicação de uma linguagem mais acessível e compreensível por parte de todas as utilizadoras. No entanto, também poderá ter levado a eventuais más interpretações. No sentido de procurar melhorar o conhecimento das utilizadoras de CHC seria interessante realizar o mesmo estudo noutros centros de saúde do país, comparando os resultados obtidos, percebendo, assim, se existem diferenças regionais ao nível da literacia das mulheres.
Conclusão
Com este estudo foi possível concluir que as utilizadoras de CHC não estão devidamente esclarecidas sobre os benefícios e riscos inerentes à sua utilização, o que aponta para a necessidade de uma intervenção dos profissionais de saúde e uma sensibilização das utentes.
No presente estudo não foi possível identificar grupos sociodemográficos com diferentes graus de literacia para a CHC que justifiquem intervenções personalizadas. De facto, todas as mulheres entrevistadas mostram bastante desconhecimento sobre os riscos e os benefícios da CHC e de forma independente da sua idade, nível de escolaridade e tempo de utilização do método contracetivo.
Como demonstrado, são os profissionais de saúde os principais prescritores da CHC, pelo que cabe a estes e, em primeiro lugar, aos médicos a obrigação de esclarecer as utentes, chamando-lhes a atenção para as medidas preventivas das complicações da CHC, assim como as alternativas à sua utilização.
Uma vez que grande parte das mulheres vai frequentemente solicitar o seu método contracetivo à sua unidade de saúde, esse momento constitui uma oportunidade privilegiada para os profissionais de saúde monitorizarem e reforçarem o aconselhamento sobre a CHC.
Contributo dos autores
Conceptualização, MM e JFM; metodologia, MM e JFM; validação, MM e SN; análise formal, MM e SN; investigação, MM; recursos, CPR; curadoria de dados, MM; redação do draft original, MM; redação, revisão e validação do texto final, MM, CPR, SN e JFM; supervisão, MM. Todos os autores leram e concordaram com a versão final do manuscrito.