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Sociologia, Problemas e Práticas
Print version ISSN 0873-6529
Sociologia, Problemas e Práticas no.75 Lisboa May 2014
https://doi.org/10.7458/SPP2014753580
ARTIGO ORIGINAL
O ensino profissional nas políticas públicas: análise do agendamento da medida entre 1986 e 2009
Vocational education in public policies: agenda-setting analyse between 1986 and 2009
L’éducation professionnelle dans les politiques publiques: analyse de la planification politique entre 1986 et 2009
La educación profesional en las políticas públicas: análisis de la programación entre 1986 y 2009
Alexandra Duarte*
* Doutoranda no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL), Avenida das Forças Armadas, 1649-026, Lisboa. E-mail: alexandra.duarte@iscte-iul.pt
RESUMO
Os programas dos governos são importantes fontes de informação para a análise das políticas públicas. Com base nesta assunção apresentam-se um conjunto de resultados da análise de conteúdo temático destes documentos, com o intuito de compreender o processo de agendamento político subjacente à introdução dos cursos profissionais nas escolas públicas. Através desta análise é possível ter uma aproximação ao processo de agendamento e formulação da medida, identificando as questões que desencadearam a decisão e os problemas a que pretendeu responder.
Palavras-chave políticas públicas, política educativa, ensino profissional, ensino secundário.
ABSTRACT
The government programs are important sources of information for the analysis of public policies. Based on this assumption we present a set of results of thematic content analysis of these documents, in order to understand the process of agenda-setting behind the introduction of professional courses in public schools. Through this analysis it is possible to have an approach to the agenda-setting process and the formulation of the policy, identifying the issues that led to the decision and the problems it intended to respond.
Keywords public policies, education policy, vocational education, secondary education.
RÉSUMÉ
Les programmes des gouvernements sont d'importantes sources d'information pour l'analyse des politiques publiques. Nous présentons un ensemble de résultats de l'analyse de contenu thématique de ces documents, afin de comprendre le processus politique qui a mis en place l'introduction des cours de formation professionnelle dans les écoles publiques. Cette analyse a permis de rapprocher le processus de planification et formulation de la mesure à travers l'identification des problèmes qui ont conduit à la décision et des problèmes auxquels cette mesure avait l'intention de répondre.
Mots-clés politiques publiques, politique éducative, éducation professionnelle, éducation secondaire.
RESUMEN
Los programas gubernamentales son importantes fuentes de información para el análisis de las políticas públicas. En base a este supuesto se presenta un conjunto de resultados de análisis de contenido temático de estos documentos, a fin de comprender el proceso de la política de programación que subyace a la introducción de cursos de educación profesional en las escuelas públicas. A través de este análisis, es posible tener una aproximación al proceso de programación y formulación de la medida, la identificación de las cuestiones que llevaron a la decisión y los problemas a que tenía la intención de responder.
Palabras-clave política pública, política de educación, educación profesional, educación secundaria.
Introdução
As ideias e interpretações acerca da realidade têm uma enorme influência na tomada de decisão e no processo de formulação de políticas públicas. Esta premissa contrasta com uma visão mais clássica ou tradicional de análise das políticas públicas — abordagem racionalista.
Este artigo pretende ser uma reflexão acerca do agendamento de uma decisão que desencadeou uma mudança de paradigma político — introdução e generalização dos cursos profissionais nas escolas públicas — permitindo uma maior diversidade da oferta educativa do ensino secundário, confluindo numa relativa paridade entre os alunos inscritos nos cursos científico-humanísticos e nos cursos profissionais.
A identificação e análise dos fatores ou variáveis que explicam as mudanças políticas inclui o estudo do papel dos atores, instituições, ideias e recursos. Para se analisarem as decisões políticas é fundamental refletir acerca do processo pré-decisório. Para tal considera-se relevante a perspetiva teórica multiple streams framework de John Kingdon (1996, 2007), uma vez que este modelo estuda os fluxos através dos quais se desenvolve uma decisão política, desembocando na formulação das medidas (Faria, 2003; Hill, 2009, Pinto, 2008; Jann e Wegrich, 2007).
A opção por este modelo teórico reside no facto de se admitir que as questões e problemas definidos, e as soluções consideradas na agenda são, numa minoria dos casos, uma escolha meramente racional, calculista e baseada em interesses. Deste modo considera-se o modelo de escolha racional incompleto e impreciso na análise da formação das políticas. Pensa-se por isso que a decisão de alargar estes cursos às escolas públicas e, sobretudo, a sua generalização revela uma mudança de perspetiva. A decisão política parece ter alterado o curso dos acontecimentos, nomeadamente pelo facto de os cursos profissionais deixarem de ser uma oferta educativa exclusiva de um conjunto de escolas particulares, alargando-se às escolas públicas do ensino secundário, o que permitiu o acesso a um maior número de alunos, alargando o leque de oportunidades e diversificando os públicos do ensino secundário.
Estratégia metodológica
Em termos metodológicos realizou-se uma análise de conteúdo temática dos programas dos governos [1] e de legislação, o que permite refletir acerca dos três fluxos de Kingdon: a identificação dos problemas associados ao ensino secundário, as diferentes alternativas de políticas formuladas ao longo do tempo pelos dos diferentes governos e os acontecimentos/eventos que originaram a opção pela introdução dos cursos profissionais nas escolas secundárias, em 2004, e a sua generalização, a partir do ano letivo de 2007/2008.
A opção pela técnica de análise de conteúdo deve-se ao facto de os programas dos governos serem fontes de informação muito relevantes no estudo das políticas públicas. Zahariadis (1999) citado por Capella (2006) refere que a análise dos programas dos governos pode resultar num exercício interessante para a compreensão de como aqueles elegem as questões e as selecionam, ou não, para integrar a agenda política. As teorias do agenda-setting em conjunção com dados empíricos relevantes permitem a análise do sentido da ação política, das ideias subjacentes à mudança nas políticas públicas e das circunstâncias em que tais alterações ocorrem (Birkland, 2007).
A análise de conteúdo desenvolvida a partir dos programas dos governos é alicerçada no software MaxQda, criando-se um conjunto de categorias analíticas temáticas que permitem verificar os temas mais importantes mencionados nos documentos e sobretudo as mudanças que foram acontecendo nas políticas com os sucessivos governos.
Importa realçar que se considera na análise apenas o vetor da educação, excluindo as outras áreas de política existentes nos programas dos governos.
Em termos da análise temática propriamente dita, esta é constituída por dois momentos diferentes: (i) um puramente qualitativo das categorias e dos temas abordados nos diferentes programas de governo; (ii) uma abordagem de caráter complementar, de natureza mais quantitativa, constituindo-se pela contabilização do número de vezes que determinado tema surge nos programas de governo. A única exceção é a palavra/categoria educação, que foi contabilizada de per si.
Desenho da medida de política: análise dos processos e dinâmicas políticas, 1986-2009
A decisão de introduzir os cursos profissionais nas escolas secundárias ocorre durante o XV Governo Constitucional, com David Justino como ministro da Educação, e surge no contexto daquilo que é habitualmente designado reforma do ensino secundário (decreto-lei n.º 74/2004, de 26 de março). Apesar de tal, a sua concretização efetiva apenas acontece alguns anos mais tarde, no âmbito do XVII Governo, numa perspetiva parcialmente incremental.
Ainda que aquele seja o momento político da decisão, a reforma do ensino secundário implementada pelo então ministro da Educação estava a ser desenhada desde 1996/1997, como revisão curricular do ensino secundário.
A Constituição refere que “todos têm direito à educação e cultura” [e que compete ao estado] a “[…] democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais […]” (Constituição da República Portuguesa, art.º 73.º).
Apesar de a educação ser um direito constitucional, ao longo da sua história têm persistido perspetivas diferenciadas acerca do papel do estado na educação, da missão e funções da escola pública e da democratização do ensino. Numa abordagem ideal-típica, pode dizer-se que, até ao momento subsistiram duas grandes correntes e perspetivas de observar a função do estado na educação. Apesar de tal, em nenhum momento histórico ou político se observa apenas uma das visões. Existe antes uma preponderância de uma perspetiva em determinados governos e de outra noutros governos (Capucha, Duarte e Estevão, 2013).
Com efeito, se, por um lado, existe um conjunto de atores sociais que perspetivam o papel do estado como sendo fundamental na educação, ao nível da prestação de serviços e no financiamento do sistema, consubstanciado na importância atribuída à escola pública, coexiste uma outra visão que, pelo contrário, considera que o papel do estado na educação deve tendencialmente diminuir. Esta última perspetiva é especialmente legitimada em contextos de crise orçamental, como o atual, e resulta em medidas de política que se refletem em decisões como a livre escolha do modelo educativo e da natureza institucional do estabelecimento, o que estimula o desinvestimento na escola pública e fomenta o ensino privado. Estas visões diferenciadas têm efeitos nas ideias e modelos políticos desenvolvidos pelos vários governos, bem como nas soluções apresentadas para resolver os problemas relativos ao ensino secundário.
O problema das qualificações da população portuguesa, tanto dos jovens, como dos adultos, tem sido considerado, pelos sucessivos governos, como um dos aspetos bloqueadores da competitividade e desenvolvimento económico do país. Quanto a isto, o ensino secundário é paradigmático, designadamente pelas elevadas taxas de insucesso e abandono escolares que o têm caracterizado. Várias instituições internacionais como a OCDE, a Comissão Europeia, o Banco Mundial, têm referido a necessidade de Portugal apostar em políticas de combate ao abandono e de melhoria das qualificações da sua população. O principal problema apontado por essas instâncias é a quase ausência de qualificações intermédias por parte da população, sendo o aumento das vias profissionalizantes do ensino secundário uma das soluções mais referenciadas.
As questões da educação nos programas dos governos entre 1986 e 2009
Em 1986 é publicada a Lei de Bases do Sistema Educativo (lei n.º 46/86, de 14 de outubro). Esta constitui-se como um dos marcos mais importantes do sistema educativo em Portugal. Com alterações a vários níveis, produz sobretudo uma mudança substancial no que à escolaridade obrigatória diz respeito, aumentando de seis para nove, o número de anos mínimos de escolaridade exigidos. Esta alteração teve efeitos substanciais ao nível de um conjunto de políticas educativas formuladas posteriormente, nomeadamente ao nível do ensino secundário, resultando por exemplo no modelo atual composto por três anos.
A referida lei revelou-se como o primeiro normativo legal a mencionar explicitamente o caráter do ensino secundário. Por um lado, um grau intermédio de estudos para ingressar no ensino superior, mas também um nível de preparação para a vida ativa. Isto significa que este é o primeiro normativo onde é explicitamente definida a identidade do ensino secundário e a sua dupla função:
O ensino secundário organiza-se segundo formas diferenciadas, contemplando a existência de cursos predominantemente orientados para a vida ativa ou para o prosseguimento de estudos, contendo todas elas componentes de formação de sentido técnico, tecnológico e profissionalizante e de língua e cultura portuguesas adequadas à natureza dos diversos cursos […] (alínea 3 do art.º 10.º, lei n.º 46/86, de 14 de outubro).
A conclusão com aproveitamento do ensino secundário confere direito à atribuição de um diploma, que certificará a formação adquirida e, nos casos dos cursos predominantemente orientados para a vida ativa, a qualificação obtida para efeitos do exercício de atividades profissionais determinadas (alínea 5 do art.º 10.º, lei n.º 46/86, de 14 de outubro).
Apesar desta definição de 1986, o que a análise dos programas dos governos evidencia é que se tratou mais de uma intenção teórica do que de uma prática concretizada. As várias alternativas políticas que foram sendo apresentadas para solucionar os problemas do ensino secundário, tornando-o mais atrativo e resultando numa maior frequência, revelaram não ter resultados efetivos. Prova disso é a observação de alguns indicadores estatísticos, como o abandono precoce da educação e formação e a população em idade ativa com o ensino secundário completo.
Uma das justificações para a menor performance do sistema tem sido a prevalência de um paradigma de ensino secundário elitista, persistindo no predomínio do ensino geral, orientado especialmente para o prosseguimento de estudos e subsidiariamente para o ensino profissionalizante.
Apesar das diferentes opções e alternativas de política que se foram definindo é possível referir que o agendamento da medida em análise é permanente desde 1986.
Na realidade, antes dessa data, em 1983, inicia-se um processo de reintrodução dos cursos profissionalizantes no ensino secundário, através da formulação do despacho normativo n.º 194-A/83, de 21 de outubro, que cria os cursos técnico-profissionais e profissionais do ensino secundário.
Ainda assim, considera-se que é a partir da criação da lei de bases que os governos relevam ainda mais o problema das qualificações da população como um constrangimento ao desenvolvimento do país, sendo explicitamente referida a importância de promover o crescimento e a diversificação do ensino secundário.
O Governo considera a Educação como um dos setores prioritários da sua ação.
A priorização da Educação não significa, apenas ou principalmente, uma acrescida injeção de meios financeiros, mas implica o ataque decidido e articulado aos principais problemas que vêm sendo diagnosticados desde há largos anos, quiçá décadas. Trata-se de realizar, de facto, a sempre adiada reforma global do Sistema Educativo. [X Governo Constitucional]
Para os líderes do XI e XII Governos é necessário implementar uma reforma educativa, sem a qual se torna difícil inverter o estado da educação em Portugal. Aliás, a necessidade de reformar o ensino tem sido proclamada pelos vários governos em análise.
Não obstante os esforços empreendidos nos anos anteriores, o resultado desta situação é ainda patente numa população com um fraco índice de estudos, numa mão de obra profundamente desqualificada, numa taxa de analfabetismo sem paralelo na Europa, em sérios estrangulamentos no acesso à educação, na deficiente qualidade dos serviços educativos, a todos os níveis, e no grave índice de insucesso escolar, particularmente no âmbito do ensino básico [XI Governo Constitucional].
Por outro lado, a consolidação da reforma educativa terá em vista a experiência evolutiva resultante da sua aplicação, nos aspetos pedagógico, científico e administrativo [XII Governo Constitucional].
No âmbito dos XIII e XIV Governos a prioridade atribuída à educação e qualificação reforça-se e torna-se um dos seus objetivos fundamentais.
[…] por uma aposta e uma prioridade máxima à educação e à formação dos Portugueses [XIII Governo Constitucional].
A grande prioridade que foi dada à educação pelo XIII Governo Constitucional tem que ser renovada permanentemente, dada a magnitude do desígnio que propomos. O investimento realizado e a realizar deve tomar como objetivo e referência fundamental o aluno na escola como centro da vida educativa. Em particular, na próxima legislatura, há que prosseguir […] [XIV Governo Constitucional].
Se, por um lado, importa aumentar a população escolar e qualificar mais jovens, por outro, essa realidade revela-se problemática na garantia da igualdade de oportunidades e da equidade. Essa é uma preocupação especialmente premente no XIII Governo Constitucional.
O alargamento da escolaridade obrigatória para nove anos e o crescimento dos efetivos escolares têm levado a que o sistema educativo cresça de modo desequilibrado, tornando-se, por isso, imperioso tomar medidas que promovam uma real democratização da educação, que assegurem o efetivo cumprimento da escolaridade obrigatória, e o aumento dos níveis de certificação com reais aprendizagens e aquisição de competências [XIII Governo Constitucional].
A preocupação com o atraso do país em matéria de educação persiste e é evidenciada por todos os governos, independentemente da sua composição partidária. Enquanto uns se focam na necessidade de aumentar o número de alunos e os seus níveis de educação, outros referem-se à necessidade de apostar na qualidade do sistema como forma de contornar e desbloquear a realidade nacional. É o caso do XV Governo. Em que a qualidade do sistema e das aprendizagens é considerada um elemento fundamental.
O futuro de Portugal está indissociavelmente ligado ao que de bom ou mau for realizado no plano da qualidade da educação e da formação. Este desafio centra-se, antes de mais, no domínio cultural, mas concretiza-se na afirmação cívica dos portugueses e na qualificação dos recursos humanos [XV Governo Constitucional].
O XVII Governo Constitucional apresenta como objetivos fundamentais a redução do défice das qualificações da população jovem e adulta, do abandono e insucesso escolares e a elevação da escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade. Este último aspeto constava das intenções políticas precedentes, mas nunca tinha sido transposto para o plano das práticas. Este desígnio consubstanciou-se na formulação e concretização de um conjunto de medidas de política que, de forma articulada, conseguiram concretizar o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 12 anos de escolaridade.
As taxas atuais de frequência do ensino secundário são inaceitavelmente baixas e as taxas de repetência e abandono insuportavelmente altas. O país só dará um salto qualitativo quando generalizar, de facto (e não apenas na lei) a frequência do ensino secundário.
A qualificação dos recursos humanos, através do sistema de educação/formação é decisiva para a agenda de crescimento do Governo. Na verdade, o atraso de desenvolvimento do País é também, e especialmente, um défice de qualificações. Neste sentido, a sustentabilidade da nossa agenda de crescimento, do nosso desenvolvimento científico e tecnológico, da inovação, dependerão criticamente da superação dos graves atrasos no processo de qualificação dos portugueses.
Superar o atraso educativo português face aos padrões europeus, integrar todas as crianças e jovens na escola e proporcionar-lhes um ambiente de aprendizagem motivador, exigente e gratificante, melhorar progressivamente os resultados, fazendo subir o nível de formação e qualificação das próximas gerações, tudo isto constitui uma urgência nacional. [XVII Governo Constitucional].
A partir da análise da frequência com que determinados temas surgem nos programas dos governos é possível constituir um conjunto relevante de categorias temáticas de análise (figura 1).
É relativamente evidente que o termo “educação” e o termo respeitante à “formação” são as duas categorias que mais se destacam da análise de conteúdo dos programas dos governos. Também as categorias “ensino secundário” e “qualificações” detêm uma frequência considerável.
A análise ganha especial relevância se observarmos quais os governos que mais destacam estas temáticas.
Veja-se, por exemplo, que a palavra “educação” tem uma frequência mais elevada nos programas dos XIII, XIV e XVII Governos, tendo uma frequência menor nos programas do X e XII Governos (figura 2).
No que respeita a “ensino secundário”, o termo é tendencialmente mais referido pelos XIV e XVII Governos, havendo nos restantes programas uma menor referência a este tema. De realçar a inexistência do termo nos programas do X e XVI Governos (figura 3).
Outro aspeto relevante que se pode destacar da análise de relevância temática elaborada é que os governos que mencionam um maior número de vezes o termo “educação” são tendencialmente os que referem também, maior número de vezes, a temática “ensino secundário”. Esta realidade constata-se através da análise da correlação entre o número de ocorrências dos dois temas (figura 4). É possível verificar que os XIV e XVII Governos se destacam pela elevada referência às duas categorias. Por outro lado, os X, XI, XII, XIV e XV Governos apresentam-se próximos, referindo-se um menor número de vezes aos temas em análise.
Outra categoria temática incorporada na análise é “qualificações”.
A figura 5 mostra o destaque e predomínio de frequência deste tema no programa do XIV Governo e uma quase total ausência nos programas dos primeiros três governos em análise (X, XI e XII Governos Constitucionais).
Tal como aconteceu com a correlação entre a ocorrência dos temas “educação” e “ensino secundário”, o mesmo se verifica em relação às categorias “educação” e “qualificações”. A correlação existente entre ambas é considerável. Este facto demonstra que os governos que realçam mais o primeiro tema tendem também a dar maior destaque ao segundo (figura 6).
Observe-se o programa do XIV Governo Constitucional que, para além de enfatizar o termo “educação”, refere de forma repetida a questão das “qualificações”, designadamente as “qualificações profissionais”.
Queremos que todos completem o ensino básico e queremos que todos tenham uma real oportunidade de qualificação profissional.
Reforço da dimensão profissionalizante das formações secundárias e pós-secundárias, através da reorganização curricular dos cursos tecnológicos e da expansão dos cursos de especialização tecnológica, que sendo pós-secundário ou exigindo qualificação profissional equivalente, são um instrumento importante de ligação com o ensino superior e de reforço da qualificação profissional dos jovens [XIV Governo Constitucional].
Ainda que a preocupação com a educação e com o défice de qualificações da população seja um problema transversal aos governos em análise, sendo referido, com maior ou menor expressão, por todos eles, é visível uma tendência para determinados governos enfatizarem mais este problema do que outros. É o caso dos XIII, XIV e XVII Governos.
Os cursos profissionais no contexto da diversificação da oferta educativa do ensino secundário
Se, por um lado, a Lei de Bases do Sistema Educativo estabelece e contempla a reforma do ensino secundário há muito proclamada, definindo os planos curriculares do ensino básico e secundário e explicitando a necessidade de garantir que este último seja um grau de preparação para o ensino superior, mas também de inserção na vida ativa, por outro lado, o problema do abandono sem conclusão da escolaridade obrigatória, [2] o não prosseguimento de estudos de nível secundário ou a não conclusão deste nível, persiste durante anos.
No período após a criação da Lei de Bases, no âmbito do XI Governo Constitucional, foram formuladas várias medidas de política que, confluíram na reforma do sistema educativo referente ao ensino básico e secundário, desenvolvida pelo então ministro da educação, Roberto Carneiro (decreto-lei n.º 286/89, de 26 de agosto ).
As principais alterações aconteceram ao nível da estrutura curricular dos ensinos básico e secundário, mas também num conjunto de outras modificações, como uma maior diversificação da oferta educativa de ensino secundário.
Neste sentido se decidem as opções que fundamentam a organização curricular dos ensinos básico e secundário […]. Finalmente organizam-se as várias componentes curriculares nas suas dimensões humanística, artística, científica, tecnológica, física e desportiva, visando a formação integral do educando e a sua capacitação tanto para a vida ativa quanto para a prossecução dos estudos [decreto-lei n.º 286/89, de 26 de agosto].
Primeiramente foram criadas as escolas profissionais (decreto-lei n.º 26/89, de 21 de janeiro), de iniciativa predominantemente particular mas apoiadas financeiramente pelo estado, através de protocolos, e com recurso aos fundos comunitários. Estas escolas foram, durante vários anos, as únicas a lecionarem cursos profissionais, estando sob a tutela partilhada do Ministério da Educação e do Ministério do Emprego e Segurança Social e servindo um perfil de alunos que não encontravam nas escolas públicas uma modalidade de educação ou formação à sua medida. Outra medida de política implementada em consonância com a anterior e no âmbito da reforma descrita, foi a criação dos cursos tecnológicos (decreto-lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Estes afiguravam-se como uma alternativa aos cursos gerais, direcionando os alunos, primordialmente, para os politécnicos. Com efeito, no âmbito do XI Governo Constitucional e com Roberto Carneiro como ministro da educação foram desenvolvidas duas medidas de reformulação e reestruturação do ensino secundário: a constituição de escolas profissionais particulares e a criação de cursos tecnológicos lecionados nas escolas públicas, em simultâneo com os cursos gerais já existentes.
A multiplicação acelerada da oferta de formação profissional e profissionalizante, quer no âmbito da reformulação do ensino secundário e da expansão do ensino superior politécnico, quer pelo apoio à implantação de uma rede de escolas profissionais, de iniciativa eminentemente local, com aproveitamento articulado dos recursos disponíveis nos vários departamentos do Estado; estas iniciativas poderão constituir objeto de contratos-programa a celebrar entre o Estado e as entidades interessadas, cujo enquadramento legal será precedido da audição dos parceiros sociais [XI Governo Constitucional].
Apesar do reconhecimento do problema das qualificações e das medidas levadas a efeito, durante a década de 1990 não houve uma alteração significativa no défice das qualificações e no abandono e insucesso escolares. Pelo contrário, os indicadores são demonstrativos de uma estagnação ou mesmo agravamento da situação.
Há que reconhecer que a situação educativa em Portugal revela uma nítida atrofia quando comparada com a dos países congéneres da Europa Ocidental […]. Problemas estruturais acumulados de há décadas, agravados com a falta de estabilidade política, da qual decorreu a impossibilidade de definição e execução de um projeto consequente de reforma educativa, consensualmente construído e negociado conduziram a esse atraso estratégico, do qual decorrem sérios obstáculos ao desenvolvimento geral do País. Não obstante os esforços empreendidos nos anos anteriores, o resultado desta situação é ainda patente numa população com um fraco índice de estudos, numa mão de obra profundamente desqualificada, numa taxa de analfabetismo sem paralelo na Europa, em sérios estrangulamentos no acesso à educação, na deficiente qualidade dos serviços educativos, a todos os níveis, e no grave índice de insucesso escolar, particularmente no âmbito do ensino básico […] [XI Governo Constitucional].
Apesar das recomendações internacionais, o ensino secundário continuava a ser perspetivado como um ensino propedêutico do ensino superior, com uma visível predominância da vertente liceal, tendo a via profissionalizante um peso diminuto no total da oferta educativa, designadamente das escolas públicas. Os cursos tecnológicos representavam quase sempre uma versão aproximada aos cursos gerais, sendo frequentados maioritariamente por alunos com dificuldades ou provenientes de contextos sociais desfavorecidos, caracterizando-se por elevadas taxas de insucesso.
Os cursos profissionais, apesar de apresentarem taxas de empregabilidade elevadas, tinham o seu aumento constrangido pela forte pressão que exerciam no Orçamento de Estado e pela dependência dos fundos comunitários. Esta realidade suscitava que a alternativa de constituição de novas escolas e cursos profissionais não fosse uma solução sustentável financeiramente.
Este conjunto de fatores resultou num sistema de ensino secundário marcado por elevados níveis de insucesso e abandono, sendo as políticas desenvolvidas insuficientes e incapazes de resolver os problemas. A licealização do ensino secundário mantinha-se e os seus efeitos agravavam-se.
Não obstante a importância atribuída à (re)valorização do ensino secundário enquanto grau com identidade própria e a referência constante à necessidade de harmonizar as diferentes vias, mencionada nos programas dos vários governos, o documento da revisão curricular desenvolvida pelo XIII Governo Constitucional, a partir de 1997, que daria origem à reforma do ensino secundário levada a efeito pelo ministro Marçal Grilo e o diretor-geral do Ensino Secundário, Domingos Fernandes, parece discutir primordialmente as duas vias do ensino secundário regular — cursos gerais e cursos tecnológicos — não apresentando explicitamente nenhuma decisão diretamente relacionada com os cursos profissionais. Esta situação é mais grave se tivermos em conta que os cursos gerais continuavam a representar a quase totalidade do ensino secundário regular e os cursos tecnológicos não revelavam ser uma alternativa profissionalizante.
O presente decreto-lei estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão curricular dos cursos gerais e dos cursos tenológicos do ensino secundário, bem como da avaliação das aprendizagens e do processo de desenvolvimento do currículo nacional, entendido como o conjunto das aprendizagens a desenvolver pelos alunos de cada um dos cursos do ensino secundário, de acordo com os objetivos consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo para este nível de ensino [decreto-lei n.º 7/2001, de 18 de janeiro].
David Justino integra o XV Governo Constitucional como ministro da Educação e, identificando algumas lacunas na revisão curricular, decide suspendê-la de imediato, com o argumento de “aproveitar plenamente esta revisão curricular para redesenhar, em termos mais equilibrados e criteriosos, a rede nacional de oferta de ensino secundário” (decreto-lei n.º 156/2002, de 20 de junho), tendo relançado em 2004, uma nova reforma do ensino secundário (decreto-lei n.º 74/2004, de 26 de março).
Só quem não conheça as implicações profundas que teriam as suas propostas é que se pode deixar confundir por uma intenção pública de realizar pequenos ajustamentos curriculares. Desde cedo, que o processo alternativo que hoje tentamos refletir neste livro se assumiu como uma reforma, ou seja, como uma intenção de mudar profundamente uma parte significativa do sistema de ensino português (Justino e outros, 2006: 9 e 10).
Entre outras alterações, a reforma desenvolvida pelo governo de coligação PSD e CDS-PP pretendia diminuir de forma gradual o número de cursos tecnológicos pela sua fraca procura e pelas elevadas taxas de insucesso que representavam. O programa do XV Governo Constitucional caracteriza-se assim […] por uma matriz de vocação reformista […]", sendo a reforma do ensino secundária composta por:
[…] um modelo corrente de formações tecnológicas de nível secundário, a partir de ofertas articuladas de ensino tecnológico e profissional, englobando também a formação ao longo da vida, com vista à consolidação de um novo equilíbrio entre oferta de ensino secundário geral, por um lado, e a oferta de ensino secundário tecnológico e profissional, por outro, em termos mais adequados aos modelos de realização profissional requeridos pelas sociedades modernas [decreto-lei n.º 156/2002, de 20 de junho].
Se analisarmos o programa do governo e as suas premissas, percebe-se que a suspensão da reforma em curso teve vários objetivos, sendo um deles a redução da despesa em educação.
A suspensão do processo de revisão curricular do ensino secundário de forma a evitar a dispersão de currículos e conteúdos e o aumento da despesa pública sem ganhos evidentes de qualidade
Inverter a situação a que o País foi conduzido implica, como pressuposto essencial, contrariar o crescente estatismo a que está sujeita a educação em Portugal.
O quase monopólio da escola pública que hoje existe, em todos os níveis de ensino, não é o modelo desejável. Não por ser pública, mas pelo facto de há muito estar sujeita a limitações no seu funcionamento e na sua cultura, que contrariam o princípio constitucional da liberdade de ensinar e aprender, de escolher e de aceder a um bem que toda a população portuguesa sustenta [XV Governo Constitucional].
Tendo por base os problemas do ensino secundário explicitados pelos sucessivos governos, a deficiente diversificação da oferta educativa e a reduzida permeabilidade entre as diferentes modalidades, a reforma desenvolvida em 2004 promove uma mudança na gestão dos currículos e no processo de avaliação, sendo o ensino secundário público constituído por quatro modalidades distintas: cursos científico-humanísticos, cursos tecnológicos, cursos artísticos e cursos profissionais. O desafio é conseguir “[…] harmonizar com a diversidade desejada para cada trajeto escolar e, não menos importante, com os requisitos de flexibilidade curricular e permeabilidade entre os vários cursos de nível secundário” (Justino e outros, 2006: 20).
Com efeito, é com a tomada de posse do XV Governo Constitucional, no âmbito da reforma do ensino secundário que se explicita, pela primeira vez, a possibilidade de introduzir os cursos profissionais nas escolas secundárias.
Neste sentido, pretende-se alargar às escolas secundárias públicas a possibilidade de lecionarem cursos profissionais e de formação dos diferentes níveis (I, II III e IV), salvaguardando-se sempre o princípio da racionalidade da oferta da rede (pública e privada) (Ministério da Educação, Documento Orientador da Revisão Curricular do Ensino Secundário, 2003).
Apesar de os problemas subjacentes à implementação da medida terem sido identificados há vários anos e terem integrado a agenda política desde a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, é apenas com o XV Governo Constitucional que se introduzem os cursos profissionais nas escolas públicas. É neste período que se estabelece uma alternativa de solução para uma questão que há muito estava identificada como problemática — o reduzido número de jovens a terminar o ensino secundário, designadamente com a obtenção de uma qualificação escolar e profissional.
A partir da análise de conteúdo realizada é possível constatar que, tal como refere John Kingdon (1996) por referência ao agendamento das políticas públicas, esta medida não procurou apenas responder/solucionar problemas existentes e identificados, mas antes a alternativa de solução procurou os problemas existentes.
A solução de introduzir os cursos profissionais nas escolas secundárias resolveu, em simultâneo, o problema da reduzida diversificação da oferta educativa do ensino secundário público, atraindo um conjunto de alunos com expetativas e aspirações diferenciadas, que anteriormente abandonavam o sistema, e respondendo desta forma ao insucesso e abandono escolares. Pretendeu igualmente resolver a descoincidência entre a oferta e a procura dos cursos nas escolas profissionais, uma vez que o número de alunos que se candidatavam a essas escolas ultrapassava anualmente, em metade, o número de vagas que as escolas ofereciam, e que o aumento dessas escolas estava condicionado pelo bloqueio existente devido à dependência dos fundos comunitários, que chegavam ao seu termo.
Se de alguma forma, a decisão política de introduzir os cursos profissionais nas escolas públicas parece resultar, numa certa parte, de uma visão racional e calculista entre custos e benefícios, típica de uma perspetiva mais racionalista e de uma visão acerca da educação, cuja prioridade se situa nas implicações orçamentais das políticas, outros fatores parecem ter sido considerados. Nomeadamente uma visão crítica em relação à licealização do ensino secundário, considerando-se, por isso, que a medida política também terá resultado de uma mudança ao nível das ideias. Assim, a par do constrangimento financeiro que desencadeou o alargamento do ensino profissional às escolas públicas e da visão de que o alargamento destes cursos teria benefícios na redução do abandono e insucesso escolares, parece também ter existido uma mudança de paradigma na maneira de observar o ensino secundário.
Apesar de, em matéria de intenções, a reforma do ensino secundário ser provida de vários aspetos positivos, ao nível das práticas a associação entre os cursos profissionais e os alunos com trajetos escolares menos bem-sucedidos parece subsistir. Esta realidade vem contradizer a premissa essencial e a génese da medida política, gerando em alguns casos, uma segregação desta modalidade.
Apesar de a formulação da medida acontecer com o XV Governo, é durante o período de governação do XVII Governo Constitucional que a mesma é concretizada.
Não assumindo uma reforma do ensino secundário, é prosseguido um objetivo, também já explicitado no âmbito do XV Governo Constitucional, aquando da redação do documento orientador da revisão curricular do ensino secundário — aumento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano ou 18 anos de idade.
[…] O aumento da escolaridade obrigatória para 12 anos, objetivo que pressupõe nos oito anos próximos obter resultados efetivos no combate ao abandono escolar e conferir sustentabilidade financeira e de afetação de recursos humanos à estratégia que lhe está subjacente (Ministério da Educação, Documento Orientador da Revisão Curricular do Ensino Secundário, 2003).
Até à conclusão do ensino ou formação de nível secundário, o lugar dos jovens é na escola ou centro de formação. Só a partir de 12 anos de escolaridade é que se colocará a opção entre prosseguir de imediato estudos superiores, ou fazer uma primeira entrada no mercado de emprego; e mesmo esta não significará o fim da aprendizagem, mas sim um percurso de cruzamentos entre profissão e formação [XVII Governo Constitucional].
Para a concretização desta medida foram tomadas várias decisões políticas que, na sua confluência, permitiram implementar o aumento da escolaridade obrigatória. [3] Uma das medidas fundamentais para a concretização desse objetivo foi a generalização dos cursos profissionais nas escolas secundárias.
Assim, se no âmbito do XV Governo, a medida já tinha sido implementada, a sua concretização e generalização acontece através de ações concretas desenvolvidas pelo XVII Governo, recorrendo-se da legislação anteriormente produzida e fazendo apenas pequenos ajustamentos e alterações, numa lógica incremental.
Se o XV Governo assumiu a necessidade de o ensino secundário contemplar “a promoção do ensino tecnológico e do ensino profissional, em estreita articulação com os centros de formação, de forma a dotar de competências adequadas todos os alunos que tendo concluído a escolaridade básica, desejem entrar no mercado de trabalho”, no XVII Governo é avocada a necessidade de:
Expandir a educação e a formação de nível secundário […]; valorizar a identidade do ensino secundário, que confere qualificação e certificação própria […]; satisfazer as necessidades em todo o território, e tornar obrigatória a frequência de ensino ou formação, até aos 18 anos de idade, mesmo quando os jovens já se encontrem inseridos no mercado de emprego [XVII Governo Constitucional].
Com esta copulação de medidas e ações concretas por parte do governo, e através de uma forte valorização da escola e do ensino públicos, em particular dos cursos profissionais de ensino secundário, foi possível concretizar algumas das metas mais ambiciosas inicialmente estipuladas no programa do XVII Governo.
Redução drástica do insucesso no ensino básico e do abandono na transição para o secundário.
Expandir a educação e a formação de nível secundário. As taxas atuais de frequência do ensino secundário são inaceitavelmente baixas e as taxas de repetência e abandono insuportavelmente altas.
Alargar a oferta dos cursos tecnológicos, artísticos e profissionais, de forma a aumentar o número de jovens que seguem esses percursos formativos [XVII Governo Constitucional].
Apesar de um conjunto de políticas desenvolvidas durante a vigência deste governo apresentarem um caráter de continuidade com aquilo que tinha sido formulado anteriormente, existem algumas diferenças no que respeita ao papel do estado e ao lugar da escola pública no conjunto da arquitetura do sistema educativo.
Só é possível avançar no caminho da inclusão e da igualdade de oportunidades, defendendo e valorizando o serviço público de educação e a escola pública, aberta a todos [XVII Governo Constitucional].
A abordagem subjacente ao programa do XVII Governo Constitucional reforça o papel do estado, sendo atribuídas novas funções à escola pública.
A escola de hoje defronta-se, entretanto, com um novo leque de desafios. Nas sociedades democráticas, abertas e complexas em que vivemos, pede-se legitimamente à escola que não se preocupe apenas com a transmissão de conhecimentos organizados em disciplinas. De um lado, há que centrar o trabalho pedagógico na aquisição de competências, que sustentem a aprendizagem ao longo de toda a vida. Do outro, há que promover a educação para os valores [XVII Governo Constitucional].
Considerações finais
A introdução dos cursos profissionais nas escolas públicas é uma decisão política formulada pelo ministro da Educação do XV Governo Constitucional, no âmbito da reforma do ensino secundário e num contexto marcado por uma licealização persistente do ensino secundário, com todas as consequências daí resultantes.
A indefinição identitária permanente do ensino secundário conjugada com a tardia democratização do ensino e com outros bloqueios e dificuldades do sistema de ensino português posicionava-o numa situação de grande desvantagem comparativa. Caracterizado por uma reduzida oferta profissionalizante e um predomínio dos cursos de caráter geral, o ensino público regular coexistiu durante anos, com o regime das escolas profissionais de caráter particular. Estas últimas, apesar de crescentemente mediatizadas pelas elevadas taxas de empregabilidade, não conseguiam dar resposta ao elevado número de alunos que as procuravam nem à necessidade de mão de obra qualificada do país.
É num contexto como este que o agendamento da medida é enunciado. A alternativa política em estudo surge apenas como solução num período mais recente, tendo havido alternância nas decisões e nas opções políticas dos vários governos em análise.
De uma forma sintética, a formulação e a concretização da medida em estudo acontecem em dois momentos distintos. Primeiramente, o momento da formulação da medida decorre durante o XV Governo, no âmbito da reforma do ensino secundário desenvolvida. Este momento representa uma das mudanças substanciais no que ao ensino secundário diz respeito, tendo efeitos na organização curricular, na permeabilidade dos cursos e na avaliação do ensino secundário. À parte essa primeira fase, a implementação da medida acontece num momento posterior, após a mudança de governo, sendo caracterizada por pequenos ajustamentos incrementais, sem grandes alterações legislativas e consubstancia-se na generalização destes cursos às escolas de ensino secundário, elevando para cerca de metade, o peso dos alunos que frequentam esta modalidade educativa.
Referências bibliográficas
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Fontes e documentos consultados
Constituição da República Portuguesa
Despacho normativo n.º 194-A/83
Lei n.º 46/86, de 14 de outubro
Decreto-lei n.º 26/89, de 21 de janeiro
Decreto-lei n.º 286/89 de 26 de agosto
Decreto-lei n.º 7/2001, de 18 de janeiro
Decreto-lei n.º 156/2002, de 20 de junho
Decreto-lei n.º 74/2004, de 26 de março
Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto
Programas dos X a XVII Governos Constitucionais
Receção: 6 de novembro de 2013. Aprovação: 21 de janeiro de 2014
Notas
[1] Do X ao XVII Governos Constitucionais.
[2] À data o 9.º ano de escolaridade.
[3] Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto