O envelhecimento populacional é um fenômeno presente em diversos países do mundo. Em parte, este envelhecimento está associado às melhorias nas condições de vida das populações, além dos avanços ocorridos nas ciências, tecnologias, políticas públicas, dentre outras áreas. É possível considerá-lo a partir da combinação de três aspectos, quais sejam, a redução da natalidade, o aumento da expectativa de vida na velhice e a redução da mortalidade (Neri, 2007; Silva et al., 2017). Outra dimensão que caracteriza o envelhecimento populacional é o seu caráter heterogêneo, já que os modos de envelhecer variam, por exemplo, em função dos diferentes contextos sociais, culturais e econômicos nos quais os sujeitos estão inseridos (Costa & Soares, 2016). Desse modo, é entendida como uma experiência vivenciada de maneira singular, a despeito das possíveis similaridades, o que destaca também o seu aspecto subjetivo (Neri, 2007).
Até 2020, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2017), serão mais de 53 milhões de pessoas com 50 anos ou mais, quase o dobro se compararmos com o senso do IBGE no ano 2000, quando o número era pouco maior que 26 milhões. A expectativa de vida dos brasileiros em 2019 é, em média, de 76,50 anos, podendo aumentar para 76,74 até 2020, um crescimento de mais de 10% se comparado com os números do ano 2000, quando a expectativa de vida não passava dos 70 anos. Até o século XX no Brasil, o predomínio de concepções assistencialistas se materializava na segregação das pessoas idosas, comumente pela prática da internação em asilos, obnubilando aspectos sociais, políticos e econômicos, que encontrariam mudanças significativas a partir da promulgação da constituição de 1988, e sofreriam fortes influências das diretrizes e orientações internacionais, como os Princípios das Nações Unidas em prol das Pessoas Idosas, na Resolução n° 46 de 1991, pela Assembleia Geral da ONU (Veras & Oliveira, 2018).
De lá até o recente Estatuto do Idoso, diversas iniciativas no âmbito das políticas públicas fomentaram a cidadania e os direitos desse segmento social, dentre as quais é possível citar a Política Nacional do Idoso, Lei nº 8842, sancionada em 1994, a Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI), Portaria nº 1395/1999 do Ministério da Saúde, e finalmente a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, incorporando e ampliando aspectos das anteriores, como a irredutibilidade dos salários de aposentadoria e pensões, garantia do amparo pelos filhos, gratuidade nos transportes coletivos, salário-mínimo para aqueles sem condições de sustento, dentre outros, possibilitando condições para promover a autonomia, a integração e a participação efetiva na sociedade, reafirmando assim o direito à saúde nos diversos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) (Ministério da Saúde, 2013; 2006; Silvestre & Costa, 2003; Veras, 2012; Veras et al., 2013). Aspectos estes que podem ser considerados como intimamente relacionados ao aumento da expectativa de vida e recente envelhecimento da população brasileira, e sem os quais a qualidade de vida desse grupo heterogêneo pode sofrer drásticas reduções, como no exemplo recente da chamada reforma da previdência (Santos, 2018; Schuck & Antoni, 2018; Teixeira, 2018).
Devido a relevância do tema, diversos estudos nacionais (Araújo et al., 2016; Canêdo & Lourenço, 2017; Moser, 2019) e internacionais (Southwell et al., 2018; Whitley et al., 2018) têm discorrido sobre o chamado envelhecimento ativo ou bem-sucedido. Tais estudos reconhecem a importância dos investimentos no campo das políticas públicas em saúde e assistência social, o protagonismo dos próprios sujeitos, o convívio e a interação social, além do acesso à renda, como exemplos de ferramentas que propiciam melhorias na qualidade de vida e o enfrentamento das vulnerabilidades sociais dessa população. No entanto, no Brasil essas melhorias variam de acordo com o contexto geográfico e sociocultural, com grande variabilidade, por exemplo, ao se comprar os espaços urbanos e rurais (IBGE, 2017).
Mesmo admitindo a complexidade que envolve o estabelecimento de distinções entre o meio urbano e o meio rural, seria precipitado simplesmente ignorar sua importância para fins da ação privada e pública, com relação ao planejamento territorial brasileiro (IBGE, 2017; 2011). Tais dificuldades demandam perspectivas multidimensionais para tais classificações, considerando ambos os meios como manifestações socioespaciais heterogêneas, e não meramente como dois espaços opostos, levando-se em conta localização, densidade demográfica, aspectos produtivos e econômicos, dentre outros, entendidos enquanto um continuum, enquanto “urbanidades” e “ruralidades”, a exemplo da periurbanização, e não simplesmente como uma dicotomia indecomponível, sobretudo considerando a imensa extensão do território nacional (IBGE, 2017; 2011; Silva et al., 2017).
A grande extensão territorial e as distâncias daí decorrentes se constituem enquanto agravantes para quem vive em locais de difícil e/ou demorado acesso aos serviços de saúde e assistência social, inclusive de urgência e emergência, onde o apoio matricial e as equipes de referência, mesmo quando existentes e ativas, encontram dificuldades de acesso e transporte, caracterizando vulnerabilidades de quem vive em tais contextos (Alcântara & Lopes, 2012; Silva et al., 2017; Tonezer et al., 2017). A multideterminação das vulnerabilidades sociais destaca o fato de que estas não se resumem ao acesso à renda, mas englobam fragilidades de vínculos afetivo-relacionais, de capital social, de acesso aos bens e serviços públicos, e de identidade, no exercício pleno da cidadania em seus direitos e deveres (Carmo & Guizardi, 2018).
Em tais contextos, a análise dos processos de vulnerabilidade deve considerar tanto aspectos individuais quanto sociais e programáticos (Silva et al., 2017). Dentre os aspectos individuais, destacam-se o nível de conhecimento, a escolaridade e o acesso à informação, bem como a exposição dos idosos à violência, à discriminação, à exploração, etc. Já na dimensão social, enfatiza-se a importância das relações sociais, de gênero, étnicas, de crenças religiosas, de acesso ao emprego, à saúde e também à educação. A dimensão programática, por sua vez, aponta para a ausência ou deficiência de políticas públicas, investimentos estatais e programas governamentais que poderiam agir na prevenção das iniquidades no processo saúde/doença, e instâncias correlatas dos sujeitos e de suas comunidades (Ayres et al., 2012).
Dentre as demandas de saúde das populações residentes em cidades rurais, a literatura tem destacado a prevalência de Transtornos Mentais Comuns - TMC (Macêdo, 2018; Furtado et al., 2019), que podem ser caracterizados enquanto um conjunto de sintomas, como ansiedade, depressão, queixas somáticas, irritabilidade, decréscimo de energia vital, dentre outros, de caráter não psicótico (Silva et al., 2018; Furtado et al., 2019), mas que impactam no exercício das atividades diárias, apresentando-se como um problema de saúde pública (Furtado et al., 2019). A elevada prevalência de TMC em pessoas idosas tem sido evidenciada pela literatura (Silva et al., 2017), e agravada pelo crescimento desta população no contexto rural, ocasionada por fatores socioculturais supracitados, como legislações e políticas públicas, associados ao êxodo rural ainda recorrente entre jovens campesinos, em busca de melhores condições de emprego e educação nas grandes metrópoles (Alcântara & Lopes, 2012; Mendes et al., 2018).
Quanto à incidência, caracterização e tratamento de TMC em pessoas com mais de 50 anos, a comorbidade e as similaridades com sinais próprios da idade avançada podem prejudicar o adequado manejo, assistência e atendimento, exigindo dos profissionais da saúde um acolhimento humanizado e um olhar para a integralidade e multidimensionalidade do ser humano, que frequentemente exige uma perspectiva multi, inter e transdisciplinar (Borim et al., 2013; Lima-Costa, 2018). Recentemente tem se considerado o contexto social como um dos principais fatores presentes na etiologia e no prognóstico dos TMC (Coutinho et al., 2014). No Brasil, pesquisas apontam para uma prevalência de 30 a 36% em pessoas com 50 anos ou mais, em diferentes contextos, com maior incidência entre mulheres, entre indivíduos de baixa renda e de pouca escolaridade (Borim et al., 2016; Coutinho et al. 2014; Lucchese, 2014; Soares & Meucci, 2018).
Assim, considerando o recente envelhecimento populacional no Brasil em relação aos exemplos internacionais, valendo-se da perspectiva do envelhecimento bem-sucedido ou ativo, e considerando que o contexto territorial pode fortalecer ou fragilizar vulnerabilidades sociais associadas a esse processo, a presente pesquisa teve por objetivo estimar a prevalência de TMC em pessoas com 50 anos ou mais, residentes em cidades rurais do estado da Paraíba.
Método
Delineamento
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de corte transversal, ex post facto (Shaughnessy et al., 2012).
Participantes
Utilizando-se de uma estratégia amostral não probabilística e acidental, conforme sugerida por Gil (2017), a pesquisa contou com a participação de 400 pessoas, com idade variando entre 50 a 92 anos (M=61, DP=8,62). A amostra foi determinada por um processo de múltiplos estágios, estratificada por macrorregião de saúde do Estado da Paraíba. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: possuir idade igual ou superior a 50 anos; residir em cidade rural (com até 10 mil habitantes) da Paraíba há, no mínimo, seis meses; aceitar participar de forma voluntária da pesquisa, assinando para isso um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. Considerando o último censo populacional (IBGE, 2010), a Paraíba possui uma população estimada em 3.766.528 habitantes, havendo 928.660 pessoas residindo em cidades rurais, das quais, 21% com idade igual ou superior a 50 anos (IDEME, 2012), correspondendo a 195.322 pessoas.
Material
Para a coleta de dados, foi utilizado: a) um Questionário Sociodemográfico, com questões versando sobre renda, escolaridade, cidade de residência, idade, religião, estado civil e sexo; e b) o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), constituído de 20 questões que compõem a escala e têm duas possibilidades de resposta (sim/não). Foi criado pela Organização Mundial de Saúde e validado no Brasil por Gonçalves, Stein e Kapczinski (2008). Por meio dele é possível detectar a morbidade psiquiátrica na população geral, referente aos TMC. Cada resposta afirmativa pontua com o valor 1 para compor o escore final através do somatório destes valores. A presença de 8 ou mais desses sintomas está associada à morbidade psiquiátrica significativa (Gonçalves, 2008; Mary & Williams, 1985).
Procedimentos
Esta pesquisa foi realizada em cidades rurais da Paraíba. A escolha das cidades foi feita com base no mapa das regiões de saúde do Estado, organizadas em quatro macrorregiões (sedes em João Pessoa, Campina Grande, Souza e Patos), subdivididas em 16 regiões, que por sua vez abrangem um determinado número de municípios (IDEME, 2012). Foram então sorteadas quatro cidades em cada macrorregião de saúde, totalizando 16 municípios que abrangessem as respectivas 16 regiões de saúde. O critério de inclusão dos municípios no sorteio foi que estes possuíssem um limite populacional de até 10.000 habitantes, considerando que 155 (69,5%) dos 223 municípios paraibanos estão aí incluídos.
Após aprovação do comitê de ética (CAAE: 9182749876348), foi iniciada a coleta de dados. Os participantes foram abordados em praças, logradouros e residências. Ao serem convidados para participar da pesquisa, os participantes foram informados acerca dos objetivos do estudo, sobre o caráter voluntário da participação, e sobre a necessidade da assinatura do TCLE. Após isso, foi solicitado a cada participante, de forma individual, que respondesse ao questionário, organizado em forma de inventário autoaplicável. A duração média da aplicação dos instrumentos foi de 20 minutos. Durante todos os procedimentos de pesquisa, foram considerados os aspectos éticos, conforme dispõe a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Análise de dados
Os dados foram analisados através de estatísticas descritivas (medidas de tendência central, porcentagens e desvio padrão) e inferenciais (teste t de Student e qui-quadrado). Para tal, os dados foram computados por meio do software SPSS-23 (Statistical Package for the Social Sciences), em forma de banco de dados, e posteriormente analisados e discutidos em sua totalidade.
Resultados
A análise dos dados referentes ao perfil sociodemográfico indicou que a idade dos participantes varia entre 50 e 90 anos (M=61; DP=8,62), sendo que 50,5% da amostra possui entre 50 e 59 anos, cerca de 30% entre 60 e 69 anos, e apenas 3% com 80 anos ou mais. Tem-se também que a amostra foi composta em sua maioria por mulheres (70%). Quanto ao grau de escolaridade, mais da metade (56%) declarou possuir até o ensino fundamental, enquanto 8,5%, o ensino superior, e pouco mais de 22% se declarou sem escolaridade. Os aposentados somaram aproximadamente 53%, enquanto mais de 33% ainda trabalha. A renda mensal de aproximadamente 67% varia entre um e dois salários, 23,5% afirmou receber menos de um salário, apenas uma pessoa declarou renda maior que cinco salários, e uma pessoa declarou não possuir renda. A grande maioria se declarou casada (66%), seguido da condição de viúvos (14,9%), tendo 85,4% da amostra se declarado enquanto católica, e 13,6%, evangélicos. Quanto à localidade, 1/3 da amostra compõe a macrorregião de Campina Grande, pouco mais de ¼ da amostra é de João Pessoa, e pouco menos de ¼, da macrorregião de Sousa, apenas 17,5% reside na macrorregião de Patos.
Objetivando identificar os fatores do SRQ-20 mais assinalados, entre os grupos denominados “com TMC” em comparação aos “sem TMC”, foi realizada uma análise comparativa das médias gerais e por fatores, por meio do teste t de Student, relativas ao número de itens afirmativos pontuados pela amostra, conforme exposto no Quadro 1 a seguir.
Complementado os resultados sobre a frequência de respostas afirmativas em cada um dos fatores do SRQ-20, o Quadro 2 a seguir, por sua vez, explicita quais os itens mais pontuados em cada um dos respectivos fatores.
Ainda em relação ao SRQ-20, o Quadro 3 a seguir apresenta os resultados da análise qui-quadrado (X²), realizada no intuito de verificar a associação entre a incidência ou não de Transtornos Mentais Comuns e variáveis sociodemográficas, a fim de complementar as discussões acerca do perfil amostral e sua saúde.
O perfil sociodemográfico das pessoas com 50 anos ou mais de idade, residentes em cidades rurais, apontou para um envelhecimento caracterizado pela vulnerabilidade social (sobretudo baixa renda e baixa escolaridade), além da feminização da velhice, característico do envelhecimento populacional da realidade brasileira. Além disso, a prevalência de TMC encontrada neste estudo é considerada elevada e corrobora resultados de outras pesquisas realizadas no Brasil, tanto em contextos rurais quanto em urbanos.
Os participantes com TMC apresentaram maiores médias, com diferenças estatisticamente significativas, nos fatores queixas somáticas, pensamentos depressivos e perda da energia vital, principalmente nos itens que fazem referência a dormir mal, tensão/preocupação e sensação de cansaço o tempo todo. Contudo, ao se considerar a prevalência de TMC em pessoas com 50 anos ou mais residentes em cidades rurais, faz-se necessário atentar para os diversos aspectos que colaboram para maior suscetibilidade ao adoecimento. Dentre esses aspectos, é possível destacar as condições de vida, condições de trabalho e renda, acesso à bens materiais e simbólicos, acesso à serviços de saúde, relações de gênero, escolaridade, entre outros.
Discussão
Os resultados do questionário sociodemográfico, apresentados na seção anterior, demonstram um perfil amostral caracterizado pela pauperização, compreendida como a privação de recursos materiais, que afeta populações desempregadas e de baixa renda. A pauperização está associada à vulnerabilidade social e, em diversas situações, à exclusão e marginalização. O processo de exclusão social relacionado à vulnerabilidade de idosos em diferentes contextos considera ainda outros fatores para além da condição financeira, como o grau de escolaridade (Rodrigues, 2017), e que, podendo gerar sofrimento psíquico, associam-se aos Transtornos Mentais Comuns (Furtado et al., 2017).
A partir das análises dos dados apresentados no Quadro 1, verificou-se uma prevalência de TMC estimada em 31% (n=122), corroborando outras pesquisas realizadas nacionalmente (Anselmi et al., 2008; Araújo et al., 2016).
Outro estudo realizado em contexto rural no nordeste brasileiro verificou índice de TMC de 36%, reforçando também que tal índice em áreas rurais é próximo ao avaliado em áreas urbanas (Costa & Ludemir, 2005). Assim, tais achados correspondem à literatura consultada, que tem demonstrado uma alta prevalência de TMC, tanto em contextos rurais como urbanos no Brasil (Borim et al., 2016; Coutinho et al. 2014; Lucchese, 2014; Soares & Meucci, 2018).
Vale destacar que a escassez ou mesmo ausência de serviços e equipamentos públicos dedicados ao cuidado da população potencializa a exclusão social e as vulnerabilidades em saúde de determinados segmentos sociais (Rodrigues, 2017). Um exemplo disso foi o estudo realizado por Garbaccio (2018) em contexto rural no Centro-Oeste de Minas Gerais, que apontou as dificuldades de idosos daquela área em relação à oferta de assistência dos serviços de saúde, relatando agravantes referentes ao acesso (transporte insuficiente ou de reduzida qualidade, condições precárias das vias rodoviárias, muitas vezes não pavimentadas, distância excessiva dos serviços de saúde, etc.), assim como à renda e ao próprio hábito dos idosos em não procurar assistência preventiva, limitando-se geralmente à busca por assistência curativa/terapêutica.
Observa-se, ainda no Quadro 1, que o grupo “com TMC” apresenta médias superiores em todos os fatores do SRQ-20, com diferenças estatisticamente significativas para os fatores Queixas Somáticas, Perda da Energia Vital e Pensamentos Depressivos, ou seja, é possível rejeitar a hipótese nula e considerar que tais diferenças não se deram ao acaso. Para o grupo “com TMC”, referente àqueles sujeitos que marcaram “sim” para oito itens ou mais dentre os 20 que compõem o SRQ-20, o fator Perda da Energia Vital, por exemplo, teve em média aproximadamente quatro dos seus seis itens assinalados, enquanto o grupo denominado “sem TMC” marcou em média apenas um dos seis itens para o mesmo fator.
De maneira complementar, é possível identificar no Quadro 2 que o item referente à tensão/preocupação, no fator Humor Depressivo/Ansioso, foi assinalado por praticamente metade da amostra (48,4%), constituindo-se enquanto sintoma mais relatado no SRQ-20. No estudo de Borim et al. (2013), esse mesmo item chegou a abarcar mais de 80% da amostra, que relatou se sentir nervoso(a), tenso(a) ou preocupado(a), seguido de quase 65% que relatou se sentir triste ultimamente.
Tais achados coadunam também com o estudo de Silva et al. (2018), no qual esse mesmo item foi o segundo mais relatado, estando presente em 54,5% daquela amostra, sendo o item “assustar-se com facilidade” o de maior frequência, com 57,4% de incidência. Ainda sobre o estudo de Silva et al. (2018), o item referente a dormir mal, que integra o fator Queixas Somáticas do SRQ-20, encontrou na pesquisa supracitada uma porcentagem amostral ao nível de 34,5%, valor próximo, mas levemente inferior, ao verificado no Quadro 2, qual seja, uma porcentagem de cerca de 38%, a maior neste fator.
No tocante ao fator Perda de Energia Vital, para os participantes o item referente à “sensação de cansaço o tempo todo” foi o que mais pesou na avaliação, envolvendo 34,8% da amostra. Este mesmo item foi o terceiro mais assinalado pelos idosos com TMC no estudo de Borim et al. (2013), com incidência de quase 47%. Isoladamente tal item poderia ser interpretado por profissionais da saúde e assistência como inerentes à idade avançada, fato que precisa de complementação tendo em vista a integralidade e a multidimensionalidade dos sujeitos e seus grupos, possibilitando ações de prevenção, promoção e tratamento eficazes numa perspectiva interdisciplinar.
No fator Pensamentos Depressivos, o último do Quadro 2, o item referente à “perda de interesse pelas coisas” foi o aspecto mais assinalado pelos participantes (22,7%). A respeito desse fator, a presença de sintomatologia depressiva tem sido associada a uma série de comprometimentos da saúde, com piora na qualidade de vida e maior utilização dos recursos nos serviços de saúde (Borim et al., 2013). Outros estudos realizados com idosos, tanto em contextos urbanos como rurais, também verificaram resultados similares (Lima, 2014; Lucchese, 2014; Silva et al., 2018).
O item de menor frequência foi referente à ideação suicida, que também integra o fator Pensamentos Depressivos, e que apesar de somar apenas 26 sujeitos (6,5%), gera, ainda sim, preocupação e cuidado, tendo em vista que os presentes resultados não são meros números insípidos e despersonificados, mas, ao contrário, revelam, por trás deles, sujeitos reais que carregam consigo sua história de vida, suas conquistas e sofrimentos.
O Quadro 3, por sua vez, demonstra os resultados da análise qui-quadrado entre os grupos com TMC e sem TMC junto às variáveis sociodemográficas. Dentre as diferenças estatisticamente significativas (p<0,05), é possível observar uma maior prevalência de TMC entre mulheres e entre pessoas na maturidade (entre 50 e 59 anos). Senicato, Azevedo e Barros (2018), em estudo buscando identificar segmentos mais vulneráveis aos TMCs em mulheres adultas, relataram prevalência de 18,7% na amostra geral, enquanto o modelo hierárquico evidenciou maior vulnerabilidade entre mulheres mais velhas, com baixa escolaridade, separadas ou viúvas, com maus hábitos alimentares, que dormiam seis horas ou menos, que relataram ter sofrido algum tipo de violência, dentre outros fatores, concluindo que o diagnóstico e acompanhamento precoce são imprescindíveis para reduzir os impactos na qualidade de vida feminina, que também pode sofrer influências devido alterações no sistema endócrino que ocorrem, por exemplo, no período pré-menstrual, pós-parto e menopausa, além de aspectos psicossociais, como a desigualdade de gênero (Senicato et al., 2018; Stewart et al., 2006).
Souto (2018) constatou a relação entre capital social e TMC, verificando que mulheres com capital social baixo na dimensão apoio social tiveram maior chance de apresentar TMC, associação esta que não foi verificada entre os homens. Lucchese et al. (2014), que pesquisaram a prevalência de TMC em 607 indivíduos, sendo 16% com 60 anos ou mais, em serviços de atenção primária à saúde, relataram que esta foi de 31,4%, apontando como variáveis preditoras o sexo, ocupação, nível de escolaridade, estado civil e renda, de modo que a maior probabilidade de desenvolvimento de TMC foi apontada entre pessoas de baixa renda e escolaridade, sem carteira assinada, não casadas, sem casa própria, com filhos e entre mulheres.
Em estudo similar, Souza et al. (2017) buscaram avaliar a prevalência de TMC em 297 adultos assistidos por uma equipe da Estratégia de Saúde da Família - ESF, que também se constitui no contexto da atenção primária em saúde, cuja prevalência foi de 13,2%, significativamente maior para mulheres, em união estável, com até quatro anos de escolaridade, e que faziam uso de medicamento controlado. Foi destacada a importância do enfoque em uma assistência integral que envolva a família, e que conte com a qualificação dos profissionais visando detecção e acolhimento adequados das pessoas com TMC.
Já o estudo de Lima (2015) objetivou avaliar esta prevalência numa comunidade rural em São Paulo, avaliada em 23,3% dentre os 355 sujeitos pesquisados, sendo pouco mais de 20% com 50 anos ou mais, e destacando diversas variáveis significativamente associadas, novamente envolvendo escolaridade, sexo e idade, coadunando com os resultados de outros estudos. E analisando a associação entre atividade física no lazer e a prevalência de TMC em 562 idosos do nordeste brasileiro, com média de aproximadamente 69 anos de idade, Rocha et al. (2011) encontraram também uma alta prevalência de TMC (32,1%), sendo maior entre indivíduos inativos no lazer, destacando a contribuição desse comportamento no tratamento e na prevenção de morbidades psíquicas, ao sugerir ações direcionadas à saúde mental que priorizem programas de incentivo à prática de atividades físicas entre idosos.
Assim, a prevalência de TMC aponta para sua multidimensionalidade, envolvendo aspectos subjetivos, genéticos e psicossociais, e possuindo relação estreita com as condições de vida das pessoas e sua qualidade de vida. Como supracitado, a prevalência é significativamente maior entre pessoas com menor escolaridade, baixo apoio/suporte social e entre mulheres. Paralelamente, a baixa renda está associada às dificuldades para se alcançar melhores condições de vida (moradia, alimentação, etc.), bem como repercute na inserção das pessoas no mercado de trabalho. Tais discussões reforçam a necessidade de ações em saúde para atender a este segmento da população, sobretudo na faixa etária que antecede os 60 anos, significativamente associada aos TMC no Quadro 3, tendo o escopo de promover um envelhecimento mais saudável, bem-sucedido e ativo (Borim et al., 2013; Rocha et al., 2011; Silva et al., 2018).
Frente aos resultados discutidos ressalta-se a necessidade do rastreamento de TMC e o adequado manejo clínico em pessoas na faixa etária entre 50 e 59 anos. A identificação precoce possibilita evitar o agravamento dos sintomas, o que possibilita a estas pessoas continuarem exercendo suas atividades diárias com autonomia e inserção social. Considerando o envelhecimento enquanto processo, os estudos voltados para a promoção de uma velhice bem-sucedida devem levar em conta políticas públicas direcionadas ao longo da vida, que favoreçam a qualidade de vida, autonomia e condições de vida mais dignas para as pessoas mais longevas.
Em relação às limitações do estudo, devido à característica transversal da presente pesquisa, sugere-se cautela quanto à generalização dos resultados aqui discutidos, uma vez que estes fazem referência a um contexto amostral específico. Em estudos futuros, sugere-se a comparação com contextos rurais de outras regiões do país em razão do caráter heterogêneo das cidades de pequeno porte.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa através do Edital Universal-CNPq/2016 e pela bolsa concedida aos discentes de iniciação científica; aos demais discentes-pesquisadores do Núcleo de Pesquisa Vulnerabilidades e Promoção da Saúde pela colaboração na coleta dos dados.
Contribuição dos autores
Josevânia da Silva: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos.
Ludwig Leal: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia.
Mísia Morais: Análise formal; Investigação; Metodologia.
Karolina Costa: Análise formal; Investigação; Metodologia.
Jansen Moreira: Análise formal; Investigação; Metodologia.