1. Introdução
Os primeiros programas de Intervenção Precoce (IP) surgiram, nos Estados Unidos da América (EUA), na década de 60 do século passado como resposta às crianças em desvantagem social sendo posteriormente aplicados às crianças com deficiências (Carvalho et al., 2016). Desde então o conceito de IP foi sofrendo alterações quer no enfoque da intervenção quer no papel dos profissionais. Estes progressos são resultado de todo um conjunto de influências práticas, conceptuais e teóricas, as quais tiveram enormes repercussões ao nível da implementação e da organização da IP (Caldeira, Seixas & Piscalho, 2017).
Os modelos e práticas dos EUA em muito influenciaram a implementação da IP na Europa mais concretamente em Portugal e na Espanha. Em 1988, foi criada a European Association on Early Childhood Intervention (EAECI) constituída por especialistas ligados a universidades, peritos de várias disciplinas e representantes de associações de pais de vários países da Comunidade Europeia, envolvidos em Intervenção Precoce para crianças em risco ou com alterações de desenvolvimento (EURLYAID, 2015; Pimentel, 2005).
Desde então vários estudos têm vindo a ser realizados no âmbito da Intervenção Precoce bem como da Educação Especial. A European Agency for Development in Special Needs Education [EADSNE] (2005), com base nos resultados dos debates e na análise de documentos dos vários países, recomenda a publicação de um normativo que garanta a IP como um direito, a descentralização dos serviços e recursos, a garantia da gratuidade e qualidade dos serviços, a cooperação dos profissionais com as famílias e com os membros da equipa e a partilha das responsabilidades por cada um dos setores envolvidos: saúde, educação e serviços sociais (EADSNE, 2005).
Vinte e cinco anos após a publicação do Manifesto, a EURLYAID apresenta um relatório que demonstra uma visão global das condições para o estabelecimento de IP em quinze países europeus, no qual Portugal e Espanha estão inseridos. Este relatório enfatiza que, apesar da existência de legislação relativa à IP nos vários países, a realidade mostra que estão longe de pôr em prática as necessidades descritas nas convenções de anos anteriores (EURLYAID, 2015).
1.1 Intervenção Precoce em Portugal
A IP surge, em Portugal, intimamente ligada com a evolução da sociedade e com o percurso histórico-social da Educação Especial (Serrano, 2007), e também com a evolução da Educação Pré-escolar (Mendes & Seixas, 2016; Ruivo & Almeida, 2002).
O início da IP foi tardio devido ao contexto político e social (regime político autoritário, autocrata e corporativista) que se vivia nos anos 50 e 60, um contexto repressivo, sem espaço para a formação de professores, inovação e experimentação de novas pedagogias que emanavam dos Estados Unidos da América (Gronita, 2014).
Tagethof (2007) alega que, em Portugal, a Intervenção Precoce tem dois períodos distintos: um primeiro período que tem início em meados de anos 80 e que termina em finais de anos 90, com a publicação do Despacho Conjunto nº 891/99, de 19 de outubro, que veio regulamentar a sua prática; e um segundo período que se inicia nesta altura e que se estendeu até à data de publicação do trabalho da autora.
Em 1984, a Direção de Serviços de Orientação e Intervenção Psicológica (DSOIP) inicia um projeto de pesquisa-ação (Pimentel, 2009), com vista ao apoio especializado às crianças em situação de risco ou deficiência e suas famílias, (Felgueiras & Bairrão, 1991; Pimentel, 2005; Pimentel, 2009) cuja implementação em Portugal se baseou no modelo Portage, um programa inovador, de ensino domiciliário, que surgiu nos EUA, em 1969, destinado a pais de crianças com NEE (Almeida, 2000a).
Mais tarde, em 1989, surge, em Coimbra, o Projeto Integrado de Intervenção Precoce (PIIP), o qual resultou da assinatura de um protocolo entre o Ministério da Saúde, da Educação e a Delegação de Coimbra da APPCDM.
Este projeto surgiu numa base comunitária, não só pela inovação de coordenar e integrar serviços públicos e privados, mas também pela sua contribuição para a disseminação de diferentes projetos integrados de IP (Almeida, 2000b).
Perante a inexistência de uma política de IP, a pouca consistência no modelo conceptual implícito e a falta de treino e formação adequada dos profissionais de IP (Felgueiras, 1997) era urgente a publicação de um normativo.
Fundamentada na estrutura do Projeto PIIP, a publicação do Despacho Conjunto nº 891/99, de 19 de outubro, deu início a uma mudança de paradigma na IPI no nosso país (Boavida, Carvalho & Espe-Sherwindt, 2009). Este normativo propõe um enquadramento teórico para as práticas, fomenta a dinamização das parcerias e a partilha de recursos, bem como a formação no âmbito da IP (Pinto et al., 2009) e fomenta as práticas centradas no contexto familiar das crianças (Boavida et al., 2009).
Apesar das diretrizes incluídas no documento normativo em questão irem ao encontro dos princípios e práticas recomendadas pelas organizações internacionais, nomeadamente a DEC (Serrano, 2007) e da criação de projetos semelhantes ao PIIP, muitas foram as assimetrias de região para região (Augusto, Aguiar & Carvalho, 2013; Serrano & Boavida, 2011) havendo por isso “a necessidade de uma política comum em Portugal, que culminou na criação de um Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), legislado pelo Decreto-Lei nº 281/2009, de 6 de outubro” (Augusto et al, 2013, p. 52).
Em 2016, a Associa ção Nacional de Intervenção Precoce (ANIP) publicou o manual “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para profissionais” com o objetivo de criar um instrumento de referência para os profissionais de IP nos diferentes níveis (Carvalho et al., 2016).
1.2 Intervenção Precoce em Espanha
Em Espanha, a Intervenção Precoce recebe a designação de Aténcion Temprana, doravante designada de AT. É um conceito que surgiu nos anos 70 do século passado (Cuevas & Veerman, 2012; Robles-Bello & Sánchez-Teruel, 2013) e, à semelhança de Portugal, as origens e evolução da AT em Espanha estão intimamente ligadas à evolução da sociedade e ao percurso histórico-social da Educação Especial.
À semelhança do caso português, a existência de um regime totalitário comprometeu a evolução da Educação Especial (Puelles, 2002, citado por Pérez, 2011, 698).
A partir dos anos 60, a Educação Especial em Espanha passa a ser um dos objetos de atenção do movimento associativo que então surgia (Real Patronato de Prevención y de Atención a Personas con Minusvalía, 1991). Mas é a partir dos finais dos anos 70 que as inúmeras mudanças no país ao nível social, político e económico desencadearam uma nova forma de perspetivar a intervenção com estas crianças (Redruello & Viloria, 2004).
Assim a AT surgiu em Espanha como Estimulación Precoz através de vários autores embora com pontos de vista diferentes (Viloria, 2011). Trata-se de uma disciplina que ainda hoje se vem consolidando como tal e cuja origem se pode encontrar na celebração do Curso breve teórico-prático de Estimulación Precoz para niños de cinco años, celebrado em 1973 na Escola de Fisioterapia de Madrid (Cuevas & Veerman, 2012; Fariñas, 2011; Robles-Bello & Sánchez-Teruel, 2013).
Influenciada ao longo dos anos por vários modelos (Gútiez, 2005 citado por Viloria, 2011, 18), a AT começa a dar passos. Surgem os primeiros centros de estimulação precoce (Cuevas & Veerman, 2012) em centros privados ou associações de pais cujos filhos apresentavam deficiências ou determinadas incapacidades (Fariñas, 2011).
Na década de 80, surgem as equipas de Atención Temprana, as quais vieram permitir a integração das crianças nos centros de educação infantil, favorecendo a intervenção precoce e permitindo a sua continuidade no sistema regular (Pérez, 2011).
Serrano, Mas, Cañadas e Giné (2016) referem que durante a segunda metade da década de 90 importantes mudanças ocorreram no que se refere à implementação da AT: passou a abranger crianças com diversas condições e os profissionais tomaram consciência da necessidade de envolver as famílias.
Perante a distribuição pouco explícita das competências entre os três serviços envolvidos na AT (GAT, 2000, 2005; Moreno & Calet, 2015) e a grande disparidade de situações entre as diferentes comunidades autónomas quer ao nível da especificidade das práticas quer ao nível da coordenação entre os diferentes serviços (Cuevas & Veerman, 2012; GAT, 2000, 2005; Moreno & Calet, 2015; Serrano et al., 2016; Viloria, 2011), urgia que se criasse um documento que fundamentasse a AT.
Em 2000, foi publicado O “Libro Blanco de Atención Temprana”, elaborado pelo Grupo de Atención Temprana (GAT), atual Federación Estatal de Asociaciones de Profesionales de Atención Temprana, com o intuito de fundamentar a AT, o que o tornou numa referência para as administrações públicas, os profissionais, as associações e as famílias (GAT, 2000; GAT, 2005). A sua publicação foi reconhecida não só em Espanha como em Portugal, pois Pimentel (2005) sugere que Portugal elabore um documento semelhante a este.
Ao longo dos últimos anos a Atención Temprana foi sendo reconhecida e promovida pelas diferentes Comunidades Autónomas da Espanha. Por todo o país foi sendo implementado um conjunto de normativos, procedimentos e redes de serviços os quais se basearam em princípios comuns. Contudo, quando adaptadas às diferentes realidades de cada Comunidade Autónoma gerou-se uma enorme diversidade de serviços no que diz respeito às áreas de cobertura, critérios, estruturas, procedimentos, objetivos, prioridades e disponibilidade financeira. As assimetrias são tantas que nem sempre é fácil reconhecer as caraterísticas comuns e básicas entre as diferentes Comunidades Autónomas (Lopez, Ponte & Rubert, 2018; Serrano et al., 2016).
2. Desenho Metodológico
2.1 Problemática e Propósitos do Estudo
Do interesse pessoal e profissional de um dos autores do estudo pela área da Intervenção Precoce e do seu contacto com esta estrutura enquanto Educadora de Infância do Ensino Regular, surgiu a pergunta que serviu de ponto de partida para a pesquisa: “Será que há pontos de contacto entre Portugal e Espanha na organização e operacionalização da IP?”
Realçamos que, das 613 teses publicadas na área da Educação Especial até 2015, apenas 106 estão relacionadas com a Intervenção Precoce (Morato et al., 2015). A pertinência deste estudo justificou-se pela inexistência de estudos comparativos entre Portugal e Espanha ao nível da IP existindo apenas um estudo comparativo sobre a Educação Especial em Portugal-Extremadura (Blanco, 2012).
A curiosidade em perceber se as bases conceptuais e a organização do sistema de IP em Portugal e Espanha, dois países interligados geográfica, afetiva e culturalmente, apresentam similitudes, conduziu à identificação de outras questões nomeadamente:
Quais os motivos que levaram à publicação, pela ANIP, de “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para Profissionais” (Carvalho et al., 2016) e do “Libro Blanco de Atención Temprana” (GAT, 2000)?
Quais as semelhanças entre as publicações da ANIP e do GAT?
Quais as diferenças entre as publicações da ANIP e do GAT?
Quais as orientações e recomendações descritas em cada uma das publicações?
Quais as semelhanças entre Portugal e Espanha ao nível legislativo?
2.2 Metodologia
Para Marconi e Lakatos (2003), a pesquisa “é um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais” (p.155).
Ao contrário da pesquisa quantitativa em que as diversas variáveis são operacionalizáveis, a pesquisa qualitativa responde a assuntos muito específicos e profundos como motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (Minayo, 2002). Este tipo de investigação permite abordar os fenómenos sociais pois interpreta a realidade “não apenas pela busca das causas, mas pelo reconhecimento das interdependências entre os fenómenos objectivos e subjectivos” (Silva, 2013, p. 71).
De acordo com Carmo e Ferreira (2008, p,195) o “paradigma qualitativo postula uma concepção global fenomenológica, indutiva, estruturalista, subjectiva e orientada para o processo”.
Ao pretender compreender como se organiza a IP em Portugal e Espanha, o método selecionado foi o estudo de caso. De acordo com Yin (2001), os estudos de caso são usados quando se colocam questões do tipo “como”, quando o investigador não controla totalmente as circunstâncias e quando a origem se encontra em fenómenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.
Apesar de não pretendermos estabelecer relações causais, tivemos como preocupação apoiar a descrição em pesquisas bibliográficas exaustivas e numa análise aprofundada. Assentando numa metodologia essencialmente descritiva e analítica é também utilizada a descrição histórica sobre a evolução da IP pois neste estudo são analisados acontecimentos e instituições relacionados com a IP que permitem apurar a sua influência na sociedade. De acordo com Marconi e Lakatos (2003), a análise de acontecimentos, processos e instituições do passado permite apurar a sua influência na sociedade de hoje, já que as instituições alcançaram a sua forma atual através de mudanças, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época.
2.3 Sujeitos de Estudo e Fontes de Análise
Os sujeitos no nosso estudo são dois organismos que assumem o protagonismo central na conceção, organização e operacionalização da IP em Portugal e em Espanha, ou seja, a ANIP e o GAT.
Para a caraterização dos sujeitos de estudo, utilizámos várias fontes de documentação. No caso da ANIP, para além dos documentos internos cedidos pela instituição (fontes primárias), usámos ainda documentos provenientes de fontes secundárias, mais especificamente artigos publicados em revistas de especialidade relacionadas com Educação de Infância, Educação Especial e Saúde. Usámos também as entrevistas gentilmente cedidas quer pelo presidente quer pela Diretora de Serviços da ANIP. No caso do GAT, a caraterização deste foi feita apenas baseada em fontes secundárias. Apesar das várias tentativas via email com o GAT no sentido de obter documentação interna bem como entrevista com o presidente ou representante do GAT, não obtivemos resposta da parte desta instituição pelo que a caraterização desta entidade foi feita apenas com base em artigos publicados em revistas.
2.4 Técnicas de Recolha e Análise de Dados
No estudo foram utilizados os dados cuja fonte de informação resultaram das entrevistas e de documentos internos cedidos por uma das instituições, a ANIP, sendo por isso consideradas como fontes primárias.
Estas fornecem informação direta (de primeira mão) obtida através de documentos (registos internos, ficheiros) ou relatos orais de pessoas que testemunharam ou participaram em determinados acontecimentos, sendo a entrevista o meio mais frequente para obter esses dados (Carmo & Ferreira, 2008) e que normalmente surgem durante o período de investigação (Duffy, 1997).
Ao pretender obter dados sobre a realidade destes dois países no que diz respeito à IP e estabelecer comparações, tornou-se necessário criar, como refere Carmo e Ferreira (2008), um instrumento para recolher esses dados. Neste caso, tratou-se da entrevista semiestruturada cujo guião foi elaborado após uma extensa revisão de literatura acerca da IP em Portugal e na Espanha, bem como após análise de documentos internos gentilmente cedidos pela ANIP e posteriormente revisto pela orientadora do estudo. De referir que foi também elaborado o consentimento informado, um documento no qual o investigador informa os sujeitos da investigação acerca da natureza e objetivos da investigação bem como da sua disponibilidade para lhes prestar os esclarecimentos necessários ao longo de toda a investigação.
As entrevistas aos representantes da ANIP foram realizadas presencial e individualmente em dia, hora e local à escolha dos entrevistados, sendo gravada em áudio e posteriormente transcrita na íntegra.
Como referido anteriormente, os constrangimentos associados à operacionalização da entrevista com o responsável do ou um representante do GAT fizeram com que a caraterização desta entidade tivesse apenas como fonte a análise de artigos publicados em revistas.
Desta forma não havendo a possibilidade de comparar entrevistas dos representantes dos dois países, as entrevistas realizadas quer ao presidente da ANIP quer à Diretora de Serviços da ANIP foram unicamente utilizadas como material de suporte para a caraterização da ANIP enquanto sujeito de caso.
Realçamos, contudo, que procedemos de igual forma à transcrição e análise de conteúdo das referidas entrevistas seguindo os procedimentos identificados por Bardin (2009). A autora define que as diferentes fases de análise de conteúdo se constituem à volta de três polos cronológicos designadamente a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados; a inferência e a interpretação.
Uma componente complementar, mas essencial para a organização e análise dos dados foi a análise de conteúdo dos dois manuais publicados pelas duas entidades, a ANIP e o GAT os quais são considerados como fonte secundária.
Nesse sentido, baseando-nos em Marconi e Lakatos (2003), foram elaboradas as respetivas categorias de análise de conteúdo dos manuais. Estabelecemos oito categorias as quais se subdividiram noutras categorias (subcategorias) e a partir daí foram preenchidas as respetivas grelhas de análise com os dados obtidos através da leitura. No presente artigo limitamos a apresentação de resultados à análise de conteúdo dos manuais referenciados, ou seja, Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância - Um Guia para Profissionais” (Carvalho et al., 2016) e “Libro Blanco de Atención Temprana” (GAT, 2000).
3. Apresentação e Análise dos Resultados
Como referimos anteriormente, os resultados apresentados no presente artigo centram-se apenas na análise dos dois manuais de referência à concetualização e organização da IP em Portugal e Espanha.
No caso de Portugal, o manual que será objeto de análise intitula-se “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um Guia para Profissionais” de Carvalho et al. (2016) tendo este sido publicado pela Associação Nacional de Intervenção Precoce e apoiado financeiramente pela Fundação Calouste Gulbenkian, através do Programa Cidadania Ativa (ANIP, 2017; Carvalho et al., 2016).
Relativamente ao caso de Espanha, o manual denomina-se “Libro Blanco de Atención Temprana” (GAT, 2000) e apesar de ter sido elaborado por vários autores, ao longo da revisão de literatura, identificamos o GAT como autor da obra uma vez que é assim que este é referenciado em Espanha. A sua publicação, distribuição e apresentação foi da responsabilidade do Real Patronato (Lebrero, 2016).
A análise de conteúdo dos manuais foi feita com base numa tipologia expressa em Marconi e Lakatos (2003) e apesar de existirem outras edições dos manuais optámos por analisar a primeira edição de cada um deles.
A análise abrangeu diferentes categorias de análise designadamente: Obra, Credenciais dos autores, Organização do manual, Informação e análise disponibilizada no manual, Quadro de referências dos autores, Análise crítica do investigador e Indicações do investigador.
Na Tabela 1 apresentamos os resultados da análise de conteúdo que evidenciam as similitudes entre os manuais.
Ambos os manuais são considerados uma referência central e um guia orientador para os profissionais da área pelo seu importante e pioneiro trabalho na IP/AT nos dois países. Daí que ambos têm como público alvo os profissionais de IP/AT sendo que estes podem ser adotados por várias áreas de saber que contribuem e colaboram na Intervenção Precoce: Educação de Infância, Psicologia, Ciências da Educação, Serviço Social e Medicina;
Ambos foram elaborados por especialistas da área, sendo que no caso do manual português para além da participação de especialistas nacionais, também contou com a participação de outros parceiros nomeadamente a Associação Pais-em-Rede, a Universidade de Aveiro, Consultores Internacionais: European Association on Early Intervention (EAECI) e International Society on Early Intervention (ISEI) (Carvalho et al., 2016);
Uma outra semelhança entre as duas publicações está relacionada com a linguagem e a sua organização. Ambas estão organizadas de modo coerente e usando uma linguagem acessível ao leitor;
A leitura aprofundada e posterior análise de conteúdo de ambos os manuais permitiu também definir que existem similitudes no que se refere à definição de IP/AT já que ambos a definem como um conjunto de medidas de apoio às crianças e às famílias; definição da população alvo, i.e., abrange crianças dos 0 aos 6 anos; organização do trabalho mais precisamente as equipas, ELI e CDIAT, são constituídas por profissionais de várias áreas distintas cujo trabalho é desenvolvido de acordo com fases semelhantes sempre com o objetivo de apoiar as crianças e as suas famílias (Carvalho et al., 2016; GAT, 2000).
Apresentamos, em seguida, os aspetos que a análise de conteúdo permitiu identificar como divergentes nos dois manuais e que evidenciamos na Tabela 2.
Espanha foi o primeiro país a publicar um manual de referência para os profissionais da área de IP;
O manual espanhol está acessível on-line através do site do GAT e outras entidades relacionadas com a Educação Especial ou Associações pertencentes ao GAT, enquanto que o manual português apenas está disponível em versão impressa e através da ANIP;
Do ponto de vista da utilização da ilustração, o manual português é o único que inclui tabelas, esquemas, imagens como complemento ou síntese da informação;
Do ponto de vista metodológico e estrutural foi possível identificar as seguintes diferenças:
O manual português fundamenta a informação incluída em referências a autores e especialistas na área enquanto que o manual espanhol não o faz em momento algum. O manual português aborda todo o processo de funcionamento da IP em Portugal bem como a perspetiva histórica desta, não só em Portugal como também nos EUA, país de origem da IP, ao contrário do manual espanhol que faz referências muito breves e sucintas, no prólogo, à evolução histórica da AT em Espanha sem nunca se referir às origens da AT;
O manual português apresenta uma fundamentação dos temas fazendo constantes referências aos estudos na área da neurobiologia do desenvolvimento bem como aos modelos psicológicos que influenciaram a IP, designadamente o modelo bioecológico do desenvolvimento e o modelo transacional. No caso do manual espanhol estes estudos e teorias não são referenciados;
A leitura aprofundada e posterior análise de conteúdo de ambos os manuais, permitiu também identificar dissemelhanças no que se refere à regulamentação da IP. No caso português, a IP está formalmente criada através de um normativo: o Decreto-Lei nº 281/2009, enquanto que em Espanha ainda não existe um normativo estatal específico.
4. Conclusões
Concluímos destacando, de forma sintética, as respostas às questões que nortearam a pesquisa e uma reflexão sobre a metodologia de suporte.
Ao pretender fazer uma análise comparativa entre Portugal e Espanha relativamente à Intervenção Precoce esta pautou-se, no presente artigo, na análise de conteúdo dos manuais relacionados com a IP/AT publicados nos dois países, sendo sempre nosso objetivo analisá-los de forma a encontrar pontos de contacto entre Portugal e Espanha no que diz respeito à organização e operacionalização da IP/AT.
Relativamente à primeira questão “Quais os motivos que levaram à publicação, pela ANIP, de “Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância: Um guia para Profissionais” (Carvalho et al., 2016) e do “Libro Blanco de Atención Temprana”, pelo GAT (GAT, 2000)?” foi possível concluir que ambos os manuais foram publicados com o mesmo intuito.
Quanto à questão “Quais as semelhanças entre as publicações da ANIP e do GAT?” concluímos que existem várias similitudes entre Portugal e Espanha nomeadamente o facto de ambos serem manuais de referência, elaborados por especialistas da área, para profissionais da área e além de ser destinado a este público alvo, estes manuais também podem ser adotados por várias áreas de saber designadamente Intervenção Precoce: Educação de infância, Psicologia, Ciências da Educação, Serviço Social e Medicina. A sua organização coerente e uso de linguagem acessível ao leitor permitiu-nos identificar outras semelhanças, nomeadamente a definição de IP/AT, a definição da população alvo, a constituição e organização do trabalho das equipas de IP/AT.
Outra questão que nos surgiu aquando da pergunta inicial foi “Quais as diferenças entre as publicações da ANIP e do GAT?”. Destacámos várias dissemelhanças nomeadamente o facto de Espanha ter sido o primeiro país a publicar o manual e de este estar acessível on-line, ao contrário do manual português que só existe em versão impressa. Do ponto de vista metodológico e estrutural também encontrámos outras diferenças. Enquanto o manual português fundamenta a informação incluída em referências a autores e especialistas na área o manual espanhol não o faz em momento algum.
Outra dissimilitude é que o manual português aborda todo o processo de funcionamento da IP em Portugal bem como a perspetiva histórica desta, não só em Portugal como também nos EUA, país de origem da IP, ao contrário do manual espanhol que faz referências muito breves e sucintas, no prólogo, à evolução histórica da AT em Espanha sem nunca se referir as origens da AT. Além disso, o manual português apresenta uma fundamentação dos temas tendo como referência estudos na área da neurobiologia do desenvolvimento e modelos psicológicos que influenciaram a IP, designadamente o modelo bioecológico do desenvolvimento e o modelo transacional. No caso do manual espanhol estes estudos e teorias não são referenciados.
Importa também dar resposta a outra questão “Quais as orientações e recomendações descritas em cada uma das publicações?”. Ambos os manuais consideram que a IP deve envolver e capacitar as famílias, permitindo-nos identificar uma conceção sistémica e transdisciplinar.
Para terminar as conclusões deste estudo não podemos deixar de dar resposta a uma última questão “Quais as semelhanças entre Portugal e Espanha ao nível legislativo?”. A leitura atenta dos manuais revelou a existência de um normativo da IP em ambos os países. Contudo, enquanto que em Portugal o Decreto-Lei nº 281/2009, de 6 de outubro, regulamenta a IP em todo o país, no caso espanhol existe uma pluralidade de normativos pois, de acordo com a organização política e administrativa deste país, cada Comunidade Autónoma possui um normativo específico.
Os resultados apoiaram-se numa pesquisa documental minuciosa de um conjunto de fontes que consideramos pertinentes e adequadas. Se a análise de conteúdo assumiu um lugar de destaque neste percurso, evidenciamos que era nosso objetivo triangular a pesquisa documental, nomeadamente a dos manuais cuja análise apresentamos neste artigo, com os dados recolhidos em entrevistas aos responsáveis da ANIP e GAT. Os constrangimentos encontrados na operacionalização da entrevista ao representante do GAT comprometeram esse objetivo, pelo que temos consciência de um maior aprofundamento e validação da análise efetuada sobre a ANIP. Esse facto não invalida o contributo deste estudo para a compreensão estrutural da IP nos dois países, tendo os seus resultados gerado novas questões relacionadas, nomeadamente, com a necessidade de identificar os constrangimentos na operacionalização de uma intervenção sistémica e transdisciplinar.