Pede-me o Conselho Editorial da Gazeta Médica que partilhe convosco alguns pensamentos sobre o futuro da Medicina.
Alinharia esta reflexão sobre para onde devemos caminhar em cinco áreas:
Conceito de cuidados de saúde centrados no doente - cada vez mais a organização tradicional em serviços/especialidades deverá ser substituída por centros/unidades focadas em determinadas patologias ou grupos de doenças, para que o doente tenha toda a equipa multidisciplinar de que precisa no mesmo local e a comunicarem entre si sobre o seu problema de saúde. Este modelo, a ser progressivamente implementado nos Unidades CUF, trar-nos-á claros ganhos de eficiência e qualidade, bem como uma muito maior satisfação dos nossos doentes.
Conceito de “Value-Based Healthcare” (1 - mais tarde ou mais cedo, os resultados clínicos do nosso trabalho serão auditados pelos doentes e pelos pagadores, e é bom que comecemos a medi-los e a publicá-los desde já. Demos alguns passos tímidos neste sentido, mas acredito que teremos de o fazer em muito maior escala a curto prazo. É, não só uma questão de responsabilidade, sendo nós o maior grupo privado de saúde em Portugal, mas também de sobrevivência em relação a outros grupos, nacionais e internacionais. Acredito que a curto prazo estes resultados terão não só impacto na procura por parte dos doentes, mas também um papel nos pagamentos das seguradoras e outras entidades pagadoras, que pagarão melhor a quem tiver melhores resultados.
Utilização de ferramentas digitais (monitorização à distância, inteligência artificial para interpretar exames ou ajudar em algoritmos diagnósticos e terapêuticos, …) para melhorar a nossa prestação de cuidados de saúde, tanto na prevenção, como no tratamento e reabilitação - conceito de “Health 5.0”. (2 O próximo passo, para nós, prestadores, será entrarmos proativamente na vida dos cidadãos para lhes oferecer promoção da saúde (muito antes de serem doentes e com o objetivo de evitarem a doença). É o conceito de “digital wellness”, em que os prestadores de saúde passarão a disponibilizar aos cidadãos instrumentos (digitais e humanos) para melhorar, manter ou restaurar a saúde física e mental. É uma mudança do paradigma atual, sendo uma ação proativa dos prestadores junto dos cidadãos, em lugar de se limitarem a reagir à procura dos cuidados de saúde pelos doentes. Vai seguramente acontecer mais tarde ou mais cedo; os grandes da tecnologia digital (Google, Amazon,...) estão a investir muito neste conceito!
Uma palavra especial para a inteligência artificial, que é olhada com algum receio e mesmo aversão por muitos:
Em primeiro lugar, já está aí, não há como fugir-lhe; temos sim, de a usar em nosso benefício para aumentar a qualidade, segurança, eficácia e eficiência dos cuidados de saúde.
Nas áreas em que irá certamente acompanhar-nos mais a curto prazo - diagnóstico em radiologia e anatomia patológica, algoritmos de diagnóstico clínico e decisões terapêuticas em áreas muito protocoladas (exemplo - oncologia) -, ajudar-nos-á seguramente a cometermos menos erros e a sermos mais eficientes, permitindo-nos usar melhor o nosso tempo para o que realmente de humano nos diferencia das máquinas - a capacidade de valorizar o realmente importante dentro da miríade de informação a que estamos expostos, e o contacto, a humanização, a compaixão.
Aposta forte na segurança do doente - conceito de “Clinical Governance” - criado nos anos 90 do século passado no Reino Unido para aumentar a qualidade e segurança na área da saúde, com 7 pilares:
Acrescentaria uma preocupação e mais três pontos, que estão sempre associados a uma prestação de cuidados de saúde de excelência:
Preocupação com o desinteresse dos médicos mais jovens por duas especialidades que são o pilar de um sistema de saúde - a Medicina Geral e Familiar e a Medicina Interna. Muito por culpa de todos nós, que não as valorizamos convenientemente. Se no seio da medicina, na Ordem dos Médicos, nas instituições de saúde públicas ou privadas e na sociedade em geral não valorizarmos estes médicos e as respetivas especialidades, cada vez teremos menos, e não vejo forma de qualquer sistema de saúde sobreviver com saúde sem eles. E na sua valorização incluo possibilidade de diferenciação técnica, carreiras médicas e incentivos económicos. Está na nossa mão, como médicos, membros de instituições de saúde e cidadãos, inverter este processo.
Formação médica pré e pós-graduada - essencial para o desenvolvimento e pujança de qualquer serviço e instituição hospitalar. Termos estudantes de Medicina e internos a trabalharem e a aprenderem incluídos no nosso dia a dia é fundamental para o que eu chamaria a “saúde dos nossos hospitais”. Sem eles, arriscamo-nos a cristalizar no tempo e a definhar do ponto de vista técnico e científico. Esta aposta é crucial para nós!
Produção científica - as instituições de saúde, serviços e médicos, no que respeita à sua qualidade técnico-científica, “medem-se” pelos seus resultados, assunto já falado anteriormente, mas também pelo que publicam. Nem todos os médicos querem e devem “fazer ciência”. Mas a nossa instituição deve promover e premiar cada vez mais quem publica. A CUF Academic Centre tem sido uma mais-valia enorme para este fim, disponibilizando muitas ferramentas para promover e facilitar a investigação científica na área médica. No entanto, penso que temos de ser ainda mais ambiciosos, nomeadamente permitir aos médicos que o queiram, que usem parte do seu tempo para este fim, mesmo à custa de menor atividade assistencial. No fim, o saldo será, certamente, muito positivo.
Humanização dos cuidados de saúde - a tão falada relação médico-doente, proposta pela nossa Ordem dos Médicos como Património Imaterial da Humanidade. É um grande desafio para todos nós harmonizarmos a evolução digital, a tecnologia, e todo o trabalho administrativo, com o tempo para dedicar aos doentes. Mas é essencial que ultrapassemos este desafio. A bem da Medicina e dos nossos doentes! Dizia João Lobo Antunes: “Não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de quem sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão”. (3 Nesta mesma linha de pensamento, vale a pena ler um artigo do antigo “Chief Medical Officer” da Mayo Clinic, John Noseworthy.4
Dito isto, auguro um futuro auspicioso à nossa casa, a CUF. Digo isto do coração, essencialmente pela qualidade das pessoas que constituem as nossas equipas. Porque as instituições são as pessoas!