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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público
On-line version ISSN 2183-184X
e-Pública vol.7 no.2 Lisboa Sept. 2020
Políticas públicas de biodiversidade terrestre em Portugal
Public policies on terrestrial biodiversity in Portugal
Rui Tavares Lanceiro1
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Alameda da Universidade - Cidade Universitária
1649-014 Lisboa - Portugal
ruilanceiro@fd.ulisboa.pt
RESUMO
O presente artigo apresenta o enquadramento jurídico das políticas públicas de biodiversidade terrestre em Portugal. Começa por explicitar a importância da biodiversidade para o ser humano e a civilização, para depois passar a expor o enquadramento global aplicável, decorrente da necessidade de resolver a degradação da biodiversidade, que é um problema global. Aí expõe-se o percurso feito desde a Declaração de Estocolmo, em 1972, até à Cimeira da Terra, no Rio, onde foi assinado o documento central neste aspeto, que é a Convenção sobre a Diversidade Biológica. Depois de se apresentar a Convenção e a sua evolução posterior até às atuais Metas de Aichi, bem como outros instrumentos de Direito Internacional, passa-se ao nível regional europeu. Refere-se a Convenção Relativa à Proteção da Vida Selvagem e do Ambiente Natural na Europa, celebrada no contexto do Conselho da Europa e as políticas da UE nesta matéria, em especial a Rede Natura 2000. Passando ao nível nacional, expõe-se os condicionalismos resultantes da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente, detendo-se com mais profundidade no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e Biodiversidade. Por fim, apresenta-se o percurso da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade atualmente vigente, fazendo-se uma análise crítica da mesma.
Palavras-chave: políticas públicas; ambiente; biodiversidade; CDB; Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade.
Sumário: 1. Considerações gerais e delimitação do objeto de estudo; 2. A biodiversidade e a sua importância para o ser humano; 3. Enquadramento internacional das políticas públicas de biodiversidade terrestre; 3.1. A Declaração de Estocolmo, o PNUA, e as convenções celebradas na sua sequência; 3.2. A Convenção sobre Diversidade Biológica; 3.3. As Metas de Biodiversidade de Aichi; 3.4. Outros documentos da ONU neste âmbito; 4. Enquadramento europeu das políticas públicas de biodiversidade terrestre em Portugal; 4.1. A Convenção Relativa à Proteção da Vida Selvagem e do Ambiente Natural na Europa; 4.2. A União Europeia e a proteção da biodiversidade: A Rede Natura 2000; 4.3. A Estratégia de biodiversidade para 2020 da União Europeia; 5. Enquadramento nacional das políticas públicas de biodiversidade terrestre em Portugal; 6. A Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030; 7. Considerações finais.
ABSTRACT
This article presents the legal framework for public policies on terrestrial biodiversity in Portugal. It begins by explaining the importance of biodiversity for human beings and civilization, and then goes on to set out the applicable global framework, arising from the need to address biodiversity degradation, which is a global problem. It sets out the path taken from the Stockholm Declaration in 1972 to the Earth Summit in Rio, where the central document in this regard, the Convention on Biological Diversity, was signed. After the presentation of the Convention and its subsequent evolution towards the current Aichi Targets, as well as other instruments of international law, it moves on to the European regional level. This refers to the Convention on the Protection of European Wildlife and Natural Environment, concluded in the context of the Council of Europe, and EU policies in this area, in particular the Natura 2000 Network. Moving on to the national level, it sets out the constraints resulting from the Constitution and the Portuguese Basic Law on the Environment, looking in more depth at the Legal Framework for Nature Conservation and Biodiversity. Finally, a critical analysis of the current National Strategy for Nature Conservation and Biodiversity is presented.
Keywords: public policies; environment; biodiversity; CBD; National Strategy for Nature Conservation and Biodiversity
Summary: 1. General considerations and delimitation of the object of study; 2. Biodiversity and its importance to human beings; 3. International framework for public policies on terrestrial biodiversity; 3.1. The Stockholm Declaration, UNEP, and the conventions concluded; 3.2. The Convention on Biological Diversity; 3.3. The Aichi Biodiversity Targets; 3.4. Other UN documents in this area; 4. European framework for public policies on terrestrial biodiversity in Portugal; 4.1. The Convention on the Protection of European Wildlife and Natural Environment; 4.2. The European Union and the protection of biodiversity: The Natura 2000 network; 4.3. The European Union’s biodiversity strategy for 2020; 5. National framework for public policies on terrestrial biodiversity in Portugal; 6. The National Strategy for Nature Conservation and Biodiversity for 2030; 7. Final considerations.
“Portugal é reconhecidamente um país rico em património natural, detentor de espécies de flora e de fauna associadas a uma grande variedade de ecossistemas, habitats e paisagens, e integra uma diversidade e riqueza muito relevantes deste património no continente europeu, nos territórios insulares macaronésios, nos ambientes costeiros e litorais e nas profundidades oceânicas do Nordeste Atlântico.” Esta é a primeira frase da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030 (ENCNB 2030), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018, de 7 de maio, que é o documento central da política pública de biodiversidade da República Portuguesa atualmente.
O presente artigo tem por objeto a apresentação fundamentada desta política pública, procedendo ao seu enquadramento internacional, europeu e nacional. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo não é fazer uma apresentação exaustiva dos regimes de proteção da biodiversidade, mas apenas explicitar a forma como eles condicionam a política pública portuguesa dedicada a esta área. Também se optou por limitar a análise à biodiversidade terrestre por motivos de economia do artigo e para evitar sobreposição com outros textos do presente número especial2.
Diversidade biológica – ou biodiversidade – é o termo dado à variedade da vida na Terra e aos padrões naturais que ela forma. A biodiversidade que vemos hoje é fruto de milhares de milhões de anos de evolução, moldada por processos naturais e, cada vez mais, pela influência do homem3. Ela forma a teia de vida da qual somos parte integrante e da qual tanto dependemos.
Esta diversidade é muitas vezes entendida em termos da grande variedade de plantas, animais e microrganismos. Até agora, foram identificadas cerca de 1,75 milhões de espécies, na sua maioria pequenas criaturas como os insetos. Os cientistas calculam que existem na realidade cerca de 13 milhões de espécies, embora as estimativas variem entre três a 100 milhões4. A biodiversidade também inclui diferenças genéticas dentro de cada espécie, por exemplo, entre variedades de culturas e raças de gado. Cromossomas, genes e DNA – os elementos constitutivos da vida – determinam a singularidade de cada indivíduo e de cada espécie. Outro aspeto da biodiversidade é a variedade de ecossistemas, como os que ocorrem em desertos, florestas, áreas húmidas, montanhas, lagos, rios e paisagens agrícolas. Em cada ecossistema, os seres vivos, incluindo os humanos, formam uma comunidade, interagindo uns com os outros e com o ar, a água e o solo ao seu redor.
É a combinação de formas de vida e suas interações entre si e com o resto do ambiente que fez da Terra um lugar único e habitável para todas as espécies. Nesse sentido, proteger a biodiversidade é do interesse de toda a humanidade. Os recursos biológicos são os pilares sobre os quais construímos a civilização. A saúde, a economia e a sociedade humana, dependem do fornecimento contínuo de vários serviços ecológicos que seriam extremamente dispendiosos ou impossíveis de substituir5, incluindo os alimentos, o combustível, as fibras que usamos para tecidos, os materiais de construção, a purificação do ar e da água, a decomposição de resíduos, a estabilização do clima da Terra, a moderação de cheias, de secas, dos extremos de temperatura e da força do vento, a geração e renovação da fertilidade do solo, incluindo o ciclo dos nutrientes, a polinização das plantas, o controle de pragas e doenças, a manutenção dos recursos genéticos como fatores-chave para variedades de culturas agrícolas e raças de gado, os medicamentos e outros produtos farmacêuticos e cosméticos, para além dos benefícios culturais e estéticos. A perda da biodiversidade, para além de interferir com funções ecológicas essenciais, ameaça a sobrevivência humana.
No entanto, as espécies têm desaparecido a um ritmo muito superior ao natural, e prevê-se que este aumente dramaticamente. Com base na tendência atual, estima-se que em média 25% das espécies vegetais e animais estão ameaçadas e aproximadamente 1 milhão de espécies enfrentam a extinção6. Apesar de a atenção mediática se focar na perda de espécies individuais, sobretudo se emblemáticas, como pandas, tigres, elefantes ou baleias, é a fragmentação, degradação e perda total de florestas, zonas húmidas, recifes de corais e outros ecossistemas que representa a maior ameaça à diversidade biológica. As mudanças atmosféricas globais, como o empobrecimento da camada de ozono e as alterações climáticas, contribuem negativamente para esta situação de crise, mudando os habitats e a distribuição das espécies. A perda de biodiversidade muitas vezes reduz a produtividade dos ecossistemas, diminuindo assim o cabaz de bens e serviços dos quais dependemos para sobreviver. Isso desestabiliza os ecossistemas e enfraquece sua capacidade de lidar com desastres naturais, como inundações, secas e furacões, e com tensões causadas pelo homem, como a poluição e as mudanças climáticas.
3.1. A Declaração de Estocolmo, o PNUA, e as convenções celebradas na sua sequência
Como se viu, os recursos biológicos da Terra são vitais para a sobrevivência das gerações presentes e futuras e há um crescente reconhecimento de que a diversidade biológica é um bem global de tremendo valor para o desenvolvimento económico e social da humanidade. Simultaneamente, a extinção das espécies causada pelas atividades humanas continua a um ritmo alarmante. Ora, para ameaças globais como estas, apenas respostas globais são eficazes7. É, por isso, importante perceber o enquadramento internacional das políticas de biodiversidade portuguesas.
O início da resposta internacional tem como referência a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em 19728, de onde resultou, nomeadamente, o estabelecimento do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA)9.
Durante os anos seguintes diversos Estados assinaram uma série de acordos regionais e internacionais para abordar questões específicas, como a proteção das zonas húmidas10, a conservação de espécies migratórias11 e a regulação do comércio internacional de espécies ameaçadas de extinção12. Esses acordos, juntamente com os controles de produtos químicos tóxicos e poluição, ajudaram a adiar a maré de destruição, mas não a reverteram. Por exemplo, a proibição internacional e as restrições à captura e venda de certos animais e plantas ajudaram a reduzir a caça furtiva.
Em 1987, a Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development, a denominada Comissão Brundtland13) concluiu que o desenvolvimento económico deve tornar-se menos destrutivo do ponto de vista ecológico. No seu relatório final, intitulado “O nosso Futuro Comum” (Our Common Future)14, a Comissão referiu que “A humanidade tem a capacidade de tornar o desenvolvimento sustentável para garantir que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”15.
Nesse contexto, foram desenvolvidos trabalhos pelo PNUA16 que permitiram que, na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Cimeira da Terra de 1992, no Rio de Janeiro, os líderes mundiais acordassem uma estratégia abrangente para o “desenvolvimento sustentável”17. Um dos principais acordos adotados no Rio de Janeiro foi a Convenção sobre Diversidade Biológica.
3.2. A Convenção sobre Diversidade Biológica
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)18 foi aberta para assinatura em 5 de junho de 1992, durante a Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro e entrou em vigor em 29 de dezembro de 199319. É considerada, a par da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas e da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, uma das três convenções resultantes da Cimeira da Terra, no Rio20.
A Convenção, que é abrangente nos seus objetivos e um marco no Direito Internacional do Ambiente, reconhece, pela primeira vez, que a conservação da diversidade biológica é “uma preocupação comum da humanidade”21. No seu âmbito, a CDB abrange todos os ecossistemas, espécies e recursos genéticos22 e estabelece, logo no seu artigo 1.º, três objetivos principais: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos seus componentes, e a partilha justa e equitativa dos benefícios do uso dos recursos genéticos, nomeadamente os destinados a uso comercial23. Também cobre o campo em rápida expansão da biotecnologia, abordando o desenvolvimento e transferência de tecnologia, partilha de benefícios e biossegurança24.
A Convenção lembra aos decisores que os recursos naturais não são infinitos e estabelece uma nova filosofia para o século XXI, a do uso sustentável (artigo 2.º). Enquanto os esforços de conservação do passado visavam proteger determinadas espécies e habitats, a Convenção reconhece que embora os ecossistemas, espécies e genes possam ser utilizados em benefício dos seres humanos, isto deve ser feito de uma forma e a um ritmo que não leve ao declínio a longo prazo da diversidade biológica.
Contém também orientações para os decisores políticos nacionais baseadas no princípio de precaução, segundo o qual, quando existe uma ameaça de redução significativa ou perda da diversidade biológica, a falta de certeza científica total não deve ser usada como motivo para adiar medidas para evitar ou minimizar tal ameaça (9.º parágrafo do preâmbulo). A CDB reconhece que são necessários investimentos substanciais para a conservação da diversidade biológica, sendo que, no entanto, a conservação trará benefícios ambientais, económicos e sociais significativos em troca para a humanidade.
Sendo a Convenção juridicamente vinculativa, isso significa que os Estados parte são obrigados a implementar as suas disposições através das respetivas políticas públicas com o objetivo de conservar e utilizar a biodiversidade de forma sustentável, particularmente através do estabelecimento de regras que orientem o uso dos recursos naturais e da proteção da biodiversidade. Nos termos da CDB, são obrigados a desenvolver estratégias e planos de ação nacionais de biodiversidade, e a integrá-los em planos nacionais mais amplos para o ambiente e o desenvolvimento (artigo 6.º).
Neste contexto, um dos primeiros passos para uma estratégia nacional de biodiversidade bem-sucedida é promover a pesquisa e a investigação científicas para identificar a biodiversidade existente no seu território, o seu valor e importância, e o que está em perigo (artigo 12.º). Com base nesses resultados, os Estados podem estabelecer metas mensuráveis de conservação e uso sustentável. Estratégias e programas nacionais precisam ser desenvolvidos ou adaptados para atender a essas metas.
A conservação da diversidade biológica de cada Estado pode ser conseguida de várias maneiras. A conservação in situ, que é o principal meio de conservação, concentra-se na conservação de genes, espécies e ecossistemas em seu habitat natural, por exemplo, estabelecendo áreas protegidas, reabilitando ecossistemas degradados e adotando legislação para proteger espécies ameaçadas (artigo 8.º). A conservação ex situ recorre a jardins zoológicos, jardins botânicos e bancos de genes para conservar as espécies (artigo 9.º).
Cada Estado que adere à CDB deve apresentar relatórios periódicos relativos às ações adotadas para a implementar e o seu grau de eficácia (artigo 26.º). Estes relatórios são submetidos à Conferência das Partes (COP) que ratificaram a Convenção25. Nesse contexto, é importante o desenvolvimento de indicadores internacionais para medir as tendências da biodiversidade, particularmente os efeitos das ações e decisões humanas sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade.
Para além disso, os Estados Parte ainda estão obrigados a, nomeadamente, identificar e monitorizar os componentes importantes da diversidade biológica que precisam de ser conservados e utilizados de forma sustentável (alíneas a) e b) do artigo 7.º da Convenção); estabelecer áreas protegidas para conservar a diversidade biológica (alíneas a) e e) do artigo 8.º da Convenção); reabilitar e restaurar ecossistemas degradados e promover a recuperação de espécies ameaçadas, em colaboração com os residentes locais (alínea f) do artigo 8.º); controlar os riscos colocados pelos organismos modificados pela biotecnologia (alínea g) do artigo 8.º); prevenir a introdução de, controlar e erradicar espécies exóticas que possam ameaçar ecossistemas, habitats ou espécies (alínea h) do artigo 8.º); respeitar, preservar e manter o conhecimento tradicional sobre o uso sustentável da diversidade biológica com o envolvimento dos povos indígenas e comunidades locais (alínea j) do artigo 8.º); educar a população e sensibilizá-la sobre a importância da diversidade biológica e a necessidade de conservá-la (artigo 13.º); e promover a participação pública, particularmente quando se trata de avaliar os impactos ambientais de projetos que ameaçam a diversidade biológica (artigo 14.º).
3.3 As Metas de Biodiversidade de Aichi
A 10.ª COP, realizada de 18 a 29 de outubro de 2010, em Nagoya, Província de Aichi, Japão, adotou, através da Decisão X/2, o Plano Estratégico para a Biodiversidade, incluindo as Metas de Biodiversidade de Aichi, para o período de 2011-2020. Este Plano fornece um quadro global sobre biodiversidade, não só para as convenções relacionadas, mas para todo o sistema das Nações Unidas e todos os parceiros envolvidos.
A visão do Plano é “Viver em Harmonia com a Natureza” tendo como objetivo que “até 2050, a biodiversidade será valorizada, conservada, restaurada e sabiamente utilizada, mantendo os serviços dos ecossistemas, sustentando um planeta saudável e proporcionando benefícios essenciais para todas as pessoas”. A sua missão declarada é “tomar medidas eficazes e urgentes para deter a perda de biodiversidade, a fim de garantir que, até 2020, os ecossistemas sejam resistentes e continuem a fornecer serviços essenciais, garantindo assim a variedade de vida do planeta e contribuindo para o bem-estar humano e a erradicação da pobreza”». Para assegurar isto, as pressões sobre a biodiversidade devem ser reduzidas, os ecossistemas restaurados, os recursos biológicos utilizados de forma sustentável e os benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos partilhados de forma justa e equitativa. Por outro lado, os recursos financeiros adequados devem ser fornecidos e as capacidades aumentadas. Por fim, as questões e os valores da biodiversidade devem ser generalizados, as políticas apropriadas efetivamente implementadas e a tomada de decisões baseada em ciência sólida e na abordagem preventiva.
O Plano estabelece cinco Objetivos Estratégicos26, que se subdividem em outras vinte “Metas de Biodiversidade da Aichi” para 2015 ou 2020, compreendendo tanto aspirações a nível global, como uma estrutura flexível para o estabelecimento de metas nacionais ou regionais. As Partes da Convenção são convidadas a estabelecer as suas próprias metas dentro desta estrutura, levando em conta as necessidades e prioridades nacionais e as contribuições nacionais para as metas globais. As Partes também são convidadas a incorporar esta informação na sua estratégia nacional de biodiversidade e no seu plano de ação.
A 15.ª reunião da Conferência das Partes (COP 15) da CDB deverá ter lugar em 2020 para abordar uma série de questões relacionadas com a implementação da Convenção e dos seus Protocolos e, em especial, para analisar a concretização e aplicação do Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020. Também se antecipa a tomada da decisão final sobre o quadro global de biodiversidade pós-2020, juntamente com decisões sobre tópicos relacionados, incluindo a capacitação e a mobilização de recursos.
Este é o contexto geral da aprovação pelo Governo português da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade para 2030. Efetivamente, o artigo 6.º da CBD cria uma obrigação para o planeamento nacional da biodiversidade – através de Estratégias e Planos de Ação Nacionais em matéria de Biodiversidade. Uma estratégia nacional deve refletir como cada Estado Parte pretende cumprir os objetivos da Convenção à luz de circunstâncias nacionais específicas, e os planos de ação relacionados constituirão a sequência de passos a serem tomados para atingir esses objetivos. O artigo 26.º e a alínea a) do artigo 10.º da CBD estão intimamente ligados ao artigo 6.º. O primeiro apela às Partes para que apresentem, através dos seus relatórios nacionais, informações sobre as medidas que foram tomadas para a implementação das disposições da Convenção e a sua eficácia no cumprimento dos objetivos da Convenção. O segundo encoraja as Partes a integrar a consideração da conservação e do uso sustentável dos recursos biológicos no processo decisório nacional.
3.4 Outros documentos da ONU neste âmbito
É de referir, também, que o Plano Estratégico de Aichi não é o único documento adotado pelas Nações Unidas neste contexto. Existe um vasto conjunto de outros documentos aprovados que enformam a política pública portuguesa de biodiversidade. Logo em junho de 1992, na Cimeira da Terra no Rio, mais de 178 Estados adotaram a Agenda 21, um plano de ação abrangente para construir uma parceria global para o desenvolvimento sustentável a fim de melhorar a vida humana e proteger o meio ambiente. Posteriormente, os Estados adotaram unanimemente a Declaração do Milénio em setembro de 2000, na sede da ONU, que levou à elaboração de oito Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) para reduzir a pobreza extrema até 2015.
A Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável e o respetivo Plano de Implementação, adotados na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável na África do Sul em 2002, reafirmaram os compromissos da comunidade global com a erradicação da pobreza e o ambiente, baseados na Agenda 21 e na Declaração do Milénio, incluindo uma maior ênfase em parcerias multilaterais. Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) no Rio de Janeiro, em junho de 2012, os Estados-Membros adotaram o documento final “O Futuro que Queremos”, no qual decidiram lançar um processo para desenvolver um conjunto de ODM relacionados com a sustentabilidade e estabelecer o Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O resultado do Rio+20 também continha outras medidas para implementar o desenvolvimento sustentável, incluindo mandatos para futuros programas de trabalho em financiamento do desenvolvimento, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e muito mais.
Neste contexto, relativamente à planificação do desenvolvimento pós-2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 70/1 (A/RES/70/1) a 25 de setembro de 2015, contendo a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, chamada “Transformar o nosso Mundo” (Transforming our World). No seu cerne estão os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são um apelo urgente à ação de todos os países, numa parceria global. Aí se reconhece que o combate à pobreza deve ser acompanhado de estratégias que melhorem a saúde e a educação, reduzam a desigualdade e estimulem o crescimento económico – tudo isso enquanto se enfrentam os desafios colocados pelas alterações climáticas e se preservam os nossos oceanos e florestas. O ODS 15 incide sobre a biodiversidade, estatuindo ser de “Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e inverter a degradação da terra e travar a perda de biodiversidade”.
4.1. A Convenção Relativa à Proteção da Vida Selvagem e do Ambiente Natural na Europa
No contexto europeu, é de referir a assinatura da Convenção Relativa à Proteção da Vida Selvagem e do Ambiente Natural na Europa (Convention on the Conservation of European Wildlife and Natural Habitat), em Berna, a 19 de setembro de 1979, no âmbito do Conselho da Europa27. A Convenção visa assegurar a conservação das espécies da flora e fauna selvagens e seus habitats, sendo dada especial atenção às espécies ameaçadas e vulneráveis, incluindo as espécies migratórias ameaçadas e vulneráveis especificadas nos anexos. Tem um âmbito pan-europeu, estendendo-se a sua influência também ao norte de África para o cumprimento dos objetivos da conservação das espécies migradoras, listadas nos seus anexos, que nesse território passam uma parte do ano. As Partes comprometem-se a tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a conservação dos habitats das espécies da fauna e da flora selvagens. Tais medidas devem ser incluídas nas políticas de planeamento e desenvolvimento e controle da poluição das Partes, com especial atenção à conservação da flora e fauna selvagens.
Neste contexto, foi criada a designada “Rede Esmeralda” (Emerald Network) como uma rede ecológica composta por Áreas de Interesse Especial para a Conservação (Areas of Special Conservation Interest), pelo Conselho da Europa, através da Recomendação n.º 16 (1989) do Comité Permanente da Convenção de Berna. A implementação da Rede Esmeralda a nível nacional é considerada como uma das principais ferramentas para as Partes Contratantes cumprirem as suas obrigações no âmbito da Convenção de Berna. Antes de serem oficialmente adotados como sítios da Rede Esmeralda, todos os sítios propostos para aderir à Rede são cuidadosamente avaliados em nível biogeográfico quanto à sua suficiência para alcançar o objetivo final da Rede. Este objetivo é a sobrevivência a longo prazo das espécies e habitats da Convenção de Berna, exigindo medidas de proteção específicas. Estes habitats e espécies estão listados respetivamente na Resolução n.º 4 (1996) e na Resolução n.º 6 (1998) do Comité Permanente da Convenção de Berna. As medidas nacionais de designação e gestão são decididas e postas em prática para contribuir para o objetivo principal da Rede e a sua eficiência será controlada regularmente. Hoje em dia existe uma sobreposição entre a Rede Esmeralda e a Rede Natura 2000, para os Estados Parte que são Estados-Membros da UE.
4.2. A União Europeia e a proteção da biodiversidade: A Rede Natura 2000
No contexto do continente europeu, no entanto, o ator com mais influência nas políticas públicas portuguesas de biodiversidade é a UE.
Nesse âmbito, embora os Tratados não se refiram expressamente à biodiversidade, o n.º 2 do artigo 191.º, do Tratado sobre o Funcionamento da UE (TFUE), esclarece que “A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União” – o que pressupõe a necessidade de cuidado com a diversidade biológica na Europa. Da mesma forma o n.º 3, 2.º travessão do mesmo artigo determina que, na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a União terá em conta “as condições do ambiente nas diversas regiões da União”.
O maior instrumento neste domínio, no entanto, é a Rede Natura 2000. Esta é uma rede ecológica de áreas protegidas criada pela UE para garantir a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais, bem como da fauna e da flora selvagens de interesse comunitário no território dos Estados-Membros, definindo um quadro comum que lhes é aplicável. A Rede Natura 2000 é constituída por:
a) Zonas especiais de Conservação (ZEC), designadas de acordo com a Diretiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, conhecida como Diretiva Habitats; e por:
b) Zonas de Proteção Especial (ZPE) instituídas pela Diretiva n.º 2009/147/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens, conhecida como Diretiva Aves28.
A Diretiva Habitats visa contribuir para assegurar a biodiversidade na UE através da conservação dos habitats naturais e das espécies da fauna e da flora selvagens. Os anexos I e II da Diretiva enumeram os tipos de habitats e as espécies cuja conservação requer a designação29 de ZEC, com base na lista dos Sítios de Importância Comunitária (SIC), aprovada pela Comissão, para cada uma das nove regiões biogeográficas da UE30. Alguns deles são definidos como tipos de habitats ou espécies “prioritários” em perigo de desaparecimento e para os quais existem regras específicas.
Após a designação das ZEC, os Estados-Membros devem adotar medidas e objetivos de conservação adequados, envidando todos os esforços possíveis para garantir a conservação dos habitats nessas zonas e evitar a sua deterioração e quaisquer perturbações que atinjam as espécies. Devem também incentivar a gestão adequada dos elementos paisagísticos que considerem essenciais à migração, à distribuição geográfica e ao intercâmbio genético de espécies selvagens e assegurar a vigilância dos habitats e das espécies. Para além disso, os Estados-Membros da UE também ficam obrigados a sujeitar todos os planos ou projetos suscetíveis de afetar um sítio da Rede Natura 2000 a uma avaliação adequada, só os podendo autorizar depois de se terem assegurado de estes que não afetarão a integridade dos sítios protegidos. Na falta de opções alternativas, alguns projetos que terão um impacto negativo significativo podem ainda ser autorizados por razões imperativas de reconhecido interesse público sendo que, nesse caso, devem ser adotadas medidas compensatórias para assegurar a coerência global da Rede Natura 200031. Os Estados-Membros ficam igualmente obrigados a instituir sistemas de proteção rigorosa das espécies animais e vegetais particularmente ameaçadas (anexo IV) proibindo todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies capturados, a sua perturbação intencional, nomeadamente durante o período de reprodução, de hibernação e de migração, a destruição ou a recolha intencionais de ovos no meio natural, a deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso. Para além disso, devem proibir a utilização de meios não seletivos de colheita, captura ou abate relativamente a certas espécies vegetais e animais (anexo V), instituir um sistema de vigilância permanente das capturas ou abates acidentais das espécies da fauna enumeradas no anexo IV, alínea a) e comunicar as medidas tomadas à Comissão de seis em seis anos.
A Rede Natura 2000 também integra as ZPE designadas ao abrigo da Diretiva Aves. Esta tem como objetivo reverter a tendência de declínio das populações de muitas espécies de aves selvagens migratórias e nativas europeias. Nos seus termos, os Estados-Membros devem tomar medidas para manter ou restabelecer as populações das espécies em perigo para um nível que corresponda às exigências ecológicas, científicas e culturais, tendo em conta as necessidades económicas e de recreio. Devem igualmente tomar medidas para preservar, manter ou restabelecer uma diversidade e uma extensão suficientes de habitats para todas as espécies de aves, envolvendo, sobretudo, a criação de ZPE, a manutenção e adaptação dos habitats situados no interior e no exterior das zonas de proteção, a reabilitação dos biótopos destruídos e a criação de novos biótopos. Certas espécies, enumeradas no anexo I32, são objeto de medidas especiais respeitantes ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência.
A designação de ZPE depende dos Estados-Membros33 e deve abranger as áreas com condições favoráveis à sobrevivência das espécies ameaçadas e das aves migratórias, situadas na área natural de distribuição das aves, sendo dada uma atenção especial às zonas húmidas.
Os Estados-Membros devem promover a investigação com vista à gestão, proteção e exploração razoável das aves selvagens na Europa. A Diretiva instaura, além disso, um regime de proteção geral de todas as espécies de aves selvagens da UE, proibindo a sua destruição intencional ou captura, a danificação dos ninhos, a recolha e detenção de ovos, a sua perturbação intencional, que coloque em risco a conservação, bem como o comércio ou detenção de aves, cuja caça seja proibida. Certas espécies, cujas populações o permitam, podem ser objeto de caça, desde que sejam respeitados determinados princípios34, direcionados à necessidade de manter a população das espécies a um nível satisfatório.
4.3. A Estratégia de biodiversidade para 2020 da União Europeia
Em 2011, a Comissão Europeia adotou a designada Estratégia de biodiversidade para 202035, para proteger o estado da biodiversidade e inverter a sua perda e a degradação dos ecossistemas até 2020 na Europa. Esta estratégia define seis metas prioritárias que abrangem os principais fatores de perda de biodiversidade e que permitirão reduzir as pressões mais fortes que são exercidas sobre a natureza. A Meta 1 designa-se “conservar e recuperar a natureza”, determinando que a UE deve assegurar uma melhor aplicação das Diretivas Aves e Habitats, enquanto a Meta 2 diz respeito a “manter e valorizar os ecossistemas e seus serviços”, incidindo sobre a manutenção e valorização dos serviços ecossistémicos e na recuperação de ecossistemas degradados (pelo menos 15 % até 2020), mediante a integração de “infraestruturas verdes”36 no ordenamento do território. A Meta 3 trata de “garantir a sustentabilidade da agricultura e da silvicultura”, estabelecendo que os instrumentos previstos no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) devem contribuir para aumentar as áreas agrícolas com prados, terras aráveis e culturas permanentes abrangidas pelas medidas relativas à biodiversidade até 2020, e que, no mesmo período, devem ficar operacionais Planos de Gestão Florestal ou instrumentos equivalentes, aplicáveis a todas as florestas que sejam propriedade pública e a explorações florestais superiores a uma determinada área. Os planos devem garantir uma gestão sustentável das florestas para poderem beneficiar de financiamento no âmbito da Política de Desenvolvimento Rural da UE.
A Meta 4 refere que se deve “garantir uma utilização sustentável dos recursos haliêuticos”, estando relacionada com a política comum de pescas, e a Meta 5 é “combater as espécies exóticas invasoras”. Foi no contexto desta última Meta que foi proposto e aprovado o Regulamento (UE) n.º 1143/2014, relativo à prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras (EEI) na UE. Aí se prevê a aprovação de uma lista de EEI que “suscitam preocupação na União”37, e que, no prazo de três anos a contar da sua adoção, os Estados-Membros devem criar e implementar planos de ação para controlar as vias prioritárias. Esta medida tem por objetivo evitar a introdução não intencional e a propagação de EEI que suscitam preocupação na União dentro do seu território.
Por fim, a Meta 6 é “enfrentar a crise de biodiversidade global”, que se insere no cumprimento dos compromissos assumidos durante a Décima Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, realizada em Nagoia em 2010.
Em 2015-2016, a Estratégia foi objeto de uma revisão intercalar, que teve início com um relatório da Comissão38 e deu origem a uma resolução do Parlamento Europeu39 e à adoção de conclusões pelo Conselho em formação “Ambiente”40. Apesar de alguns progressos, destaca-se a necessidade de um esforço muito maior para cumprir os compromissos de implementação por parte dos Estados-Membros. Com o terminar do período de vigência da Estratégia, o Conselho em formação “Ambiente” veio, em 19 de dezembro de 2019, convidar a Comissão a desenvolver uma nova estratégia de biodiversidade da UE tendo como horizonte temporal 2030, como um dos elementos centrais do Green New Deal Europeu.
Para além do enquadramento internacional e europeu, o decisor político português encontra-se vinculado ao Direito nacional aplicável. Neste domínio, a Constituição da República Portuguesa não se refere expressamente à matéria da biodiversidade ou diversidade biológica. No entanto, ainda se pode retirar do texto constitucional algumas diretrizes nesta matéria – embora sempre à luz de uma visão antropocêntrica – do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição, que estabelece que incumbe ao Estado, na sua alínea c), “criar e desenvolver reservas e parques naturais (…), bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza (…)”, e, na sua alínea d), “promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações”.
Estes traços genéricos decorrem igualmente da Lei de Bases da Política do Ambiente (LBA), aprovada pela Lei n.º 19/2014, de 14 de abril. Desde logo, pode-se encontrar referências à “salvaguarda da biodiversidade” e “do equilíbrio biológico” no âmbito do princípio do desenvolvimento sustentável, um dos “princípios materiais de ambiente” elencados no artigo 3.º da LBA. Nesse contexto, a “conservação da natureza e da biodiversidade” surge como uma das componentes ambientais naturais da política de ambiente (alínea d) do artigo 10.º da LBA) “como dimensão fundamental do desenvolvimento sustentável”, impondo “a adoção das medidas necessárias para travar a perda da biodiversidade, através da preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora no conjunto do território nacional, a proteção de zonas vulneráveis, bem como através da rede fundamental de áreas protegidas, de importância estratégica neste domínio”.
Daqui decorre um conjunto de deveres genéricos para o legislador e decisor administrativo, muito associados à preservação de habitats e de zonas ou sítios importantes para a preservação da fauna e da flora.
Neste contexto, a concretização destes deveres gerais de proteção da natureza e da biodiversidade encontra-se no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (RJPNB)41, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho, que determina que a autoridade nacional de conservação da natureza é o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. (ICNF)42.
Aí encontramos, desde logo, a criação legal de um enquadramento de conjunto de todos as áreas classificadas e respetivas zonas de contiguidade, através da Rede Fundamental de Conservação da Natureza (RFCN), no artigo 5.º do RJPNB. A sua criação já se encontrava, no entanto, prevista como a segunda opção estratégica prevista na Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ENCNB), adotada em 2001 através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 151/2001, de 11 de outubro. A Rede é composta pelo Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), que integra as áreas nucleares de conservação da natureza e da biodiversidade, e pelas áreas de continuidade, que têm como objetivo a garantia da ligação e do intercâmbio genético de populações de espécies selvagens entre as diferentes áreas nucleares43. O Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC) abrange as áreas protegidas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP), os sítios da lista nacional de sítios e as zonas de proteção especial integrados na Rede Natura 2000, e as “demais áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português”. Apesar da consagração legal desta realidade ser algo bom, o RJPNB não estabelece propriamente um regime jurídico global que lhe seja aplicável, deixando a figura sem um enquadramento unificador e coerente44, como era desejável.
A RNAP é constituída pelas áreas protegidas de âmbito nacional, regional ou local, que obedecem às tipologias de parque nacional, parque natural, reserva natural, paisagem protegida e monumento natural (artigo 11.º do RJPNB). No entanto, a integração ou a exclusão das áreas protegidas de âmbito regional ou local na RNAP depende da avaliação da autoridade nacional (o ICNF) da manutenção dos pressupostos subjacentes à classificação, designadamente ao nível da adequação da tipologia adotada e dos regimes de proteção constante dos planos territoriais de âmbito intermunicipal e municipal, aplicáveis na área em causa (n.º 10 e 11 do artigo 15.º do RJPNB). Podem também integrar a RNAP as “áreas protegidas privadas”, que são terrenos privados que recebem esta classificação a pedido do respetivo proprietário, e que devem ser geridas nos termos de protocolo de gestão acordado com a autoridade nacional na sequência do seu reconhecimento (artigo 21.º). As áreas protegidas delimitadas exclusivamente em águas marítimas sob jurisdição nacional e as áreas de “reservas marinhas” e “parques marinhos” demarcadas no interior das áreas protegidas constituem a Rede Nacional de Áreas Protegidas Marinhas (n.º 4 do artigo 10.º). O regime de proteção de cada área protegida é definido de acordo com a importância dos valores e recursos naturais presentes e a respetiva sensibilidade ecológica (artigo 23.º-A), dispondo os parques nacionais, os parques naturais, as reservas naturais e paisagens protegidas, quanto tenham âmbito nacional, de um programa especial (artigo 23.º).
Um outro elemento do SNAC é a Rede Natura 2000. As Diretivas Aves e Habitats, que constituem o seu enquadramento jurídico, foram transpostas por Portugal através do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril45. Aí se preconiza um regime jurídico de conservação de habitats, determinando que as entidades da Administração Pública com intervenção nas ZEC devem, no exercício das suas competências, evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que possam vir a ter um efeito significativo, submetendo as ações, planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão de um sítio da lista nacional de sítios, de um sítio de interesse comunitário, de uma ZEC ou de uma ZPE e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar essa zona de forma significativa a uma obrigação de avaliação de impacte ambiental ou de incidências ambientais. Relativamente à proteção de espécies, o regime determina a proteção das espécies de aves, incluindo as migratórias, que ocorrem naturalmente no estado selvagem no território europeu dos Estados membros da União Europeia, e de todas as espécies de aves e de outros animais, bem como das espécies vegetais, constantes dos anexos, incluindo regras sobre meios e formas de captura ou abate proibidos, proibição de coleção ou a taxidermia de espécimes de algumas espécies.
Nos termos do n.º 4 do artigo 8.º, do regime jurídico da Rede Natura 2000, a execução da Rede Natura 2000 é objeto de um plano sectorial, que “tendo em conta o desenvolvimento económico e social das áreas abrangidas” deve estabelecer orientações para “a gestão territorial nos sítios da lista nacional de sítios, nos sítios de importância comunitária, nas ZEC e nas ZPE” e “as medidas referentes à conservação das espécies da fauna, flora e habitats”. O Plano Sectorial da Rede Natura 2000 veio a ser aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115-A/2008, de 21 de julho, corporizando, como é referido no seu preâmbulo, “um instrumento de gestão territorial, de concretização da política nacional de conservação da diversidade biológica, visando a salvaguarda e valorização dos sítios e das ZPE do território continental, bem como a manutenção das espécies e habitats num estado de conservação favorável nestas áreas. Na sua essência, é um instrumento para a gestão da biodiversidade” (sublinhado aditado). Apesar do n.º 5 do artigo 8.º referir que “o plano sectorial deve ser revisto sempre que se verifique alteração dos limites das áreas de sua incidência” o Plano Sectorial da Rede Natura 2000 nunca foi alterado desde a sua aprovação, há mais de 10 anos.
Por fim, o SNAC integra “outras áreas classificadas”, onde se incluem as áreas protegidas transfronteiriças, resultantes da celebração de acordos ou convenções internacionais com outros Estados (artigo 26.º), e as áreas abrangidas por designações de conservação de carácter supranacional, estabelecidas por convenções ou acordos internacionais de que Portugal seja parte (artigo 27.º)46.
No entanto, o RJCNB é mais amplo que apenas questões relativas às áreas classificadas. Nos termos do artigo 6.º do RJPNB, a política de conservação da natureza e da biodiversidade abrange duas realidades: por um lado, as ações de conservação ativa, ou seja, o conjunto de medidas e ações de intervenção dirigidas ao maneio direto de espécies, habitats, ecossistemas e geossítios, bem como o conjunto de medidas e ações de intervenção associadas a atividades socioeconómicas com implicações significativas no maneio de espécies, habitats, ecossistemas e geossítios, tendo em vista a sua manutenção ou recuperação para um estado favorável de conservação, e, por outro lado, as ações de suporte, que correspondem à regulamentação, ordenamento, monitorização, acompanhamento, cadastro, fiscalização, apoio às ações de conservação ativa, visitação, comunicação e vigilância dos valores naturais classificados.
Nesse contexto, também se prevê a existência de um Sistema de Informação sobre o Património Natural (SIPNAT), constituído pelo inventário da biodiversidade e do património geológico (artigo 28.º)47, e de um Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados (artigo 29.º), que é um arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies vegetais ou animais a que seja atribuída uma categoria de ameaça pela autoridade nacional de acordo com critérios internacionais definidos pela IUCN48. Também se estabelece um regime de conservação de espécies e habitats, incluindo conservação in situ, cujo regime é remetido para diplomas especiais nacionais, da UE e internacionais (artigos 30.º a 32.º), e conservação ex situ, prevendo-se a existência de uma Rede Nacional de Centros de Recuperação para a Fauna (artigo 33.º) e de cooperação entre autoridades públicas e privadas, designadamente organizações não-governamentais de ambiente, jardins botânicos e zoológicos e universidades, tendo em vista o desenvolvimento de programas de criação em cativeiro ou de propagação fora do respetivo habitat. Por fim, também se estabelece um regime económico e financeiro da conservação da natureza e da biodiversidade, com recurso a instrumentos contratuais, colaboração com privados e a imposição de taxas.
O documento de concretização dos diversos níveis de vinculação descritos, ao nível da política da República Portuguesa, é a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ENCNB).
Não obstante a elaboração de uma ENCN estar prevista desde 1987, na Lei de Bases do Ambiente originária (na alínea a), do n.º 1, no artigo 27.º da Lei n.º 11/87, de 7 de abril, entretanto revogada), a primeira Estratégia foi apenas aprovada em 2001, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 152/2001, de 11 de outubro. Foi o fruto de um longo processo de preparação, que incluiu três procedimentos de discussão pública (em 1991, 1999 e 2001) sobre outras tantas versões do documento e dois pareceres do Conselho Nacional de Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS). A ENCNB tinha três objetivos gerais, sendo o primeiro a conservação da natureza e da diversidade biológica; o segundo a promoção da utilização sustentável dos recursos biológicos; e o terceiro contribuir para a prossecução dos objetivos visados pelos processos de cooperação internacional na área da conservação da Natureza em que Portugal está envolvido, em especial os definidos na CDB49.
Esta primeira ENCNB estava concebida para vigorar “na primeira década do século XXI, de 2001 a 2010”, prevendo-se que nesse último ano esta deveria “ser sujeita a uma revisão global, com base num processo de avaliação e discussão pública” (n.º 41).
Apesar disso, foi preciso esperar até 2018, para que fosse aprovada a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 2030), através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2018, de 7 de maio. Isto significa que, pela segunda vez desde a primeira previsão da existência deste documento central da política de biodiversidade portuguesa, ocorreu um longo período de vazio estratégico e de opções de fundo neste domínio – de 8 anos. Este hiato foi apenas interrompido por uma proposta de ENCNB apresentada em junho de 2015 e sobre a qual o CNADS se pronunciou, sem que no entanto, essa proposta tenha vindo a ser concretizada. O problema do silêncio sobre políticas de biodiversidade durante esse período é agravado pelo facto de a LBA aprovada em 2014 ter deixado de prever a existência deste instrumento estratégico, esvaziando-se de indicações sobre como a política de biodiversidade se ia concretizar.
A discussão pública da proposta da ENCNB decorreu entre 12 de junho e 30 de setembro de 2017, tendo também a mesma sido objeto de um parecer do Conselho Consultivo do ICNF e do CNADS, dando origem ao Relatório da Ponderação do Processo de Discussão Pública50 – a proposta apresentada tinha um diferente enquadramento temporal, designando-se ENCNB 2025. De acordo com o Relatório foram igualmente promovidas sessões de apresentação pública da proposta, que ocorreram nos dias 23, 28 e 29 de junho 2017, e 14 de setembro de 2017.
A ENCNB 2030 afirma-se como um “um instrumento fundamental da prossecução da política de ambiente” e assenta no reconhecimento de que “a prosperidade económica e o bem-estar da sociedade são suportados pelo capital natural, o que inclui os ecossistemas e os seus serviços, cuja funcionalidade depende, em larga escala, da utilização sustentável e eficiente dos recursos naturais”, de acordo com a Introdução do documento.
De acordo com a mesma Introdução, a ENCNB 2030 teve por base as recomendações do Relatório Nacional de Avaliação da Execução da ENCNB produzido em 2009 (9 anos antes da sua aprovação), bem como “os compromissos nacionais estabelecidos sucessivamente por Portugal nos diversos palcos – bilateral, União Europeia (UE), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Nações Unidas –, em matéria de política de biodiversidade e conservação da natureza, o quadro macroeconómico e financeiro do país na próxima década e as grandes apostas políticas nacionais no sentido de reforçar a centralidade da política de ambiente e no próprio processo de desenvolvimento do país”. Aqui se pode encontrar a relevância do estudo do enquadramento internacional da política da biodiversidade. Efetivamente, ao longo da Estratégia vão-se encontrando referências aos documentos inspiradores e enquadradores, referidos supra, tais como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o Plano Estratégico da CBD (os objetivos estratégicos de Aichi), e a Estratégia da União Europeia para a Biodiversidade.
A ENCNB 2030 é composta por seis capítulos, tratando o primeiro (“Portugal, Biodiversidade e Capital Natural”) da leitura atual sobre o país, a sua biodiversidade e o seu capital natural e contendo o segundo (“Situação de Referência do Património Natural”) o diagnóstico do património natural português. Por seu turno, o terceiro capítulo (“Ambição e Visão”) contém a ambição e a visão para a conservação da natureza e da biodiversidade, o capítulo quarto (“Eixos Estratégicos e Matriz Estratégica”) desenvolve a componente estratégica e os capítulos quinto (“Financiamento e Recursos”) e sexto (“Governação e Acompanhamento da Aplicação da Estratégia”) as componentes operacionais.
A Resolução que aprovou a ENCNB 2030 também cria um fórum intersectorial – para fomentar a cooperação institucional na tarefa de acompanhar e avaliar a implementação das medidas de concretização, envolvendo diversas entidades públicas com responsabilidades diretas no âmbito da conservação da natureza e biodiversidade, bem como da ciência e de tecnologia, bem como o poder local e as regiões autónomas. O fórum é constituído por 11 membros, incluindo representantes de entidades como o ICNF, Turismo de Portugal e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
A Estratégia baseia-se em “três apostas que moldam a política de ambiente” (n.º 3.1. da Estratégia). A primeira a ser elencada é a “descarbonização da economia”, relacionada com o combate às alterações climáticas e redução do seu efeito; a segunda é a “economia circular”, que promove a maior eficiência na utilização de recursos naturais; e a terceira é a “valorização do território”, que leva a adotar “modelos de desenvolvimento que se diferenciem pela combinação de características singulares que o país apresenta e que são a sua marca única e intransponível”.
A “visão para 2050” da ENCNB 2030, construída com base nas referidas apostas, é (n.º 3.2): “Alcançar o bom estado de conservação do património natural até 2050, assente na progressiva apropriação do desígnio da biodiversidade pela sociedade, por via do reconhecimento do seu valor, para o desenvolvimento do país e na prossecução de modelos de gestão mais próximos de quem está no território”. Não se pode afirmar que a visão esteja muito focada na biodiversidade em si, parecendo estar mais preocupada com a maneira como esta é vista pela sociedade e com o desenvolvimento e ocupação do território. Estes são desígnios importantes, no entanto, não são propriamente desígnios de política de biodiversidade.
À luz desta “visão”, os princípios adotados na ENCNB anterior são retomados e afirmam-se como valores transversais aos principais eixos estratégicos a sustentabilidade, o conhecimento, a participação e partilha, assim como a responsabilização (n.º 3.3.). Por seu turno, os três eixos estratégicos da Estratégia são (n.º 4.1. ENCNB 2030): i) “Melhorar o estado de conservação do património natural”, como objetivo último estancar a perda de biodiversidade; ii) “Promover o reconhecimento do valor do património natural”, possibilitando a compreensão do serviço que assegura o mesmo e a capacidade de saber transmitir essa realidade; e iii) “Fomentar a apropriação dos valores naturais e da biodiversidade pela sociedade”.
De seguida, a ENCNB 2030 sistematiza objetivos ordenados por prioridades a prosseguir até 2030, que se desdobram num conjunto de medidas de concretização (30 objetivos, a implementar por 104 medidas), para as quais se definem indicadores, prioridades, prazos, meios de verificação, instrumentos e responsabilidades, num quadro de atuação em que o despovoamento dos territórios surge como importante ameaça à biodiversidade, a par da alteração dos sistemas naturais, exponenciada pelas alterações climáticas e pela proliferação de espécies exóticas invasoras. Um quadro síntese, no final da ENCNB 2030, contém a listagem. Aí se pode verificar, por exemplo, que o primeiro objetivo (1.1) é “Consolidar o SNAC e promover a sua gestão partilhada”, elenca como medidas de concretização, entre outras “Elaborar os programas de execução dos Programas Especiais de Ordenamento do Território de 25 áreas protegidas de âmbito nacional” já em 2020, e “Promover o desenvolvimento de modelos de gestão partilhada, colaborativa e participada das áreas protegidas de âmbito nacional, envolvendo os municípios e entidades representativas da sociedade” até 2018. Infelizmente, nada é dito sobre a necessidade de atualização do Plano Sectorial da Rede Natura 2000, um outro instrumento central da política de conservação da natureza – apesar de Portugal ter sido condenado pelo Tribunal de Justiça da UE (TJUE) por incumprimento da Diretiva Habitats por não ter adotado as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais referidos no seu anexo I e das espécies referidas no seu anexo II presentes nesses sítios de importância comunitária51.
Identificam-se, ainda, as linhas de financiamento existentes e o modelo de financiamento da ENCNB 2030, baseado num plano geral de mobilização de investimento e despesa, que consiste no Plano de Ação para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade XXI. Esta questão, central para a implementação da estratégia, é remetida, portanto, para um momento posterior ainda não ocorrido.
A política portuguesa de biodiversidade e conservação da natureza está muito relacionada com os compromissos internacionais assumidos pela República Portuguesa e pelas orientações decorrentes do Direito da UE – em especial, neste caso, das obrigações contidas nas Diretivas Aves e Habitats. Este facto pode ser explicado pela natureza global da questão, mas também pela falta de definição de diretrizes mais concretas quer pelo texto constitucional quer pela LBA. Diga-se, a esse propósito, que neste âmbito, caberia à LBA conter essa densificação – no entanto, a vaguidade da LBA atualmente vigente nesta matéria é especialmente notável. O espaço para a definição dessas linhas gerais acaba por ser preenchido pelo RJCNB – aprovado por um decreto-lei – pervertendo o desígnio constitucional destes assuntos serem definidos pela Assembleia da República.
O documento central da política nacional de conservação da natureza e biodiversidade, obedecendo a esse enquadramento internacional, europeu e do RJCNB, é a ENCNB. A questão problemática neste aspeto foram os dois longos hiatos de vazio de Estratégia vigente desde a aprovação da primeira LBA em 1987, deixando as definições básicas da política de biodiversidade sem uma orientação central e clara. Daqui também parece resultar que a política de biodiversidade não tem sido uma prioridade no âmbito da política de ambiente nestes últimos anos.
O mesmo parece resultar da falta de revisão e atualização do Plano Sectorial da Rede Natura 2000, outro instrumento essencial da política da biodiversidade e do facto de, só em 2020 ter, finalmente, designado como ZEC os SIC reconhecidos no território nacional – mas só depois de condenação pelo TJUE52. Recorde-se que, nesse acórdão, o TJUE considera que as medidas que a República Portuguesa apresentou a título de medidas de conservação, não satisfazem as exigências do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva Habitats – quer devido ao “caráter genérico e de orientação dessas medidas, nomeadamente o PSRN2000, que exigem, para mais, em muitos aspetos, medidas de concretização para a sua aplicação efetiva”, quer porque “essas medidas são lacunares por não comportarem sistematicamente medidas de conservação estabelecidas em função das exigências ecológicas de cada espécie e de cada tipo de habitat presentes em cada um dos SIC em causa”53. Resulta, assim, evidente, que Portugal se encontra aquém das obrigações internacionais de proteção da biodiversidade.
Com a aprovação da ENCNB 2030, a situação de inexistência de documento enquadrador da política de biodiversidade finda, passando a existir o estabelecimento de linhas definidas de atuação futura, uma calendarização e parâmetros de avaliação de obtenção dos resultados almejados. Assim, neste momento, o nosso país encontra-se alinhado com as exigências e metas fixadas internacionalmente de existência de um documento planificador para diminuir o ritmo de perda de biodiversidade e aumentar a sua proteção.
Trata-se, no entanto, de uma mera “estratégia”, um documento com um carácter não genericamente vinculativo, sem um quadro sancionador ou penalizador que esteja associado ao seu incumprimento, e que está dependente da efetiva disponibilização de meios para a sua implementação.
Por outro lado, a falta de prioridade política da questão da biodiversidade também resulta do próprio texto da ENCNB, cuja visão para 2050 não se refere propriamente à necessidade de estancar o ritmo de perda de biodiversidade ou a proteção de habitats – assumindo a valorização do território um papel central. Mais uma vez, não se prevê a atualização do Plano Sectorial da Rede Natura 2000, que se parece abandonar à sua sorte – sem que o artigo 8.º do regime jurídico da Rede Natura 2000 seja alterado –, partindo-se para um modelo de planos de gestão da SIC.
Resiste, igualmente, uma sensação de incerteza temporal de uma estratégia que, durante a discussão pública era ENCNB 2025, com a aprovação passou a 2030 e que contém uma “visão para 2050”, sem que se preveja uma esquematização ou calendarização da aprovação da ENCNB que se seguirá. Será que o decisor político se está a preparar para mais um hiato? Será que o financiamento surgirá e as metas serão cumpridas? Só o tempo o dirá. O problema é que o tempo escasseia.
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Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, assessor do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional, Investigador Principal do CIDP – Centro de investigação de Direito Público. Morada: Alameda da Universidade, Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa. ruilanceiro@fd.ulisboa.pt.
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Sobre biodiversidade marinha, cfr., v.g., M. Chantal da Cunha Machado Ribeiro, A proteção da biodiversidade marinha através de áreas protegidas nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição do Estado Discussões e soluções jurídicas contemporâneas: o caso português, Coimbra Editora, 2013; D. H. Galileu Severino de Lima Bezerra Cabral, “Geopolítica da biodiversidade marinha: mudanças no arcabouço jurídico-institucional”, in T. Carvalho Borges et al. (org.), Direito do mar: reflexões, tendências e perspetivas, Editora D’Placido, 2017, pp. 109-139; T. S. Agardy, “Marine protected areas and ocean planning”, in H. D. Smith et al. (ed.), Routledge handbook of ocean resources and management, Routledge, 2017, pp. 476-492.
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Sobre a definição de biodiversidade, neste contexto, cfr., v.g., H. D. Rosa, “Conservação da biodiversidade: significado, valorização e implicações éticas”, in Revista jurídica do urbanismo e do ambiente, n.º 14, 2000, pp. 9-34; J Untermaier, “Biodiversité et droit de la biodiversité”, Revue Juridique de l’Environnement, número especial, 2008, pp. 21-32; J. Mário Ferreira de Almeida, “Floresta e biodiversidade”, in C. Amado Gomes e R. Gil Saraiva (org.), No ano internacional das florestas, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas - ICJP, 2011, pp. 155-169; H. Oliveira, “O dano à biodiversidade: conceptualização e reparação”, in M. Rebelo de Sousa et al. (coord.), Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Coimbra Editora, 2012, vol. 4, pp. 363-387; C. Amado Gomes e L. Batista, “A biodiversidade à mercê dos mercados? Reflexões sobre compensação ecológica e mercados de biodiversidade”, in. C. Amado Gomes (coord.), Compensação ecológica, serviços ambientais e proteção da biodiversidade, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas - ICJP, 2014, pp. 32-109, pp. 33-34.
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Dados constantes em https://www.cbd.int/convention/guide/.
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Cfr., v.g., N Hervé-Fournereau e A. Langlais, “Does the concept of ecosystem services promote synergies between European strategies for climate change and biodiversity?”, in. F. Maes et al. (ed.), Biodiversity and climate change: linkages at international, national and local levels, Edward Elgar Pub, 2013, pp. 65-93.
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Dados do “Summary for policymakers - Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services” do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), pp. 11-12, de 6 de maio de 2019, disponíveis em https://ipbes.net/global-assessment.
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Cfr. R. Wolfrum, “The protection and management of biological diversity”, in F. L. Morrison e R. Wolfrum (ed.), International, regional and national environmental law, Kluwer Law International, 2000, pp. 355-372.
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Embora não tenha sido possível atingir um acordo que estabelecesse metas concretas a serem cumpridas pelos países, durante a conferência foi concebido um importante documento político chamado “Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano”, adotado em 6 de junho de 1972. Trata-se do primeiro documento de Direito Internacional a reconhecer o direito humano a um ambiente de qualidade, reconhecendo também um conjunto de princípios centrais de Direito do Ambiente.
Ainda antes existiram várias respostas de Direito Internacional, mas relativas a pontos específicos (determinadas espécies de animais, como as baleias, focas ou o urso polar, ou determinados habitats, como a Antártida), cfr. C. Amado Gomes, Direito Internacional do Ambiente: Uma abordagem temática, AAFDL, 2018, pp. 231 ss. Em 1971, foi criado o Programa Man & Biosphere (MaB) da UNESCO, numa perspetiva de promover o equilíbrio entre as sociedades humanas e os ecossistemas. O Programa, inicialmente muito centrado na conservação da natureza, atualmente tem como objetivo a conservação da biodiversidade, a promoção do desenvolvimento económico sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações. Os objetivos deste Programa consubstanciam-se através da designação de Reservas da Biosfera, que funcionam como laboratórios vivos, onde se ensaiam iniciativas de promoção e utilização sustentável dos recursos endógenos em cooperação entre as populações e os atores de desenvolvimento local. Sobre o papel da UNESCO na tutela da biodiversidade, cfr. v.g., V. Pepe, “La tutela della biodiversità naturale e culturale: il ruolo dell’UNESCO”, Rivista giuridica dell’ambiente, ano 22, n.º 1, 2007, pp. 33-48; C. Amado Gomes, Direito Internacional do Ambiente, pp. 42-44.
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Também conhecido pela designação em língua inglesa: United Nations Environment Programme (UNEP). Trata-se de um programa das Nações Unidas que coordena as suas atividades ambientais e assiste os países em desenvolvimento na implementação de políticas e práticas ambientalmente corretas. Foi estabelecido pela Resolução 2997 (XXVII) de 15 de dezembro de 1972 da Assembleia Geral das Nações Unidas como resultado da Conferência de Estocolmo.
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A Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional Especialmente como Habitat de Aves Aquáticas (Convention on Wetlands of International Importance especially as Waterfowl Habitat), conhecida como Convenção de Ramsar por ter sido assinada na cidade iraniana de Ramsar a 2 de fevereiro de 1971. A Convenção entrou em vigor em 1975 e é considerada o primeiro tratado internacional a fornecer uma base estrutural para a cooperação internacional e ação nacional para a conservação e uso sustentável dos recursos naturais, em concreto, das zonas húmidas e seus recursos. Conta atualmente com 169 Países Contratantes em todos os continentes, tendo sido designados cerca de 2.200 Sítios de importância internacional, cobrindo cerca de 215.247.837 ha. A República Portuguesa aprovou a Convenção de Ramsar através do Decreto n.º 101/80, de 9 de outubro. Cfr., v.g., N. de Sadeleer, “La conservation des habitats naturels en droit communautaire”, CEDOUA, ano 6, n.º 11, 2003, pp. 9-44.
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A necessidade de cooperação internacional com vista à conservação das espécies animais que efetuam migrações transfronteiras foi reconhecida, em 1972, durante a Conferência de Estocolmo. Tal resultou na elaboração da Convenção Sobre a Conservação de Espécies Migradoras da Fauna Selvagem, conhecida como Convenção de Bona, que entrou em vigor em novembro de 1983. Esta Convenção atualmente tem 65 partes de cinco regiões geográficas. Portugal aprovou para ratificação a referida Convenção através do Decreto n.º 103/80, de 11 de outubro.
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A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora, CITES), também conhecida como Convenção de Washington, foi assinada naquela cidade a 3 de março de 1973. Inclui atualmente cerca de 180 Estados e tem como objetivo assegurar que o comércio de animais e plantas selvagens, e de produtos deles derivados, não ponha em risco a sobrevivência das espécies nem constitua um perigo para a manutenção da biodiversidade. A CITES concede vários graus de proteção a mais de 30 000 espécies, quer sejam comercializadas como espécimes vivos ou mortos, em partes (como o marfim ou o cabedal) ou em derivados (como os medicamentos). Os Estados Partes da CITES agem, conjuntamente, regulamentando o comércio das espécies listadas num dos seus três Anexos. A CITES foi redigida em resultado de uma resolução adotada em 1963 no seio da União Internacional para a Conservação da Natureza (International Union for Conservation of Nature, IUCN). Cfr., v.g., T. Deleuil, “La CITES et la protection internationale de la biodiversité”, Revue Juridique de l’Environnement, n.º especial, 2011, pp. 45-62.
A CITES foi aprovada pela República Portuguesa através do Decreto n.º 50/80, de 23 de julho. Atualmente, a competência para a regulação do comércio internacional da fauna ou flora selvagens é da competência da União Europeia (UE), tendo esta ratificado a CITES através da Decisão (UE) 2015/451 do Conselho de 6 de março de 2015. A CITES foi implementada na UE através de regulamentos, sendo os dois principais atualmente em vigor: o Regulamento (CE) n.º 338/97 do Conselho de 9 de dezembro de 1996, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens, (o Regulamento-Quadro); e o Regulamento (CE) n.º 865/2006 da Comissão de 4 de maio de 2006 estabelece as normas de aplicação do Regulamento (CE) n.º 338/97 do Conselho (Regulamento de Implementação).
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Porque a Comissão era presidida por Gro Harlem Brundtland.
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Também chamado Relatório Brundtland, é o “Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future”, transmitido à Assembleia-Geral das Nações Unidas como um anexo do “Document A/42/427 - Development and International Co-operation: Environment”.
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Cfr. n.º 27 do Relatório.
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O PNUA convocou o Grupo de Trabalho Ad Hoc de Peritos em Diversidade Biológica em novembro de 1988 para explorar a necessidade de uma convenção internacional sobre diversidade biológica. Logo depois, em maio de 1989, estabeleceu o Grupo de Trabalho Ad Hoc de Peritos Técnicos e Jurídicos para preparar um instrumento jurídico internacional para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica. Em fevereiro de 1991, o Grupo de Trabalho Ad Hoc já era conhecido como o Comité Intergovernamental de Negociação (“Intergovernmental Negotiating Committee”), tendo o seu trabalho culminado em 22 de maio de 1992 com a Conferência de Nairobi para a Adoção do Texto Acordado da Convenção sobre a Diversidade Biológica.
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Cfr. S. P. Johnson, The Earth Summit: the United Nations Conference on Environment and Development: UNCED introduction and commentary, Graham & Trotman, 1993, pp. 33 ss.
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A CDB foi aprovada para ratificação pela República Portuguesa através do Decreto n.º 21/93, de 21 de junho, tendo entrado em vigor a 21 de março de 1994, o Protocolo de Cartagena foi aprovado pelo Decreto n.º 7/2004, de 17 de abril e, por fim, o Protocolo de Nagoya foi aprovado pelo Decreto n.º 7/2017, de 13 de Março.
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Cfr., v.g., D M. McGraw, “The CBD – Key Characteristics and Implications for Implementation”, Review of European Community and International Environmental Law, vol. 11, n.º 1, 2002, pp. 17-28; F. Jacquemont, “The Convention on Biological Diversity and the Climate Change Convention 10 Years After Rio: Towards a Synergy of the Two Regimes?”, Review of European Community and International Environmental Law, vol. 11, n.º 2, 2002, pp. 169-180; A. von Hahn, “Implementation and Further Development of the Biodiversity Convention: Access to Genetic Resources, Benefit Sharing and Traditional Knowledge of Indigenous and Local Communities”, Heidelberg Journal of International Law, vol. 63, 2003, pp. 295-312; S. Sterckx, “Biodiversity under the law: protection or propertisation?”, Journal international de bioéthique, vol. 17, n.º 4, 2006, pp. 55-78.
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Cfr., v.g., V. Gervasoni, “Les conventions de protection de la nature”, Revue Juridique de l’Environnement, número especial, 2008, pp. 135-147.
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Afirmando que “a conservação da diversidade biológica é uma preocupação comum para toda a humanidade” no 3.º parágrafo do preâmbulo.
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No seu artigo 2.º, define-se “Diversidade biológica” como “a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas”. Trata-se de um conceito amplo, que considera todas as formas de vida e seus conjuntos na Terra.
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Cfr. L. Glowka, F. Burhenne-Guilmine H. Synge, A guide to the Convention on Biological Diversity, 2.ª ed., IUCN / Gland, 1996.
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A Convenção conheceu dois desenvolvimentos normativos. O primeiro foi o Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica, adotado, a 29 de janeiro de 2000, pela Conferência de Partes da CDB como um acordo suplementar. O Protocolo procura proteger a diversidade biológica contra os riscos potenciais dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna. Estabelece um procedimento de acordo prévio informado (advance informed agreement, AIA) para assegurar que os Estados recebam as informações necessárias para tomar decisões informadas antes de concordar com a importação de tais organismos em seu território. O Protocolo contém referência a uma abordagem de precaução e reafirma a linguagem de constante do Princípio 15 da Declaração do Rio, e também estabelece um Mecanismo de Intermediação de Informação sobre Biossegurança (Biosafety Clearing-House) para facilitar o intercâmbio de informações sobre organismos vivos modificados e para ajudar os países na implementação do Protocolo. Sobre os problemas jurídicos levantados por este Protocolo, cfr., v.g., M B. Eggers e R. Mackenzie, “The Cartagena protocol on biosafety”, Journal of international economic law, vol. 3, n.º 3, 2000, pp. 525-543; R. Hill, S. Johnston e C. Sendashonga, “Risk Assessment and Precaution in the Biosafety Protocol”, Review of European Community and International Environmental Law, vol. 13, n.º 3, 2004, pp. 263-269; R. MacKenzie, “The Cartagena Protocol after the First Meeting of the Parties”, Review of European Community and International Environmental Law, vol. 13, n.º 3, 2004, pp. 270-278.
O Protocolo de Nagoya sobre o Acesso aos Recursos Genéticos e a Partilha Justa e Equitativa dos Benefícios resultantes da sua Utilização (Access and Benefit-Sharing, ABS) é um outro acordo suplementar à CBD, adotado em 29 de outubro de 2010 em Nagoya, Japão, que entrou em vigor em 12 de outubro de 2014. Fornece um quadro jurídico para a implementação efetiva de um dos três objetivos da Convenção: a partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos. O Protocolo de Nagoya também abrange o conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos que são cobertos pela CDB e aos benefícios decorrentes de sua utilização. O objetivo é criar maior segurança jurídica e transparência, tanto para os fornecedores como para os utilizadores dos recursos genéticos estabelecendo condições mais previsíveis de acesso e ajudando a garantir a partilha dos benefícios quando os recursos são utilizados fora do país que os fornece. Neste contexto, a UE aprovou o Regulamento (UE) n.º 511/2014 sobre acesso aos recursos genéticos e partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes da sua utilização na União Europeia, relativo às medidas respeitantes ao cumprimento pelo utilizador do Protocolo de Nagoya (Regulamento ABS). O Decreto-Lei n.º 122/2017, de 21 de setembro, garante o cumprimento do Protocolo de Nagoya, relativo ao acesso aos recursos genéticos, assegurando a execução do Regulamento ABS. Para uma visão comparada da aplicação do regime ABS na Europa cfr. AA., Implementing the Nagoya Protocol: Comparing Access and Benefit-Sharing Regimes in Europe, B. Coolsaet, F. Batur e A. Broggiato (eds.), Brill / Nijhoff, 2015.
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Os relatórios submetidos pela República Portuguesa estão disponíveis em http://www2.icnf.pt/portal/pn/biodiversidade/ei/cbd (acedido em 06-03-2020).
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São as seguintes: Objetivo Estratégico A: Abordar as causas subjacentes da perda de biodiversidade através da integração da biodiversidade no governo e na sociedade; Objetivo Estratégico B: Reduzir as pressões diretas sobre a biodiversidade e promover o uso sustentável; Objetivo Estratégico C: Melhorar o estado da biodiversidade através da salvaguarda dos ecossistemas, espécies e diversidade genética; Objetivo Estratégico D: Aumentar os benefícios para todos da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos; Objetivo Estratégico E: Melhorar a implementação através de planeamento participativo, gestão do conhecimento e capacitação.
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Atualmente, 51 Estados são Partes Contratantes da Convenção de Berna. Em Portugal, a Convenção foi aprovada pelo Decreto n.º 95/81, de 23 de julho, constando a sua regulamentação do Decreto-Lei n.º 316/89, 22 de setembro.
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Corresponde à codificação das alterações introduzidas na Diretiva n.º 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens.
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Os Estados-Membros selecionam sítios a designar como ZEC de acordo com critérios científicos precisos especificados na Diretiva, para assegurar que os tipos de habitats naturais enumerados no seu anexo I e os habitats das espécies enumeradas no seu anexo II sejam mantidos ou, se for caso disso, recuperados para um estado de conservação favorável na sua área de distribuição natural. O anexo III enumera os critérios de seleção dos locais. Ao abrigo da Diretiva Habitats (artigos 3.º e 4.º), os Estados-Membros realizam primeiro avaliações exaustivas de cada um dos tipos de habitats e espécies presentes no seu território. Em seguida, apresentam listas nacionais de Sítios que são apresentadas à Comissão e devem incluir informações como o tamanho e localização do sítio, bem como os tipos de espécies e/ou habitat aí encontrados e que justifiquem a sua seleção. Com base nas propostas dos Estados-Membros, são convocados seminários científicos para cada região biogeográfica. Com o apoio da Agência Europeia do Ambiente, estes seminários biogeográficos especializados visam determinar se foram propostos por cada Estado-Membro locais de qualidade suficiente. Caso a Comissão entenda que foi omitido de uma lista nacional um sítio que integre um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias, pode ser dado início a um processo de concertação entre a Comissão e o Estado-Membro em causa. Se o resultado for insatisfatório, a Comissão pode apresentar ao Conselho uma proposta relativa à seleção do local como sítio de importância comunitária. Uma vez adotadas as listas de SIC, os Estados-Membros devem designá-los como ZEC o mais rapidamente possível e no prazo máximo de seis anos. Devem dar prioridade aos sítios mais ameaçados e/ou mais importantes para a conservação e tomar as medidas de gestão ou restauração necessárias para assegurar o estado de conservação favorável dos sítios durante este período. A Comissão atualiza anualmente as listas de SIC da União para assegurar que quaisquer novos sítios propostos pelos Estados Membros tenham o respetivo estatuto legal.
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As nove regiões biogeográficas da UE são: a região alpina; a região atlântica; a região do mar Negro; a região boreal; a região continental; a região macaronésica; a região mediterrânica; a região panónica; a região estépica. Portugal está abrangido por três destas regiões: a atlântica, a mediterrânica e a macaronésica.
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Cfr. Amado Gomes e Batista, Compensação ecológica, pp. 32-109.
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São as espécies ameaçadas de extinção, vulneráveis a modificações dos seus habitats, com populações reduzidas ou cuja repartição local é restrita, e que necessitem de atenção especial devido à especificidade do seu habitat.
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Apesar da ausência de um procedimento composto de controlo da atuação dos Estados-Membros, neste caso, a sua discricionariedade de atuação continua a ser controlada. Cfr., v.g., o Ac. do TJ Comissão c. Áustria [via rápida federal S 18] (C-209/04), n.º 33-40; Comissão c. Irlanda [IBA 2000] (C-418/04), n.º 39, 141, 142.
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Estes princípios são a necessidade de que o número de aves caçadas não comprometa os níveis populacionais satisfatórios; que as espécies não devem ser caçadas durante períodos de reprodução ou dependência; que as espécies migratórias não devem ser caçadas durante o período de retorno ao seu local de nidificação; e que são proibidos métodos de abate em grande escala ou não seletivos.
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Trata-se da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: O nosso seguro de vida, o nosso capital natural: Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020 [COM(2011) 244 final] de 3 de maio de 2011.
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Em 6 de maio de 2013, a Comissão Europeia emitiu uma Comunicação sobre infraestruturas verdes, onde descreve, em especial, os elementos fundamentais da estratégia futura da UE neste domínio. Cfr. a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Infraestrutura Verde – Valorizar o Capital Natural da Europa [COM/2013/0249 final].
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A lista é desenvolvida com base em avaliações científicas do risco e deve ser atualizada regularmente e revista, pelo menos, de 6 em 6 anos. As espécies constantes desta lista não podem ser intencionalmente introduzidas no território da UE. Do mesmo modo, não podem ser mantidas, criadas, transportadas para a UE, da ou na mesma, vendidas, plantadas ou libertadas no ambiente. A Comissão Europeia adotou a sua primeira lista, através do Regulamento de Execução (UE) 2016/1141 da Comissão, de 13 de julho de 2016 que adota uma lista de espécies exóticas invasoras que suscitam preocupação na União. A lista já foi atualizada uma vez, com a adição de espécies adicionais à lista através do Regulamento de Execução (UE) 2017/1263 da Comissão, de 12 de julho de 2017 que atualiza a lista de espécies exóticas invasoras que suscitam preocupação na União.
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Cfr. o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 2 de outubro de 2015, intitulado «Revisão intercalar da Estratégia de Biodiversidade da UE para 2020» (COM(2015)0478).
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Cfr. a Resolução do Parlamento Europeu, de 2 de fevereiro de 2016, sobre a revisão intercalar da Estratégia de Biodiversidade da UE (2015/2137(INI)).
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Cfr. as Conclusões do Conselho “Ambiente” de 16 de Dezembro de 2015 sobre a revisão intercalar da Estratégia da UE para a Biodiversidade até 2020 (15380/15).
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Cfr., v.g., J. M. Ferreira de Almeida, “O velho, o novo e o reciclado no direito da conservação da natureza”, in C. Amado Gomes (coord.), No ano internacional da biodiversidade: contributos para o estudo do direito da proteção da biodiversidade, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2010, pp. 91-112.
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Que resulta da fusão, operada em 2012, da Autoridade Florestal Nacional (AFN) com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P., nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de junho.
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São classificadas como áreas de continuidade as zonas integradas na Reserva Ecológica Nacional (REN), regulada pelo Decreto-Lei nº. 166/2008, de 22 de agosto, na Reserva Agrícola Nacional (RAN), regulada pelo Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, e no domínio público hídrico (DPH), regulado pela Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro. Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do RJPNB, as áreas de continuidade “estabelecem ou salvaguardam a ligação e o intercâmbio genético de populações de espécies selvagens entre as diferentes áreas nucleares de conservação, contribuindo para uma adequada proteção dos recursos naturais e para a promoção da continuidade espacial, da coerência ecológica das áreas classificadas e da conectividade das componentes da biodiversidade em todo o território, bem como para uma adequada integração e desenvolvimento das atividades humanas”.
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Apenas se prevê, nos artigos 9.º e 9.º-A do RJPNB a possibilidade de planos de gestão para áreas classificadas ou planos específicos de ação para a conservação e recuperação de espécies e habitats no âmbito do SNAC, de criação de marcas comerciais registadas e de uma imagem identitária e a regulação da sinalização para efeitos de identificação e informação relativa às áreas classificadas.
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Cfr., v.g., T. Antunes, “Singularidades de um regime ecológico: o regime jurídico da Rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências da análise de incidências ambientais”, in C. Amado Gomes e R. Gil Saraiva (org.), No ano internacional das florestas, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2011, pp. 147-213.
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Aqui se incluem as áreas classificadas por instrumentos jurídicos internacionais de conservação da natureza e da biodiversidade de que Portugal seja parte nos termos previstos, designadamente, do Programa Man and Biosphere, da UNESCO, da Convenção de Ramsar, da Convenção UNESCO de 1972, na parte relativa aos valores naturais, das Resoluções do Comité de Ministros n.ºs (76) 17 – Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa – e (98) 29 – Áreas Diplomadas do Conselho da Europa, da Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (Convenção OSPAR), adotada em Paris em 22 de setembro de 1992, da Decisão do Conselho Executivo da UNESCO (161 EX/Decisions, 3.3.1), adotada em Paris em 2001, relativa aos geossítios e geoparques (n.º 2 do artigo 27.º).
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O SIPNAT, na sua forma atual, disponibiliza informação sobre espécies de fauna de vertebrados e áreas englobadas na Rede Natura 2000, pode ser consultado em http://sipnat.icnf.pt/sipnat/.
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O Cadastro, a aprovar por decreto regulamentar, sob proposta da autoridade nacional (n.º 2 do artigo 29.º), devia ter conhecido uma primeira versão aprovada no prazo máximo de dois anos a contar da entrada em vigor do RJCNB (artigo 52.º), o que não aconteceu.
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Para a concretização destes objetivos, a ENCNB formulava 10 opções estratégicas: 1) Promover a investigação científica e o conhecimento sobre o património natural, bem como a monitorização de espécies, habitats e ecossistemas; 2) Constituir a Rede Fundamental de Conservação da Natureza e o Sistema Nacional de Áreas Classificadas, integrando neste a Rede Nacional de Áreas Protegidas; 3) Promover a valorização das áreas protegidas e assegurar a conservação do seu património natural, cultural e social; 4) Assegurar a conservação e a valorização do património natural dos sítios e das zonas de proteção especial integrados no processo da Rede Natura 2000; 5) Desenvolver em todo o território nacional ações específicas de conservação e gestão de espécies e habitats, bem como de salvaguarda e valorização do património paisagístico e dos elementos notáveis do património geológico, geomorfológico e paleontológico; 6) Promover a integração da política de conservação da Natureza e do princípio da utilização sustentável dos recursos biológicos na política de ordenamento do território e nas diferentes políticas sectoriais; 7) Aperfeiçoar a articulação e a cooperação entre a administração central, regional e local; 8) Promover a educação e a formação em matéria de conservação da Natureza e da biodiversidade; 9) Assegurar a informação, sensibilização e participação do público, bem como mobilizar e incentivar a sociedade civil; 10) Intensificar a cooperação internacional.
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Consultável em www2.icnf.pt doc ENCNB2030-RelatorioPonderacao-05MAR2018.
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Cfr. o Acórdão do TJUE, de 5 de setembro de 2019, Comissão v. Portugal, no Proc. n.º C-290/18. Portugal foi igualmente condenado por não designar como zonas especiais de conservação 61 sítios de importância comunitária reconhecidos pela Comissão Europeia na Decisão 2004/813/CE da Comissão, de 7 de dezembro de 2004, que adota, nos termos da Diretiva Habitats, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica atlântica, e na Decisão 2006/613/CE da Comissão, de 19 de julho de 2006, que adota, nos termos da mesma Diretiva, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica mediterrânica, o mais rapidamente possível e num prazo máximo de seis anos a contar da data de adoção dessas decisões. Relativamente a este ponto, no entanto, Portugal já reagiu através da classificação como zonas especiais de conservação (ZEC) dos sítios de importância comunitária (SIC) localizados no território de Portugal Continental no Decreto Regulamentar n.º 1/2020, de 16 de março.
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Cfr. a nota anterior.
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Cfr. o Acórdão do TJUE Comissão v. Portugal (C-290/18), parág. 54-55.