Introdução
A síndrome de apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) é um distúrbio respiratório caracterizado pela constrição ou colapso das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em hipoxemia e fragmentação do sono. A severidade da SAHOS é medida através do índice de apneia/hipopneia (IAH), isto é, o número de eventos de apneia e hipopneias por hora de sono.1 A SAHOS é uma doença prevalente que afeta na sua forma grave 2-8 % da população. Estima-se que mais de 20 % da população apresenta um índice de IAH >5.2‑4
Os dispositivos de avanço mandibular (DAM) são usados intra‑oralmente durante a noite para avançar a mandíbula, surgindo como um tratamento conservador e não-invasivo para roncopatia e apneia do sono.5,6 Está descrito que a utilização da DAM permite reduzir o colapso das vias aéreas durante o sono de uma forma significativa.7,8
Os DAM inicialmente existiam apenas numa modalidade rígida (monobloco). Tinham como principal inconveniente não permitir os movimentos mandibulares nem o avanço mandibular progressivo assim como potenciar problemas de disfunção temporo-mandibular.9 Atualmente os DAM recomendados são os denominado “bi‑blocos”, por permitirem esses movimentos e o avanço e progressivo, apresentam menos efeitos secundários maior conforto para o doente, traduzindo-se numa maior adesão ao tratamento.
A polissonografia em ambulatório é, atualmente, o estudo standart utilizado para avaliação deste distúrbio respiratório.10
Este teste fornece dados detalhados sobre esforço respiratório, fluxo de ar, saturação de oxigénio, ritmo cardíaco, roncopatia e posição do doente enquanto dorme. Este estudo tem a vantagem de evitar que o doente tenha que dormir em contexto de laboratório, facilitando o acesso ao diagnóstico, apresentando neste momento uma forma fácil de colocação. Atualmente, num contexto clínico apropriado, isto é, em doente com capacidade para cumprir as indicações e instruções necessárias à realização correta do exame, a polissonografia no domicílio tem a mesma sensibilidade que uma polissonografia realizada em laboratório.11
Este estudo tem como objetivo avaliar a eficácia do dispositivo Silensor SL no tratamento da síndrome de apneia obstrutiva do sono previamente diagnosticada.
Material e métodos
Sessenta doentes (21 homens e 39 mulheres) com diagnóstico de SAOS, estabelecido pelo Serviço de Medicina do Sono foram submetidos a tratamento com o dispositivo Silensor SL no Serviço de Estomatologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, desde Janeiro de 2018 a Janeiro de 2019. A média de idades foi de 52,13 (idades entre 21 e 75 anos) e de Índice de massa corporal (IMC) foi de 27,4 kg/m2 (IMC entre 18,4-35,3). 26,6 % dos doentes sofria de obesidade (IMC > 30 kg/m2) (Tabela 1). Todos os doentes apresentavam, pelo menos, oito dentes em cada arcada dentária, ausência de doença periodontal avançada, ausência de patologia da articulação temporo-mandibular, assim como, apresentara, tolerância ao dispositivo de avanço mandibular ao longo de todo o tratamento.
O dispositivo Silensor SL é constituído por duas férulas que cobrem a arcada superior e arcada inferior, respetivamente.
Estas duas férulas estão unidas por um conector fixo, na parte superior ao nível do canino e na parte inferior ao nível dos primeiro e segundo molares inferiores. Esta orientação do conector permite definir o movimento de protrusão mandibular.
Este dispositivo tem como objetivo induzir avanços mandibulares de 65% a 75% da protrusão máxima de cada doente. Existem seis conectores de diferentes comprimentos. Este dispositivo (Figura 1) permite ainda movimentos limitados de lateralidade e de abertura da boca.3
Os doentes foram classificados de acordo com a severidade da sua doença: leve (índice de apneia/hipopneia (IAH) de 5‑15/h) moderada (IAH de 15-30/h) e grave (IAH >30/h). A amostra estudada era constituída por 38 doentes com índice IAH leve, 20 doentes com índice IAH moderado e 2 doentes com índice IAH grave. Dos 38 doentes com SAHOS leve, 15 apresentavam score de 3 e 1 apresentava score de 4 na escala da Mallampati.
Dos 20 doentes com SAHOS moderada, 9 doentes apresentavam score de 3 na escala de Mallampati e os restante variaram entre score 1 e 2. Ambos os doentes com SAHOS grave, apresentaram score de 4 na escala de Mallampati.
Para avaliar a resposta ao tratamento, foi analisado o grau de redução do IAH (mais de 75%: resposta completa; 50‑75%: resposta parcial; 50-25%: resposta fraca; menos de 25%: sem resposta).
Em cada doente, foram realizadas duas polissonografias: uma antes de iniciar o tratamento e outra após 1 ano de tratamento. 27 destes doentes foram submetidos a polissonografia estudo cardiorrespiratório (Academia Americana de Medicina do Sono (AASM) nivel I) e 33 doentes submetidos a polissonografia (AASM nível III).
Estes dados foram analisados estatisticamente usando o teste de Posto Assinados por Wilcoxon através do software SPSS (versão 23, IBM, SPSS). Os valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Resultados
Cinquenta e nove dos 60 doentes apresentaram melhoria após a utilização do dispositivo Silensor SL. O IAH médio dos doentes tratados com Silensor SL melhorou de 14,1 para 6,5. (p<0,01) (Tabela 2). Segundo a classificação de acordo com a severidade da sua condição, os doentes com grau leve de apneia apresentaram uma melhoria média de IAH de 10,7 para 5,06. Os doentes com grau moderado apresentaram uma melhoria média de 18,8 para 7,33. (p<0,01) (Figura 2). Os doentes com grau grave de apneia demonstraram uma melhoria de 32,3 para 25,05. (p<0,05).
Quando ajustada tanto à idade como IMC, a análise é estatisticamente significativa com um intervalo de confiança de 95%, havendo uma diferença de -7,63, com desvio padrão de 0,65 entre o IAH inicial e o IAH final. Ajustado à idade, IMC e sexo, a diferença no IAH é -7,8±0,68 com um intervalo de confiança de 95% (Tabela 3).
Quarenta e sete dos 60 doentes (78,3%) apresentaram redução do valor de IAH para menos de 10/h. (p<0,001). Vinte sete destes doentes diminuíram o seu IAH para valores inferiores a 5. Quando analisado de acordo com o grau de classificação
da SAHOS, 33 dos 38 doentes (78,3%) com apneia leve e 14 dos 20 (70%) com apneia moderada demonstraram uma melhoria no IAH para menos de 10/h.
Ao avaliar o grau de redução do IAH, 10 doentes apresentaram menos de 25% de redução de IAH (16, 67%),17 melhoraram entre 25-50% (28,33%), 15 entre os 50-75% (25%) e 17 melhoraram mais de 75% (28,33%). Dentro dos 38 doentes com apneia leve, 11 apresentaram resposta completa, 8 resposta parcial, 11 resposta fraca e 8 não apresentaram resposta ao tratamento. De entre os 20 doentes com apneia moderada, 6 (30%) apresentaram resposta completa, 7 (35%) resposta parcial, 5 (25%) resposta fraca e 2 (10%) não demonstraram qualquer resposta ao tratamento. Relativamente aos 2 doentes com apneia severa, 1 apresentou resposta fraca e 1 não apresentou resposta (Tabela 4). Por fim, a nível
de complicações durante o tratamento, sete doentes reportaram a fratura dos conectores que unem as férulas do dispositivo.
Discussão
Após uma revisão da literatura, a Associação de American Sleep Disorders refere que a utilização da DAM para tratamento na síndrome de apneia do sono deve ser considerada em doentes com SAOS leve a moderada, sintomas de roncopatia e doentes que não conseguirem tolerar o tratamento com aparelhos de pressão positiva.3,12Todos os doentes avaliados neste estudo, integraram estas condições. Analisando outros estudos randomizados, os doentes preferem geralmente o tratamento com DAM do que com CPAP (continuous positive airway pressure). Os DAM apresentam algumas potenciais vantagens: são silenciosos, não necessitam de fonte de energia elétrica e não apresentam potencial claustrofóbico.13Destaca-se o facto de a utilização da DAM como tratamento para a SAHOS na amostra estudada, corresponder à primeira opção de tratamento em 57 dos 60 doentes analisados.
Analisando os nossos resultados, os registos polissonográficos demonstraram uma diminuição estatisticamente significativa dos valores de IAH (-7,6250; p<0,001). No final deste estudo, 32 doentes viram o seu IAH diminuir >50%, sendo que 17 destes diminuíram mais de 75% ao fim de um ano de tratamento, provando desta forma a sua eficácia.
Os nossos resultados mantiveram-se estatisticamente significativos, com intervalos de confiança de 95%, analisando as diferenças de médias de valores do IAH ajustados para idade, IMC e sexo, respetivamente. No entanto, acreditamos que o tratamento com DAM aliado a perda de peso poderá trazer ainda melhores resultados no outcome final destes doentes.1,14
Verificou-se, no nosso estudo, uma variação (1%) estatisticamente significativa na diferença da saturação de oxigénio mínima, no entanto, o mesmo não se verificou na diferença de saturação média, antes e depois do tratamento, em que a diferença não chegou a 1%. Ao nosso conhecimento, apenas um estudo paralelo mostrou melhoria na saturação de oxigénio mínima em comparação ao tratamento sob CPAP.15
Quanto ao doente que não apresentou resposta, foi realizado o pedido de colaboração ao serviço de pneumologia que o reencaminhou para tratamento sob CPAP. Um total de 7 doentes reportou a fratura dos conectores que unem as férulas do dispositivo.
Todas estas fraturas abrangeram apenas um dos lados do dispositivo, tendo, neste caso, sido substituídos pelo conector de maior comprimento do nível acima de protrusão mandibular.
Este é um efeito adverso relativamente comum ao longo da utilização deste dispositivo, devido ao facto destes conectores serem dinamicamente fracos. Doentes que sofrem de bruxismo são particularmente suscetíveis a que este facto se suceda.3
Relativamente a limitações do estudo, poder-se-ia ter avaliado a variação da escala de Epworth se fosse possível aferir estes valores após um ano de tratamento. Apesar dos estudos existentes não demonstrarem correlação existente nesta variável, a falta de registos destes valores no nosso estudo impossibilitou esta análise.
A variabilidade de eficácia do DAM, a necessidade de múltiplas consultas, os custos envolvidos e existência de factores como falta de dentes e doença periodontal podem tornar‑se limitações à implementação do tratamento por DAM.14
Conclusões
Tal como concluíram outros autores, apesar de o Silensor SL não ser tão eficaz em doentes com SAHOS severa, tem mostrado resultados significativos no tratamento da SAHOS leve a moderada.
Assim, por ser uma doença multifatorial, doentes com SAHOS devem ser examinados por uma equipa multidisciplinar. Após avaliação prévia das suas causas, conclui‑se que a DAM deve ser considerado no tratamento de doentes com as seguintes patologias: roncopatia primária, SAHOS leve, SAHOS moderada sem co‑morbilidades associadas e intolerância comprovada ao CPAP.