Introdução
O osso é um dos locais mais comuns de metastização no cancro da mama, podendo ser o único local de doença em 28%-44% de doentes1. A cintigrafia óssea (CO) é um dos exames de imagem requisitados em doentes com cancro da mama, por permitir a deteção de metástases ósseas com atividade osteoblástica2. A sua acessibilidade, a capacidade para avaliar o corpo inteiro a um custo inferior ao de outros métodos de imagem e a elevada sensibilidade para a deteção de doença metastática ativa1,2 contribuem para o seu uso frequente na prática clínica.
Apesar da utilização generalizada da CO, faltam ensaios clínicos randomizados controlados que suportem as indicações para a sua aplicação no cancro da mama2. Atualmente, constata-se um recurso excessivo a exames de imagem em doentes com cancro da mama: no diagnóstico inicial, no seguimento de casos de cancro da mama não metastático e entre doentes com doença metastática3. O uso não apropriado de exames de imagem suscita problemas para os doentes e sistemas de saúde, nomeadamente: possíveis achados falsos positivos ou indeterminados, com consequente necessidade de exames de imagem adicionais, e potenciais atrasos no início do tratamento; exposição desnecessária do doente a radiação; e consumo desajustado de recursos3.
O presente artigo procura sistematizar as recomendações atuais para a requisição da CO no estadiamento e seguimento de doentes com cancro da mama e na monitorização da doença metastática, revendo as guidelines emitidas pelas principais sociedades internacionais de Oncologia e Medicina Nuclear.
Cancro da Mama não Metastático
Estadiamento
O estadiamento no cancro da mama precoce (estádios clínicos 0, I ou II) é dirigido à doença locoregional, uma vez que é raro haver metástases à distância assintomáticas nestes doentes4: a probabilidade de doença metastática é de 0,2% no estádio I e 1,2% no estádio II5. Os falsos positivos superam os verdadeiros positivos e podem atrasar o início do tratamento6. Assim, a CO não é necessária por rotina no estadiamento em doentes assintomáticos3,4, sendo recomendada apenas na presença de fatores considerados de maior risco, nomeadamente: gânglios axilares clinicamente positivos; tumores volumosos (por exemplo, (5cm); biologia agressiva (como o subtipo triplo negativo6); clínica (sinais ou sintomas) ou valores laboratoriais (nomeadamente um nível elevado de fosfatase alcalina2) sugestivos da presença de metástases4. Doentes com sintomas referidos ao osso devem ser investigados, com recurso a CO ou outros meios, dado que esses sintomas estão relacionados com uma maior prevalência de doença metastática2.
No cancro da mama localmente avançado (estádio III), a CO está indicada no estadiamento de todos os doentes, visto que a probabilidade de identificar doença metastática aumenta com o tamanho do tumor e envolvimento ganglionar2,3.
Seguimento
O seguimento de doentes tratados com intuito curativo consiste, de uma forma geral, em consultas regulares e mamografia anual4, sendo um dos objetivos detetar recidiva precoce locoregional ou um novo cancro da mama primário contralateral3. O objetivo da vigilância nestes doentes não é detetar doença metastática assintomática, pois não existe evidência de que a deteção precoce de metástases em doentes sem sintomas melhore os outcomes clínicos, como a sobrevivência global ou a qualidade de vida3.
Desta forma, em doentes tratados a um cancro da mama em estádio 0-III e que estejam assintomáticos, não são recomendados exames para deteção de recidiva à distância, pelo que a CO não está indicada por rotina no seguimento2,3. Em doentes com sintomas ou alterações no exame físico, devem ser realizados exames dirigidos para o problema em causa4,6.
A atual estratégia de seguimento suscita algumas questões: por um lado, faltam dados randomizados que suportem um protocolo definido para a vigilância; por outro, as recomendações para o seguimento têm por base estudos realizados numa época em que os procedimentos de diagnóstico eram menos sofisticados e o tratamento da doença avançada era menos eficaz, o que alerta para a necessidade de novos ensaios que reavaliem a estratégia de vigilância4.
Cancro da Mama Metastático
A CO faz parte do estadiamento inicial no cancro da mama metastático2,3,7. Se, no estadiamento, tiver sido realizada uma Tomografia por Emissão de Positrões com Tomografia Computorizada (PET/CT) com 18F-fluordesoxiglucose (FDG) que revele metástases ósseas, não é necessário realizar CO2,8. Se existirem lesões ósseas noutros exames de imagem, sem avidez para 18F-FDG em PET/CT, a CO pode ser considerada para avaliação do doente2.
Após o início do tratamento, o objetivo dos exames de imagem é guiar a intervenção terapêutica, de modo a maximizar a duração e a qualidade de vida3. Como a evolução clínica de doentes com cancro da mama metastático é variável, faltam dados sobre qual o exame de imagem a utilizar no seguimento destes doentes e com que frequência deve ser realizado3. A CO é o exame de escolha na avaliação de doentes que tenham apenas metástases ósseas7,9.
As guidelines NCCN (National Comprehensive Cancer Network() recomendam monitorizar a doença metastática através de Tomografia Computorizada e CO, com um intervalo de frequência dependente do tipo de terapêutica realizada (hormonoterapia ou quimioterapia)3. Consideram, assim, indicado realizar CO nos seguintes momentos: antes de iniciar uma nova terapêutica, como exame baseline; a cada 4 a 6 ciclos de quimioterapia; a cada 2 a 6 meses, em doentes sob hormonoterapia; no restadiamento, em caso de suspeita de progressão da doença, independentemente do intervalo de tempo em relação a estudos anteriores8. A frequência de monitorização deve ser adaptada ao caso individual de cada doente, podendo ser reduzida em doentes com doença estável de longa duração8.
Importa referir que a CO pode colocar problemas na avaliação de resposta precoce ao tratamento, pelo potencial aumento transitório de atividade (efeito flare) como resposta após o início de uma nova terapêutica7,8, o qual, se incorretamente interpretado como progressão da doença, pode conduzir a uma alteração inapropriada na terapêutica3. Considera-se existir um intervalo de 3 a 6 meses a partir do início do tratamento para que seja possível uma correta avaliação de resposta através da CO1.
Considerações Finais
As indicações para a utilização da CO no cancro da mama, de acordo com a evidência atual, são apresentadas de forma sintetizada na Tabela 1. Salienta-se que estas indicações constituem uma orientação, devendo ser adequadas ao caso particular de cada doente, segundo o raciocínio clínico.
O uso da CO deve ser também considerado em doentes que apresentem uma fratura patológica, permitindo pesquisar outras áreas de potencial fratura e clarificar a extensão da doença2. Em caso de dor óssea de novo ou elevação da fosfatase alcalina, a CO deve ser realizada para restadiamento da doença2.
Apesar do seu uso generalizado, reconhece-se que a CO apresenta limitações na especificidade diagnóstica e na sensibilidade e especificidade na monitorização da resposta ao tratamento1. O recurso a imagem híbrida SPECT (Tomografia Computorizada por Emissão de Fotão Único) com componente CT (SPECT/CT) pode aumentar a sensibilidade e, sobretudo, a especificidade, reduzindo os diagnósticos falsos positivos de metástases1. A PET/CT com 18F-FDG pode permitir uma avaliação mais precoce na monitorização de doença metastática de predomínio ósseo7, possivelmente aos 2 ou 3 meses após início de tratamento1; no entanto, são necessários ensaios prospetivos que determinem a sua repercussão nas decisões terapêuticas e na sobrevivência global7.
Por fim, importa salientar que a CO, bem como os restantes exames de imagem, só devem ser realizados se tiverem impacto nas decisões clínicas, ou seja, se vierem a alterar o curso do tratamento de forma a melhorar a sobrevivência e/ou a qualidade de vida do doente3. Assim, pretende-se que as orientações fornecidas neste artigo constituam uma ferramenta útil na prática clínica, para que a aplicação da CO se traduza em benefícios para o doente, simultaneamente com uma utilização racional de recursos de saúde.
Notas:
* Considerar requisitar CO para avaliação após fratura patológica.
† Se no estadiamento o doente tiver realizado uma PET/CT com 18F-FDG que revele metástases ósseas, não é necessário realizar CO.
‡ Na avaliação de resposta, ter em consideração o possível efeito flare nos primeiros 6 meses após início de uma nova terapêutica