Introdução
A rinolitíase é uma condição rara, pouco descrita na literatura, frequentemente negligenciada ou mesmo desconhecida, e que tende a desaparecer nos países desenvolvidos.1,2
O termo rinólito corresponde a uma coleção calcária localizada nas fossas nasais, formada por deposição gradual de sais minerais em redor de um nidus, que pode ser endógeno ou exógeno. Exemplos de nidus endógenos são dentes, coágulos sanguíneos, ou fragmentos ósseos; exemplos de nidus exógenos são sementes, botões ou remanescentes de tamponamentos nasais. Estes últimos são mais comuns e a forma mais frequente de se instalarem é a via anterógrada, embora a via retrógrada também seja possível (por vómito ou tosse, por exemplo), bem como a sua formação in situ.2,3
A presença destes “materiais” desencadeia um processo inflamatório crónico, associado à deposição de sais de magnésio e de cálcio, formando massas de aspeto e consistência diversos, podendo ser cinzentos, castanhos ou esverdeados. Os rinólitos são geralmente unilaterais e localizam-se no pavimento da fossa nasal, ou entre o septo e o corneto inferior.3-6
A sintomatologia do evento desencadeante é muitas vezes ligeira, pelo que o doente vulgarmente se esquece. Após um período de latência, entre o aparecimento e o crescimento do rinólito, a sintomatologia mais intensa pode surgir, frequentemente obstrução nasal e rinorreia purulenta unilaterais. Cefaleia, epistaxis, anosmia, cacosmia, epífora, halitose ou edema do nariz ou face também estão descritos. Pela inespecificidade das queixas, os rinólitos localizados na região posterior das fossas nasais podem passar despercebidos, sobretudo se o exame objetivo não recorrer à endoscopia.6,7
À medida que aumenta de tamanho, o rinólito pode comprimir e/ou erodir estruturas vizinhas. Perfuração septal, fístula oro-antral, invasão do seio maxilar, osteomielite e abcesso epidural são complicações possíveis.5,8,9
Em conjunto com endoscopia nasal, a tomografia computorizada de seios perinasais (TC SPN) é o exame de eleição para o diagnóstico de rinolitíase. A imagem típica é de uma lesão hiperdensa com eventual área hipodensa no centro, correspondendo ao nidus. Além de precisar o local exato da lesão e ser útil na programação de uma eventual abordagem cirúrgica, este exame permite também identificar patologias concomitantes, como rinossinusite ou desvios do septo nasal, bem como presença de complicações associadas.6,10-12
O diagnóstico diferencial abrange lesões hiperdensas das fossas nasais e inclui pólipo calcificado, sequestro ósseo, tumores benignos (hemangioma, osteoma, fibroma ossificante) e malignos (osteossarcoma, condrossarcoma).4,10,11
Casos clínicos
Caso 1
Trata-se de uma doente do sexo feminino, 56 anos, natural e residente em São Tomé e Príncipe, observada no hospital Ayres Menezes. Apresentava queixas de obstrução nasal bilateral, cacosmia e rinorreia fétida com vários anos de evolução. Negava sintomatologia associada, nomeadamente febre ou perda de peso.
Na endoscopia observou-se lesão granulomatosa, ocupando ambas as fossas nasais, não franqueável e abundante rinorreia purulenta (Fig. 1).
A doente fez curso de antibioterapia e corticoterapia local e sistémica. Na consulta de seguimento mantinha lesão com as mesmas características, pelo que se optou por pedir TC dos seios perinasais, que revelou volumosa lesão hiperdensa localizada nas fossas nasais, com destruição parcial do septo nasal e das paredes mediais dos seios maxilares, e sinusite maxilar associada (Fig. 2).
Realizou-se biópsia excisional por cirurgia endoscópica nasossinusal, verificando-se massa de aspeto e consistência pétrea (Fig. 3). A lesão foi removida na sua totalidade, após fragmentação (Fig. 4). A anatomia patológica revelou massa calcificada compatível com rinólito.
No follow-up a um ano a doente apresentava-se assintomática, embora mantendo perfuração do septo nasal (Fig. 5).
Caso 2
Trata-se de uma doente do sexo feminino, natural do Brasil, observada no hospital CUF Infante Santo. Apresentava queixas de roncopatia e obstrução nasal direita há vários anos. Negou sintomatologia associada, nomeadamente rinorreia, febre ou perda de peso.
Na avaliação endoscópica observou-se, no pavimento da fossa nasal direita, massa acinzentada, de consistência pétrea, com cerca de 1,5 cm de maior diâmetro, sem sinais infeciosos ou inflamatórios dos tecidos circundantes (Fig. 6).
Neste caso, optou-se por remover a lesão no consultório, sob anestesia local. A anatomia patológica revelou lesão calcificada, compatível com rinólito.
Discussão
O diagnóstico de rinolitíase é raro, mas deve ter sido em conta em doentes com queixa de obstrução nasal de longa duração, rinorreia purulenta unilateral, cefaleia crónica, halitose e/ou epistaxis recorrente. Como apresentado no caso 2, pode também surgir como achado acidental num doente assintomático.
A endoscopia nasal e o TC de seios perinasais são ferramentas indispensáveis para o diagnóstico, planeamento e abordagem desta patologia.
O tratamento baseia-se na excisão do rinólito e tecidos circundantes (com eventual biópsia dos mesmos), devendo a abordagem ser escolhida em função das características da patologia e do doente. Em doentes colaborantes e patologia simples poderá optar-se pela remoção sob anestesia local e com recurso à endoscopia, como no caso 2. Em doentes pouco colaborantes ou patologia avançada (existência de complicações, rinólito de grandes dimensões) poderá optar-se por cirurgia sob anestesia geral. De forma geral, a cirurgia endoscópica nasossinusal é a via preferida, mas a abordagem externa também é uma possibilidade em casos mais complexos.3,6-8,11-13
No pós-operatório deve ser instituída antibioterapia profilática e analgesia adequada. A litotrícia, embora relatada por alguns autores, não é consensual. A recorrência é muito rara.7,8,13,14