Introdução
A Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) é uma condição crónica mais frequente em crianças e jovens (Katsarou et al., 2017) e de acordo com dados de 2015, da Diabetes - registo das Crianças e jovens (DOCE) a DM1 afetava 3 327 indivíduos entre os 0-19 anos, o que correspondia a 0,16% da população portuguesa (Sociedade Portuguesa de Diabetologia, 2016).
O tratamento da DM1 assenta numa tríade terapêutica que inclui o controlo da alimentação e da atividade física, para além da administração de insulina exógena (Patterson et al., 2019). Neste complexo regime de tratamento, a par da monitorização contínua da glicose (MCG), a insulinoterapia pode ser realizada através de dois sistemas, ou seja, com Múltiplas Injeções Diárias (MID) ou com recurso a sistemas de Perfusão Subcutânea Contínua de Insulina (PSCI), denominada também de bomba de insulina (Katsarou et al., 2017). O tratamento com PSCI tem obtido melhor ajuste da insulina basal às necessidades diárias e circadianas, proporcionado melhor controle glicémico e, consequentemente, melhor qualidade de vida (Alvarenga et al., 2022; Rosner et al., 2019).
Em Portugal, a maioria das crianças e adolescentes encontram-se atualmente a realizar o seu tratamento com PSCI, uma vez que uma decisão governamental, descrita no despacho nº 13277/2016 publicado no Diário da República nº 213/2016, II série, determinou que, de forma progressiva, no âmbito do Programa Nacional para a Diabetes, todos os utentes em idade pediátrica elegíveis e inscritos na plataforma PSCI, tivessem acesso a esta modalidade de tratamento até ao final do ano 2019. Assim, esta é uma realidade recente no âmbito dos cuidados de saúde providenciados aos adolescentes com DM1 que urge conhecer de forma mais aprofundada, para melhor orientar os profissionais de saúde nas decisões clínicas associadas ao acompanhamento destes utentes e suas famílias. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi conhecer a perceção das mães relativa ao sistema de PSCI no tratamento da DM1 dos adolescentes.
Enquadramento/fundamentação teórica
O tratamento da DM1 é complexo e exigente, tendo implicações na qualidade de vida da criança/adolescente e da sua família (Mueller- Godeffroy et al, 2018). Os pais de crianças com DM1 reconhecem que há uma profunda alteração na vida da família após o diagnóstico e as necessidades de apoio por parte dos profissionais de saúde vão para lá da aquisição de habilidades na gestão da doença, em particular no primeiro ano após o diagnóstico (Iversen et al., 2018).
O tratamento com insulina é central na gestão da DM1 e a PSCI e a MID são as formas mais comummente utilizadas. Têm sido desenvolvidos estudos comparativos entre estas duas formas de administração e gestão da insulina com a avaliação de variáveis clínicas, da perceção de qualidade de vida dos indivíduos com DM1 e da sobrecarga dos cuidadores. Na revisão realizada por Rosner et al. (2019), o tratamento com PSCI resultou numa redução da hemoglobina glicada A1c (HbA1c). Fureman et al. (2021) sugerem, todavia, que a diminuição da HbA1c no tratamento com PSCI pode resultar, em parte, de esta abordagem terapêutica ter um acompanhamento mais sistemático por parte das equipes multidisciplinares no sentido da capacitação da pessoa com DM1 e da sua família.
Iniciar o tratamento com um sistema de PSCI obriga a um processo de adaptação e exige a aquisição de competências a habilidades por parte dos envolvidos sendo essencial um acompanhamento ajustado às suas necessidades. Pelo que na adaptação ao dispositivo é expetável observarem-se tensões entre as expetativas e a experiência e será também provável que, numa fase inicial, existam dificuldades na articulação entre a gestão do dispositivo e as outras componentes da autogestão (Reidy et al., 2018).
A literatura vai apontando a importância de apoiar os pais na gestão da DM1 dos seus filhos adolescentes, evidenciando que quando o tratamento passa a ser realizado com bomba de insulina, o nível de sobrecarga sentido pelos pais diminui (Mueller-Godeffroy et al, 2018). Em estudos qualitativos, os pais identificam várias vantagens no sistema PSCI, nomeadamente na qualidade de vida do filho adolescente e globalmente no funcionamento da família (Alsaleh et al., 2014; Rankin et al., 2015). Também num estudo do tipo experimental (RTC) conduzido por Blair et al. (2019) os pais de crianças ou adolescentes com DM1 tratados com PCSI apresentaram uma melhor perceção acerca da qualidade de vida dos seus filhos do que os pais de crianças ou adolescentes tratados com MID. Mas para apoiar os pais e melhor responder às suas necessidades é fundamental conhecer as suas experiências a nível da gestão da DM1 e do seu tratamento.
Metodologia
Trata-se de um estudo de caráter qualitativo, de tipo descritivo e exploratório.
Para a consecução do estudo constituiu-se uma amostra de conveniência (Ribeiro, 2010). Os participantes foram pais e mães com filhos adolescentes com sistema PSCI para o tratamento da DM1 e história de tratamento com injeções múltiplas, que manifestaram disponibilidade para participar no estudo, tendo-se voluntariado apenas mães. Atendendo à objetividade da problemática em estudo e à similitude dos dados obtidos, uma amostra 10 participantes revelou ser a dimensão adequada para dar resposta ao objetivo do estudo (Rego et al., 2018). A recolha dos dados foi realizada através de uma entrevista semiestruturada, que decorreu no Serviço de Consulta Externa. O guião foi elaborado no sentido de a mãe abordar as seguintes temáticas: o processo de preparação para utilização do Sistema de PSCI; a gestão da diabetes tipo 1 com utilização do sistema de PSCI, vantagens e desvantagens percebidas, mudanças decorrentes da utilização do sistema de PSCI nos diferentes aspetos da vida do adolescente e mudanças ocorridas no seio familiar; a satisfação com o tratamento com sistema de PSCI, em comparação com o anterior de injeções múltiplas. As entrevistas decorreram entre abril e junho de 2020 e foram gravadas com recurso a gravador de áudio e, posteriormente, transcritas.
A participação no estudo foi voluntária tendo cada participante, após explicação do estudo, assinado o consentimento informado, após parecer favorável da Comissão de Ética -Parecer Nº 2019.32(028DEFI/029- CE) do Centro Hospitalar onde decorreu o estudo.
Com o propósito de salvaguardar a confidencialidade dos dados recorreu-se a códigos de identificação das entrevistas com recurso à letra “M” e com o número correspondente à gravação (M1 a M10) e não existiu qualquer menção na entrevista a dados que pudessem identificar a participante e o acesso a esta foi restrito aos autores envolvidos na sua análise.
A análise de dados foi sequencial e orientada pelas fases do método de análise de conteúdo de Bardin (2009). As entrevistas foram sujeitas a análise, sendo a categorização efetuada à posteriori, tendo emergido categorias e subcategorias, às quais se associaram as unidades de registo.
Resultados
A amostra de participantes constituiu-se por 10 mães com idades compreendidas entre os 40 e os 50 anos de idade com filhos entre os 12 e os 16 anos de idade com DM1 a realizarem tratamento com PSCI e tendo previamente iniciado tratamento com injeções múltiplas. No que se refere à situação profissional todas estavam no ativo. A idade de diagnóstico da DM1 dos filhos foi entre os 4 e os 9 anos de idade. As participantes assumiam o papel de cuidadoras principais e viviam com os filhos.
Da análise dos discursos relativos à perceção das mães sobre a utilização dos sistemas de perfusão contínua de insulina no tratamento da DM1 dos adolescentes, emergiram quatro categorias: A TRANSIÇÃO PARA PSCI, BEM-ESTAR DO ADOLESCENTE E FAMÍLIA, AUTONOMIA DO ADOLESCENTE e LIMITAÇÕES DO
DISPOSITIVO. As categorias resultaram de uma agregação semântica, tendo por base a relação entre as subcategorias e as unidades de registo.
Na tabela 1 estão representados os resultados da análise de conteúdo expondo as categorias e as subcategorias, no sentido de facilitar a compreensão da agregação dos dados.
A Categoria TRANSIÇÃO PARA O PSCI dá a conhecer a exigência do processo de adaptação dos adolescentes e da sua família ao sistema de administração de insulina na DM 1. Os DESAFIOS que lhes são colocados e O SUPORTE PERCEBIDO POR PARTE DOS PROFISSIONAIS de saúde foram as subcategorias identificadas, que mostram as dificuldades e os recursos percebidos pelas participantes.
Na análise por subcategorias e considerando os DESAFIOS, a adaptação a esta nova forma de administração de insulina, foi pautada por dificuldades onde o stresse e o medo foram manifestos.
“No início foi complicado, não foi fácil…Durante a noite era muito mais complicado, tinha medo que ele fizesse mais hipos e, às vezes, com formação de bolhas tivesse os corpos cetónicos positivos e que daí viessem outras complicações. Foi um bocadinho mais stressante…” (M3)
As participantes consideraram a aquisição de conhecimentos e competências necessários para a utilização do sistema PSCI um processo difícil, que se prolongou no tempo. A dor associada à colocação do cateter e a dificuldade em estabilizar os valores de glicemia foram aspetos evidenciados nos testemunhos.
“Durante as sessões a informação é muita, vemo-nos aflitos com tanta documentação que nos é entregue, assim uma coisa muito complicada porque é muita informação num curto espaço de horas, foram três manhãs, mas depois quando começamos a pôr as coisas em prática vão surgindo as dúvidas…” (M5)
“Inicialmente as noites eram difíceis, porque ele estava sempre com hiperglicemias, com corpos cetónicos positivos…” (M3)
Ainda na categoria TRANSIÇÃO PARA O PSCI a subcategoria O SUPORTE PERCEBIDO POR PARTE DOS PROFISSIONAIS evidencia a perceção da importância do seu papel no processo de educação terapêutica na transição para a PSCI.
“Em relação à educação para a saúde e no que diz respeito à bomba em si, à forma como iriamos utilizar, acho que foi muito bom. Tive muita clarificação em relação a tudo, todas as dúvidas que nós tínhamos foram esclarecidas, a enfermeira e a médica foram muito assertivas. Só tenho a dizer bem, explicaram-nos muito bem.” (M3)
Complementar a abordagem teórica com a componente prática revelou-se uma mais-valia. O treino no manuseamento dos dispositivos com recurso à simulação contribuiu para a aquisição de habilidades.
“a bomba estava colocada numa almofada, e nós íamos experimentando, testando, para ver as dúvidas, e foi assim durante uma semana.” (M5)
As participantes reconhecem o apoio dos profissionais enfermeiros e médicos e técnicos no processo de transição para o sistema, enfatizando a sua disponibilidade.
“Sempre que precisamos eles ajudam, a gente liga e eles ajudam …” (M 1)
“A comunicação foi clara e a disponibilidade para acompanhamento e esclarecimento de dúvidas, foi positivo poder telefonar se necessário diretamente para o profissional de saúde, transmite segurança. Tivemos todo o apoio e esclarecimento, tanto a nível médico, enfermagem e mesmo da Medtronic para encontrar soluções para problemas que surgiram.” (M10)
A categoria BEM-ESTAR DO ADOLESCENTE E FAMÍLIA expõe a perceção das participantes relativa aos benefícios do PSCI, constituindo-se pelas subcategorias: MELHOR QUALIDADE DE VIDA; MELHOR GESTÃO DA DOENÇA e TRATAMENTO MENOS INVASIVO.
Na subcategoria MELHOR QUALIDADE DE VIDA as participantes relatam que a perceção que a vida da família melhorou com o tratamento com o sistema de PSCI, conforme se expressa no seguinte excerto:
“Na família há um maior conforto na gestão da doença e liberdade, possibilitando rotinas e atividades normais.” (M8)
Ainda dentro da categoria bem-estar do adolescente e família surge a subcategoria TRATAMENTO MENOS INVASIVO que reconhece no PSCI uma forma de tratamento menos dolorosa sendo este um aspeto importante na melhoria do bem-estar do adolescente e da família. Picar um filho é um processo penoso e desgastante, pelo que a redução do número de picadas para administração de insulina e controlo da glicemia é percebido como muito positivo.
“Era doloroso para mim estar sempre a picar o meu filho com as canetas. A sensação que eu tinha, sempre a espetar, sempre a espetar… a picar o menino, não gostava daquilo, mas tinha que ser, pois, sem isso não se sobrevive. Agora com a bomba não. Estou a dar-lhe a insulina e ao mesmo tempo estou a abraçá-lo, estamos com carinhos.” (M2)
A subcategoria MELHOR GESTÃO DA DOENÇA revela- se nos testemunhos das participantes quando referem que o PSCI permitiu uma estabilização dos níveis glicémicos e diminuição dos episódios de hipoglicemias e hiperglicemias. As participantes valorizam a melhor adequação do tratamento às necessidades individuais dos filhos.
“Tem menos hipoglicemias e hiperglicemias (…) é fantástico.” (M3)
“Permite ter um melhor controle dos valores da glicemia, principalmente nos tempos que a nossa menina não está connosco. Com este método temos valores de insulina mais constantes e com doses mais precisas.” (M6)
Através dos relatos das entrevistadas, foi possível perceber que a qualidade de vida foi globalmente incrementada com o uso do sistema de PSCI e são reconhecidas as vantagens ao nível do controlo da DM1.
A adolescência é uma fase marcada pela progressiva autonomia do indivíduo, quando este tem uma DM1 essa autonomia relativamente aos pais fica seriamente comprometida, e neste sentido, o uso de PSCI na gestão da doença revela-se como um fator facilitador. Essa perceção é revelada nos testemunhos das participantes do presente estudo e que se retratam na categoria AUTONOMIA DO ADOLESCENTE e considerando a diversidade de áreas em que ela se evidencia emergiam as subcategorias: ALIMENTAÇÃO, ATIVIDADE FÍSICA e VIDA SOCIAL.
No que se reporta à subcategoria ALIMENTAÇÃO, esta é uma necessidade básica, mas é também um ato social e dos relatos evidencia-se que esta constitui uma grande preocupação para as famílias com adolescentes com DM1. Efetivamente a alimentação é um elemento central na gestão da doença. Pelo exposto, a liberdade em torno das opções alimentares que o sistema de PSCI possibilita foi um dos aspetos que as participantes referiram.
“Só de vermos que o menino pode comer a qualquer hora, vamos a qualquer lado, a um restaurante…”.(M2)
“…maior liberdade e flexibilidade ao nível da alimentação.” (M7)
A subcategoria ATIVIDADE FÍSICA mostra como as participantes percebem que a utilização do sistema de PSCI veio contribuir para uma maior liberdade em relação à prática de exercício físico por parte dos filhos, pois podem realizar exercício facilmente, desconectando o sistema, sem se colocar em risco.
“Exercício físico normal, ele faz quatro treinos por semana, depois ao fim-de-semana tem mais um jogo, ele retira a bomba uma hora e meia antes, portanto ele faz os cálculos que tem que fazer, para aquele período de tempo que está parado, são mais ou menos três horitas, faz os cálculos…” (M5).
“Para fazer natação ou qualquer tipo de exercício físico foi fácil adaptação porque basta retirar a máquina e fazer o desporto.” (M6)
No entanto, uma participante verbalizou que a realização do exercício físico com o sistema de PSCI, exigia alguns cuidados adicionais em termos técnicos e uma maior vigilância metabólica.
“…a bomba obrigou-o a ter muito maior cuidado com os corpos cetónicos, avaliar mais vezes, e às vezes como a cânula entorta ele percebe que está com corpos cetónicos positivos e impede-o de fazer exercício físico.”(M4)
A VIDA SOCIAL é uma outra subcategoria da categoria autonomia do adolescente. Na opinião das mães este é um contexto importante para o desenvolvimento do adolescente e valorizam a autonomia que os filhos conquistaram neste âmbito através do uso de PSCI na gestão da doença.
“Ele agora até tem uma namorada e diz que não tem nenhum tipo de problemas em ter a bomba, não se sente inferiorizado em relação aos outros.” (M4)
“Na escola e no meio dos amigos o meu filho conseguiu voltar a ser mais normal. Esta é a expressão dele mesmo.” (M9)
Pese embora as participantes terem demonstrado satisfação com o tratamento com PSCI, foi feita referência às LIMITAÇÕES que identificam no seu uso e as expetativas que têm sobre as POTENCIALIDADES do mesmo, sendo estas as subcategorias que representam a categoria DISPOSITIVO.
No que se refere à subcategoria relativa às LIMITAÇÕES, a ocorrência de problemas no funcionamento e segurança do dispositivo foram as mais evidenciadas.
“seria muito benéfico que não houvesse formação tantas bolhas de ar nos cartuchos e prolongadores, o que obriga a purgar a máquina com frequência. Também poderia ser encontrada uma forma de adaptação de cartuchos pré- recargados para evitar a formação de bolhas.” (M6) “mudanças muito frequentes de sensores devido as complicações locais, a obstrução do cateter” (M10).
A inexistência de alarmes para avisar quando o adolescente entra numa hiperglicemia ou hipoglicemia foi também mencionada como uma limitação, sugerindo que este seria particularmente seguro no período noturno.
“A bomba… devia ter alarmes. … não ter conexão com o sistema do telemóvel, com uma aplicação… se fosse a bomba em si, se fizesse tudo, ótimo, isso é que era bom, isso era o ideal”. (M2)
O uso dispositivo pode ainda constituir um entrave em contextos específicos como a praia, onde o seu uso é mais visível.
“… ele está numa fase complicada da adolescência, com 16 anos, e o ano passado eu vi pela primeira vez que ele estava um bocadinho envergonhado de ir para a praia com o cateter colocado” (M5)
Não haver uma interligação entre a leitura dos valores de glicemia e as descargas de insulina.
“…não ser autónoma da medição de glicemia, uma vez que o cateter já está em contacto com os capilares; estar apenas conectada com o seu medidor de glicemia, não estabelecendo ligação com outros, por exemplo, com o Libre.” (M8)
A subcategoria POTENCIALIDADES mostra que no entender das participantes o dispositivo tem aspetos que devem ser desenvolvidos de modo a oferecer outras funcionalidades.
“…penso que há mais potencialidades do que as aplicadas. Por exemplo, a X não tem um dispositivo de extração dos dados da bomba para um sistema operativo IOS …, julgo que já se poderia ter avançado mais no desenvolvimento das funcionalidades possíveis para a bomba de insulina.” (M8)
Discussão
Perante a DM1, os familiares são confrontados com novos desafios em matéria de conhecimentos de saúde e aquisição de competências que lhes permitam atuar de forma a gerir eficazmente a doença (Iversen et al., 2018), o que frequentemente gera sentimentos de stresse e ansiedade (Florêncio & Cerqueira, 2021). Estes tipos de sentimentos foram também descritos pelos participantes no processo de transição para a terapêutica com o Sistema de PSCI, que globalmente consideraram difícil. As hipoglicemias, a formação de ar no sistema que dá origem à hiperglicemia e à presença de corpos cetónicos positivos, a colocação de cateter e dor inerente à colocação, foram alguns dos desafios evocados pelas mães dos adolescentes com DM1, aspetos que na revisão de Alvarenga et al. (2022) foram também identificados como dificuldades na utilização da bomba.
A educação terapêutica foi descrita de forma bastante positiva, porquanto existiu clarificação em relação aos procedimentos do Sistema de PSCI e as dúvidas colocadas foram sempre esclarecidas. Foi referido como aspeto negativo, o excesso de informação teórica e procedimentos práticos, simultâneos, ministrados num curto espaço de tempo. Esta dificuldade foi também reportada num estudo de Alsaleh et al. (2013) sobre a implementação de um programa educacional estruturado de apoio à transição para o sistema de PSCI, em que os pais sugeriram que previamente à formação sobre o sistema se desse alguma informação para aliviar a sobrecarga de transmissão de conhecimentos nas sessões formativas.
As participantes, reportando-se ao suporte dos profissionais de saúde, manifestaram a enorme importância do apoio recebido e a sua permanente disponibilidade e acompanhamento, por vezes com recurso ao telefone, sempre que em casa surgiram dificuldades no processo terapêutico. A importância do apoio da equipe de saúde é reconhecida na literatura como revela a revisão de Trandafir et al. (2022). No estudo previamente referido de Alsaleh et al. (2013), quer os pais quer as crianças e os adolescentes descreveram o apoio telefónico permanente dos profissionais de saúde como muito útil e positivo.
No global, as mães revelaram-se satisfeitas com o sistema PSCI e consideraram que este era promotor do bem-estar do adolescente e da família, resultados também identificados na literatura (Alvarenga et al., 2022; Alsaleh et al. ,2014; Rankin et al.,2015; Shee et al, 2019). O impacto positivo da bomba de insulina na qualidade de vida da família tem sido já demonstrado em outros estudos, em que os pais descrevem mudanças que aproximam a vida familiar do que consideram uma rotina mais “normal”, por trazer uma maior flexibilidade a nível dos estilos de vida (Rankin et al., 2015) e da realização de atividades sociais (Alsaleh et al. ,2014). Em relação às vantagens do sistema PSCI a nível da gestão da doença, as entrevistadas referiram sobretudo o melhor controlo dos sintomas de hipoglicemia e hiperglicemias, considerado fundamental para manter os valores glicémicos dentro dos parâmetros normais, bem como a maior facilidade no processo da autonomia do adolescente. Também na revisão de Alvarenga et al. (2022), a grande maioria dos estudos revelou que a utilização do sistema de PSCI resultava nestes benefícios clínicos. Uma das outras vantagens desta modalidade de tratamento referida pelas mães como contribuindo para o bem-estar dos seus filhos foi o facto de este ser menos invasivo. Na literatura sobre os fatores desencadeadores de stresse nos pais de crianças e adolescentes com DM1, é frequente a referência à dificuldade de causar sofrimento através das picadas para administração de insulina e a perceção de que o sistema PSCI traz claras vantagens a este nível (Rankin et al., 2015).
Um dos aspetos mais vincados pelas mães foi a mais-valia do sistema de PSCI para a autonomia dos adolescentes na gestão da doença. As mães revelaram que com o sistema de PSCI as melhorias neste âmbito foram significativas, permitindo-lhes por exemplo, a nível da alimentação, passar de um regime rígido para um regime mais flexível, em termos de horários e variedade alimentar. Num estudo de revisão de Alsaleh et al. (2012), a maior liberdade na escolha alimentar foi identificada como a maior vantagem da bomba pela maioria das famílias (78%).
Outro dos aspetos vitais para o desenvolvimento físico e psicossocial dos adolescentes é a prática de exercício físico (Nadella, Indyk, & Kamboj, 2017) e que também parece ser facilitada pelo uso da bomba de insulina. Neste âmbito, as mães apontaram mais uma vez as vantagens do sistema de PSCI, uma vez que permite administrar a insulina necessária para o tempo de exercício sem utilizar o aparelho, com benefícios óbvios na prevenção das hipoglicemias. Também se evidenciou da análise das entrevistas, que os cuidadores consideravam que com a utilização do sistema de PSC, os adolescentes obtiveram maior liberdade e flexibilidade na sua vida social, no âmbito da escola e dos relacionamentos interpessoais, contribuindo significativamente para uma maior autonomia, um aspeto muito valorizado nos estudos onde se evidenciam os benefícios do sistema PSCI como revela a revisão de Alvarenga et al. (2022). Este é um domínio particularmente relevante para o adolescente, onde se concretizam importantes tarefas desenvolvimentais como a individuação dos pais e uma maior independência na ocupação dos tempos livres. As mães também fizeram referência a aspetos menos satisfatórios no tratamento com a bomba, sugerindo que o sistema de PSCI pudesse ser melhorado com algumas características técnicas que facilitassem a vigilância durante a noite, como a presença de sinais sonoros ou uma aplicação tecnológica que conectasse, por exemplo, com o telemóvel e gerasse um alerta antes do adolescente entrar em hiperglicemia ou hipoglicémia. Algumas das limitações apontadas, nomeadamente a de não existir conexão entre a bomba e o sensor de monitorização flash da glicose, são funcionalidades que embora não estejam presentes nos modelos disponibilizados gratuitamente através do SNS aos utentes, já existem em modelos mais recentes e tecnicamente mais sofisticados, que dado o seu custo, não são acessíveis a muitas famílias. A literatura aponta para as vantagens destas novas características técnicas dos dispositivos, nomeadamente, do sistema “closed-loop” na facilitação das atividades de vida do adolescente e sua família (Rankin et al, 2021). No processo de recrutamento apesar de estar prevista a participação de pais, o facto de estes não aderido pode ser considerado uma limitação do estudo. Os resultados seriam enriquecidos se nos participantes estivessem outros elementos da família, inclusive os próprios adolescentes.
Conclusão
A diabetes tipo 1 é uma doença crónica autoimune caraterizada pela deficiente produção de insulina. As pessoas portadoras da DM1 estão sujeitas um tratamento complexo, tendo-se vindo a observar uma grande evolução nos dispositivos médicos utilizados no tratamento da mesma. A administração de insulina por PSCI têm-se mostrado como uma forma de tratamento vantajoso que confere melhor qualidade de vida à pessoa com diabetes Mellitus tipo 1 e à sua família.
De acordo com os testemunhos das mães, a bomba de insulina proporciona melhor qualidade de vida, melhor gestão da doença e um tratamento menos invasivo, conferindo maior bem-estar do adolescente com DM1 e sua família. O adolescente adquire maior autonomia na gestão do seu padrão alimentar e de exercício e facilita a sua interação social. Mas o processo de adaptação ao dispositivo é exigente e obriga à aquisição de conhecimentos e capacidades dos envolvidos. Neste sentido é essencial os profissionais de saúde desenvolverem um trabalho de capacitação dos pais e dos adolescentes e terem disponibilidade para um acompanhamento contínuo neste processo de adaptação. Todavia, o ritmo vertiginoso com que a inovação tecnológica e digital acontece atualmente cria inúmeras possibilidades na evolução dos dispositivos utilizados na gestão da DM1, pelo que se deseja uma maior otimização do sistema com mais e melhores funcionalidades.
Os resultados expõem a importância e necessidade de um acompanhamento contínuo pelos profissionais de saúde e evidenciam a premência de um investimento na inovação em tecnologia de ponta para a otimização destes recursos e que a acessibilidade a estes seja universal.