Cada vez mais pessoas usam a Internet como uma ferramenta de aquisição de informação sobre cuidados de saúde. A infodemiologia, i.e., epidemiologia de informação, conforme definida por Gunther Eysenbach, é uma área de pesquisa científica focada na análise da demanda de informações e de dados em tempo real, de forma a estabelecer uma relação entre o comportamento e tendências da população.1
O Google Trends (GT) tornou-se uma fonte importante de investigação para a infodemiologia e é amplamente usado na investigação médica para avaliar e prever picos epidemiológicos.1,2Recentemente, o GT foi utilizado para avaliar a correlação entre a pesquisa de termos relacionados à COVID-19, através do volume de pesquisas relativo (VPR) com o número de casos, surtos e mortes.2
Com a diminuição progressiva do número de casos semanais de COVID-19 (CSC19) e o retorno às atividades habituais com cada vez menos restrições, verifica-se um aumento do número de casos de gripe reportados em Portugal com um atraso temporal quando comparado com a evolução pré-pandémica.3
Para perceber se este aumento teve alguma tradução nas pesquisas efetuadas, procedemos à análise retrospetiva do VPR da plataforma GT com os termos “gripe + gripe A + Influenza” e do número de casos semanais de gripe (CSG) reportados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge nas 14 semanas decorridas de 2022. Seguidamente, recolhemos o VPR com os termos “COVID + coronavírus + COVID-19” e o número de CSC19 reportados pela Direção Geral de Saúde no mesmo intervalo de tempo. Os dados semanais obtidos do VPR foram cruzados com os CSG e CSC19 através do pacote ggplot do software de estatística R. Para investigar associações menos óbvias, usamos a função ccf do pacote tseries para calcular uma correlação cruzada ao longo do tempo, entre -14 dias e +14 dias. Foi calculado o coeficiente de correlação de Pearson entre o VPR e os CSG e CSC19. Foi considerado estatisticamente significativo um valor de p < 0,05.
Analisando a Fig. 1, verifica-se uma tendência crescente de CSG a partir da 8ª semana, atingindo-se o pico na 13ª semana (1055). Associadamente, há um aumento do VPR dos termos relacionados com esta patologia (p < 0,001). O pico de VPR (83,9) verifica-se na 12ª semana. Relativamente à evolução da COVID-19, desde a quarta semana há um decréscimo síncrono de CSC19 e do VPR (p < 0,001).
Na correlação cruzada ao longo do tempo não se confirma uma relação clara entre os CSG e VPR (r = 0,464). Contudo, para os CSC19 e o VPR, demonstra-se uma associação máxima de Pearson aos 0 dias (r = 0,817).
Assim, constata-se que o pico de casos de gripe em Portugal até ao momento é precedido por um pico no VPR por 1 semana e que a relação entre as duas variáveis é estatisticamente significativa. Isto poderá estar relacionado com o facto das pessoas que tenham contacto com casos positivos, pesquisarem sobre a doença durante o seu tempo de incubação, seguindo-se de um teste positivo.
Não obstante, é importante atentar para as limitações dessa ferramenta, pois os resultados podem ser enviesados por acontecimentos com mais destaque na comunicação social que modifiquem o foco populacional e pela falta de representatividade de outras plataformas sociais e motores de busca. Além disso, mesmo com o decréscimo verificado, os CSC19 continuam a ter uma expressão bastante mais acentuada na população, mantendo-se o foco na COVID-19.
No seu conjunto, os resultados são consistentes com estudos anteriores e apoiam a utilização do GT como fonte de infodemiologia, com potencial utilização para avaliar novos surtos de gripe.1,2No entanto, são necessários mais estudos para validação, bem como instrumentos de caracterização que permitam um perfil sociodemográfico mais preciso da população.