Introdução
Juntar a TC com a endoscopia tem sido uma constante motivação clínica no respeitante à retenção nasossinusal, quase sempre já avançada, tendo origem no infundíbulo do etmoide e região ostiomeatal. Neste contexto interdisciplinar, parece-nos importante enquadrar a retenção, enquanto limitada aos espaços sinusais anteriores - sendo por certo recente - com a variante anatómica que a subjaz. Eis a nossa modesta contribuição para o estudo da retenção diminuta, à mínima, cuja incidência na rinossinusite crónica é bastante vincada e tem elevado custo1,2.
Material e Método
São 110 TC dos seios paranasais efetuadas, em contínuo entre 2017-2019, a indivíduos com perda da permeabilidade nasossinusal compatível com retenção mucoide. A retenção confina-se aos espaços etmoidais, cuja drenagem é no infundíbulo, no hiato uncibular ou no hiato semilunar, de forma isolada ou conjunta. As TC destinam-se para estudo de obstrução nasal crónica, sem especificação da sua natureza. Média de idades - 49 anos (variação de 15-65 anos). As TC são solicitadas pelos Centros de Saúde do Distrito de Beja. Todas são realizadas com os mesmos parâmetros de aquisição e reconstrução da imagem. O exame é efetuado em decúbito dorsal, aquisição volumétrica, tecnologia CARE 4D para modulação automática de mAs (valor de referência de 32 mAs) e 130 kV. Reconstrução com kernel de alta resolução a 3 mm, incrementos de 3 mm. A janela de leitura das imagens é 2000/200UH. As medições são realizadas por um dos autores (CM); a aferição da densitometria é mantida por outro dos autores (MM), para evitar a variação de cálculo. As medições fazem-se por cursor aplicado em simultâneo nos 3 planos do espaço. A ampliação utilizada é variável, consoante o detalhe a destacar. No plano coronal, observa-se a permeabilidade do hiato uncibular em função da interface “partes moles/ar”. No plano parassagital, registam-se os contornos e a permeabilidade do hiato semilunar, assim como a relação topográfica com o agger nasi e com o recesso frontal. Não se considera o desvio nem a subluxação do septo nasal.
A técnica de reformatação tridimensional da imagem, como é aplicada neste trabalho para a TC das cavidades paranasais, é considerada mandatória porque detalha as estruturas sinusais, também no plano sagital3.
Na recolha dos dados afasta-se a retenção com semiologia de polipose, de origem dentária, de mucocelo, de pan-sinusite, de tumor. Não são consideradas as TC cujas medições são duvidosas.
Resultados
Nas 110 TC, a retenção mucoide é unilateral vs bilateral na proporção de 1:1.
A retenção mucoide isolada no antro maxilar, quando limitada a 1/3 do seio, está patente em 75% dos casos; só no etmoide anterior (agger nasi e bula etmoidal) noutros 16%; em ambos ainda noutros 9% - Quadro I; a associação do seio frontal com a retenção do etmoide anterior é 12%.
No antro maxilar, a retenção ocupa cerca de 1/3 dos casos, ou seja 53%. Em outros 32% dos casos, a retenção é ≤ a 1/3. Esta retenção antral associa-se ao contacto da apófise unciforme com a bula etmoidal em 49%. O contacto com a concha média é 7%; com a órbita é 19%. A retenção no antro ≤1/3 está associada com o contacto entre a apófise unciforme e a bula etmoidal em 49%. O contacto da apófise unciforme, em simultâneo com a bula e com a concha média é 7%. A associação do contacto entre a bula etmoidal com a concha média e também com a órbita é 7%. O contacto da apófise unciforme com a órbita é mais frequente do que com a concha média: 19% vs 7% - Quadro II.
Outras marcas da apófise unciforme podem ser importantes para a endoscopia: o contacto com a concha média em 13%; o contacto com o rebordo orbitário noutros 25%; o contacto simultâneo com a bula etmoidal e com a concha média em 13%; o contato triplo com a bula, a concha e a orbita noutros 10%.
Na retenção do antro maxilar ≤1/3 predomina o contacto entre a apófise unciforme e a bula etmoidal em 23 %. Na retenção do antro que já ocupa cerca de 1/3 (prevalente em metade dos casos estudados) há contacto da apófise unciforme com e a bula etmoidal noutros 26%; que na retenção mais acentuada, de ½ e 2/3, é quase igual a distribuição, entre 2% e 6%, entre o contacto da apófise unciforme com a bula etmoidal, com a concha média e com a órbita, em separado ou em conjunto. Assim sendo, as menores retenções do antro, ou seja até 1/3, são relacionáveis, em particular, com o contacto da apófise unciforme-bula etmoidal.
O Quadro III mostra que a variação da drenagem depende da estenose simples (32%), da obstrução (52%) ou da obliteração (16%). Depende também da espessura da apófise unciforme (47%), ainda da sua exagerada inclinação (34%).
Quadro IV mostra que a retenção tem origem no infundíbulo do etmoide, o qual drena somente o antro maxilar em 55% dos casos; na região ostio-meatal, que drena em simultâneo o antro, a bula etmoidal e o agger nasi, noutros 15%; no antro e bula etmoidal (com agger nasi normal) em 10%; no antro e no agger nasi em 9%; só no agger nasi em 1%; e também no seio frontal em 12%. A retenção no seio frontal é relacionável com a obstrução do hiato semilunar que drena o (em 12%). No seu conjunto, a drenagem anterior é atribuível à estenose infundibular em 84%, apenas à obstrução noutros 52%. A célula suborbitária de Häller marca presença em 16% das retenções, enquanto o corneto médio com curvatura paradoxal existe em outras 5%.
Quando na TC se confronta a retenção mucoide no antro maxilar com o tipo/grau de estenose do infundíbulo e da região ostio-meatal, verifica-se que há um teor mais modesto (inferior e igual a 1/3) nas estenoses simples (contacto da apófise unciforme com a bula etmoidal ou com a concha média). As maiores retenções coincidem com a presença de contactos complexos (concha média ou bula-concha média-órbita). A diferença entre ambas é 70% (nº 1 e 2 - Quadro IV) vs 42% (nº 3 e 7 - Quadro IV).
As Figs.I, II e III ilustram as principais variantes do complexo infundíbulo-ostial e o padrão de diminuta retenção.
Discussão
A retenção nos seios paranasais é resultante da alteração do normal fluxo de arrasto, com origem em variante morfológica do etmoide ou do meato, que interfere na drenagem. Este é sensu lato o fundamento da FES (“Functional Endoscopic Surgery)3,4,5,6,7que é aplicada em cerca de metade dos casos de rinossinusite crónica, nos EUA entre 2003 e 20081. Para sistematizar a terminologia com intuito académico, o Colégio brasileiro de ORL8 faz uma recolha de opinião anátomo-radiológica sobre as vias ostiomeatais, que aqui seguimos.
Eis o objetivo do presente trabalho, que estuda a retenção nasossinusal apenas com localização anterior, deste modo designada por diminuta ou circunscrita. O estreitamento, a obstrução parcial ou completa do infundíbulo, que drena o antro maxilar, do hiato uncibular que drena o etmoide anterior, e do hiato semilunar que drena o agger nasi também por vezes o seio frontal, são tidos como responsáveis pelos diferentes modelos de retenção9,10. Reconhecer pela TC esses modelos, na sua morfologia, é a chave para se deduzir sobre a complexidade dos obstáculos em causa, o que tem implicação na endoscopia3. Ressalve-se porem a não existência de relação direta entre o tipo e grau de estenose meatal e a presença, ou não, de retenção mucoide. Tendo a região em estudo uma drenagem em torno da apófise unciforme, as variantes do infundíbulo e hiatos vizinhos, explicam per si ou em combinação, o espessamento local da mucosa. É o contacto da apófise unciforme com a bula etmoidal que em cerca de metade dos casos mostra a retenção antral ≤ 1:3.
Do mesmo modo, é possível verificar na nossa casuística, que a obstrução simples do infundíbulo é cerca de 5 vezes mais frequente do que a obliteração. A espessura da apófise unciforme, a sua posição relativa com a bula etmoidal e com a concha média, também a inclinação, são outros parâmetros a considerar para aceder na endoscopia ao infundíbulo11, onde drena de modo constante o antro maxilar. Da proximidade do infundíbulo ao agger nasi e à bula etmoidal, com desigual cota de altura dos hiatos uncibular e semilunar, depende o número de células retidas na região meatal. No conjunto, a drenagem anterior (antro maxilar e agger nasi, com ou sem a bula etmoidal) dirige-se para o infundíbulo etmoidal e hiato uncibular em 70% dos casos. Outra variante, que pode relevar para a endoscopia, assenta na dimensão das saliências do etmoide constituídas pelo agger nasi e pela bula, assim como a dimensão e permeabilidade do hiato entre ambas, sede habitual da drenagem do etmoide anterior e por vezes também do seio frontal, este último em 12% das retenções etmoidais. Deste modo, a obstrução ostio-meatal atinge o limiar de extensão quando há retenção frontal associada com a etmoidal que, sendo modesta (12%), pode condicionar a cirurgia12. A frequência da drenagem comum do antro e bula (com agger nasi permeável) em 10%; ainda do antro e agger nasi noutros 9%, não deixa de relevar no seu reconhecimento pela TC. O mesmo acontece com a pneumatização e com a curvatura paradoxal da concha média, sendo a primeira delas cerca de 5 vezes mais frequente.
Tais resultados justificam a importância da TC, em particular da morfometria prévia à cirurgia13,14, nunca sendo de descurar o papel prévio na previsão dos locais de risco15. Deve assim integrar-se a TC e a endoscopia numa matriz de complemento com vantagem mútua16,17. A limitação deste nosso trabalho tem por razão a ausência de correlação entre os resultados da TC e da endoscopia, pois resultam de atividade que é exercida em separado.
Conclusão
A diversidade das vias de drenagem sinusais e sua arquitetura favorecem o exercício conjunto da TC e da endoscopia, em particular quando se avalia a indicação para a cirurgia funcional. Esta combinação, amplamente já testada, é relevante para o desenlace dos modelos de retenção mucoide e para o acesso a zonas de potencial risco endoscópico. É possível ainda prever a complexidade infundíbular e ostial da drenagem, quando a retenção no antro maxilar é modesta. A TC deduz sobre o tipo de contacto da apófise unciforme e o grau de permeabilidade do infundíbulo, que são as variantes de predomínio na retenção diminuta, embora nem sempre haja correlação entre tal retenção e a obstrução do orifício de drenagem.
A integração da imagiologia é indispensável para se atingir a completude clínica.