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Vista. Revista de Cultura Visual

On-line version ISSN 2184-1284

Vista  no.13 Braga June 2024  Epub June 30, 2024

https://doi.org/10.21814/vista.5509 

Artigos Temáticos

Taypis de Imaginários Racistas e o (Ir)reparável em Narrativas Denegadas de Mulheres Negras

Nayara Luiza de Souza1  , Concetualização, curadoria dos dados, análise formal, investigação, metodologia, validação, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0009-0003-1347-5208

Carlos Alberto de Carvalho1  , Concetualização, investigação, aquisição de financiamento, administração do projeto, supervisão, validação, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-8433-8794

1 Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Departamento de Comunicação Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil


Resumo

A opressão racial e sexual das mulheres negras brasileiras é, como defende Lélia Gonzalez (2020), uma das heranças coloniais mais perceptíveis e mais denegadas no contexto do país. Um dos mitos responsáveis pelo apagamento da história da escravização no Brasil instituiu como história oficial que esta nação seria um paraíso racial. Contudo, ao recorrermos aos registros de feminicídio, violência íntima e abusos sexuais, verifica-se uma repetição das mulheres negras como as mais vitimizadas. Diante da impossível reparação dos danos causados pelo passado de escravização que violentou as mulheres negras das mais variadas formas, cabe, no presente, eliminar todas as condições estruturais que as mantêm como alvo preferencial de violências e desumanização. Neste artigo recorremos ao que Silvia Rivera Cusicanqui (2015) descreve como “taypi”, um “mundo-do-meio” e um espaço intermediário onde é possível observar o contato entre formas opostas sem que os limites entre elas desapareçam. Essas zonas de contato, entretanto, podem ser permeadas por violência quando os opostos colocados em contato foram hierarquizados pelo contexto colonial, como Negres, Indígenas e Branques foram racializades, no Brasil. Inspirados nos deslocamentos de tempos e espaços que se reinformam, a proposta dos taypis de imaginários racistas coloca em contato imagens de apagamentos racistas que, ao serem evidenciados por meio da metodologia sociológica, apontam para o “racismo por denegação” (Gonzalez, 2020) brasileiro, presente em instituições nacionais, incluindo nos jornalismos.

Palavras-chave: racismo; reparação; jornalismo; mulheres negras

Abstract

The racial and sexual oppression of Black Brazilian women is, as Lélia Gonzalez (2020) argues, one of the most perceptible yet consistently denied colonial legacies in the country. One of the myths perpetuating the erasure of Brazil's history of enslavement has established an official narrative portraying the nation as a racial paradise. However, when examining records of femicide, intimate partner violence and sexual abuse, it becomes evident that Black women are the most victimised. Faced with the impossibility of repairing the damage caused by the historical legacy of enslavement, which subjected Black women to multifaceted forms of violation, it falls upon us to eradicate all the structural conditions that perpetuate them as the primary targets of violence and dehumanisation. In this article, we delve into what Silvia Rivera Cusicanqui (2015) describes as "taypi" a "middle-world" and an intermediate space where it is possible to witness the interaction between contrasting forms without the boundaries between them disappearing. These contact zones, however, can be permeated by violence when the opposites brought into contact are hierarchised by the colonial context, as Blacks, Indig and Whites were racialised in Brazil. Drawing inspiration from the displacements of times and spaces that are reinformed, the proposal of the taypis of racist imaginaries brings into contact images of racist erasures that, when evidenced through sociological methodology, point to Brazilian "racism by denial" (Gonzalez, 2020), present in national institutions, including journalism.

Keywords: racism; reparation; journalism; Black women

1. Introdução

Taypi é o espaço de margem e fronteira, recuperado do conhecimento aymara pela socióloga e ativista Silvia Rivera Cusicanqui (2015), a fim de propor práticas decoloniais de apreensão do mundo. Para os aymaras, população ameríndia que ocupa os territórios do que hoje nomeamos Peru e Bolívia, o taypi seria um espaço-tempo em que passado, presente e futuro se encontram, formando, em conjunto, os sentidos do que se aprende, vive e experiencia. Ou, nas palavras de Cusicanqui (2015), que também tem origem aymara, o taypi seria “uma arena de antagonismos e seduções” (p. 226), que a autora utiliza como estratégia de desvelamento de modos coloniais de ocultação de corpos de mulheres e Indígenas da história oficial boliviana.

Ao observar a similitude dessa dinâmica de apagamento de corpos metafórica e literal com as práticas de genocídio das pessoas negras no Brasil, resultado direto das estratégias coloniais, propomos neste artigo expandir a noção dos taypis aymaras também para o apagamento identificado no contexto brasileiro. Essa ação busca, se não uma reparação ainda possível, a proposição de modos de identificação de como o jornalismo brasileiro segue reproduzindo violências coloniais ao noticiar violências de gênero envolvendo mulheres negras (e aqui falamos de mulheres cissexuais e transexuais).

Neste intuito, é importante voltar para o passado, que ainda está presente nos dias atuais, e à submissão colonial do território que conhecemos como Brasil a partir da invasão portuguesa, em 1500. Esse evento instaurou o racismo como organizador social da nação que se constituiu a partir daí, mas um “racismo à brasileira”, segundo Lélia Gonzalez (2020, p. 80), com características próprias de articulação baseadas em negar a existência das práticas e imaginários racistas, ao mesmo tempo que busca apagar da sociedade as pessoas não brancas que são alvo dessa discriminação.

Ao tomarmos o(s) jornalismo(s) como lugar tanto da reprodução desse racismo quanto como espaço de observação do modo como ele opera na sociedade brasileira, propomos discutir os contornos estruturais e as permanências coloniais especificamente sobre o corpo das mulheres negras. Essa discussão carrega consigo a aspiração de que, rediscutindo as dinâmicas de produção de imaginários racistas dentro do jornalismo, possamos caminhar na direção de novos modos de ensino e de produção deste campo de conhecimento e atuação profissional a fim de que seja interrompido esse ciclo colonial de genocídio negro e indígena, ainda em vigência no Brasil. E, desse modo, vislumbrar também propostas de reparação.

Para tanto, propomos inicialmente compreender essa característica sui generis do racismo brasileiro, condição negada durante anos através do “mito da democracia racial”, que foi difundido por intelectuais e políticos brasileiros em diversos momentos da história nacional (Munanga, 2019). Essa característica específica do racismo brasileiro em negar a sua existência, como foi denunciado por ativistas negres1, como Lélia Gonzalez (2020), Sueli Carneiro (2023), Abdias Nascimento (1978), dentre outres, foi admitida pelo Estado brasileiro apenas recentemente, em 2001, depois da “Conferência Mundial das Nações Unidas” em Durban2, na África do Sul. Ao assumir ser um país racista no contexto de esta conferência, o Estado brasileiro reconheceu a necessidade de executar estratégias de enfrentamento à discriminação racial.

Contudo, como defende Kabengele Munanga (2019), as dinâmicas de reforço de um país sem preconceitos seguem sendo reinventadas por elites brancas que desejam assegurar os privilégios garantidos por esse falseamento da dinâmica racial no Brasil e do racismo brasileiro.

É nesse contexto que propomos os taypis de ver imaginários racistas como ferramentas de explicitação de práticas racistas disfarçadas em discursos públicos como os verificados nos jornalismos, em específico em coberturas jornalísticas de violência de gênero que envolvem mulheres negras no Brasil.

O “racismo à brasileira” impõe a urgência de debates e ações relativas à reparação histórica, entendida sua complexidade inclusive naquilo que é irreparável, como a restituição de vidas negras violentamente ceifadas no passado. Como o genocídio de pessoas negras não cessou no Brasil, as políticas de reparação devem partir da interrupção de danos no presente, com vistas a novos futuros.

2. Nota Metodológica

Para operacionalizar essa proposta, que denominamos “taypis de ver imaginários racistas”, no contexto das coberturas jornalísticas de violências motivadas por relações de gênero envolvendo mulheres negras, executamos, inspirados na proposta de Silvia Rivera Cusicanqui (2015), a organização de um arquivo com narrativas jornalísticas. Esse arquivo de imagens é composto por 1.017 matérias coletadas a partir de duas marcações legislativas brasileiras.

As duas semanas foram escolhidas de modo intencional a fim de que circundassem as temáticas de violência de gênero, incluindo as datas em que foram sancionadas a “Lei Maria da Penha”3 (7 de agosto; Lei nº 11.340, 2006) e a “Lei de Feminicídio” (9 de março; Lei nº 13.104, 2015). Esses códigos legais referem-se respectivamente ao combate à violência contra a mulher e ao reconhecimento como “crime hediondo” do homicídio motivado por questão de gênero. Cientes das dinâmicas das redações jornalísticas de abordar as temáticas em dias que circundam determinada data específica, a coleta foi estendida para os três dias anteriores e posteriores às efemérides. Assim, as coletas foram realizadas entre os dias 3 e 10 de agosto de 2021 e 6 e 12 de março de 2022. Após a composição do arquivo, inspirados no procedimento da análise de conteúdo (Bardin, 1977/2016), as narrativas foram indexadas e catalogadas e, posteriormente, tiveram imagens coletadas, selecionadas e decupadas em frames quando se tratavam de vídeos, para procedermos à análise das mesmas.

Consideramos para a análise, os espaços do FrontPage ou das “últimas notícias” dos portais de notícias G1 (https://g1.globo.com) e UOL (https://noticias.uol.com.br/) observados, como zonas de contato ou taypis. A escolha por esses portais de notícia deveu-se ao fato de serem os mais acessados no Brasil.

3. Não Dizer e a "Função Peculiar" das Palavras no Colonialismo

Ao dedicar-se a perscrutar as obras de Melchor María Mercado e do Album de la Revolución (Álbum da Revolução) na construção de um sentido sobre a “república boliviana”, Cusicanqui (2015) identifica como as palavras e as imagens produzidas com a finalidade de serem registros de uma civilização boliviana ocidental ocultaram das suas referências mulheres e Indígenas. A autora identifica que esses sujeites eram ou retirades de cena ou colocades em posição de inferioridade nas obras que eram consideradas como retratos da nação, que estava em construção, identificando, assim, uma estratégia de tornar anônimos esses povos como integrantes da cultura boliviana.

As obras oficiais registravam os corpos daquela nação como formados exclusivamente por pessoas brancas e da elite mestiça, considerando-os como os mais propícios para ilustrar a nova ordem civilizacional, que substituiria o passado colonial da Bolívia. A essa dinâmica colou-se o apagamento de Indígenas e de mulheres da história, impondo sobre eles “um pacote cultural de pedagogia colonial e civilizadora que subjuga os corpos e as consciências a um destino de anonimato coletivo” (Cusicanqui, 2015, pp. 155-156). Essa obliteração estendiase desde o registro gráfico da história nacional boliviana até aos discursos públicos que relataram e construíram uma nova versão sobre o colonialismo, projetando a civilização ocidental como destino.

A fim de apagar dos registros históricos as violências cometidas contra os povos originários dos registros históricos, adota-se no colonialismo, como observa Cusicanqui (2015), uma linguagem possuidora de uma “função peculiar”: o ocultamento de corpos e registros da cultura original. A autora descreve: “as palavras não designam, mas ocultam, e isto é particularmente evidente na fase republicana, quando foi necessário adotar ideologias igualitárias e negar os direitos de cidadania à maioria da população” (Cusicanqui, 2015, p. 175). Nesse contexto, essa característica de velamento da realidade estendeu-se para os discursos públicos que constituem os imaginários sociais, tendo esses se convertido em modos de não-dizer.

Essa mesma dinâmica de negação do passado é identificada por Lélia Gonzalez (2020) ao dizer que a formação da sociedade brasileira foi orientada pelo “mito da democracia racial”. Para Gonzalez (2020), “como todo o mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra” (p. 80), e, no caso brasileiro, a sonegação do passado escravista e violador seria a principal motivação do apregoamento do paraíso das raças no país. Partindo do exemplo da linguagem, a autora dedica-se especificamente a explicitar a tentativa de encobrimento da exploração sexual sofrida por mulheres negras africanas, trazidas para o Brasil na condição de escravizadas, que se constitui como uma marca da colonização que formou o país.

Gonzalez (2020) recorre ao dicionário da língua portuguesa Aurélio como um espaço de registro de imaginários e discursos públicos mediados pela linguagem para demonstrar esse apagamento. Ela escolhe no dicionário a definição da palavra “mucama”, que assim se apresenta: “mucama. (Do quimbundo mu ‘kama “amásia escrava”) S.f.Bras. A escrava negra moça e de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família e que, por vezes [ênfase adicionada], era ama de leite” (p. 81).

Em sua discussão, Gonzalez (2020) destaca a origem etimológica da palavra “mu’ kama” da língua quimbundo (da família de línguas banto), cuja tradução indicada seria “amásia escrava”, e defende que por ser “um nome africano, dado pelos africanos” (p. 81) corresponde à interpretação mais próxima da realidade vivenciada por essas mulheres. Seria ainda, defende a autora, a versão histórica imediatamente apagada, uma vez que o significado registrado pelo dicionário - versão eufemizada do termo que ao transformar “amásia escrava” em “escrava da casa” - apaga dos registros oficiais a violência à qual essas mulheres foram submetidas, inclusive as sexuais.

Ao propor uma análise sobre o racismo e o sexismo brasileiros, Gonzalez (2020) problematiza como os imaginários que foram construídos a respeito das mulheres negras durante o período escravocrata se perpetuaram na sociedade brasileira, inclusive através da imprensa, que, como aponta a autora, trata o racismo como natural. “A primeira coisa que a gente percebe nesse papo de racismo é que todo mundo acha que é natural ( ... ). Mulher negra, naturalmente [ênfase adicionada], é cozinheira, faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir rádio e ver televisão” (Gonzalez, 2020, p. 78).

Nesse âmbito, propomos que a permanência das mulheres negras como aquelas que mais morrem historicamente vítimas de feminicídio no Brasil relaciona-se diretamente com a naturalização da violência relacionada aos corpos negros e aos apagamentos das pessoas negras como imagens registráveis e visíveis. Essa ocultação se repete em discursos oficiais como o da legislação de proteção às mulheres e do jornalismo, instituições que observamos de modo combinado neste recorte a fim de demonstrar o abandono político e institucional sofrido pelas mulheres negras vítimas de violência no Brasil.

4. A Neurose Cultural Brasileira e as Mulheres Negras

Dados da Anistia Internacional revelaram que 62% das vítimas de feminicídio no Brasil, em 2022, eram mulheres negras (Amnesty International, 2023). Além deste relatório, relatórios nacionais que acompanham as ocorrências de violência contra a mulher e feminicídio no país têm apresentado dados semelhantes, que apontam para uma continuidade da vulnerabilização das mulheres negras no país. Nesse âmbito, propomos, a título de contextualização, um breve retorno à legislação brasileira e, em especial, às leis que se dedicam à proteção de mulheres negras, ou mais especificamente, sobre a ausência de legislação e políticas públicas específicas que busquem enfrentar essa continuidade histórica sobre a morte delas.

As leis brasileiras têm origem nas ordens Manuelinas (1512) e Filipinas (1603), que eram os códigos de conduta vigentes em Portugal nos primeiros anos do Brasil colônia. Esses primeiros textos não continham registros sobre mulheres negras escravizadas, mas considerações sobre como as mulheres deveriam se portar para serem lidas como “honestas” e merecedoras da proteção do reino.

No texto legal, também havia considerações sobre como os negros (no masculino) eram entendidos como “bens semoventes” de propriedade privada. Para a historiadora Ynaê Lopes dos Santos (2022), “por ser um bem que também era uma pessoa, o escravizado era um ‘bem semovente’, ou seja, um ser humano que era uma coisa e, portanto, não tinha nenhum direito” (p. 69). E, embora não fosse textualmente registrada, essa noção se estendia às mulheres negras escravizadas, que só viriam a aparecer nos códigos legais brasileiros em 1871, com a “Lei do Ventre Livre”, que tornava livre qualquer criança filha de mulher escravizada, nascida a partir de 1871.

Essa breve recuperação histórica revela algumas especificidades sobre as leis brasileiras ainda presentes nos códigos atuais, como explicita Santos (2022): a de que o não-dito se estende para a sociedade nacional por modos de ocultamento do racismo. Por exemplo, nunca existiu uma lei que permitisse a escravização no Brasil, contudo, aquando da primeira Constituição Brasileira, em 1824, aos negros escravizados e libertos eram negados o direito à propriedade e ao voto. Nesse mesmo código, em relação aos direitos das mulheres, é possível destacar a abolição de pena de prisão e degredo em caso de adultério, com exceção para os casos em que homens brancos mantivessem um caso público, ou concubinato, como descrito no texto da lei, com mulheres negras. Essa lei pode ser vista como uma tentativa de impedir tanto relacionamentos inter-raciais, quanto a admissão da mulher negra como esposa na ordem heteropatriarcal colonialista.

A replicação de códigos de conduta reflete ainda no modo como as instituições de segurança e justiça recebem as mulheres negras no Brasil. Para Carla Akotirene (2019), a morte de mulheres vítimas de feminicídio corresponde a um ciclo completo de abandono do Estado, que tem no braço da segurança pública um dos principais entraves à proteção da vida de mulheres negras. Isso porque, segundo a autora, a marca colonial do encarceramento e da violência imposta sobre a pele negra durante a escravidão permanece anulando as denúncias que essas mulheres prestam às autoridades de assistência social, policial, de saúde e jurídica.

O machismo, além disto, propicia aos agressores de mulheres, delegados, juízes e ativistas de direitos humanos, o encontro de iguais, porque a polícia que mata os homens no espaço público é a mesma que deixa mulheres morrerem dentro de suas casas - o desprestígio das lágrimas de mulheres negras invalida o pedido de socorro político, epistemológico e policial. (Akotirene, 2019, p. 69)

Para Akotirene (2019), as mulheres negras são duplamente criminalizadas pelo Estado: quando são descredibilizadas pelos órgãos de segurança ao tentar prestar queixas, devido a uma perpetuação de imaginários racistas dentro dessas instituições, e, mesmo antes disso, quando, também fruto de um racismo institucional, esse mesmo Estado centraliza as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher nas capitais e regiões Sul e Sudeste do Brasil, em bairros de classe média-alta, com horários reduzidos de atendimento. Neste contexto, é válido observar que as delegacias especializadas se constituem como uma conquista instituída pela Lei nº 11.340 (2006), a “Lei Maria da Penha”, de combate à violência contra a mulher.

Podemos observar que, antes dessa legislação, os crimes de agressão às mulheres no Brasil eram tratados como de menor gravidade e apenas com a promulgação de legislação específica, fruto de grande pressão política de movimentos sociais de mulheres, foi adotada uma política pública de coerção e combate à violência contra a mulher. Com menos de 20 anos de vigência, a “Lei Maria da Penha” pontua textualmente os direitos das mulheres brasileiras a uma vida sem violência em contraposição aos códigos legais iniciais, que até 1822, ainda na corrente dos códigos portugueses, permitiam ao marido aplicar castigos físicos à esposa e até matá-la, caso a encontrasse em adultério.

E, embora no texto da Lei nº 11.340 (2006) esteja nomeado em seu Artigo 2.° a garantia de que “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia [ênfase adicionada], orientação sexual” tenha direito a acessar as políticas públicas previstas na legislação, esse registro não se traduz em direito efetivo para muitas dessas mulheres. Através do Dossiê Mulheres Negras: Retrato das Condições de Vida das Mulheres Negras no Brasil (Marcondes et al., 2013), dedicado à contextualização racial das ocorrências de violência envolvendo mulheres negras que implicam dinâmicas de relações de gênero, a pesquisadora Jackeline Romio (2013) detalha algumas das ocorrências de racismo institucional que têm impedido as mulheres negras de acessar tais políticas.

Para Romio (2013), cientes da descredibilização que suas denúncias recebem, as mulheres negras são aquelas que mais desistem de fazer registros de casos de violência quando não têm testemunhas, algo comum em casos de crimes motivados por relações de gênero. Alguns dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009), que investigou a vitimização de homens e mulheres no Brasil, corroboram e ajudam a compreender esse cenário. Em relação às mulheres, foram ouvidas 1.071.913 mulheres que admitiram ter sofrido ou ainda estar em situação de violência; dessas, 603.731 se autodeclararam “negras” e 468.182 “brancas”. Desse montante, sobre o registro de ocorrências, as mulheres negras relataram uma negativa de efetivação do registro da denúncia em 27,8% dos casos por parte da polícia, contra 21,6% quando a vítima era uma mulher branca.

Em relação a não procurar a polícia por medo de represálias, as mulheres negras nomearam esse impedimento em 16,4% das vezes, contra menos de metade (7,4%) quando eram mulheres brancas em situação de violência. Nesse mesmo âmbito, em 1,5% dos casos, as mulheres negras optaram por fazer o registro em outro órgão que não a Polícia Civil e a Polícia Militar, contra 1,2% de mulheres brancas. Em suma, Romio (2013) defende que “tais particularidades evidenciam diferentes perspectivas quanto às autoridades e sugerem que o aprimoramento de políticas públicas de atendimento às vítimas deve desconstruir práticas racistas que impedem as mulheres negras de reivindicar seus direitos” (p. 154).

Embora a “Lei Maria da Penha”, aperfeiçoada por constantes atualizações, e, também, a “Lei de Feminicídio” sejam instrumentos importantes de combate à violência no Brasil, ainda são ausentes iniciativas formais que, diante de diagnósticos como, por exemplo, o feito por Romio (2013), enfrentem o racismo institucional imposto sobre esses corpos. É neste âmbito que evocamos Gonzalez (2020), que percebe o racismo como uma “sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira” (p. 84), visto que, sem essa lente de interpretação, não se pode nomear ou compreender de maneira completa as dinâmicas de opressão vivenciadas pelas populações descendentes de pessoas escravizadas. Outra debilidade relacionada à aplicação efetiva da “Lei Maria da Penha” (Lei nº 11.340, 2006) é apontada por Ana Flauzina (2018), quando acusa o perfil racista da justiça brasileira, que resulta no encarceramento de adultos e crianças negres no país, enquanto são observadas estratégias de maior tolerância com pessoas brancas. E, ainda, por uma legislação que não considera o racismo como um elemento de violência no contexto das violências de gênero.

Se para as mulheres brancas a relação com o sistema de justiça criminal apresenta os dilemas de uma violência marcada por sua omissão, para as mulheres negras, a interface com as vias da punição guarda relação particularmente brutalizada. O processo de racialização desse contingente de mulheres deu vazão a uma leitura que as afastou do ideal de feminilidade, aprovando o aprofundamento de sua opressão na esfera privada e de investidas mais contundentes na esfera pública. (Flauzina, 2018, p. 154)

A violência específica a que as mulheres negras estão sujeitas (Flauzina, 2018; Gonzalez, 2020) leva-nos a perguntar como são realizadas as coberturas jornalísticas nacionais sobre violência de gênero.

5. Práticas Coloniais e Reparação

As discussões sobre “reparação histórica” são complexas e não parece haver um consenso sobre o que efetivamente significa ou possibilitaria em termos práticos. Achille Mbembe (2020/2021), no contexto da devolução de obras artísticas roubadas da África, indaga em que medida essa estratégia não traria consigo uma noção de que países europeus, neste ato, estariam se esquivando de reparar outros males provocados pela colonização. A complexidade é maior quando se trata da impossibilidade de restituição de vidas retiradas no passado escravocrata ou, no que se refere ao presente brasileiro, de vidas de mulheres negras ceifadas pelo feminicídio.

Segundo Maria da Glória de Oliveira (2022),

nos movimentos de reparação histórica, o que se impõe ao Estado é o reconhecimento de uma dívida que jamais poderá ser convertida em valores materiais e monetários e, mesmo quando representada nestes termos, não é apenas a compensação financeira, mas a responsabilidade histórica que está em jogo. Aí residiria, segundo Scott (2020, p. 77), importância central dos movimentos de reparação: “eles chamam a história (definida como ação humana no passado, presente e futuro), para prestar contas”. O que está em questão, portanto, não é tanto o julgamento no sentido de uma decisão que consignará o mal ao passado, mas a demanda pelo reconhecimento de que o passado não passou, de que as narrativas lineares progressivas são insustentáveis porque representam equivocadamente a história. (p. 72)

Se à partida a dificuldade em estabelecer políticas de reparação reside em nuances jurídicas, essas, no entanto, são apenas parte ínfima dos desafios reparatórios, a começar pela óbvia impossibilidade de restituir vidas Negras e Indígenas - no caso brasileiro - ceifadas por espancamentos, trabalhos forçados extenuantes, doenças introduzidas pelo colonizador europeu, alimentação precária e um sem fim de barbáries. No caso das pessoas sequestradas em África e escravizadas, a morte e seus horrores começavam nos porões insalubres dos navios tumbeiros, por doenças, fome, sede, falta de ar, em partos realizados sem as mínimas condições para tal ou em corpos atirados ao mar para diminuir o peso dos navios (Sharpe, 2016/2023).

Qualquer política de reparação, na perspectiva de Maria da Glória de Oliveira (2022), deve levar em consideração a superação das lógicas persistentes das colonialidades, o que implica construir estratégias de enfrentamento ao racismo e outras modalidades de desumanização.

Neste sentido, a colonialidade como a lógica latente (e aqui seria importante não confundir latência com presença) que organiza as condições do nosso presente, deveria funcionar como uma categoria operatória de politização do tempo que, menos do que nos confinar em um mundo de “reparações retroativas”, talvez possa permitir efetuar o salto nos termos de Frantz Fanon (2008, p. 189), para a invenção de outros futuros. (Oliveira, 2022, p. 74)

Desse modo, é justamente no intuito de superação das colonialidades jornalísticas persistentes no Brasil que propomos a metodologia dos “taypis de ver imaginários racistas” como estratégia de escancarar o racismo disfarçado pelo “mito da democracia racial”. A necessidade de politização do tempo e do fim do silenciamento de pessoas Negras, Indígenas e outras que historicamente têm sido alvo de opressões diversas, deve estar na matriz de qualquer projeto de reparação. Na verdade, trata-se de instituir estratégias que visem a superação, no presente, das desigualdades que se prolongam de um longo passado, rumo a um futuro livre de hierarquizações e de desumanização. Pensadoras feministas negras têm contribuído decisivamente para a invenção de outros futuros, livres das condições propícias ao racismo e aos feminicídios de mulheres negras vindas do passado e que persistem no presente.

6. Jornalismo por Denegação e o Racismo no Brasil

O jornalismo, como constatado em pesquisa de Nayara Luiza de Souza (2023), é historicamente parte constitutiva das instituições que violentam mulheres negras. Para Souza, o nomeado “racismo por denegação” (Gonzalez, 2020) pode ser identificado nas coberturas jornalísticas sobre violência de gênero envolvendo mulheres negras brasileiras através de quatro procedimentos principais: a omissão, o apagamento, o recalque e o denominado, por Wilderson (2020/2021), “espetáculo da morte negra” (p. 255).

Nesse contexto, a omissão aparece relacionada com a organização do mito da “democracia racial” ao “racismo por denegação” (Gonzalez, 2020) nas narrativas jornalísticas encontradas, ao persistir um esquecimento, intencional ou não, sobre a inclusão de imagens e histórias de mulheres negras em situação de violência, mesmo quando são os temas das pautas. Outra ocorrência encontrada neste contexto é que esse “esquecimento” também se materializa no reconhecimento dos sujeitos de suposto saber na escolha das pessoas especialistas que serão ouvidas nas matérias jornalísticas, invariavelmente, brancas.

A essa primeira dinâmica cola-se o apagamento, que se tornou identificável na ocultação dos corpos de mulheres negras em situação de violência de maneira estruturante pela operação do racismo, quando os casos que discutem violência de gênero ignoram a raça das vítimas e priorizam ocorrências envolvendo mulheres brancas, o que aconteceu na maioria (77,5% ou 257 ocorrências) das reportagens analisadas por Souza (2023). E, ainda, no apagamento visual dessas mulheres, quando ao longo do dia das coberturas jornalísticas, ao resumir as reportagens, as edições priorizam as histórias ilustradas por mulheres brancas, apagando efetivamente as mulheres negras dos registros.

O recalcamento, prática midiática de expressão do racismo identificada também por Muniz Sodré (2015), está na resistência em admitir os “aspectos identitários positivos das manifestações simbólicas de origem negra” (p. 279), que se torna visível na imprensa e na história pela não nomeação racial de personalidades negras que executaram feitos marcantes. Em relação à cobertura de violência motivada por relações de gênero, essa ocorrência traduziu-se, novamente, na escolha dos casos midiáticos que receberam atenção estendida da imprensa: a escassez no acompanhamento dos desdobramentos das histórias e das mulheres negras noticiadas pelos seus feitos pessoais e profissionais, para além de situações de violência (Souza, 2023).

A esse aspecto do aprisionamento de imaginários dos corpos negros à escravização e, assim, à dor, à morte e ao sofrimento relaciona-se o “espetáculo da morte negra” (Wilderson, 2020/2021). Frank B. Wilderson III, ao defender a noção do “afropessimismo”, aponta que a morte negra tem uma função utilitária na sociedade civil por representar a continuidade do controle social das pessoas negras. O autor argumenta que a visibilidade do genocídio negro segue em andamento, sem nunca ser completo, como uma ferramenta de integração para a sociedade branca. “Somos mortos e regenerados, porque o espetáculo da morte negra é essencial para a saúde mental do mundo, não podemos sumir completamente, porque nossas mortes precisam ser repetidas, visualmente [ênfase adicionada]” (Wilderson, 2020/2021, p. 255).

Nas narrativas jornalísticas de violência de gênero envolvendo mulheres negras, essa repetição da mutilação do corpo negro também se faz presente na publicação de vídeos e fotografias em que mulheres negras são expostas, reificando-se e naturalizando-se o corpo negro como o lugar onde reside (ou para o qual se destina) a violência, como apresentaremos abaixo. No lugar de políticas de reparação, temos a continuidade da violência. Essa percepção quanto ao vilipêndio de mulheres negras vítimas de feminicídio foi apontada por Sanematsu (2011) e encontrada também nas narrativas analisadas por Souza (2023). Isto aponta para uma perenidade sobre como as narrativas jornalísticas registram as mortes de mulheres negras vítimas de feminicídio. Ambas as pesquisas também observam a omissão do aspecto racial das vítimas, que neste artigo relacionamos ao “racismo por denegação” (Gonzalez, 2020).

Ao propormos pensar na extensão da denegação racial presente na sociedade brasileira nas narrativas midiáticas, ressaltamos que essa dinâmica se repete para além das narrativas que envolvem a violência de gênero. A negação do racismo oriunda da culpa branca, apontada por Grada Kilomba (2008/2019), assemelhase à interpretação de Gonzalez (2020) sobre a denegação como mecanismo de esquecimento da culpa que se aproxima à neurose. Essa mesma associação é retomada por Sodré (2015), ao elencar a negação como um dos fatores que articula o racismo midiático brasileiro exercido por modos mais sutis de manutenção do “mito da democracia racial”.

O imaginário é categoria importante para se entender muitas das representações negativas do cidadão negro, quando se considera que, desde o século XIX, o africano e seus descendentes eram conotados nas elites e nos setores intermediários da sociedade como seres fora da imagem ideal do trabalhador livre, por motivos do eurocentrismo. O imaginário racista veiculado pelas elites tradicionais pode ser hoje reproduzido logotecnicamente, de modo mais sutil e eficaz, pelo discurso midiático-popularesco, sem distância crítica do tecido da civilização tecnoeconômica, onde se acha incrustrada a discriminação em todos os seus níveis. (Sodré, 2015, p. 278)

O racismo, a par da misoginia, da xenofobia, da LGBTQIAPN+fobia e de outros preconceitos desumanizadoras, são recorrentes em coberturas jornalísticas, constituindo dinâmicas que Carlos Alberto de Carvalho (2023) identifica como parte das colonialidades presentes nos modos de atuação dos jornalismos e de jornalistas. Desse modo, os jornalismos atuam segundo lógicas de colonização ao reproduzirem estruturas culturais, políticas, econômicas, comportamentais, ideológicas, entre outras, que estão ao serviço das elites beneficiárias e promotoras de hierarquias e desigualdades. Mas, ao mesmo tempo, jornalismos e jornalistas são também colonizados por essas mesmas elites, que ocupam espaços privilegiados para difusão dos seus pensamentos nas mais variadas mídias. Essa colonização também se manifesta na linguagem adotada em narrativas, por exemplo, as que contam sobre feminicídio a partir dos modos de dizer da polícia, o que no Brasil implica reproduzir jargões que depreciam as vítimas, não raramente transformando mulheres assassinadas em culpadas por suas próprias mortes.

7. Taypis de Ver os Imaginários Racistas

Segundo Silvia Rivera Cusicanqui (2015), os taypis são como um “mundo-domeio” (p. 207), um espaço intermediário onde é possível observar o contato entre formas opostas sem que os limites entre elas desapareçam. Essas zonas de contato, entretanto, podem ser permeadas por violência quando os opostos colocados em contato foram hierarquizados, no contexto colonial, como Negres, Indígenas e Branques foram racializades no Brasil. O exercício de recortar, reposicionar e reaproximar essas imagens permite que as violências ocultadas pela versão colonial possam ser visibilizadas. Ou como explicita, carregam consigo uma “interpretação da sociedade do seu tempo, nas suas dimensões heterogêneas e conflituosas” (Cusicanqui, 2015, p. 74).

A partir do que Silvia Rivera Cusicanqui (2015) considera um modo de deslocamento semiótico e de tradução dos discursos não-ditos pelo colonial, ela apresenta inicialmente a noção de “pacha”, em que passado-presente-futuro se encontram por estarem ligados em uma ideia que contraria noções como “desenvolvimento” e “progresso” apregoados pelas ideologias ocidentais. Ao considerarmos o modo como opera o racismo brasileiro no jornalismo, baseado na denegação que se disfarça como uma objetividade jornalística oriunda de modos eurocêntricos e coloniais de saber (Moraes, 2022), propomos a observação de um dos modos de operação dessa discriminação racial.

Ao adotarmos a noção de “taypis”, consideramos que o fenômeno que observamos tem como foco a diferença entre mulheres negras e brancas e como essas são notícias nas narrativas jornalísticas. Essa comparação é uma das principais orientações da epistemologia ch’ixi, que busca questionar os binarismos coloniais constituídos sempre como opostos centrados na violência ao serem postos em contato.

Nesse contexto, observamos que a prevalência do espaço dos taypis como uma zona de encontro que implica violência não se dá pela origem do termo no contexto aymara, mas porque a diferença passou a ser constituída como estratégia de subjugação de Negres e Indígenas que tiveram sua humanidade negada no âmbito colonial. Assim, em vez de opostos complementares, os pares passaram a ser descritos como extremos de “positivo” e “negativo”: o escuro, por exemplo, passou a ser lido como mal e o claro como bom, com as respectivas implicações morais envolvidas.

Nesse mesmo contexto, diante dos modos de ocultação e de não-dizer presentes na linguagem colonial, apontados por Cusicanqui (2015), quanto na operação do “racismo por denegação” (Gonzalez, 2020), propusemos a operação do taypi como um espaço-tempo de visualização desse terceiro espaço decorrente de opostos colocados em contato. Para tanto, assim como proposto por Cusicanqui (2015), nos dedicamos à observação dos aspectos verbovisuais dos textos recalcados em uma linguagem de omissão. A autora explicita que a cultura visual auxilia nessa compreensão histórico-social dos eventos, ao mesmo tempo que a observação de imagens “revela e atualiza muitos aspectos inconscientes do mundo social” (Cusicanqui, 2015, p. 175), porque as imagens deixariam transparecer o que as palavras escondem.

O primeiro taypi de ver imaginários racistas deste artigo (Figura 1) decorre do acompanhamento de uma mesma pauta ao longo do dia, em que a imagem das mulheres em situação de violência se repete no vídeo, mas é denegada4 como capa da matéria na página do portal. Observa-se o destaque dado às mulheres brancas que ocupam os cargos de promotoras de justiça na organização da página, e, em seguida, como as imagens das mulheres negras em situação de violência são aos poucos apagadas, seguindo lógicas racistas e que em nada lembram os futuros outros que processos de reparação histórica poderiam propiciar.

Elaborado pelos autores, a partir das matérias de 9 de agosto de 2021 (Coelho, 2021; Rouvenat, 2021).

Figura 1: Taypi I: comparação entre duas matérias jornalísticas sobre o mesmo tema 

No taypi II (Figura 2) é realizada a decupagem das matérias da manhã e da tarde a que se referem os registros da página do portal (ver Figura 1). Por “decupagem” entende-se a divisão em frames das imagens do vídeo e a escrita em texto verbal das falas das jornalistas e apresentadora (e apresentador) das narrativas jornalísticas. Ao comparar as matérias da manhã e da tarde é possível observar a repetição das imagens que registram os corpos das mulheres em situação de violência como cenas das matérias, uma prática comum no jornalismo de televisão, que depende de imagens para a ilustração e o acompanhamento do texto falado.

Elaborado pelos autores, a partir das matérias de 9 de agosto de 2021 (Coelho, 2021; Rouvenat, 2021).

Figura 2: Taypi II: matéria ao longo do dia quadro a quadro 

Ao contabilizarmos o total de mulheres na tela, identificamos cinco, das quais apenas duas são negras: uma jornalista e uma vítima. A presença de uma mulher jornalista negra na matéria do horário do almoço não significa, contudo, mudanças a nível textual do que é informado ao longo da matéria do jornal da tarde, sendo repetido o mesmo conteúdo da matéria da manhã. O que nos aponta para o fato de que a simples presença de uma mulher negra como a voz responsável por contar a história não implica necessariamente uma narrativa estruturada a partir das dinâmicas raciais de poder. Chamamos “jornalismo colonizador e colonizado” a esse engessamento da linguagem e das práticas jornalísticas de cobertura.

Ao mesmo tempo, se nos detivermos nas informações textuais contidas na matéria jornalística dos programas televisivos que são reproduzidas nos textos dos portais de notícia, seria possível destacar outro apagamento em relação às mulheres negras: em todas as matérias sobre o mutirão dos serviços são citados territórios periféricos do Rio de Janeiro, em que a maior parte da população é negra, mas a opção por ilustrar esses territórios é abandonada a fim de retratar as fachadas das unidades de justiça.

Essa escolha imagética pelas forças de segurança, junto à escolha pelo destaque dado às promotoras de justiça brancas, relacionam-se ainda a outra característica do jornalismo colonizador: a dependência das forças de segurança como fontes orientadoras das narrativas. Ao adicionarmos a essa análise a camada do racismo institucional sofrido pelas mulheres negras vítimas de violência e feminicídio e repetirmos o olhar para as imagens dos taypis (Figura 1 e Figura 2) defendemos que outra operação dos imaginários racistas a partir da ocultação dos corpos negros torna-se mais visível.

Outro apagamento relativo às narrativas de violência de gênero refere-se à repetição das mesmas imagens dessas mulheres como imagens de arquivo, expondo-as à vitimização cada vez que essas imagens retornam às programações jornalísticas. Essa repetição apenas visual, sem a apresentação do contexto e das histórias dessas mulheres, que implicaria uma humanização ou personificação, resulta em mais uma violência executada pelo jornalismo na cobertura de crimes de gênero.

É possível argumentar, no contexto da cobertura de crimes motivados por relações de gênero, que a utilização das imagens de fragmentos dos corpos sem contar a história das vítimas seria motivada pela intenção de proteger a identidade dessas mulheres. Esse cuidado, que consideramos fundamental, desaparece quando pensamos na espetacularização da morte negra como observado na matéria a seguir e no taypi seguinte, que a acompanha (Figura 3).

Elaborado pelos autores, a partir da matéria de 7 de março de 2022 (Serena, 2022)

Figura 3: Exemplo a partir de trecho de notícia do portal G1 

Na matéria Homem É Preso Após Ser Filmado Agredindo a Esposa Em União, no Piauí; Vídeo (Serena, 2022), destacamos que desde o título da matéria à indicação de que existem registros em vídeo da violência são utilizadas como estratégia de atração de leitores. Logo após a manchete, o vídeo da agressão de uma mulher negra é disponibilizado com o aviso inicial: “atenção. Imagens fortes". Nas imagens, a mulher é agredida física e verbalmente pelo homem que a matéria identifica como “ marido”. No vídeo é possível ouvir comentários e risadas da pessoa que filma a violência, sem intervir em favor da preservação da vida dessa mulher.

Realçamos como neste exemplo a narrativa jornalística utiliza a estratégia de tirar frames da imagem e dispô-las lado a lado. Contudo, ressaltamos que essa disposição de imagens em repetição sem contraste não se assemelha ao que estamos aqui denominando de “taypi”, sendo esse registro apenas um congelamento da violência sobre o corpo negro.

Além da falta de empatia das pessoas que fazem o registro não ser colocada em questão na narrativa jornalística, a escolha da edição destaca os registros policiais que o agressor tem e utiliza como fonte principal novamente a voz policial. Ao realizar essa contextualização baseada em uma lógica punitivista, que responsabiliza a vítima pelo seu envolvimento com um homem que foi preso e que oferece a representação do homem negro como alguém marginal e violento, o jornalismo volta a agredir a mulher.

Essa exploração da dor negra como estratégia jornalística de audiência também é notada na cobertura realizada pela TV Bahia (Figura 4), que pode ser observada desde o momento em que esse assunto se torna numa pauta considerada importante o bastante para entrar “ao vivo” no programa.

Elaborado pelos autores, a partir das matérias de 7 de março de 2022 (Bahia Meio Dia, 2022).

Figura 4: Taypi III: reportagem da TV Bahia decomposta como exemplo da exploração da dor negra 

Na programação, um jornalista é deslocado para o “ao vivo”, na frente da casa da vítima, e descreve onde ela mora e onde a agressão aconteceu. Além da violência visual que expõe o rosto e o corpo da mulher vítima, o repórter faz ao irmão dela questionamentos sobre se a criança que ela espera é filha do agressor e se a filha que ela teve antes dessa é do mesmo pai, uma prática que insinua de maneira denegada que comportamentos morais são esperados de uma mulher para que ela seja protegida pela sociedade e pela narrativa jornalística. Ao considerarmos a vítima como uma mulher negra, esses comportamentos ainda repetem violências coloniais que construíram a imagem da mulher negra como a “amásia escrava”, cuja sexualidade e descendência deveriam ser controladas. Como descrito por Wilderson (2020/2021), nos dois exemplos os corpos negros são mortos e retornados à vida apenas para serem mortos novamente de forma pública.

8. Conclusão

Ao convocarmos imagens das narrativas jornalísticas aqui analisadas, pontua-se que essas se relacionam com uma realidade de mortandade de mulheres negras brasileiras que segue em perenidade desde a escravidão. Se esse retorno histórico se faz necessário, é devido a uma continuidade dos imaginários constituídos na época da invasão do continente africano para sequestro de pessoas, que foram posteriormente escravizadas, que ainda persistem na ex-colônia Brasil. A restituição dessas vidas parece ser um dos itens irreparáveis. Assim, a visualidade dessa situação indica a necessidade de mudanças que envolvam cenários macrossociais, com o desenvolvimento de políticas públicas nacionais que atuem urgentemente na interrupção desse abandono social, com a adoção de ações de superação de imaginários racistas e das instituições que atuam sob influência deles, reformulando a educação, as artes, a cultura, os códigos legais e os jornalismos.

Os taypis nos permitiram, precisamente por sua natureza imagética, trazer à tona nuances do “racismo à brasileira”, que as palavras e a escrita tentam denegar, conforme propõem Lélia Gonzalez (2020) e Silvia Rivera Cusicanqui (2015). Adotar as perspectivas da cultura visual em miradas críticas, particularmente quando as imagens são colocadas em sequência, lado a lado ou justapostas, permite desvelar fissuras, contradições, violências físicas e simbólicas, jogos de poder, desumanização, racismos e outras estratégias hierarquizantes que os discursos verbais tentam ocultar.

Como buscamos evidenciar, se o jornalismo é uma importante atividade social que permite investigar os modos como a violência de gênero e os feminicídios atingem as mulheres negras, ele também reforça dinâmicas que reproduzem o “racismo à brasileira”. A superação das lógicas da colonialidade, que sustentam o racismo no jornalismo brasileiro, requer modificações estruturais que necessariamente precisam incorporar os processos de formação para as atividades jornalísticas. Desse modo, além de conteúdos antirracistas em disciplinas teóricas e de ensino das técnicas jornalísticas, é urgente que atividades de pesquisa e de extensão também sejam incorporadas ao esforço de combate ao racismo incrustado nos jornalismos e em parte de jornalistas em atividade.

Diante da impossibilidade de reparar o irreparável no que diz respeito aos danos causados no passado, o desafio é combater no presente o racismo e as violências físicas e simbólicas contra mulheres negras (e não somente as motivadas por relações de gênero, foco deste artigo), permitindo os novos futuros, aos quais se refere Maria da Glória de Oliveira (2022) em suas discussões sobre políticas de reparação.

Agradecimentos

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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1Adotamos neste artigo a utilização da linguagem neutra do português (do Brasil) para evitar o masculino como universal. Essa demarcação textual faz-se importante devido ao caráter da pesquisa que origina este artigo, que envolve fenômenos de violências contra pessoas que vivenciam o feminino, incluindo pessoas não-binárias e transsexuais.

2A “Conferência Mundial das Nações Unidas” de Durban estabeleceu, a partir de uma declaração, os diagnósticos, definições e principais populações atingidas no mundo pelo racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância, além de definir um plano de ação de combate a essas ocorrências em todo o mundo. O Brasil foi um dos países signatários da Declaração de Durban (Nações Unidas Brasil, 2001) e se comprometeu a efetivar ações de proteção à população discriminada e combater o racismo e a discriminação racial em todas as formas em que se manifestam.

3A lei recebeu esse nome em reconhecimento dos esforços por justiça para as vítimas de violências de gênero promovidos por Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica bioquímica, que por anos foi agredida por seu ex-marido, Marco Antonio Heredia Viveros, que a deixou tetraplégica (Instituto Maria da Penha, s.d.).

4A palavra “denegada” é utilizada no âmbito do que discute Lélia Gonzalez (2020) sobre o ocultamento intencional.

Recebido: 06 de Dezembro de 2023; Revisado: 15 de Janeiro de 2024; Aceito: 16 de Janeiro de 2024

Nayara Luiza de Souza é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestra em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG (2023). É graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa (2012) e pós-graduada em Gestão de Marketing pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Integra os grupos de pesquisa Insurgente (UFMG) e Grupo de Estudos sobre Discurso, Interseccionalidade e Subjetividade, ligado à Universidade Federal de Uberlândia. É coordenadora pedagógica da Escola de Comunicação Antirracista do Notícia Preta. Email: souza.nayaralu@gmail.com Morada: Avenida Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. CEP: 31270-901

Carlos Alberto de Carvalho é professor associado do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Coordena o Insurgente: Grupo de Pesquisa em Comunicação, Redes Textuais e Relações de Poder/Saber. Publicou dezenas de artigos em periódicos e capítulos de livros, além de livros publicados individualmente, em colaboração e como organizador, no Brasil e no exterior. Email: carloscarvalho0209@gmail.com Morada: Avenida Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. CEP: 31270-901

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