Lombalgia crônica (LC) é a dor lombar que ocorre por, pelo menos, um dia e persiste por mais de três meses (Delitto et al., 2012; Nijs et al., 2015). Considerando o índice YLDs (Years Lived with Disability), a lombalgia ocupa o primeiro lugar quando se faz referência a anos vividos com incapacidade e o sexto lugar quanto aos anos de vida perdidos por problemas de saúde (DALYs - Disability Adjusted Life Years) (Driscol et al., 2014; Hoy et al., 2014; Murray et al., 2012; Vos et al., 2015). Trata-se de um problema de saúde extremamente comum, estimando-se que pode atingir até 65% das pessoas anualmente e até 84% das pessoas em algum momento da vida (Zanuto et al., 2015).
Espera-se que indivíduos com lombalgia apresentem melhora do quadro sem tratamento específico em um intervalo de 4 a 6 semanas. Entretanto, há pacientes que não exibem resultados favoráveis no tratamento (Golob & Wipf, 2014). Além dos aspectos físicos, isso é frequentemente associado à presença de fatores psicológicos, tais como depressão (Golob & Wipf, 2014; Kovacs et al., 2005; Waxman et al., 2008). Pacientes com esse quadro apresentaram maior intensidade de dor, maior medo de movimento e pior qualidade de vida (Antunes et al., 2013). Taxas referentes à depressão na população em geral correspondem a, aproximadamente, 18%, já entre pacientes com lombalgia essa taxa pode chegar a 58% (Feitosa et al., 2016; Turk et al., 2016).
Outro aspecto importante é que depressão e lombalgia estão entre as doenças com maior número de DALYs (Disability-Adjusted Life Year) na categoria de doenças não transmissíveis (Driscol et al., 2014; Hoy et al., 2014; Murray et al., 2012; Vos et al., 2015). A comorbidade entre lombalgia crônica e sintomas depressivos agregariam, portanto, importante parte dos principais problemas de saúde em nível mundial.
Considerando esse contexto, o presente estudo teve como objetivo reunir principais achados e fatores psicológicos associados à presença de sintomas depressivos na LC publicados na literatura científica. Com isso, buscou-se evidenciar quais os impactos desses sintomas no curso da LC, assim como apontar possíveis lacunas no entendimento dessa relação.
Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura a partir das bases Scopus, SciELO e ScienceDirect e PubMed, PePSIC. Como estratégia de busca, padronizou-se o acesso às bases internacionais a partir do portal de periódicos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Ministério da Educação (CAPES/MEC). Foram utilizados descritores e operadores booleanos “chronic low back pain” OR “chronic back pain” AND “depression”.
Restringiu-se as buscas dos descritores ao título e resumo dos artigos. Foram incluídas publicações entre 2009 e 2018 que investigaram a relação entre LC e depressão em pacientes com idade entre 18-80 anos, sem indicativo ou histórico de cirurgia, ausência de diagnóstico de fibromialgia, neoplasias e traumas, além de não se encontrar em período pós-parto inferior ou igual a 3 meses. Foram excluídos estudos que não mensuraram depressão, que envolveram crianças e adolescentes, aqueles que não analisaram diretamente a relação depressão e lombalgia crônica (LC), ensaios clínicos que utilizaram a presença/ausência de sintomas depressivos como medida de eficácia terapêutica (farmacológica ou fisioterapêutica), estudos de caso e de validação de instrumentos, protocolos clínicos, pesquisas com modelos animais, investigação de fatores neuropsicológicos relativos à depressão, ou nas quais a amostra continha pacientes com dor aguda/subaguda.
Foram identificados 308 estudos. Após exclusão dos artigos duplicados (n = 42; 13,6%), foi feita leitura de título e resumo de 266 estudos restantes, considerando-se os critérios de exclusão e inclusão. Excluíram-se 219 trabalhos (70,7%) após essa etapa. Foram eleitos 47 estudos para leitura completa, sendo excluídos, nesta etapa, 24 estudos por não terem verificado a ocorrência ou nível de sintomas depressivos nos participantes. A amostra final ficou composta por 23 estudos. Estratégias utilizadas nas respectivas bases de dados e motivos da exclusão seguiram as recomendações PRISMA e foram apresentadas em fluxograma (ver Figura 1).
Nota: 1BDI: Back Depression Inventory; 2 HADS: Hospital Anxiety and Depression Scale; 3CES-D: Center for Epidemiologic Studies - Depression Scale; 4PHQ-8: Patient Health Questionnaire-8; 5BDI-II: Beck Depression Inventory-II; 6GDS: Geriatric Depression Scale; 7PHQ-9:Patient Health Questionnaire-9; 8DSSS: Depression and Somatic Symptoms Scale; 9TEPT: Transtorno de Estresse Pós-Traumático; 10 TDM: Transtorno Depressivo Maior.
Resultados
Análise bibliométrica
Em 39,1% dos estudos analisados (n = 9; E1, E2, E3, E5, E7, E12, E13, E14, E19) a pesquisa foi realizada no Brasil, sendo que 13,0% ocorreram nos Estados Unidos (n = 3; E4, E6, E15). Na Alemanha, foram realizados 8,6% dos estudos (n = 2; E8, E22), mesmo quantitativo para pesquisas na Noruega (E11, E16) e no Japão (E20, E21). Demais pesquisas foram realizadas na Coréia, Espanha, Turquia, França e China, correspondendo a 21,7% dos estudos (E9, E10, E17, E18, E23).
Quanto à área de concentração dos periódicos, 91,3% dos estudos pertenciam à medicina (n = 21; E1, E2. E3. E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12, E15, E16, E17, E18, E19, E20, E21, E22, E23). Em 8,6% dos trabalhos (n = 2; E13, E 14), a área correspondeu à enfermagem. No que diz respeito ao ano, houve maior concentração de publicações nos últimos cinco anos (60,8%; n = 14; E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E11, E12, E16, E19, E20, E21, E23) se comparado aos cinco anos anteriores a esse período (39,2%, n = 9; E1, E2, E10, E13, E14, E15, E17, E18, E22).
Análise de tópicos metodológicos: Características amostrais, tipo de estudo e instrumento que mensurou depressão
Os estudos selecionados totalizaram 12.192 participantes. A menor amostra foi composta por 32 indivíduos (E1) e a maior totalizou 7523 pessoas (E11). Os participantes tiveram médias de idade que variaram de 40,7 (E23) a 72,5 anos (E17), e composição predominante do sexo feminino em 86,9% dos estudos (n = 20; E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12, E13, E14, E15, E16, E17, E19, E22, E23).
Em 95,6% dos artigos selecionados (n = 22) os participantes já eram pacientes de centros de reabilitação. A investigação da situação ocupacional, renda, escolaridade e estado civil foi ausente em 17,3% dos estudos (n = 4; E9, E12, E15, E16). Nos demais artigos essas variáveis não foram incluídas totalmente em suas análises, não havendo caracterização completa das amostras nesses aspectos.
Quanto ao desenho de pesquisa, apenas um estudo (4,3%; n = 1; E17) utilizou metodologia experimental, sendo que os demais foram do tipo não experimental. Destes, 8,6% foram do tipo descritivo (n = 2; E1, E22), 17,3% avaliaram variáveis de forma longitudinal (n = 4; E8, E 11, E12, E15) e os demais foram do tipo observacional transversal (69,5%; n = 16).
A maioria dos estudos utilizou um instrumento para mensurar sintomas depressivos (95,6%; n = 22), sendo o Back Depression Inventory (BDI) o mais utilizado (39,1%; n = 9; E1, E2, E5, E7, E10, E12, E13, E14, E19), seguido da Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS); 34,7%; n = 8; E3, E8, E9, E11, E16, E18, E22, E23) e da Patient Health Questionnaire Depression Scale (PHQ; 13,0%; n = 3; E6, E20, E21). Demais estudos utilizaram a CES-D (Center for Epidemiologic Studies - Depression Scale (CESD-R), Depression and Somatic Symptoms Scale (DSSS-1) Diagnostic Interview Schedule Version III-R, correspondendo a 13,0% (n = 3; E4, E15, E23) em relação ao total de estudos selecionados para a revisão.
Análise de conteúdo: Ocorrência
Sintomas depressivos foram encontrados em todas as amostras de pacientes com LC. A mensuração desses sintomas ocorreu por meio de investigação da ocorrência na amostra (n = 15; 65,2%; E1, E2, E3, E5, E8, E9, E11, E13, E15, E16, E18, E19, E20, E22, E23) ou por identificação da pontuação média obtida pelos participantes em instrumentos específicos de mensuração da depressão (n = 8; 34,8%; E4, E6, E7, E10, E12, E14, E17, E21). Considerando o critério de investigação da prevalência, em 21,7% do total dos estudos identificou-se depressão em mais da metade da amostra (n = 5; E1, E5, E9, E18, E19). Nesses, 8,6% dos estudos avaliaram o nível da depressão, encontrando sintomas depressivos moderados (n = 2; E1, E19). Nos demais estudos a ocorrência variou entre 6,3% e 41,4% em relação a amostra total.
Estudos que analisaram a pontuação média de grupos de pacientes com LC em instrumentos de rastreio de depressão identificaram presença desses sintomas acima do ponto de corte padronizado pelo instrumento. Apenas 13,0% desses estudos fizeram referência ao nível de depressão, o qual variou de leve a moderado (n = 3; E10, E12, E21). Esses estudos, em sua maioria, tiveram como objetivo comparar subgrupos de pacientes com LC (n =7), havendo apenas um artigo que utilizou como controle indivíduos sem LC (E17).
Variáveis associadas à depressão
Características Sociodemográficas
Características sociodemográficas foram analisadas em relação à presença de sintomas depressivos em 39,1% dos estudos (n = 9; E2, E3, E4, E11, E12, E14, E16, E20, E23). Nesses, todos fizeram referência ao sexo, em que 8,6% do total de estudos (n = 2; E3, E4) representaram os trabalhos que relataram diferenças não significativas, e 26,0% foi o percentual de pesquisas em que o sexo feminino apresentou pontuação maior e acima do corte para sintomas depressivos, quando comparado ao grupo dos homens (n = 6; E2, E11, E12, E14, E16, E23). Nesses estudos, percentual médio de mulheres com depressão e LC foi de 39,5%. Apenas 4,3% do total dos estudos identificaram predominância de sintomas depressivos em pessoas do sexo masculino (n = 1; E20). Em 8,6% dos artigos selecionados houve consideração do nível de escolaridade, em que foi encontrada a relação entre sintomas depressivos e nível de escolaridade baixo (n = 2; E2, E20). Esses estudos também identificaram que pessoas com LC e pontuações altas em instrumentos que avaliavam depressão se encontravam casadas.
Comorbidades psiquiátricas
Ansiedade (n = 6; E3, E7, E10, E11, E19, E23) e insônia (n = 5; E9, E12, E20, E23) foram comorbidades mencionadas nos estudos, especificamente em 43,4% deles (n = 10). Os estudos encontraram níveis altos de ansiedade nas amostras de pacientes com LC e depressão (E19) e destacaram relação com maior incapacidade, presença de crenças disfuncionais, menos atitudes positivas diante da dor (E3), maior percepção de dor, amplificação dos sintomas físicos, incapacidade e baixa adesão ao tratamento (E7; E10), redução da probabilidade de recuperação (E11), e maior gravidade da dor e da insônia (E23). A relação insônia e LC implicou maior intensidade de dor, em que a dor predispôs a dificuldades relacionadas ao sono e estas agravaram o quadro álgico (E9, E12, E20, E23).
Outros fatores associados à LC e depressão
Incapacidade (n = 4; E3, E5, E6, E21) e intensidade de dor (n = 4; E9, E18, E20, E 21) foram os fatores mais estudados, e apresentaram correlação positiva com depressão. Fadiga foi citada em 13,0% dos estudos, sendo seu aumento associado com pontuações maiores de depressão (n = 3; E13, E14, E16). Em 8,6% dos artigos foram estudadas relações com qualidade de vida (n = 2; E7, E20), resiliência (n = 2; E8, E21), - em que foi salientado piora desses índices na presença de depressão - e maior número de consultas e cirurgias (n = 2; E20, E21) quando os pacientes apresentavam quadro depressivo. Demais aspectos psicológicos e ocupacionais associados à LC e depressão foram mencionados em apenas um estudo cada um, e se referiram a estratégias de enfrentamento menos eficientes (n = 1; E21), menor produtividade no trabalho (n = 1; E20), maior risco para cronificação (n = 1; E15), baixa auto eficácia, presença de crenças de medo-evitação, de solicitude (n = 1; E13) e de incapacidade (n = 1; E3), somatização (n = 1; E8) e alexitimia (n = 1; E7).
Discussão
A compilação de dados em revisões integrativas busca sintetizar conhecimento e favorecer avanços na compreensão acerca de determinado assunto (Whittemore & Knafl, 2005). Com essa finalidade, o objetivo do presente estudo foi reunir principais achados e fatores psicológicos associados a sintomas depressivos em pessoas com LC na literatura científica.
Quanto ao país onde foram realizadas as pesquisas, houve variedade referente à distribuição. Dados atuais já confirmaram que lombalgia foi a principal causa de DAYLs em 126 dos 195 países e territórios (James et al., 2018), logo, é um problema de saúde global. Além disso, LC está dentre as três principais causas para a perda de saúde no mundo, ao lado da cefaleia e transtornos depressivos (James et al.,2018), o que torna a associação LC e depressão comorbidades de ampla expansão mundial e, portanto, consistente com os achados desta revisão.
A maioria dos estudos selecionados foi publicada em periódicos da medicina (91,3%). Esse fato mostrou haver um campo de pesquisa possivelmente pouco explorado pela psicologia. Vale ressaltar que não foram encontrados artigos em bases como a PsycINFO. Compreende-se que contribuições relevantes poderiam ser construídas a partir do aporte teórico-técnico da psicologia da saúde, pois é a especialidade da psicologia que tem por princípio investigar e atuar sobre variáveis psicológicas interferentes na manutenção da saúde e no desenvolvimento de doenças (Almeida & Malagris, 2011).
O número de publicações que salientaram a relação entre LC e depressão correspondeu a quase o dobro nos últimos cinco anos, se comparado aos cinco anos anteriores. Isso pode ser compreendido à luz do crescimento da importância do modelo biopsicossocial nos estudos sobre dor. Apesar de esse modelo ter sido introduzido há pouco mais de 40 anos no entendimento sobre doenças de um modelo geral, ele foi ressaltado na nova taxonomia da American Pain Society (APS) em 2014 (Turk et al., 2016), fato que pode ter contribuído para aumento do quantitativo de publicações.
Análise das médias de idade mostrou haver maior ocorrência de LC entre 40 e 72 anos. Faixa etária similar já foi encontrada, em que a ocorrência maior de LC se deu entre pacientes com, no mínimo, 40 anos (Nascimento & Costa, 2015). Impacto de mudanças decorrentes do processo de envelhecimento (a exemplo de problemas posturais, redução da flexibilidade e maior degeneração osteomuscular) torna o aumento da idade importante fator de risco para cronificação da dor (Nascimento & Costa, 2015). Entretanto, apesar de os estudos dessa revisão não terem esclarecido possíveis diferenças na expressão dos sintomas depressivos considerando a faixa etária, a média de idade permite observar que adultos mais velhos podem constituir o grupo mais vulnerável para a coocorrência entre LC e depressão. Esse dado pode ajudar a melhor adequar as estratégias clínicas voltadas a esse grupo.
A percentagem média de mulheres com LC e depressão foi 39,5% nos estudos revisados. Há explicações de que mulheres focariam em aspectos emocionais da dor, sendo a duração e intensidade maiores nesse grupo, ao passo que homens se concentrariam principalmente em sensações físicas (Zavarize & Wechsler, 2016). Entretanto, em nenhum dos artigos revisados foi verificado esse dado e também não foram substancialmente esclarecidas as razões que poderiam embasar a diferença entre os sexos. Assim, não foi possível reunir explicações para justificar possíveis diferenças considerando essa variável. Dados recentes do Global Burden of Desease (2018) revelaram que a lombalgia crônica tem impactado tanto a saúde de homens como de mulheres, dado que pode ajudar a melhor compreender a distribuição da doença e reorientar o planejamento de políticas de saúde de pessoas com LC (James et al., 2018).
Ao investigar as relações entre aspectos sociodemográficos, LC e depressão, observou-se heterogeneidade na caracterização da amostra nos estudos, o que dificultou sumarizar dados que explicassem a contribuição de variáveis contextuais, a exemplo de situação ocupacional, renda, escolaridade, estado civil. Esse tipo de achado tem sido colocado como importante para a compreensão da experiência de dor, visto que favorecem uma abordagem multifatorial (Cohen et al., 2018). Melhor apreensão dos fatores contextuais ajudaria a compreender de que maneira eventos, rotinas poderiam contribuir para formulação de crenças disfuncionais e comportamentos desadaptativos associados a dor, para exacerbação, efeito, manutenção da dor e incapacidade física (Linton et al., 2018; Turk et al., 2016). Percebeu-se que os estudos que se propõem a entender a relação entre LC e depressão carecem de mais robusta compreensão das características sociodemográficas e ambientais nas quais estão inseridas a amostra, além de suas interações com as variáveis estudadas.
Poucos estudos, dentre os selecionados, foram do tipo longitudinal. Pesquisas que buscam avaliar variáveis ao longo do tempo seriam relevantes para compreender o impacto dos sintomas depressivos durante o tratamento e, consequentemente, contribuiriam para o entendimento de fatores psicológicos atuantes como protetivos e/ou de risco no curso da LC (Furtado et al., 2014). A partir disso, identificou-se necessidade de realização de mais estudos longitudinais na investigação dos sintomas depressivos e LC, especialmente se considerados na perspectiva da psicologia da saúde, já que forneceriam informações, por exemplo, dos fatores psicológicos que podem mediar ou modular a relação entre LC e depressão.
A identificação de sintomas depressivos nos estudos selecionados foi baseada apenas em medidas de autorrelato. Os dois instrumentos mais utilizados pelos estudos (BDI, HADS) são recomendados pela Sociedade Americana de Reumatologia, e dados precisos para o rastreamento diagnóstico da depressão em adultos podem ser obtidos a partir deles, pois possuem validade, boa sensibilidade e consistência interna (Andriushchenko et al., 2003; Smarr & Keefer, 2011). Entretanto, observou-se pouco refinamento dos dados sobre depressão (em níveis dos sintomas depressivos, por exemplo). Maior diferenciação quanto a perfis psicológicos poderia fornecer indicadores prognósticos físicos e psicológicos importantes, facilitar categorizações de risco para pacientes com LC, e, consequentemente, favorecer a efetividade do tratamento.
Em todas as amostras de pacientes com LC foram encontrados sintomas depressivos, confirmando dados encontrados em outros estudos (Edwards et al., 2016; Feitosa et al., 2016). Pesquisas identificaram que humor mais deprimido e maior exposição a eventos traumáticos na vida foram fortes preditivos da evolução para quadros crônicos na cervicalgia e na dor lombar (Denk & McMahon., 2016; Morlion et al., 2018). Estudo recente descobriu que indivíduos sem dor com depressão eram mais propensos a desenvolver dor lombar dentro de dois anos do que pessoas sem depressão (Hartvigsen et al., 2018). Embora essas associações tenham sido verificadas nesta revisão, ainda não se esclareceu por que algumas pessoas com LC apresentam sintomatologia depressiva e outras não.
Verificou-se que presença de depressão na LC foi associada à ocorrência de ansiedade em 21,7% dos estudos avaliados nesta revisão. Fatores emocionais negativos podem incluir altos níveis de estresse percebido e respostas negativas aos estressores sociais, ocasionando ansiedade relacionada à dor e humor deprimido ligado à perda de capacidade funcional e qualidade de vida (O’Sullivan et al., 2018). Ambos os transtornos contribuiriam para manutenção de um círculo vicioso de medo-evitação, o qual desempenha um papel significativo na interação entre a dor, a experiência cognitiva e afetiva disfuncional e a incapacidade resultante da perpetuação da dor (Marshall et al., 2017; Nava-Bringas et al., 2016; Turk et al., 2016). Nesta revisão, foram obtidas evidências, dentre os fatores psicológicos categorizados, da existência de crenças de medo-evitação e incapacidade, o que aponta para a consistência desses achados.
Nos estudos em que foram verificadas associações com insônia, houve maior força de relação com depressão do que com medidas de intensidade de dor. Isso pode significar que insônia pode apenas exacerbar sintomas de dor e, secundariamente, dor pode agravar dificuldades referentes ao sono. Portanto, em pacientes com LC, insônia pode predispor a ocorrência de depressão e o quadro álgico pode potencializar a interferência no sono. Dados similares verificaram que insônia aumentou em três vezes o risco de depressão em pacientes com dor lombar (Afolalu et al., 2018).
Demais fatores psicológicos encontrados nesta revisão (estratégias de enfrentamento, crenças de auto eficácia reduzida, incapacidade de solicitude, e resiliência) vão ao encontro de algumas conclusões já existentes na literatura. Pacientes com LC e com recursos de enfrentamento menos eficientes apresentaram maior sofrimento psicológico, maior dor e aumento da incapacidade (DiNapoli et al., 2016). Skidmore et al., (2015) verificaram que a relação entre mudança nos sintomas depressivos e na dor foi totalmente explicada pelo efeito indireto de mudanças nas crenças de autoeficácia. Crenças de solicitude e incapacidade encontradas no estudo de Barbosa et al. (2018) já tinham sido relatadas no estudo de Loduca (2014). Jegan et al. (2017) encontrou associação negativa entre depressão e resiliência, corroborando dados de Ankawi et al. (2017), em que o aumento da resiliência geral esteve associado a menor intensidade da dor e melhora resultados de saúde mental na dor crônica. Apesar de esses dados serem apresentados como estatisticamente relevantes nos estudos desta revisão, não houve esclarecimento acerca da maneira como interagem com sintomas depressivos na LC. Essas relações apareceram individualmente nas pesquisas e isso dificultou agrupamento significativo de dados que explicassem, de forma detalhada, possíveis relações entre essas variáveis, o que revela necessidade, em estudos futuros, de maior compreensão de fatores implicados.
Piora do desempenho físico na presença de sintomas depressivos (a exemplo de fadiga e maior incapacidade), assim como influência deletéria em aspectos ocupacionais (como queda de produtividade no trabalho) também se apresentaram significativas nos estudos revisados. Em outros estudos, foi verificado que pensamentos negativos e fadiga foram sintomas frequentes em casos de depressão, havendo maior ocorrência de incapacidade entre indivíduos com dor intensa, dor prolongada, baixa autoeficácia, altos níveis de medo e evitação da dor (Garbi et al., 2014). Mesmo após participarem de programas de exercícios de estabilização da coluna lombar, pacientes deprimidos apresentaram escores mais altos em escalas de dor e incapacidade no início e no final do tratamento se comparado a pacientes sem depressão (Nava-Bringas et al., 2015). Logo, sintomas depressivos associados à LC tendem a interferir em aspectos físicos e ocupacionais.
Como um todo, é possível afirmar que os principais achados desta revisão confirmaram importante ocorrência de sintomas depressivos na LC. Pessoas com mais de 40 anos podem constituir grupo mais vulnerável à coocorrência dessas doenças. A piora do desempenho físico e ocupacional pode ser acompanhada da presença de ansiedade e insônia. Os fatores psicológicos encontrados se referiram à presença de estratégias de enfrentamento menos eficientes, crenças de baixa auto eficácia, incapacidade, solicitude, além de baixa resiliência.
Apesar de critérios de inclusão da revisão terem sido planejados para garantir maior homogeneidade das amostras investigadas, isso não foi aplicado quanto à metodologia dos estudos e à etiologia da LC, de modo que os artigos nesses aspectos foram bastante heterogêneos. Além disso, é possível ter existido viés de seleção, pois houve inclusão apenas de artigos de acesso livre ou permitidos através do Portal CAPES, incorrendo em possíveis perdas de estudos elegíveis. Por não se tratar de uma meta-análise, não foram calculados tamanhos de efeito obtidos das relações entre, por exemplo, sintomas depressivos e grupos com e sem LC. É importante ressaltar que correlações levantadas nos estudos tiveram origem em pesquisas transversais em sua grande maioria, merecendo cautela quanto às conclusões, já que o ideal para esse tipo de dado seriam estudos longitudinais.
Por fim, observou-se a necessidade de maior robustez na investigação de variáveis contextuais, de possíveis fatores ambientais reforçadores de crenças disfuncionais sobre a dor. Acredita-se que há necessidade de maior investimento em estudos longitudinais, com o objetivo de preencher lacunas apresentadas pelos estudos. Estas, de maneira geral, remetem ao pouco esclarecimento de quais fatores psicológicos pesam na manifestação dos sintomas depressivos na LC. Estudos com essa finalidade poderiam esclarecer motivos, em termos de fatores mediadores e moduladores psicológicos, pelos quais pessoas com LC apresentam depressão e outras não. Pesquisas futuras nessa direção, bem como o desenvolvimento de instrumentos de rastreio e estratégias terapêuticas preventivas mais efetivas seriam corolários desse conhecimento a respeito da LC e suas relações com a sintomatologia depressiva.