INTRODUÇÃO
A valorização agrícola de efluentes pecuários, e a reciclagem dos nutrientes neles contidos, principalmente N e P, é de extrema importância, permitindo uma gestão mais sustentável de recursos. É nessa perspetiva, de economia circular, que a recentemente publicada Portaria nº 79/2022 (DR, 2022), sobre a gestão de efluentes pecuários, prioriza a sua valorização agrícola, pelo próprio ou por terceiros, relativamente a outro tipo de valorizações económica e ambientalmente interessantes, como a compostagem e produção de biogás.
É claro que, esta prática só é motivadora para o agricultor se não levar a quebras de produtividade, sendo, por isso, muitas vezes executada em complemento à adubação mineral tradicional, e não em sua substituição. Este tipo de utilização tem riscos consideráveis de contaminação de águas subterrâneas e de eutrofização de águas superficiais (Pedersen et al., 2020), devendo ser avaliadas estratégias alternativas que minimizem este risco. Uma das possibilidades, a aplicação dos efluentes pecuários com base nas necessidades de N da cultura, leva, normalmente, a uma aplicação excessiva de P a longo prazo, o que poderá ser evitado se a quantidade máxima a aplicar respeitar, em alternativa, as necessidades de P da planta. Ora, a quantidade de P disponibilizado para a cultura a partir do efluente é, a priori, uma incógnita, dependente de muitos fatores, muito inferior ao seu teor total, mas que se sabe poder aumentar procedendo à acidificação dos efluentes pecuários (Regueiro et al., 2020).
Neste enquadramento, o objetivo geral deste trabalho foi avaliar a substituição total da fertilização de P em fundo, na cultura do milho, através da utilização de um efluente pecuário (neste caso um chorume de suíno), bruto ou tratado (acidificação e separação sólido-líquido), considerando os efeitos da sua utilização, por comparação com a adubação mineral convencional, utilizando diferentes parâmetros de produtividade, da qualidade do solo e de exportações de nutrientes pela planta.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um ensaio em vasos, com 5,25 kg de solo (Arenossolo Háplico), recolhido na zona de Alcochete. O solo possui reação ácida (pH 5,5), baixo teor em matéria orgânica (MO, Walkley-Black, 5,9 g/kg), baixo teor em K extraível (Egner-Rhiem 19 mg K2O/kg), mas elevado teor em P extraível (Egner-Rhiem 111 mg P2O5/kg).
O efluente foi recolhido numa suinicultura localizada na região de Leiria (efetivo médio de 650 cabeças, com produção em ciclo fechado). O efluente bruto (PS) foi analisado (Quadro 1) e submetido a vários tratamentos, de modo a gerar diferentes materiais com interesse fertilizante: (i) separação sólido-líquido, gerando uma fração líquida (PS_L) e uma fração sólida (PS_S); (ii) acidificação, obtendo-se o efluente acidificado (aPS); e acidificação seguida de separação sólido-líquido, gerando as respetivas frações, líquida (aPS_L) e sólida (aPS_S), acidificadas. Na acidificação foi utilizado H2SO4 concentrado (98% m/m e d=1,98 g/cm3; 5,5 mL/kg de chorume bruto, para acidificar até pH c.a. 5,0). A separação da fração sólida e líquida foi feita por centrifugação da amostra (7 min, 4000 rpm). Os materiais foram posteriormente analisados (Quadro 1).
pH | MO (g/kg) | Ntotal (g/kg) | NH4 +-N (g/kg) | Ptotal (g/kg) | |
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PS | 7,1c | 695,6c | 92,5c | 68,1c | 19,72b |
PS_L | 7,5b | 594,0e | 160,9a | 138,5d | 4,55e |
PS_S | 8,4a | 762,1b | 51,5e | 26,2b | 23,03a |
aPS | 5,4de | 677,4d | 85,6d | 67,5e | 16,87c |
aPS_L | 5,3e | 548,6f | 115,3b | 106,7a | 20,79b |
aPS_S | 5,4d | 817,7a | 51,6e | 26,1f | 8,14d |
Foi calculada a quantidade de cada um dos materiais orgânicos a aplicar em fundo de modo a veicular a mesma quantidade de P total, 140 kg P2O5/ha (20.8 mg P/kg solo), bem como a quantidade de N total aplicado por essa via. Pelos valores obtidos, o PS_L não foi utilizado posteriormente, por ser mais pobre em Ptotal, sendo necessária uma quantidade de efluente superior à capacidade de retenção de água do solo. Tomando a quantidade máxima de N aplicado pelo material orgânico com a maior razão N:P (aPS_S), 395 kg N/ha em fundo (132 mg N/kg solo), foram calculadas as quantidades de N mineral a aplicar em cobertura, de modo a igualar o N total aplicado em todos os tratamentos. Foi preparado um controlo de adubação mineral (NP, 395 kg N/ha, com sulfato de amónio, e 62 kg P2O5/ha, com superfosfato, uma dose menor que nos tratamentos orgânicos, considerando a maior disponibilização de P nos adubos minerais, e a classe de fertilidade alta do solo para P), e um controlo de solo não fertilizado (controlo), quatro réplicas por tratamento. Todos os vasos, à exceção do controlo, receberam uma aplicação basal de K (150 kg K2O/ha, com cloreto de potássio, 41.5 mg K2O kg/solo). Os vasos foram semeados com milho (Zea mays L. var. P0937 da Pioneer Sementes), 3 dias após a aplicação dos efluentes e mantidos a 65% da sua capacidade de retenção de água (1 planta por vaso). O N por via mineral foi aplicado 15 dias após a emergência, tendo o ensaio sido interrompido 60 dias após a sementeira (quando foram visíveis sintomas de carência de P no controlo mineral). As raízes, a parte aérea e o solo foram caraterizados, utilizando diferentes indicadores, que nos permitem avaliar a capacidade dos efluentes para se substituírem à adubação de N e P por via mineral.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando os parâmetros da cultura, altura da planta, biomassa seca das raízes e da parte aérea (Figura 1A), os tratamentos orgânicos apresentaram valores significativamente superiores aos obtidos no controlo, onde o crescimento da planta foi muito limitado, e aos obtidos na adubação mineral. Esta diferença, relativamente à adubação mineral, pode ser devida à aplicação de outros macro e micronutrientes que são veiculados pelos efluentes pecuários, o que permitiu um maior rendimento em biomassa e um maior crescimento (média de 14 folhas na fertilização orgânica versus média de 11 folhas na fertilização mineral).
Relativamente à leitura de SPAD (Figura 1B), à exceção do tratamento onde foi aplicado aPS_S, não se verificaram diferenças significativas nos teores em clorofila entre as plantas com fertilização orgânica ou mineral. De facto, o aPS_S foi o único tratamento em que todo o N foi aplicado em fundo através do material orgânico, tendo apresentado resultados inferiores aos dos outros tratamentos em alguns dos parâmetros.
Relativamente às concentrações obtidas para N e P nas folhas e nas raízes das plantas, elas foram significativamente superiores para ambos os elementos no controlo mineral (e.g., Figura 2A para o P na parte aérea). Porém, isso não se traduziu em maiores exportações absolutas desses elementos pela planta (e.g., Fig. 2B, para a exportação total de P), devido ao facto de se ter obtido um maior rendimento em biomassa em ambas as partes da planta nos tratamentos orgânicos. Aliás, no caso da aplicação de PS_S e de aPS_L, a quantidade de P exportado pela planta foi significativamente superior ao tratamento mineral (Figura 2B).
Relativamente ao pH do solo (Quadro 2), o seu valor sofreu um decréscimo significativo, relativamente ao controlo, apenas no tratamento com adubo mineral, o qual manteve um teor de MO baixo, mas significativamente superior ao de todos os tratamentos em que foram aplicados fertilizantes, orgânicos ou minerais. Esse facto pode ser indicativo de um estímulo à mineralização da MO nos ensaios em que houve um maior rendimento em biomassa.
pH | MO (g/kg) | Pext (mg P2O5/kg) | Kext (mg K2O/kg) | |
PS | 5.2 a | 5.56 bc | 117.1 a | 15.3 a |
PS_S | 4.7 a | 5.73 bc | 105.8 a | 13.8 a |
aPS | 4.8 a | 5.04 c | 105.2 a | 14.7 a |
aPS_L | 4.7 ab | 5.82 b | 102.5 a | 15.1 a |
aPS_S | 4.7 a | 5.90 b | 117.2 a | 15.5 a |
NP | 4.1 b | 5.56 bc | 92.4 a | 12.5 a |
Controlo | 5.2 a | 8.40 a | 113.8 a | 29.9 a |
De facto, quando se considera a eficiência de recuperação de P pela planta, relativamente ao aplicado pela fertilização (Paplicado), subtraindo ao exportado pela planta nos tratamentos (Pexp), o exportado no controlo (Pexp 0), ERP(%)=(Pexp-Pexp 0)/Paplicado (Figura 3), verifica-se que, no caso da fertilização mineral, o crescimento foi alcançado à custa de P existente no solo, o que levou a um decréscimo, embora não significativo, de P extraível no solo no final do ensaio (Quadro 2). Essa situação não foi tão notória no caso da fertilização orgânica, em que as necessidades de P foram supridas plenamente pelo efluente aplicado.