A gravidez é um fenômeno fisiológico e biologicamente natural, evoluindo em sua maioria, sem grandes complicações. É um momento de mudanças físicas, sociais e emocionais que podem favorecer ou complicar a evolução da gestação (Ministério da Saúde, 2012). Um evento em geral, bastante esperado pela mulher na fase adulta. Representa um momento de transição que envolve reestruturação e reajustamento em várias dimensões, principalmente quanto a mudança de identidade e definição de papéis (Bezerra, 2017).
Apesar da gestação ser algo fisiológico, pode trazer alguns riscos para o binômio materno-fetal, onde algumas condições tendem a agravar o estado de saúde de ambos. Esses agravamentos podem desenvolver-se durante a evolução do ciclo gravídico e torná-las de alto risco quando comparadas com as demais (Costa, 2010). Sendo assim, define-se como gestação de alto risco, segundo Ministério da Saúde, “aquela na qual a vida ou a saúde da mãe e/ou do feto e/ou do recém-nascido têm maiores chances de serem atingidas que as da média da população considerada” (Ministério da Saúde, 2012).
O ciclo gravídico traz consigo a criação de um novo paradigma - o surgimento de uma mãe. As mudanças de identidade e a redefinição de papéis dizem respeito, principalmente, à transformação do papel de filha para o de mãe, sendo que, isso significa assumir responsabilidades, cuidados e deveres com a criança. É um momento que requer da recém consagrada mãe, adaptações e desafios ao novo estilo de vida (Silva et al., 2013; Souza, 2010).
Segundo o Ministério da Saúde (2014), em 2012 a mortalidade materna por causas diretas era superior à mortalidade por causas indiretas em 2,1 vezes. É uma significativa mudança quando comparada com os dados de 2000 e 1990 onde esse dado representava uma superioridade de 3,5 e 9,4 vezes respectivamente.
Dentre as causas diretas de morte materna (aquelas resultantes de complicações da gravidez, parto e puerpério) destacam-se a hipertensão e a hemorragia, sendo elas responsáveis, em 2012, por 20% e 12% dos óbitos maternos, respectivamente. As causas indiretas de mortalidade materna (aquelas resultantes de doenças preexistentes e que possam ser agravadas pela gestação) de maior incidência foram as doenças do sistema circulatório, agravadas pelo ciclo gravídico puerperal em 7,3% dos casos (Ministério da Saúde, 2014).
A gestação de risco representa para a mulher em muitos casos uma situação estressora desencadeando sentimentos negativos como culpa por não conseguir gestar de forma normal, incapacidade de controle sobre seu próprio corpo e medo da morte, seja do bebê ou dela mesmo. Neste momento, a atuação de uma equipe multidisciplinar, bem treinada e capacitada precisa repassar informações claras e concisas para que a mulher possa compreender quais são suas reais necessidades de saúde (Silva et al., 2013).
Em alguns casos, esse processo fisiológico e natural de gestar um novo ser, sofre alterações que podem culminar com a internação hospitalar. A hospitalização visa o acompanhamento e monitoramento dos sinais e sintomas evidenciados na gestação, bem como, tratamento e prevenção de complicações maternas e/ou fetais. Para Costa (2002) a hospitalização pode ser tomada como o principal dos cuidados obstétricos dispensados à gestante de alto risco, mas devido ao seu caráter intrinsecamente estressante, representa verdadeiro desafio adaptativo à grávida e à sua família, isto porque representa a conscientização da doença e suas consequências.
Um conceito bastante difundido não apenas na área da psicologia como também por diversas áreas é o do Coping ou respostas de enfrentamento, sendo este, definido como conjunto de estratégias utilizadas pelas pessoas para se adaptarem a situações estressantes ou adversas (Antoniazzi et al., 1998).
O desenvolvimento desse estudo nasceu da necessidade de conhecer o enfrentamento das mulheres que precisam submeter-se ao internamento hospitalar inesperado e muitas vezes por tempo indeterminado. Entender como elas vivenciam suas emoções, dúvidas, medos, dificuldades e esperanças. Através dele, buscamos na literatura dados sobre o enfrentamento dessas mulheres, assim como, conhecer ferramentas facilitadoras do processo de cuidar da gestante durante o internamento, reduzindo os riscos ao binômio materno/fetal.
Método
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório com abordagem quantitativa.
Participantes
Participaram dessa pesquisa 74 gestantes que estavam internadas no HDM, mais precisamente no setor de Alto Risco e que geravam feto vivo durante os meses de dezembro de 2017 a agosto de 2018.
Material
Foi realizado no Hospital Dom Malan (HDM), localizado no Município de Petrolina (PE) e gerido pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP).
Para coleta de dados utilizou-se um questionário semiaberto para caracterização dos aspectos sociais, econômicos, demográficos e obstétricos das participantes e a Escala de Modos de Enfrentamento do Problema (EMEP). Foram consideradas as seguintes variáveis: idade, cor, situação conjugal, escolaridade, profissão/ocupação, renda, quantidade de filhos, residência e procedência. Quanto as variáveis obstétricas foram consideradas quantidade de gestações, partos e abortos, tipo de partos e patologias preexistentes.
A EMEP é um questionário tipo Likert, de cinco pontos (onde, 1 = eu não faço isso; 2 = eu faço isso um pouco; 3 = eu faço isso às vezes; 4 = eu faço isso muito; 5 = eu faço isso sempre), que foi desenvolvida por Seidl et al. (2001), em estudo de análise fatorial e é baseada na versão adaptada à população brasileira por Gimenes e Queiroz (1997). Avalia estratégias de enfrentamento cognitivas e/ou comportamentais diante de um estressor específico e possui 45 itens agrupados em 4 fatores.
O enfrentamento é focalizado em 4 fatores, que são: 1) focalizado no problema, representando condutas de aproximação em relação ao aspecto estressor desenvolvidas pelo individuo, visando solucionar o problema ou lidar com a situação estressora, 2) focalizado na emoção, representando emoções negativas como raiva ou tensão, assim como respostas de esquiva, pensamento fantasioso, autoculpa e culpabilização dos outros, 3) focalizado nas práticas religiosas/pensamento fantasiosos, representando pensamentos fantasiosos permeados por sentimentos de esperança e fé, 4) focalizado na busca de suporte social, representando procura de apoio instrumental, emocional ou informações (Seidl et al., 2001)
Procedimentos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), tendo como número de CAAE: 71635217.0.0000.5196.
Foram repassadas informações inerentes à pesquisa sobre a confidencialidade e o sigilo quanto a identidade das participantes. As entrevistas aconteceram individualmente. Não houve qualquer benefício direto às participantes da pesquisa, assim como, não existiu despesa em sua participação.
Foi utilizado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, para mulheres acima de 18 anos. No caso daquelas com menos de 18 anos, o responsável legal assinou o TCLE e, a menor, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido - TALE.
Resultados
A idade média das participantes foi de 28 anos (variando de 16 a 44 anos), a maioria (37%) estava gestando o primeiro filho. Quanto ao estado civil, 79% disseram ter união estável ou serem casadas, 16% disseram ser solteiras e as demais, separadas ou possuir outro estado civil, como viúva ou divorciada. Estes dados assemelham-se ao estudo de Souza et al. (2016), onde mais de 80% tinham companheiro.
Quanto a cor, 69% das mulheres referiram ser de cor parda e quanto ao nível de escolaridade, 46% responderam ter ensino médio completo ou superior incompleto. Estes resultados se contrapõem ao encontrado por Rodrigues et al. (2017), onde nele apenas 22,1% tinham nível médio completo. Já no estudo de Souza et al. (2016), 38,7% das participantes afirmaram ter concluído o Ensino Médio. De acordo com este último estudo, esse nível de escolaridade para os atuais padrões econômicos e sociais é considerado baixo ou insuficiente para conseguir bons índices de inserção no mercado de trabalho.
Em relação a profissão/ocupação das participantes, a predominância foi de mulheres que referiram ser “do lar” (36%), seguidas pelas “trabalhadoras rurais” (20%). Outras profissões como diarista, atendente de lanchonete, auxiliar de serviços gerais, doméstica e vendedora também foram elencadas, porém, com menor frequência. O estudo foi realizado em uma maternidade de uma instituição pública que atende principalmente pacientes de baixa renda, o que pode explicar a predominância de donas de casa e trabalhadoras rurais, obedecendo a especificidade da região.
Apenas uma mulher (1,3%) referiu que não tinha renda alguma. 56% das participantes disseram ter renda familiar de até um salário-mínimo e, destas, mais de 83% referiram que a renda era para garantir o sustento de 03 ou mais pessoas. Provenientes de Petrolina somaram mais de 35%, e de Juazeiro, mais de 25%. 70% residem em casa própria e 54% têm saneamento básico.
Quanto às variáveis obstétricas observou-se a predominância de mulheres com 03 gestações ou mais representando 51%, 38% delas referiu não ter filhos vivos menores evidenciando essa diferença pelos abortos, natimortos ou óbitos desses filhos em idades diversas. Aquelas que nunca abortaram somaram 74%. Os partos normais somaram 70% entre os partos anteriores das participantes.
Ao serem interrogadas se fumavam ou ingeriam bebida alcoólica, apenas 1,3% disseram que fumava e 2,7%, fazem uso de álcool. Estes dados se assemelham ao encontrado por Araújo et al. (2016), onde 96% das gestantes não faziam uso destas substâncias. Quanto as doenças pregressas 33,7% disseram possuir alguma comorbidade, sendo a HAS a mais frequente.
Das mulheres entrevistadas, o diagnóstico ou as hipóteses diagnósticas, que estiveram mais presentes estavam relacionadas a DHEG, representando mais de 74% delas como mostra o quadro 1. Segundo os estudos publicados nos últimos 30 anos, a Hipertensão foi a principal causa de morte materna no Brasil, estando presente em 14% das mortes maternas mundiais (Zugaib, 2016).
Em 28% das mulheres entrevistadas, encontrou-se o diagnóstico de Diabetes mellitus, estando presente o gestacional e o tipo 2. Outra causa de internação bastante prevalente, estando em 23% delas, foi a Rotura Prematura das Membranas Ovulares (RPMO). A RPMO é a rotura espontânea das membranas coriônica e amniótica antes do início do trabalho de parto, em mulheres com menos de 37 semanas gestacionais. A RPMO pode evoluir com Oligoamnio, que é definido como o volume de líquido amniótico abaixo de 300 a 400ml e esteve presente em 13% das participantes (Zugaib, 2016).
Quanto a estatística, foi realizada a análise fatorial exploratória da Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP) para investigar a população estudada. Os resultados evidenciaram que o enfrentamento focado nas práticas religiosas/pensamentos fantasiosos (3,844) e o focalizado no problema (3,692) apresentaram as maiores médias, resultando em maior vivência de ambas pelas participantes (Quadro 1).
Para verificar a relação entre os fatores da EMEP foi utilizado o Teste de Correlação de Pearson como mostrado no quadro 2.
O fator problema, apresentou correlação positiva estatisticamente significativa com o suporte social (0,61) e com práticas religiosas (0,55). Práticas religiosas/pensamentos fantasiosos e suporte social também apresentaram associação significativa (0,43). Já, o coping focalizado na emoção não apresentou associação significativa com nenhum dos outros.
Foi realizado o Teste T de Student para amostras independentes com variâncias diferentes, testadas por Bartlett a 5%, teste bicaudal com 95% de confiança. Este teste tem como objetivo verificar se existe diferença entre as médias obtidas em cada um dos fatores da EMEP. Foi confirmado que as médias de problema e práticas religiosas são iguais, sendo, todas as outras diferentes, como mostra o quadro 3.
Discussão
O resultado deste estudo se assemelha ao de Santos e Saldanha (2011), realizado com 10 mulheres submetidas ao procedimento de histerectomia, a modalidade de enfrentamento mais usada foi busca de práticas religiosas/pensamento fantasioso, seguida de enfrentamento focalizado no problema. Este mesmo resultado foi encontrado no estudo de Borges et al. (2015), com 20 gestantes portando diagnóstico de malformação fetal, onde, 45% tiveram enfrentamento focalizado nas práticas religiosas seguido pelo enfrentamento focalizado no problema em 40% delas.
O estudo de Bezerra (2017) traz um resultado um pouco diferente, onde foi feito um comparativo entre o enfrentamento de 49 gestantes de baixo risco e 120 de alto risco na cidade de Natal - RN e verificou que ambos os grupos tiveram enfrentamento focalizado no problema, seguido pelas práticas religiosas e pensamentos fantasiosos.
Segundo Borges et al. (2015), o enfrentamento focalizado no problema é vivenciado a partir dos recursos psicológicos individuais que buscam informações para solucionar as causas estressoras, lidando positivamente com o problema e com as possibilidades de resolução dele. Já, no enfrentamento focalizado na religião os participantes enfatizam a fé e a esperança como forma de lidar com as situações estressoras. A fé e a crença religiosa podem servir como mecanismo de proteção, em contrapartida podem propiciar fuga da realidade, criando expectativas que podem não condizer com a gravidade dos casos.
Seidl et al. (2001) definem o enfrentamento focalizado na emoção com pensamentos fantasiosos, esquiva, autoculpa e culpabilização dos outros. Reações emocionais negativas e de raiva que podem resultar em afastamento do estressor. O enfrentamento focalizado na busca de suporte social representa a procura de apoio instrumental, emocional ou de informação para enfrentar a situação causadora do estresse.
Um resultado que foi comum tanto neste estudo quanto nos demais é que o enfrentamento focalizado no suporte social e na emoção foram, respectivamente, os que apresentaram menor incidência. O estudo de Vasconcelos (2009) realizado com gestantes diante do diagnóstico de má formação fetal, sendo algumas delas incompatíveis com a vida, trouxe resultado semelhante quanto aos enfrentamentos de maior incidência e diferente quanto ao de menor, onde, o coping focado no suporte social apresentou incidência menor que o focado na emoção.
Quanto a correlação de Pearson entre os fatores da EMEP, o nosso estudo e o de Seidl et al. (2001) trazem dados semelhantes, onde, estratégias orientadas para o problema também apresentaram associações significativas com práticas religiosas e com suporte social, mas, diverge quanto às práticas religiosas, que no estudo deles, esteve associado foi com emoção. De acordo com estes autores, estas estratégias cumprem funções complementares no coping do estresse levando as pessoas a usarem diferentes estratégias para lidar com os estressores. Quanto a correlação entre estratégias orientadas para o problema e para a emoção, a associação foi quase nula, indicando a independência das duas amostras.
Resultado diferente foi obtido no estudo de Santos e Saldanha (2011), onde houve associação negativa significativa entre coping focado no problema e na emoção, além de, correlação com coeficiente de confiabilidade reduzida entre coping no problema e práticas religiosas.
Foram encontrados na literatura poucos estudos sobre enfrentamento da gestante em situações de hospitalização, deixando evidente a necessidade de mais pesquisas nessa área ficando evidente a necessidade de mais pesquisas acerca da temática. Em tempos em que as doenças crônicas, como a Hipertensão arterial e o Diabetes mellitus fazem cada vez mais vítimas, estratégias de prevenção e conscientização de tais comorbidades ficam mais evidentes.
Podemos concluir com esse estudo que o momento de gestar um filho traz consigo uma grande mistura de sentimentos, alegria e diversas emoções, no entanto, quando a mulher se depara com alguma alteração que a leva para internação hospitalar o medo e os sentimentos de insegurança podem tomar conta dela. Esse estudo mostrou que apesar de muitas vezes as gestantes estando com todos esses sentimentos ruins elas enfrentam esse momento de forma positiva.
Compreender as necessidades individuais e coletivas vivenciadas durante uma hospitalização faz parte da terapêutica. Fazer a paciente sentir-se amparada, cuidada e bem assistida irá fornecer subsídios para que ela possa confiar nos profissionais que a estão assistindo, favorecendo a adesão à terapêutica, vivenciando o momento livre de traumas e rejeições e fortalecendo o enfrentamento necessário.
Precisa-se cada vez mais de programas de acompanhamento psicológico e estratégias para melhorar o coping das gestantes que passam por situações adversas culminando em internamento hospitalar prolongado. Cuidado e assistência humanizada e capacitada para entender a mulher de forma holística, pode ser a chave na melhora de todo o processo.