Introdução
A tomografia por emissão de positrões (PET) é comummente usada no estadiamento e monitorização terapêutica de várias neoplasias.1 A estrutura química da 18F-fluor-2-deoxi-2- D-glucose ([18F]FDG) é similar à da glicose, diferindo na marcação de um átomo de carbono com um radioisótopo de [18F].2 A glicose é transportada por transportadores de membrana específicos de glicose (GLUT) para o citoplasma, local onde é fosforilada pela hexocinase a glucose-6-fosfato e subsequentemente metabolizada. A FDG entra nas células pelo mesmo mecanismo e é fosforilada pela hexocinase, mas não é substrato para ulterior ação enzimática com consequente acumulação intracelular.3
O uso da FDG baseia-se no fenómeno de glicólise aeróbica designado de “Efeito de Warburg”.4 O incremento na taxa de glicólise das células neoplásicas está associado ao índice proliferativo, à neovascularização, ao aumento de expressão de GLUT e glucocinase com consequente aumento de captação e concentração de [18F]FDG.3
A biodistribuição de [18F]FDG em humanos reflete a expressão de GLUTs; no estado euglicémico, vários órgãos e sistemas apresentam uma captação fisiológica de [18F]FDG, nomeadamente o cérebro, o fígado, o miocárdio e o sistema urinário.5
Numerosas condições clínicas podem afetar a captação de [18F]FDG pelos tecidos, sendo a mais importante a hiperglicemia, quer pela competição direta da glicose com [18F]FDG, como pela consequente hiperinsulinemia com sobreexpressão de GLUT-4 e maior captação fisiológica do músculo esquelético e cardíaco privando a sua acumulação nas células neoplásicas (com risco de falsos negativos).6 Os níveis de glicose plasmática podem ainda afetar o Standard Uptake Value (SUV) das lesões tumorais e/ou de órgãos usados como referência como é o caso do fígado.7
As recomendações atuais para a preparação das pessoas com diabetes submetidas a [18F]FDG foram desenvolvidas no passado.8,9No entanto, o crescente número de terapêuticas hipoglicemiantes e as novas formulações insulínicas aumentaram a complexidade da preparação destes doentes.
Após revisão da literatura, recomendações e consensos publicados,6,8,9,10,11,12,13,14 15 foi elaborada uma proposta de protocolo para otimizar a abordagem e preparação de pacientes com diabetes.
Considerações Gerais
O exame deve ser agendado para o início da manhã.
A partir da meia-noite do dia do exame, o doente deve manter-se em jejum (exceto água) e toma apenas a medicação não dirigida à diabetes.
Nas 24h prévias à realização do exame não devem ser ingeridos alimentos, bebidas açucaradas ou bebidas alcoólicas nem realizado exercício físico ou trabalho que exija força muscular intensa.
Deve ser recomendado aos doentes que “simulem” na semana prévia à realização do estudo PET/FDG o jejum e alterações terapêuticas necessárias para o exame. Se glicemia em jejum >200mg/dL devem contactar o médico assistente para ajuste de terapêutica.
Após completar o exame, o doente deve ingerir uma
refeição.
Preparação para o exame
Recomendações para doentes sob terapêutica hipoglicemiante oral exclusiva (tabela 1)
Recomendações para doentes com diabetes tipo 1
Noções fundamentais
Os doentes com diabetes tipo 1 (ausência total de secreção endógena de insulina) estão habitualmente medicados com esquema de insulinoterapia basal-bólus. Este esquema visa mimetizar o mecanismo fisiológico da secreção pancreática de insulina, composto por:
Secreção basal (em jejum): insulina secretada em ciclos pulsáteis e circadianos; a quantidade de insulina libertada é variável e relacionada com o índice de massa corporal (e insulinorresistência) e com a glicemia em jejum.
Secreção estimulada (pós-prandial/carga de glicose
Fase precoce/aguda (curta duração): quantidade de insulina secretada é dependente da magnitude da elevação de glicemia.
Fase tardia (prolongada): secreção em resposta à “carga de glicose” absorvida.16
Na prática, a terapêutica passa por:
Administrada antes de cada refeição (bólus prandial) - mediante os hidratos de carbono consumidos e relação insulina:hidratos de carbono∆, calculada pelo endocrinologista assistente.
Administrada para correção de hiperglicemia (bólus de correção) - mediante fator de sensibilidade*, calculado pelo endocrinologista assistente.
Fármaco | 70.Evidência | 71.Atuação recomendada | 72. 73.
Nateglinida | 74.Secretagogo 75. (duração de ação inferior a 24h) | 76.Omite toma no dia prévio e no dia do exame 77. (retoma no dia seguinte) | 78. 79.
Glipizida | 80. 81. 82. 83.||
Gliclazida libertação imediata | 84. 85. 86. 87.||
Gliclazida libertação prolongada ou modificada | 88.Secretagogo 89. (duração de ação superior a 24h) | 90.Omite toma nos 2 dias antes e no dia do exame (retoma no dia seguinte) | 91. 92.
Glibenclamida | 93. 94. 95. 96.||
Glimepirida | 97. 98. 99. 100.||
Metformina | 101.Pode interferir na absorção entérica de glicose | 102.Suspender nas 48h antes e no dia do exame se: 103. tumor/metastização gastrointestinal 104. captação intestinal aumentada de [18F]-FDG em exame prévio. | 105. 106.
Pioglitazona | 107.Evidência preliminar sugere que pode aumentar a captação de 18F-FDG nas lesões tumorais16 | Manter terapêutica como habitual |
Acarbose | Sem evidência contra a manutenção de terapêutica | Manter terapêutica como habitual |
Linagliptina 108. Sitagliptina 109. Vildagliptina 110. Saxagliptina 111. Alogliptina | 112. 113. 114. 115.||
Empaglifozina 116. Dapaglifozina 117. Ertuglifozina | 118. 119. 120. 121.||
Liraglutido 122. Dulaglutido 123. Semaglutido |
Insulina | 130.Horário de administração 131. habitual | 132.Atuação 133. recomendada | 134. 135.
Insulina de ação lenta 136. Insulina de ação intermédia 137. Insulina pré-mistura | 138.Noite | 139.Administrar como habitual | 140. 141. 142.
Manhã/tarde | 143.Administrar apenas após o exame | 144. 145.|
Insulina de ação ultrarrápida 146. Insulina de ação rápida 147. Insulina regular | 148. 149.Administrar como habitual na véspera do exame 150. No dia do exame: | 151.Omitir a administração da refeição que não realiza porque está em jejum 152. Se exame agendado para a tarde, pode tomar o pequeno-almoço e administrar insulina (desde que intervalo superior a 3-6h* entre a administração da insulina e a de [18F]-FDG) |
*mediante duração da ação da insulina (consultar tabela 3)
Este sistema usa apenas insulina de ação rápida ou ultrarrápida (tabela 3) e administra insulina subcutânea através de um cateter (não metálico) colocado mais frequentemente na região abdominal, lombar ou glútea.
Fármaco (nomes comerciais comuns) | 162.Duração de ação | 163. 164.
---|---|
Insulina de ação lenta | 165.166. 167. |
Degludec (Tresiba) | 168.até 42h | 169. 170.
Glargina (Lantus, Abasaglar, Semglee, Toujeo) | 171.24h | 172. 173.
Detemir (Levemir) | 174.até~20h$ | 175. 176.
Insulina de ação intermédia | 177.178. 179. |
Insulina humana isofânica (Humulin NPH, Insulatard,Insuman Basal) | 180.12-18h | 181. 182.
Insulina regular | 183.184. 185. |
Actrapid, Humulin, Insuman Rapid | 186.6h | 187. 188.
Insulina de ação rápida(análogos) | 189.190. 191. |
Lispro (Humalog) | 192.~4h | 193. 194.
Glulisina (Apidra) | 195.~4h | 196. 197.
Aspártica (NovoRapid) | 198.~4h | 199. 200.
Insulina de ação ultrarrápida | 201.202. 203. |
Fiasp | 204.~3h | 205. 206.
Lyumjev | 207.~3h | 208. 209.
Insulina pré-mistura (ação rápida ou humana +isofânica)$ | 210.211. 212. |
Humalog Mix50 | 213.12-18h | 214. 215.
NovoMix30 | 216. 217. 218.|
Humulin M3 | 219. 220. 221.|
Mixtard 30 | 222. 223. 224.|
Insuman Comb25 | 225. 226. 227.|
Humalog Mix25 |
# duração é dose-dependente (frequentemente administrada de forma bidiária)
$ algarismo no nome comercial corresponde a percentagem de insulina de ação rápida ou humana da pré- mistura; a duração é determinada pelo componente isofânico
Nota importante: Contrariamente aos esquemas de múltiplas administrações diárias, quando o sistema de perfusão contínua de glicose é suspenso, o doente fica sem insulina basal e predisposto a eventos de cetoacidose diabética.
Procedimento pré-exame
Doente sob múltiplas administrações diárias de insulina: seguir recomendações para doentes sob insulinoterapia (tabela 2)
Doente com bomba de insulina:
Manter em modo basal até à hora do exame; o doente deve suspender e desconectar a bomba antes de entrar para o aparelho.
Se exame prévio com alteração da habitual biodistribuição do radiofármaco: pedir ao doente para instituir basal temporária a 50% com início 2 horas antes da administração do radiofármaco
A bomba não deve ser suspensa mais do que uma hora, no total.
Recomendações para situações excecionais
Doentes sob perfusão endovenosa contínua de insulina:
preferencialmente, o exame deve ser adiado; se urgente, a perfusão endovenosa deve ser suspensa 90-120min antes da administração do radiofármaco. Contatar Endocrinologia.
Doentes sob fluidoterapia endovenosa com glicose ou sob nutrição parentérica: deve ser descontinuada pelo menos 4h antes da administração do radiofármaco.
Abordagem da hiperglicemia (>200mg/ dL)
No Serviço de Medicina Nuclear, as canetas de insulina usadas para correção de hiperglicemia (lispro, glulisina ou aspártica) devem ser conservadas no frigorífico até à primeira utilização. Após a primeira utilização devem ser conservadas à temperatura ambiente, em local seco e sem significativa flutuação de temperatura (a administração de insulina fria atrasa a absorção e, consequentemente, o seu efeito hipoglicémico). Depois de utilizada, a validade da caneta de insulina é de 30 dias.
Perante glicemia>200mg/dL documentada à admissão no serviço de Medicina Nuclear, os seguintes procedimentos podem ser adotados:
Adiamento de exame, com indicação para contatar o médico assistente para ajuste de medicação antidiabética.
Hidratar, com reavaliação de glicemia a cada 30min: recomendado para glicemias ligeiramente acima do alvo (200-225mg/dL)
Correção com insulina de ação ultrarrápida/rápida subcutânea.
Caso se opte pela última alternativa, a correção deve ser orientada pelos algoritmos 1 e 2. Nos doentes sob bomba de insulina, deve ser solicitado ao doente a realização de um bólus de correção, mediante os parâmetros pré-definidos do sistema de perfusão.
Deve ser avaliada e registada glicemia capilar a cada 30minutos. A administração do radiofármaco deve aguardar no mínimo 3 horas (no caso das insulinas de ação ultrarrápida) ou 4 horas (no caso das insulinas de ação rápida) após a hora de injeção subcutânea de insulina.
Doentes sob terapêutica hipoglicemiante oral exclusiva e IMC≤30kg/m2 259. 260. 261. | 262. 263.|||
---|---|---|---|
Intervalo de glicemia(mg/dL) | 264.Unidades (U) de insulina de ação rápida ou ultrarrápida a administrar | 265.Tempo de espera até administração de [18F]-FDG 266. (horas) | 267. 268. 269. 270.|
Insulina ação ultrarrápida | 271.Insulina de ação rápida | 272. 273.||
200-250 | 274.3 U | 275.3 | 276.4 | 277. 278.
251-300 | 279.4 U | 280. 281. 282. 283.||
301-350 | 284.5 U | 285. 286. 287. 288.||
351-400 | 289.6 U | 290. 291. 292. 293.||
401-450 | 294.7 U | 295. 296. 297. 298.||
451-500 | 299.8 U | 300.3-5* | 301.4-6* | 302. 303.
>500 | 304.10 U | 305.3-5* | 306.4-6* |
*com doses mais elevadas, a duração de insulina ativa estimada é superior: avaliar glicemia capilar a cada 15min após as 3h ou 4h (se insulina de ação ultrarrápida ou rápida, respetivamente), se 3 medições com variação < 30mg/dL, pode assumir-se que a insulina em circulação é negligenciável e proceder à administração do radiofármaco.
Doentes sob insulinoterapia** ou doentes com IMC ≥30kg/m2 ou doentes sob corticoterapia suprafisiológica*** 312. 313. 314. | 315. 316.|||
---|---|---|---|
Intervalo de glicemia(mg/dL) | 317.Unidades (U) de insulina de ação rápida ou ultrarrápida a administrar | 318.Tempo de espera até administração de [18F]-FDG 319. (horas) | 320. 321. 322. 323.|
Insulina de ação ultrarrápida | 324.Insulina de ação rápida | 325. 326.||
200-240 | 327.4 U | 328.3 | 329.4 | 330. 331.
241-280 | 332.6 U | 333. 334. 335. 336.||
281-320 | 337.7 U | 338. 339. 340. 341.||
321-360 | 342.8 U | 343.344. 3-5* | 345. 346.4-6* | 347. 348.
361-400 | 349.9 U | 350. 351. 352. 353.||
401-440 | 354.10 U | 355. 356. 357. 358.||
441-480 | 359.11 U | 360. 361. 362. 363.||
481-520 | 364.12 U | 365. 366. 367. 368.||
>520 | 369.13 U |
*com doses mais elevadas, a duração de insulina ativa estimada é superior: avaliar glicemia capilar a cada 15min após as 3h ou 4h (se insulina de ação ultrarrápida ou rápida, respetivamente), se 3 medições com variação < 30mg/dL, pode assumir-se que a insulina em circulação é negligenciável e proceder à administração do radiofármaco.
** Nos doentes sob insulina rápida em ambulatório, pode ser solicitado e administrado o esquema próprio de correção do doente.
*** Superior a 5mg de prednisolona/ dia ou equivalente