Introdução
O cancro é uma das principais prioridades a nível mundial no que concerne à área da saúde. O cancro de cabeça e pescoço (CCP) tem uma considerável taxa de incidência (lábios e cavidade oral - 2,0%; glândulas salivares - 0,28%; orofaringe - 0,51%; hipofaringe - 0,44%; nasofaringe - 0,69%; e laringe - 0,96%) e mortalidade (lábios e cavidade oral -1,8%; glândulas salivares - 0,23%; orofaringe - 0,48%; hipofaringe - 0,39%; nasofaringe - 0,80%; e laringe - 1,0%; Ferlay et al. 2020), sendo considerado a oitava causa de morte por esta doença (Grattan et al., 2018). Em Portugal, e de acordo com os dados de 2015, são diagnosticados cerca de três mil novos casos de CCP todos os anos, com uma incidência por 100.000 pessoas de 52 novos casos nos homens e oito novos casos nas mulheres (Direção-Geral da Saúde, 2017). O CCP é categorizado pela área onde se inicia e engloba a cavidade nasal e seios perinasais, nasofaringe, hipofaringe, laringe, orofaringe, cavidade oral, lábio e tumores malignos das glândulas salivares (Baijens et al., 2021).
Como fatores de risco major, neste tipo de tumores, surge o tabaco e a ingestão de álcool, sendo que 72% dos tumores de cabeça e pescoço estão relacionados com estes fatores de forma isolada ou combinada (Baijens et al., 2021).
No que concerne ao seu tratamento, pode ser cirúrgico e não cirúrgico (radioterapia, quimioterapia e imunoterapia), podendo estas abordagens ser utilizadas isoladamente ou de forma combinada. Todos eles podem comprometer consideravelmente a capacidade funcional e autocuidado da pessoa, em funções relacionadas com a respiração, comunicação e alimentação (Nayak & George, 2018). Cirurgias como a laringectomia total (LT), mandibulectomia, glossectomia, pavimentectomia, implicam mudanças físicas e psicossociais e, muitas das vezes, maior dependência de terceiros (Miguel et al., 2019). Estas alterações podem ser potencializadas quando existe necessidade de esvaziamento ganglionar cervical (EGC) e, por vezes, de traqueotomia (provisória ou definitiva), implicando considerações significativas no autocuidado da pessoa (Queirós et al., 2017).
Pelas alterações na comunicação, estes utentes têm comprometida a sua capacidade de transmitir sintomas, questionar ou solicitar cuidados, expressar sentimentos, receios, vontades e tomar decisões relacionadas com os seus cuidados de saúde, podendo potenciar a sua vulnerabilidade (Frade et al., 2022).
O Índice Barthel é um instrumento que avalia o nível de independência do doente para o autocuidado, estando este já validado no país em que foi realizado este estudo (Araújo et al., 2007). Numa perspetiva de cuidados holísticos, o enfermeiro deve saber quais as alterações que este tipo de tumores e tratamentos podem provocar (Miguel et al., 2019) e deve implementar um plano de cuidados centrado nas respostas humanas alteradas para facilitar este processo de transição (Nayak et al., 2018).
Perante esta problemática, pretende-se analisar o papel do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER) no grau de dependência e autocuidado do doente internado após cirurgia de CCP, integrando os cuidados generalizados de saúde.
Definiu-se como objetivo geral, avaliar o nível de dependência aquando da alta clínica dos utentes com CCP submetidos a cirurgia (com traqueostomia provisória ou definitiva) com intervenção do EEER.
Enquadramento
Perante a necessidade de cuidados diferenciados e especializados, a reabilitação deve ser oferecida a todos os utentes submetidos a cirurgia de CCP, nomeadamente aos que são traqueotomizados. Perante a presença de uma ostomia de respiração, a intervenção deve ser baseada na educação sobre os cuidados a ter no pós-operatório com necessidade de estratégias de adaptação, na prevenção de complicações, na promoção da saúde e do bem-estar, bem como na qualidade de vida da pessoa e família (Queirós et al., 2017).
O EEER, enquanto elemento e parte integrante da equipa multidisciplinar de reabilitação, tem um papel fundamental durante o internamento do utente submetido a cirurgia de CCP, uma vez que pelas competências que lhe são inerentes, concebe, implementa e monitoriza planos de intervenção diferenciados (Ordem dos Enfermeiros, 2010). Este plano de intervenção diferenciado engloba intervenções na área da reabilitação motora e respiratória, associado aos domínios Melhoria Contínua da Qualidade e Gestão de Cuidados. No primeiro domínio, associado à unidade de competência de mobilização de conhecimentos e habilidades para a melhoria contínua da qualidade, é fundamental a articulação com outros profissionais de saúde na gestão e auxílio das várias AVD, prevenindo complicações e promovendo a autonomia. Para o segundo domínio, e associado à unidade de competência de otimização do processo de cuidados ao nível da tomada de decisão, preconiza-se que a tomada de decisão nesta área de intervenção é uma mais-valia para a prestação de cuidados com qualidade e adequados às necessidades destes utentes (Ordem dos Enfermeiros, 2010).
Questão de investigação
Será que a intervenção do EEER otimiza a capacidade funcional e autocuidado do doente com CCP submetido a cirurgia?
Metodologia
Este é um estudo quantitativo observacional, de coorte retrospetivo, com intervenção realizada no período de julho de 2018 a outubro 2020. Como critérios de inclusão foram considerados todos os utentes adultos com idade superior a 18 anos, com carcinoma da língua, pavimento oral, gengiva, retromolar, laringe e metástase cervical; submetidos às cirurgias: LT + EGC e Pelviglossmandibulectomia + EGC + Retalho muscular peitoral + Traqueotomia. Foram definidos como critérios de exclusão: morte durante o internamento; utentes submetidos a outras cirurgias que não as referidas nos critérios de inclusão; e impossibilidade de acesso a dados clínicos. A população-alvo identificável (n = 674) foi constituída por uma amostra não probabilística de conveniência.
A partir da amostra foram formados dois grupos. O Grupo Cuidados Generalizados de Saúde, constituído por todos os utentes submetidos às cirurgias em análise já referidas, em que houve a prestação de cuidados generalizados de saúde sem a intervenção do EEER.
Face à existência de apenas um EEER na equipa multidisciplinar, os doentes sob intervenção de enfermagem de reabilitação são selecionados de acordo com os seus antecedentes pessoais, nomeadamente doenças respiratórias crónicas, e as alterações funcionais do foro respiratório e sensório-motor decorrentes da cirurgia. Deste modo, no primeiro grupo foram incluídos os doentes em que não houve intervenção do EEER nas primeiras 24 horas após a cirurgia, justificada pelo facto do elemento da equipa multidisciplinar não estar presente diariamente naquela unidade. O Grupo Cuidados Generalizados de Saúde com intervenção do EEER é formado pelos utentes que após as cirurgias em análise, para além de cuidados generalizados, tiveram avaliação e intervenção do EEER no pós-operatório imediato (24 horas após cirurgia), que decorre da prática e dos cuidados prestados pelo EEER. Neste caso, em que a avaliação e a primeira intervenção é realizada, o Índice de Barthel inicial traduz o grau de dependência sendo aplicado após a cirurgia.
A intervenção específica do EEER engloba intervenção na área respiratória e motora, onde se incluem os seguintes diagnósticos de enfermagem: Ventilação comprometida; Potencial para melhorar a capacidade para otimizar a ventilação; Limpeza das vias aéreas comprometida; Potencial para melhorar o conhecimento para promover a limpeza das vias aéreas; Potencial para melhorar a capacidade para promover a limpeza das vias aéreas; Equilíbrio corporal comprometido; Potencial para melhorar conhecimento sobre técnica de equilíbrio corporal; Potencial para melhorar capacidade para executar técnicas de exercício muscular e articular; Potencial para melhorar o conhecimento sobre conservação de energia; e Potencial para melhorar o conhecimento sobre técnicas de exercício muscular e articular.
Os dados incluíram: Dados demográficos (sexo e idade); Status pós-operatório imediato nas primeiras 24 horas - cirurgia realizada, índice de Barthel inicial; Status Pós-operatório Mediato/Tardio após as 24 horas até à alta - Infeção, Índice Barthel Alta, Número de dias de internamento, Índice Barthel Alta > 91.
Os dados foram recolhidos na base de dados de enfermagem de reabilitação do serviço de internamento. De acordo com cada episódio de internamento associado a um diagnóstico e cirurgia realizada a um determinado utente, foram colhidos os dados demográficos, tempo de internamento, diagnóstico principal e referenciação para alta hospitalar. Em relação às restantes variáveis, a informação foi colhida retrospetivamente pela consulta da base de dados de Excel® de enfermagem de reabilitação.
Para cada uma das variáveis, em ambos os grupos, foi realizada uma análise das medidas de tendência central média e mediana, bem como das medidas de dispersão amplitude de variação com mínimo e máximo e o desvio padrão. Foram também apresentadas as tabelas de distribuição de frequências com as contagens e respetivas percentagens para ambos os grupos. Para as variáveis categóricas na comparação dos grupos foi utilizado o Chi-square test. No caso das variáveis numéricas, foram avaliados os pressupostos para a realização do Teste-T de Student para amostras independentes e não se cumprindo os critérios de homogeneidade das variâncias e de normalidade, optou-se pela utilização do teste não paramétrico de Mann-Whitney U para comparação dos dois grupos. O nível de significância considerado para o resultado do teste foi de 5%.
A variável dependente numérica foi categorizada em dicotómica (Índice Barthel Alta > 91), em que um valor superior a 91 pontos no Índice Barthel aquando da alta permita atestar dependência ligeira/independência e um valor abaixo como dependência moderada e elevada do utente (Araújo et al., 2007).
Utilizou-se a estatística descritiva para a caracterização da amostra e para a análise dos dados recorreu-se ao software IBM SPSS Statistics, versão 28.0. Assim, para analisar o efeito das variáveis independentes sobre os resultados, ou seja, qual o papel destas variáveis no efeito da intervenção do EEER na independência destes utentes, foi utilizado o modelo de distribuição de Poisson. Através deste general linear model em Log como link function, foi possível realizar uma análise de regressão com robust standard erros, assumindo o intervalo de confiança do Risco Relativo (RR) de 95%.
Os princípios éticos foram respeitados e salvaguardados desde o início e ao longo de todo o estudo, tendo sido submetido e aceite pela Unidade de Investigação e pela Comissão de Ética da unidade de saúde onde foi realizado o estudo em novembro e 2021, com o nº UIC/1427. Este foi também aprovado pelos responsáveis do serviço de ambas as especialidades cirúrgicas desta instituição de saúde. Tratando-se de um estudo retrospetivo, e não sendo possível obter qualquer contacto ou elemento localizador dos participantes na base de dados referidos anteriormente, toda a informação utilizada e recolhida no âmbito deste estudo foi analisada de forma codificada e confidencial, sendo cada episódio de internamento transcrito para um código correspondente (1,2,3, ...) no sentido de manter a confidencialidade e anonimização dos dados colhidos e apenas ser possível ao investigador deste estudo ter acesso à respetiva identificação pelo código que foi atribuído. Foi realizado o registo na plataforma de ensaios clínicos - ClinicalTrials.gov, com o número NCT05246891.
Resultados
A amostra estudada (n = 133) é composta pelos utentes do grupo cuidados generalizados de saúde (n = 63) e pelo grupo dos utentes que após as cirurgias em análise obtiveram avaliação e intervenção do EEER (n = 70). É constituída essencialmente por homens (89,5%), com idade média de 67,3 anos, com metade da amostra a ter pelo menos 67 anos.
Na comparação dos dois grupos não se verificaram diferenças estatisticamente significativas em relação às caraterísticas demográficas (idade, sexo), ao tipo de cirurgia e ao Índice Barthel Inicial, sugerindo homogeneidade estatística dos mesmos para um nível de significância de 5%, como mostra a Tabela 1.
Nota. DP = Desvio-padrão; EEER = Enfermeiro Especialista Enfermagem de Reabilitação; Máx = Máximo; Min = Mínimo. aStudent’s t test; bChi-square test; cMann-Whitney test; p = p-value; 1 = Laringectomia Total+Esvaziamento Ganglionar Cervical; 2 = Pelviglossomandibulectomia+Esvaziamento Ganglionar Cervical+Retalho Muscular Peitoral+Traqueostomia.
Atendendo aos dois grupos, verificou-se um tempo médio de internamento inferior no grupo que teve cuidados generalizados de saúde e intervenção do EEER (24,7 dias), em relação ao grupo que só teve cuidados generalizados de saúde (29,7 dias), tendo-se verificado uma redução média de 5,02 dias no grupo em que EEER interveio (p = 0,03), como mostra a Figura 1.
Na variável Índice de Barthel aquando da alta clínica, constatou-se que mais de metade dos utentes do grupo a quem foram prestados apenas cuidados generalizados de saúde saíram com um grau de dependência moderada, com uma média de 79,9 pontos, ao invés daqueles em que houve intervenção do EEER que tiveram alta classificados como independentes/dependência ligeira, em que a média foi de 83,2 pontos.
Pelo modelo de regressão, demonstra-se que as variáveis Índice Barthel Inicial e Idade estão associadas ao Índice Barthel Alta > 91, como mostra a Tabela 2.
Note-se que o RR de Índice Barthel Alta > 91 segundo a intervenção do EEER é estimado em 1.55, podendo na população variar entre 1,04 e 2,31 (IC95%; p = 0,03).
Como o IC não inclui o valor unitário, pode-se afirmar com 95% de confiança que existe um efeito na melhoria da capacidade funcional e autocuidado dos utentes submetidos a cirurgia de cabeça e pescoço.
O mesmo acontece quando se ajusta para a variável Idade no MOD 1 (RR: 1,52; IC95% [1,06; 2,18]; p = 0,02), ou seja, os utentes com menor idade e em que se verifique a intervenção do EEER terão dependência ligeira/independência aquando da alta clínica.
Nota. 1Ajustado para confundimento por regressão; EEER = Enfermeiro Especialista Enfermagem de Reabilitação; IC = Intervalo de Confiança; MOD = Modelo; RR = Risco Relativo; p = p-value
No entanto, o mesmo não se verifica quando se ajusta para o Índice Barthel Inicial no MOD 2 (RR: 1,35; IC95% [0,94; 1.94]; p = 0,09), uma vez que apesar do efeito da intervenção do EEER ser positivo no Índice Barthel Alta > 91, a intervenção não é eficaz para a independência dos utentes com Índice Barthel Inicial mais elevado.
Discussão
Neste estudo foi possível analisar o papel do EEER em utentes com CCP após a cirurgia, através de planos individualizados para otimização da capacidade funcional e autocuidado. A intervenção do EEER permitiu reduzir o tempo de internamento após a cirurgia destes utentes, tal como uma melhoria significativa na sua capacidade funcional e autocuidado.
As principais consequências desencadeadas pelo tratamento cirúrgico eletivo do utente com CCP passam pela dependência e comprometimento da respetiva capacidade funcional a nível respiratório e motor. Alguns estudos já demonstram que utentes com CCP submetidos aos respetivos tratamentos ficam comprometidos na sua capacidade funcional e autocuidado (Burgos-Mansilla et al., 2021; Sheikh et al., 2014).
Tanto a rigidez como a dor no pescoço e ombro estiveram associadas ao período após o tratamento cirúrgico, mesmo quando se preservou o nervo espinhal acessório no ECG. Para estes diagnósticos, e de acordo com a American Cancer Society, a reabilitação precoce permite prevenir as limitações da funcionalidade do ombro pela referenciação e acompanhamento de um profissional especialista em reabilitação, minimizando a dor e otimizando a capacidade funcional para o autocuidado (Cohen et al., 2016). No nosso estudo, verificou-se que os utentes a quem foram prestados apenas cuidados generalizados de saúde tiveram alta clínica com um grau de dependência moderada/elevada ao invés daqueles em que houve intervenção do EEER, que tiveram alta com um grau de independência/dependência ligeira (p = 0,02). Estes achados são congruentes com o defendido por Bannister e Ah-See (2015), que referem que as estratégias que incluem mobilização precoce e programas de reabilitação específicos na cirurgia de CCP permitem uma recuperação funcional mais rápida e um menor grau de dependência após cirurgia. Também os resultados do presente estudo estão alinhados com o referido por Twomey et al. (2020), em que a mobilização precoce no pós-operatório, em utentes com CCP submetidos a reconstrução com retalho, favorece a obtenção de melhores resultados cirúrgicos, contribui para a prevenção de complicações cardiorrespiratórias e musculares, promove a readaptação à marcha e a independência e facilita o processo de transição e respetiva recuperação no domicílio. Para além disso, segundo Burgos-Mansilla et al. (2021), a implementação de programas de exercício físico em utentes com CCP, submetidos a cirurgia, potenciam a recuperação em termos de funcionalidade e a melhoria da qualidade de vida.
Os resultados do presente estudo mostraram uma redução dos dias de internamento com a intervenção do EEER após cirurgia (p = 0,03), o que é consonante com o que Bannister e Ah- See (2015) defendem, nomeadamente que os programas de reabilitação dirigidos à pessoa submetida a cirurgia CCP permitem otimizar a capacidade funcional, reduzir as complicações e uma alta hospitalar mais precoce. Também num outro estudo se constatou uma redução significativa do tempo de internamento em utentes que realizaram adicionalmente um programa de exercícios de reabilitação individualizados de forma autónoma (Steegmann et al., 2020).
A intervenção do EEER tem um efeito de melhoria na independência do utente após a cirurgia, mantendo-se quando se ajusta para o Índice Barthel e idade no pós-operatório imediato. Não existe evidência de outros estudos sobre este resultado em que há intervenção do EEER após cirurgia CCP, no entanto, sabe-se que a idade e as comorbidades associadas a cada utente desencadeiam quadros de dependência mais elevados com diminuição da capacidade funcional (Sheikh et al., 2014).
A presença de uma traqueostomia pode geralmente provocar um aumento da resistência total do fluxo de ar devido ao pequeno diâmetro do tubo, induzindo alterações no padrão respiratório, da pressão expiratória final e na produção de secreções (Mills et al., 2022). A magnitude desse efeito pode depender de vários fatores, principalmente pela eficácia do processo ventilatório. As ventilações tal como a limpeza das vias aéreas podem ser otimizadas pela intervenção do EEER, pelas competências que dispõe. A limpeza das vias aéreas pode ser ineficaz nos primeiros dias após a cirurgia, atendendo ao quadro álgico descontrolado e à adaptação ao novo processo respiratório, manifestando-se pela dificuldade de expelir as secreções e consequente estase. Deste modo, é frequente a diminuição do volume corrente com alterações na relação ventilação/perfusão e consequente hipoxémia. Os exercícios de Reeducação Funcional Respiratória são fundamentais na promoção da permeabilidade das vias aéreas, na otimização da ventilação e na prevenção de atelectasias/pneumonias (Moreira et al., 2022). Neste contexto, os cuidados prestados pelos EEER assumem principal enfoque na prevenção de complicações respiratórias, na otimização da funcionalidade, tal como melhorar a relação ventilação/perfusão.
Além da limpeza das vias aéreas ineficaz, o padrão respiratório desadequado foi outro dos diagnósticos presentes após a cirurgia de CCP. Quando se recorre a retalho muscular peitoral, o utente refere dor na região torácica intervencionada e a respiração é predominantemente abdominal. Importa referir que nas cirurgias em análise, em que “existe uma paralisia da musculatura torácica condicionada pelo trauma pode ocorrer uma maior frequência respiratória e menor volume corrente” (Marques-Vieira & Sousa, 2016, p. 521). Por isso, o papel dos EEER passa pelo treino dos músculos inspiratórios aumentando a capacidade funcional, o volume inspirado e o respetivo relaxamento das estruturas torácicas condicionadas pela dor (Marques-Vieira & Sousa, 2016). A promoção da autonomia deverá ser também atendida na preparação para a alta, transição do regime de internamento para o regime de ambulatório, fundamentada pela possibilidade de o utente manter a vida, a saúde e o bem-estar no seu dia-a-dia após o tratamento.
Como limitação deste estudo aponta-se o facto do tempo de intervenção traduzido em cuidados de EEER ser bastante inferior em relação aos cuidados generalizados de saúde durante todo o internamento. Outra das limitações está relacionada com a avaliação do Índice Barthel Inicial, ou seja, quando o EEER não realiza a intervenção, a avaliação do grau de dependência é feita pelo enfermeiro que está na prestação direta dos cuidados àquele utente.
Conclusão
Demonstrou-se com este estudo a importância da reabilitação precoce logo após a cirurgia. Efetivamente, para os utentes submetidos a cirurgia por CCP é essencial a disponibilização e acesso a cuidados de enfermagem especializados, permitindo internamentos com menor durabilidade de tempo bem como uma melhoria significativa na capacidade funcional e autocuidado após cirurgia. Este tipo de cuidado especializado inserido num contexto de intervenção multidisciplinar, centrado no utente submetido a cirurgia oncológica na área de cabeça e pescoço, representa uma mais-valia na mitigação do verdadeiro impacto deste tratamento na funcionalidade individual, bem como na rápida recuperação. A implementação e avaliação dos cuidados prestados pelo EEER permite concluir a sua efetividade, valorizando os aspetos relacionados com a educação para a saúde, a mobilização precoce, os exercícios respiratórios durante o período pós-operatório e a adaptação a um novo status de saúde. Depreende-se a necessidade de uma consciencialização acerca da fragilidade relacionada à saúde física e mental, inerente ao processo de recuperação do utente submetido a cirurgia do CCP, de forma a promover a sua independência. Noutros estudos futuros será importante uma amostra de maiores dimensões, tal como outros instrumentos para avaliação da capacidade funcional e respetiva qualidade de vida.