1. Introdução
A pandemia provocada pelo novo coronavírus gerou na população uma maior necessidade de estar informada sobre a doença, sobretudo por se tratar de um vírus novo e ser desconhecido pela comunidade científica quanto a alguns dos seus sintomas e efeitos.
A procura por informação da parte dos cidadãos teve correspondência do lado da produção mediática, gerando um contexto, por vezes caótico, tal o volume de notícias produzido e disponibilizadas no espaço público. Nesta equação, não poderemos deixar de referir a emergência de informações falsas surgidas a propósito da pandemia que conduziu a um fator acrescido de preocupação no combate à doença.
Ganha, por esse motivo, relevância, a informação produzida no contexto dos media, em cujas organizações os jornalistas exercem a sua função num quadro regulado e de acordo com políticas editoriais definidas. Este aspeto deve ser valorizado num registo em que se procura informação credível sobre uma área fundamental da vida dos cidadãos, que é a sua saúde. O jornalismo tem um papel importante na literacia para a saúde das populações (Azevedo, 2012; Levin-Zamir & Bertsch, 2018; Magalhães et al., 2017), na medida em que consegue fornecer informações credíveis e úteis de modo a que cada indivíduo tome decisões com vista à promoção de uma vida saudável.
Num cenário de pandemia, as preocupações das populações viram-se para os sintomas, para o contágio, para a cura e para os comportamentos e, nesse sentido, o jornalismo assume um papel importante enquanto agente de informação credível coadjuvando as autoridades de saúde, seja nos media tradicionais ou nas novas plataformas digitais.
Com efeito, para além dos media tradicionais (jornais, rádio e televisão), é hoje possível encontrar conteúdos jornalísticos na área da saúde em sites, blogues e redes sociais (Levin-Zamir & Bertsch, 2018; Schwitzer, 2009).
O presente artigo pretende olhar em concreto para uma dessas novas ferramentas, o podcast, que tem crescido junto das audiências (Newman, 2021) e que encontrou na pandemia um motivo mais para se expandir e consolidar o seu crescimento (Martins, 2020; Newman & Gallo, 2020).
O nosso estudo pretende, assim, perceber como o jornalismo de saúde, a propósito da pandemia provocada pela covid-19, utilizou esta forma de comunicação sonora disponível online. Analisamos três podcasts exclusivamente dedicados à covid-19 identificando as temáticas, as vozes e a estrutura dos seus episódios e procurando dar um contributo sobre como o jornalismo na área da saúde pode beneficiar com a utilização desta nova ferramenta digital sonora.
2. Contexto Teórico
Diversos autores (Azevedo, 2012; Hinnant & Len-Rios, 2009; Hodgetts, 2012; Magalhães et al., 2017) têm demonstrado a importância dos media, e em particular do jornalismo, para a transmissão de informações de saúde para os cidadãos. Os meios de comunicação representam para os indivíduos uma forma de difusão de conteúdos relacionados com a saúde e, desse modo, têm a capacidade de promover comportamentos, práticas e levar à adoção de estilos de vida saudáveis (Azevedo, 2012; Magalhães et al., 2017).
O modo como percecionamos a saúde e a doença é, em boa parte, determinado pela forma como os media noticiam estas temáticas (Hodgetts, 2012), já que a frequente colocação na agenda pública de assuntos relacionados com a saúde pode contribuir para a literacia das populações na área da saúde.
Esta responsabilidade social que, tal como noutras áreas, está inscrita na praxis da profissão de jornalista conduz, por outro lado, a uma necessidade de formação e de acesso à informação de saúde por parte dos jornalistas para que estes a consigam transmitir de modo claro e esclarecedor para os cidadãos. A este propósito, tem sido notado por alguns investigadores (Hodgetts, 2012; Peters, 2000) a existência de um choque de culturas entre comunidades profissionais: médicos e demais profissões ligadas à saúde e jornalistas.
Esse choque é consubstanciado no modo como uns e outros percecionam a sua função na sociedade. Hinnant e Len-Rios (2009) referem o seguinte:
enquanto que os jornalistas se veem como uma salvaguarda do processo democrático, os cientistas sentem que fazem o mesmo para o discurso cientifíco. Os primeiros levam a uma simplificação das descobertas científicas para que o público possa compreender, enquanto que os segundos enfatizam a informação técnica e o processo científico. (p. 90)
Da parte da comunidade científica são valorizados aspetos relacionados com o rigor científico das informações, enquanto que do lado do jornalismo as prioridades vão para a necessidade de informar de modo claro e simples os leitores, ouvintes ou telespetadores. O problema é que, por vezes, essa simplificação (ou descodificação da informação) pode significar falta de rigor. A questão é complexa e remete para o modo como as notícias sobre saúde devem ser apresentadas para o público.
Os media são vistos “como parceiros estratégicos tanto para melhorar a literacia de saúde como para aumentar os resultados na educação para a saúde” (Azevedo, 2012, p. 188). E, nesta perspetiva, a ideia defendida por Kovach e Rosenstiel (2004) sobre a função do jornalismo, que passa por dotar os cidadãos de informações que lhes permitam autogovernar-se, pode ser também aplicada em particular ao jornalismo de saúde. Ou seja, cabe aos jornalistas, que trabalham diretamente com esta temática, fornecer às audiências informações relevantes, de modo claro e percetível para que consigam tomar decisões e adotar práticas e comportamentos tendentes à promoção da sua boa saúde. Sustenta Azevedo (2012) que o jornalismo tem o papel de “alertar para determinados tipos de risco e de comportamento e reforçar processos de mudança” (p. 189).
Importa, neste seguimento, e tendo como ponto de partida a realidade portuguesa, perceber como tem sido feita a cobertura noticiosa de temáticas ligadas à saúde. Lopes e Fernandes (2012) no âmbito do projeto A Doença em Notícia identificaram algumas tendências quanto a essa cobertura. De acordo com o estudo, as “políticas de saúde” foram o principal tema da cobertura noticiosa nos jornais analisados (Público, Jornal de Notícias e Expresso) pela equipa de investigadores, “reunindo quase 33% da totalidade dos textos publicados” (Lopes & Fernandes, 2012, p. 18).
O estudo verificou ainda que persiste a tendência do jornalismo para não privilegiar a “doença” como um assunto noticiável: “atualizando este diagnóstico, os dados de 2012 não acrescentam qualquer elemento novo, já que os resultados totais evidenciam que apenas 33,9% dos artigos referem uma doença específica” (Lopes & Fernandes, 2012, p. 21). A exceção, notam as autoras do estudo, foi a gripe A que, em 2009, foi motivo para a publicação de vários textos jornalísticos, sublinhando o que já antes tinha sido referido a propósito da hipermediatização daquela doença (Lopes et al., 2010).
O estudo enfatiza ainda a importância das fontes de informação, sendo que neste caso, as fontes oficiais, nas quais se incluem “aquelas ligadas ao poder político ou as que ocupam cargos de direção em organismos públicos, têm sempre bastante protagonismo” (Lopes & Fernandes, 2012, p. 23).
O estudo a que nos referimos teve como objeto a imprensa portuguesa que é, a par da rádio e da televisão, o principal meio para as audiências obterem informação sobre saúde, embora, em virtude de um novo ecossistema mediático, que passou a incluir meios digitais e novas formas de comunicação disponíveis na internet (blogues, redes sociais, podcasts), tenha potencialidades para se modificar (Azevedo, 2012, p. 187).
Tal como em relação a outros campos do jornalismo, no caso do jornalismo de saúde, a internet tem também um impacto que deve ser referido. Gary Schwitzer (2009), partindo de um inquérito realizado nos Estados Unidos a membros da Association of Health Care Journalists, refere que as novas plataformas para as notícias criadas na internet “possuem, na maior parte das vezes, uma influência positiva no jornalismo de saúde (64% comparando com os 17% que disseram que o impacto foi sobretudo negativo)” (p. 6).
Levin-Zamir e Bertsch (2018) falam em eHealth literacy para se referirem ao conjunto de informações sobre saúde que se encontram disponíveis na internet e que por essa via colocam novos desafios à literacia em saúde e ao papel da informação e da comunicação. Sustentam as autoras que a eHealth transferiu a literacia em saúde tradicionalmente gerada a partir da comunicação nos meios tradicionais para um nível diferente na medida em que “convida o público a interagir, responder e participar ativamente, criando, criticando e partilhando mensagens e informações sobre saúde” (Levin-Zamir & Bertsch, 2018, pp. 9-10).
Partimos, pois, do pressuposto de que as novas plataformas digitais representam mais um meio para a disponibilização de conteúdos jornalísticos na área da saúde. Isso é um facto no que se refere ao podcast, que é a ferramenta que pretendemos explorar neste artigo.
Ruben Martins (2020) refere que, durante os primeiros meses da pandemia de covid-19, foram criados em Portugal 21 podcasts. Muitos deles não estão relacionados com a própria doença, mas surgem devido aos períodos de confinamento a que o país esteve sujeito. No entanto, assinala o autor, vários podcasts acabaram por ser extintos passado pouco tempo.
Nota o investigador que, entre 14 e 21 de março de 2020, “foram criados, com o pretexto da pandemia da Covid-19, 21 conteúdos originais, cuja temática geral ou de algum dos episódios foi o contexto sanitário ou a maior disponibilidade temporária propiciada pelo período de quarentena” (Martins, 2020, para. 2). Os conteúdos foram produzidos por meios de comunicação (Público, Antena 1, Antena 3, Observador e TSF) e por produtores independentes. Quanto ao conteúdo, a opção foi acompanhar a evolução da pandemia e a resposta a dúvidas, no caso dos episódios dedicados à doença.
A pandemia de covid-19 foi, efetivamente, uma alavanca para a criação de vários podcasts, quer dedicados à doença, quer aos efeitos que provocou na vida das populações, em particular no que se refere aos períodos de confinamento.
Numa pesquisa efetuada nas plataformas Spotify, Google Podcasts e Apple Podcasts e com um propósito meramente exploratório, identificámos a existência de podcasts portugueses com temática relacionada com a covid-19 produzidos, quer por meios de comunicação, quer por instituições ou de produção independente.
São os casos do P24 e do Em Casa (Público), Perguntar Não Ofende (produzido por Daniel Oliveira que criou um dossier especial sobre o tema), Podcast do Hospital da Luz, Vai Ficar Tudo bem (Expresso), Querida Quarentena e Anti-Vírus (Rádio Comercial), Conversas Visão Saúde (revista Visão), Relatório Coronavírus e Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos (Antena 1) e Perguntas Com Resposta (TSF). É preciso notar que, desta lista, muitos já existiam e eram dedicados a várias temáticas da saúde. Com a pandemia passaram também a abordar a covid-19 em alguns episódios.
Esta realidade verificada em Portugal através, sublinhamos, de uma pesquisa exploratória, ganha uma dimensão muito maior noutras latitudes, como é o caso dos Estados Unidos, França, Austrália, Dinamarca, Reino Unido e Suécia, cujas realidades são sublinhadas num estudo do Reuters Institute: “dezenas de podcasts diários de informação foram lançados em março e abril focando-se apenas na pandemia e nas suas consequências” (Newman & Gallo, 2020, p. 21).
O estudo conclui que a pandemia provocada pelo novo coronavírus gerou nas audiências um desejo por mais informação sobre diversos aspetos relacionados com a doença e que isso despertou a produção de conteúdos informativos em formato podcast, em particular no período de confinamento. A este propósito, referem os autores do estudo:
o coronavírus parece ter acelerado os planos para a criação de podcasts diários de informação, com uma série de editores em busca de uma cobertura mais profunda gerada por um maior interesse por informações. Várias marcas de informação lançaram podcasts durante o confinamento e muitos tornaram-se grandes sucessos. (Newman & Gallo, 2020, p. 6)
3. O Podcast em Crescimento
O podcast é um ficheiro de áudio disponibilizado na internet e que tem a vantagem de poder ser descarregado para o computador ou para dispositivos móveis. Trata-se de comunicação sonora, mas, ao contrário das emissões radiofónicas, o podcast está desvinculado de uma lógica temporal das mensagens. Significa que confere aos ouvintes a possibilidade de escutar um determinado conteúdo quando quiserem e à hora pretendida, em vez de estar amarrado à rigidez da programação radiofónica.
Não precisamos de uma grande empresa de música ou de uma estação de rádio. Pode ser apenas um blogger a publicar uma crítica de uma música, por exemplo, e depois anexar um ficheiro de MP3 para que, graças ao RSS, seja enviado e descarregado para o nosso computador e depois para o IPod. (Kline & Burstein, 2005, p. 276)
A gratuitidade, a portabilidade, a autonomia que confere ao ouvinte e a simplificação de processos em relação à sua produção ajudam a explicar o seu sucesso. Perspetivando o ano de 2021, no relatório do Reuters Institute afirma-se o seguinte: “os podcasts continuam em força, apesar de a pandemia ter colocado em causa os espaços matinais, que são dos mais importantes do dia para a escuta” (Newman, 2021, p. 28).
Esta ferramenta tem, na sua curta história, seduzido uma série de campos de atividade, desde entidades públicas a empresas, passando pelos meios de comunicação social. São exemplos o Pentágono, a NASA (National Aeronautics and Space Administration), várias instituições religiosas, empresas, escolas, universidades, rádios, jornais ou televisões.
A estas instituições, juntam-se muitos amadores que fazem produção independente de podcasts, cenário que motiva alguns autores a considerar esta forma de comunicação como uma nova plataforma mais democrática (Balzen, 2017; Bonixe, 2006) no sentido em que gerou possibilidades para que cidadãos sem experiência ou acesso aos media poderem expressar-se através de uma ferramenta digital.
Olhando para o caso português, o podcasting chegou ao país no primeiro trimestre de 2005 pelas mãos de Duarte Velez Grilo, que criou o Blitzkrieg Bop em março. Após 2 meses, o grupo Media Capital Rádios começou por disponibilizar no seu portal Cotonete programas de opinião. Tratou-se do primeiro grupo de media português a disponibilizar programas de rádio neste formato. O Cotonete foi também o primeiro diretório de podcasts nacionais, ao incluir os episódios produzidos no seio do grupo Media Capital e os poucos existentes na época produzidos por amadores.
Em setembro de 2005, Carlos Jorge Andrade criou o Lusocast, o primeiro diretório criado exclusivamente para o podcasting português. Contudo, dada a pouca expressão inicial de podcasts produzidos em Portugal, o Lusocast começou por disponibilizar programas realizados no Brasil. O portal começou com cerca de 30, sendo que menos de metade eram produzidos por portugueses.
O ano de 2006 inicia-se com a adesão da rádio TSF ao podcasting disponibilizando seis programas. Em fevereiro do mesmo ano, a SIC tornou-se na primeira estação televisiva nacional a disponibilizar alguns dos seus programas em podcast. Um mês mais tarde, foi a vez do jornal Expresso criar, pela primeira vez em Portugal, conteúdos da imprensa naquele formato. No caso, tratou-se de uma entrevista realizada pelo jornal ao então primeiro-ministro português, José Sócrates.
O Observador, site criado em 2014, lança o seu primeiro podcast no ano seguinte. “São 22 segundos ouvidos no Soundcloud em que David Dinis, então diretor executivo, anuncia dois programas com distribuição em podcast” (Reis, 2018, p. 212). Seguiu-se o Público que, a partir de 2017, iniciou de forma regular a disponibilização de conteúdos em podcast.
Nos últimos anos, os media portugueses têm continuado a apostar na disponibilização de podcasts. São os casos da revista Visão e do jornal Expresso que, através da sua revista, lançou em 2019 um projeto inovador ao disponibilizar na íntegra uma edição especial em podcast.
Segundo o Reuters Institute Digital News Report 2019 (Relatório de Notícias Digitais do Reuters Institute 2019), que analisou vários países, incluindo Portugal, “36% da audiência escutou um podcast todos os meses” (Newman et al., 2019, p. 11). Esta percentagem é ligeiramente mais baixa no caso português, situando-se nos 34% (Cardoso et al., 2020, p. 28) e com tendência para crescer para “perto dos 40% em 2020”, segundo o Observatório da Comunicação (Cardoso et al., 2020, p. 33).
A evolução tecnológica ajuda a explicar o grau de popularidade do podcasting, já que tem permitido a simplificação dos processos de escuta (Berry, 2015). Ao contrário dos primeiros anos desta ferramenta, atualmente para escutar ou fazer download de um podcast já não é preciso ter um leitor de Mp3 ou um iPod. A entrada em cena dos smartphones alterou por completo o modo como o podcast passou a ser encarado pelos públicos, democratizando o seu acesso e sendo responsável pelo aumento do consumo, especialmente, junto dos mais jovens (Newman et al., 2019; Newman & Galo, 2020).
O investimento que as plataformas de áudio fizeram no podcasting ajuda-nos também a compreender a massificação do fenómeno. Apple, Spotify e Google têm hoje agregadores de podcasts, o que permite aos ouvintes aceder a este tipo de conteúdos com enorme facilidade.
Há mais plataformas de subscrição. Algo que já está em curso (por exemplo, Apple News+, Subscribe with Google e Substack para produtores independentes) mas podemos esperar uma maior integração da subscrição num vasto conjunto de plataformas nativas durante este ano. (Newman, 2021, p. 13)
A questão dos conteúdos deve também ser invocada quando procuramos perceber o impacto do podcasting junto das audiências. Um bom exemplo é Serial, um podcast criado em 2015. Trata-se de um podcast com duas temporadas de episódios, nos quais Sarah Koening narra uma investigação à morte de um estudante do ensino superior em Baltimore, nos Estados Unidos. Serial foi descarregado por 340.000.000 de vezes e representa, segundo Richard Berry (2015), um ponto de viragem na história do podcasting, inaugurando uma idade de ouro desta ferramenta digital. O autor sustenta: “o que Serial fez foi oferecer um podcast não massificado, mas que ao mesmo tempo apresentasse uma narrativa na qual as audiências pudessem envolver-se intelectual e emocionalmente” (Berry, 2015, p. 171).
Desde então, o podcast tem encorajado a produção jornalística independente ao mesmo tempo que proporciona aos media tradicionais uma forma eficaz de captação e fidelização das audiências para a sua marca (Newman, 2021).
Esta crescente popularidade traduzida no uso generalizado por instituições, empresas mediáticas e indivíduos amadores (sem qualquer ligação à indústria dos media) leva Bonini (2015) a considerar que se está numa segunda era do podcasting. Sustenta o autor que essa segunda era do podcasting se consubstancia na existência de um mercado e na profissionalização da produção. Para Bonini (2015), esta fase teve início em 2012 nos Estados Unidos quando surgiram os primeiros modelos de negócio “capazes de suportar a produção e o consumo independentes de conteúdos de áudio distribuídos por podcasting” (p. 24).
O crescimento do podcasting tem motivado interesse também no mundo académico que passou a investir nesta ferramenta enquanto objeto de estudo, não se limitando apenas à rádio (Kischinhevsky et al., 2020). Em particular em alguns países, como os Estados Unidos ou Reino Unido, o podcast começa a afirmar-se como um importante setor dos media. De acordo a Deloitte (como citada em Newman, 2021), a indústria do podcast poderá em 2025 exceder os “globalmente 3,3 biliões de dólares” (p. 29).
4. Metodologia
O objetivo do presente estudo é perceber como uma nova tecnologia de comunicação sonora (o podcast), que tem registado um crescimento em termos de audiência, foi utilizada como recurso pelos media para informar sobre a pandemia de covid-19.
A partir da escuta de três podcasts produzidos por meios de comunicação portugueses, procedemos a uma análise de conteúdo dos episódios disponibilizados entre março e julho de 2020 identificando: (a) os temas principais de cada episódio (Tabela 1), (b) as fontes de informação com voz (frequência nos episódios de protagonistas especialistas em saúde, bem como de outras fontes) e, (c) a estrutura do podcast (rubricas fixas, modelo de entrevista, resposta a questões da pandemia, painéis residentes).
Os podcasts analisados são os seguintes: Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos, produzido pela Antena 1, Anti-Vírus, produzido pela Rádio Comercial e Gabinete de Crise, produzido pelo Observador (Tabela 2).
A escolha residiu em podcasts que representassem diferentes modelos de empresas de media: um produzido pela rádio de serviço público (Antena 1), outro por uma emissora de entretenimento (Rádio Comercial) e um outro criado por um meio online, apesar de também possuir uma rádio (Observador).
Em comum, os três casos analisados têm o facto de não representarem produções nativas, ou seja, os seus conteúdos, ou parte deles, foram emitidos também na rádio e não têm existência apenas no formato podcasting. Ainda assim, apesar de estarem ligados à programação radiofónica das referidas estações, essa ligação é estabelecida de forma diferente. Assim, o podcast Gabinete de Crise é um segmento da programação matinal da Rádio Observador, muito mais extensa em termos de duração. Já o Anti-Vírus resulta de um conjunto de entrevistas realizadas pela sua autora para a emissão da Rádio Comercial. Essas entrevistas foram feitas a especialistas na área da medicina e emitidas durante cerca de 1 mês na emissão da rádio e disponibilizadas em formato podcast no site da emissora. Por fim, o Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos resulta de uma combinação de entrevistas feitas pelo jornalista autor do podcast, algumas delas emitidas previamente na Antena 1. Este podcast é, assim, o único que apresenta alguns conteúdos diferentes do que foi emitido na rádio.
Uma vez que os podcasts têm estruturas distintas quanto ao seu alinhamento, consideramos importante fazer uma breve descrição de cada um deles.
O Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos, da Antena 1, é apresentado na forma de entrevista, na qual o apresentador vai questionando os especialistas a partir de dúvidas que surgem sobre diversos assuntos relacionados com a pandemia, seja em relação à doença, seja em relação às consequências no mercado de trabalho ou à educação. O podcast não tem comentadores/especialistas residentes, mas é frequente a repetição de protagonistas nos episódios analisados. É apresentado sempre pelo mesmo jornalista, António Jorge.
O podcast Anti-Vírus, da Rádio Comercial, tem uma estrutura mais leve e apresenta os conteúdos de modo muito mais sintético. Parte sempre de uma questão que é respondida por um especialista residente em função da temática abordada. Tem uma curta duração que ronda os 2 minutos. A apresentadora é Ana Martins, que se mantém em todos os episódios analisados.
Por fim, o podcast Gabinete de Crise é aquele que tem uma estrutura mais complexa. Tem vários segmentos fixos em cada episódio e segue normalmente o mesmo alinhamento. O episódio começa com o “Número do Dia”, no qual os comentadores/especialistas residentes apresentam um número relacionado com a pandemia e desenvolvem a discussão em torno dele. Na segunda parte do episódio, há sempre um convidado que desenvolve, com a jornalista autora do podcast e com os comentadores residentes, o foco do programa daquele dia. O podcast contém ainda os segmentos “Desfazer Mitos” e “Nota de Esperança” e é apresentado pela jornalista Carla Carvalho.
A partir dos dados apurados que resultam da escuta dos episódios, procedemos a uma reflexão sobre o modo como a saúde foi comunicada nestes podcasts recorrendo ao quadro teórico exposto neste artigo.
5. Análise e Discussão de Dados
5.1. Amplitude Temática: Saúde, Economia e Direitos
O principal tema abordado nos casos estudados foi a “doença covid-19” (Tabela 3). Isso acontece em 44,59% dos episódios analisados, com especial enfoque no Anti-Vírus e no Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos. O podcast Gabinete de Crise é dos três analisados o que apresenta um menor número de episódios nos quais a “doença” é o tema principal.
Os podcasts produzidos pela Antena 1 e pela Rádio Comercial seguiram lógicas semelhantes. No caso do podcast Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos, encontramos vários episódios dedicados a questões relacionadas com a imunidade de grupo, o contágio, o uso da máscara, a eficácia de medicamentos e os efeitos da doença em grávidas e crianças. O podcast Anti-Vírus tem também uma predominância relativamente aos temas relacionados diretamente com a doença provocada pelo novo coronavírus. Aborda subtemáticas da categoria “doença” relacionadas com o uso da máscara e luvas, como se deve proceder no caso de haver sintomas, quais os sintomas mais frequentes, formas de contágio e perigos para a gravidez.
A predominância dada ao tema “doença” nos podcasts analisados contraria os dados apurados anteriormente em relação ao tratamento jornalístico nos jornais portugueses de temas de saúde (Lopes & Fernandes, 2012), quando se verificou que são as “políticas de saúde” que dominam a agenda dos media.
Nos podcasts analisados, as “políticas de saúde” não mereceram especial relevância. Ainda assim, o Gabinete de Crise apresenta vários programas nos quais aborda questões relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde português e a sua capacidade de resiliência face à pandemia.
Os dados que apurámos quanto à prioridade dada a temáticas relacionadas diretamente com a “doença” estão em linha, no entanto, com o que foi apurado relativamente à pandemia provocada pela gripe A, indo assim ao encontro da hipermediatização de temas de saúde quando falamos de eventos que irrompem na atualidade e que, seja por desconhecimento em relação à nova doença, seja pelos efeitos que provoca na saúde, geram um maior número de itens noticiosos.
As temáticas relacionadas com “saúde mental” mereceram também um destaque que importa sublinhar. Neste caso, é o podcast da Rádio Comercial que absorve, quase por completo, o número de episódios analisados dedicados a este tema. As questões relacionadas com a saúde mental foram também abordadas nos dois outros podcasts analisados, embora com menor incidência e numa perspetiva diferente. No caso da Antena 1, alguns episódios abordaram a questão do pânico, o isolamento e a solidão. No caso do Gabinete de Crise do Observador, a temática foi abordada num único episódio durante o período estudado (26 de junho de 2020) e focou-se nas questões relacionadas com o sentimento de medo e a depressão. O Anti-Vírus dedicou, assim, no período analisado, 10 episódios a esta temática, o que representa 37,03% da totalidade dos episódios disponibilizados. No podcast, são dados conselhos aos ouvintes no sentido de lidarem com a pandemia e, em particular, com o período de confinamento. Alguns temas são sugestivos: “é normal chorar?”; “rir ajuda?” ou “como lidar com as nossas sombras?” foram algumas das questões colocadas nos episódios.
Tal como podemos observar na Tabela 3, os temas relacionados com os efeitos da pandemia na “economia” têm grande importância, em particular nos podcasts da Antena 1 e do Observador. No primeiro caso, esta temática é central em 12 episódios. Como subtemas, encontramos um enfoque significativo nas questões relacionadas com o teletrabalho e naquilo que implica em termos de direito do trabalho. O desemprego provocado pela crise económica, a forma de reorganização das empresas em função do confinamento e a reabertura do comércio no pós-confinamento são as principais temáticas categorizadas em “economia”.
No caso do Observador, os episódios focam-se também nas questões relacionadas com o teletrabalho, nas implicações do ensino à distância, na reabertura das fronteiras e no turismo. Uma vez mais, a perspetiva do podcast Gabinete de Crise é mais global e dialógica, promovendo a discussão entre várias perspetivas, em particular dos convidados residentes.
Ao contrário dos podcasts anteriores, o Anti-Vírus da Rádio Comercial não dedicou qualquer episódio às questões económicas.
Se as temáticas relacionadas com a “doença”, com a “saúde mental” e com a “economia” são prioritárias nos episódios analisados, encontramos também outros assuntos menos focados, mas ainda assim que merecem ser referidos. Deste modo, encontramos um episódio do podcast Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos dedicado aos animais de companhia. Já o Gabinete de Crise apresenta vários outros temas: comunicação de medidas em relação à pandemia, o modo como os partidos políticos estão a gerir a pandemia, a privacidade e limites éticos como, por exemplo, a medição de temperatura em serviços não clínicos.
5.2. Um Palco Para os Especialistas
Lopes e Fernandes (2012) referem que as notícias sobre saúde se constroem, “habitualmente, com recurso a fontes de informação” (p. 23). A escuta dos podcasts analisados permite-nos confirmar esse cenário e perceber a preocupação dos produtores pela difusão de informações de acordo e validadas por fontes ligadas à ciência.
A Tabela 4 mostra como as vozes de médicos são prioritárias em qualquer um dos três podcasts estudados. Acresce ainda que têm também relevância outros protagonistas ligados à saúde, como investigadores, professores de medicina e farmacêuticos.
A presença destas vozes que explicam, esclarecem e informam sobre a doença (sintomas, comportamentos para evitar o contágio, medicação e vacina) ocorreu seguindo duas estratégias: enquanto integrantes residentes de painéis ou na qualidade de convidados. Os podcasts Anti-Vírus, da Rádio Comercial e Gabinete de Crise, do Observador, adotaram a estratégia de ter convidados residentes. No primeiro caso, o médico internista do Centro Hospitalar de Lisboa Central e professor assistente na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, André Almeida, interveio em todos os episódios dedicados a temas de saúde. Já, no podcast Gabinete de Crise, o convidado na área da saúde começou por ser Alexandre Abrantes, da Escola Nacional de Saúde Pública, sendo substituído mais tarde por Sónia Dias, da mesma instituição. Ambos tiveram participação em todos os episódios do podcast, independentemente do tema. O podcast Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos, da Antena 1, não utilizou especialistas residentes, mas teve também uma presença assinalável de vozes ligadas à saúde, como se pode observar na Tabela 4.
O recurso a especialistas ligados à área da saúde está em linha com a prática internacional no que diz respeito aos podcasts sobre a covid-19. O estudo do Reuters Institute sobre os podcasts dedicados ao novo coronavírus, nos Estados Unidos, Dinamarca, França, Reino Unido, Austrália e Suécia, revela que a estratégia passou pela presença de médicos nos podcasts sobre a covid-19, “respondendo às questões dos ouvintes e ajudando a corrigir informações falsas” (Newman & Gallo, 2020, p. 21). Percebemos este modelo como uma forma de os media se esforçarem nestes momentos por proporcionar às audiências informações precisas e rápidas no sentido de fornecer “melhor informação e consequente comportamento de prevenção dos cidadãos” (Lopes et al., 2010, p. 21).
A presença de especialistas de outras áreas fez-se notar também noutras temáticas ligadas, sobretudo, às consequências da doença no plano económico. Neste aspeto, uma vez mais, encontramos a presença de um interveniente residente, no caso do podcast Gabinete de Crise que participou em todos os episódios. No caso do podcast da Antena 1, a presença de especialistas ligados à economia seguiu o modelo de convidados quando a temática abordada no episódio o justificou. O Anti-Vírus não recorreu a convidados ligados à área económica, situação que se justifica pela ausência do tema nos episódios disponibilizados.
Identificamos, ainda, outras vozes de especialistas que, embora não tendo especial relevância no conjunto dos três podcasts analisados, são importantes no contexto individual de alguns programas. Assim, observámos a presença de vozes oriundas da área do direito, no caso do podcast Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos da Antena 1. Estes especialistas intervieram em episódios dedicados ao teletrabalho e às questões relacionadas com as liberdades, direitos e deveres dos cidadãos em contexto de confinamento. Nos dois outros podcasts estudados, não observámos a presença de vozes ligados a estas áreas.
Outra presença que merece ser realçada é a de psicólogos no podcast Anti-Vírus, resultado da abordagem que o programa fez a estas temáticas em vários episódios, passando pelas questões ligadas à saúde mental. A presença de psicólogos nos restantes dois podcasts analisados é residual (no caso da Antena 1) ou inexistente (no caso do Observador).
Um dado que nos parece importante sublinhar é que apenas por uma única vez foi escutada a voz de um doente covid-19. Aconteceu no podcast Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos, da Antena 1, e, mesmo neste caso, tratou-se de um médico que tinha contraído a doença. Nenhum dos outros podcasts levou para os seus episódios o testemunho de alguém que tivesse passado pela doença. Esta ausência de doentes pode ser explicada pela prioridade concedida à voz de especialistas e menos àqueles que, embora tendo contraído a doença, não teriam os conhecimentos científicos para explicarem ou esclarecerem os sintomas, limitando-se, caso tivessem participado, a ser uma voz de testemunhos pessoais.
5.3. O Tom Pedagógico e Coadjuvante
A escuta dos três podcasts torna evidente a opção dos seus produtores pela adoção de um tom explicativo e elucidativo relativamente a uma matéria nova e que afetou de forma incisiva a população mundial. A análise que trazemos para este artigo foi feita no início do confinamento, quando existiam muitas dúvidas sobre o comportamento do vírus, sobre alguns sintomas e sobre o modo como todos nos deveríamos comportar de modo a nos protegermos e protegermos os outros.
Os podcasts que aqui analisamos demonstram a preocupação de responder a questões que estavam na ordem do dia durante o período em análise e que eram discutidas no espaço público, quer por responsáveis ligados à saúde, quer por políticos. Por esse motivo, encontramos, nos vários episódios, temáticas ligadas ao uso da máscara, que gerou, inclusivamente, alguma polémica no início da pandemia com responsáveis da Direção-Geral de Saúde a referirem que tal uso não seria prioritário. Do mesmo modo, a utilização de luvas foi também um tema abordado em vários episódios, com a intervenção de especialistas da área da saúde que, de modo claro, procuraram explicitar as vantagens e desvantagens do seu uso. Os sintomas da doença, as diferenças em relação a uma gripe, a medicação, a vacina, o cuidado a ter durante a gravidez e com as crianças foram temas recorrentes em particular nos podcasts Anti-Vírus e Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos. Para todos eles, a estratégia foi o recurso à explicação por parte de especialistas.
O tom explicativo e informativo é perfeitamente percetível nos três podcasts analisados. No caso do Covid-19: Perguntas, Respostas e Efeitos e de Anti-Vírus, a estrutura dos episódios deixa isso bastante evidente, já que em alguns casos o apresentador introduz o tema na forma interrogativa, passando-se à resposta de um especialista. É um formato de uma espécie de consultório. O podcast Anti-Vírus também não deixa dúvidas quanto à estratégia utilizada, apresentando-se no site do seguinte modo: “tem dúvidas? A Rádio Comercial pergunta aos especialistas”.
O podcast Gabinete de Crise, do Observador, tem uma lógica um pouco diferente, mas o tom explicativo e informativo está também presente ao longo dos episódios, sobretudo no segmento designado de “Desfazer Mitos”, no qual os dois intervenientes residentes do programa esclarecem algumas questões percecionadas pelos indivíduos como sendo verdadeiras, mas que a ciência concluiu serem falsas ou ainda não as comprovou. A título de exemplo, referimos estes dois casos: “é verdade que é perigoso ter animais de estimação em casa?” ( Gabinete de Crise, 15 de maio de 2020) ou “as manifestações mais severas da covid-19 afetam só os mais velhos?” (Gabinete de Crise, 26 de junho de 2020).
Os podcasts estudados procuraram constituir-se como uma ajuda para o esclarecimento da população, colocando-se ao lado da ciência. Aconselharam, informaram, esclareceram comportamentos, práticas, sintomas e efeitos da doença sobre matérias relacionadas com o contágio, imunidade de grupo ou uso de proteção pessoal. Este modelo de colocar questões práticas sobre a doença demonstrou ter uma aceitação também noutros contextos em que foram criados podcasts sobre a covid-19 uma vez que as pessoas querem “informações relevantes, diretas e de confiança e também querem as suas questões respondidas” (Newman & Gallo, 2020, p. 21).
Esta prática coloca o jornalismo no “papel coadjuvante enquanto campo estratégico para influenciar comportamentos e atitudes individuais e colectivas” (Azevedo, 2012, p. 188), uma função verificada por Lopes et al. (2010) a propósito da cobertura jornalística na imprensa portuguesa sobre a gripe A. Referem as autoras que no “contexto de uma possível epidemia, não é de estranhar que venha ao de cima o sentido de responsabilidade social subjacente ao exercício do jornalismo” (Lopes et al., 2010, p. 21).
Ainda no campo da saúde, mas neste caso da saúde mental, encontramos também vários episódios com a preocupação de esclarecer e aconselhar práticas de modo a reduzir os efeitos do confinamento. Esta temática, como já referimos, é especialmente abordada no podcast Anti-Vírus, no qual encontramos episódios nos quais, uma psicóloga e noutros um padre, respondem a questões como “exercícios para manter o ânimo elevado?”, “fazer uma lista de intenções ajuda?” ou “como lidar com a incerteza?”.
O tom explicativo e informativo próximo de um consultório é percetível também quando as temáticas estão relacionadas com o teletrabalho, com os direitos e deveres dos cidadãos em contexto de confinamento, com os comportamentos a adotar no regresso pós confinamento, em particular em período de férias, como as idas à praia. Em todos estes casos, prevalecem as intervenções das fontes especializadas ligadas sobretudo à saúde ou à economia.
6. Conclusões
Os podcasts estudados seguiram uma lógica coadjuvante de uma estratégia global de combate à pandemia. Em qualquer dos casos analisados, o recurso a especialistas teve como propósito o esclarecimento, a informação ou a retificação de informações incorretas sobre a doença e os comportamentos das populações face ao novo vírus. Esta opção dos produtores dos podcasts analisados está em linha com estudos anteriores, quando é referido que o “jornalismo da saúde, em particular o que acontece em ambiente de risco, revela grande dependência das fontes oficiais e especializadas, pela descodificação exigida” (Lopes et al., 2010, p. 153).
O modelo dialógico adotado pelos podcasts transformou-se num consultório no qual os ouvintes se reveem e têm oportunidade para ver clarificadas algumas das suas questões. O tom utilizado é de esclarecimento de dúvidas face a algo que é desconhecido pela população e que gera incerteza e medo numa área tão relevante como a saúde. Ao se focarem sobretudo na “doença”, os podcasts serviram para criar consenso em torno de determinadas questões, como o uso de máscara, a identificação de sintomas ou a necessidade de evitar ao máximo os contactos pessoais. Mas o modelo de consultório foi alargado também a questões paralelas à doença, como os efeitos do confinamento para o trabalho e para a saúde mental.
Os produtores dos podcasts assumiram o papel de porta vozes da população que vive uma situação pandémica totalmente inesperada e que procura respostas que ajudem a tomar decisões relativamente à sua saúde. Neste sentido, tal como expusemos no quadro teórico, os podcasts estão em linha com os autores que atribuem ao jornalismo um papel importante em relação à literacia em saúde (Azevedo, 2012; Magalhães et al., 2017). Este papel é ainda mais relevante no que toca a um período de pandemia que gerou um cenário de incerteza e preocupação face à saúde, seja no que se refere à doença propriamente dita, seja nas consequências que o confinamento gerou.
O podcast pode, neste contexto, ser uma ferramenta importante enquanto meio para a divulgação de informações sobre saúde, em linha com outros contextos internacionais, onde foram criados vários podcasts diários de informação (Newman & Gallo, 2020). O contexto português do podcasting, apesar da crescente utilização da ferramenta, incluindo pelos media, não atingiu ainda a dimensão de países como os Estados Unidos ou Reino Unido, onde nos planos financeiro e de produção se atingem valores muito distantes dos verificados em Portugal (Newman, 2021). Mas a popularidade do podcast junto do público português é crescente nos últimos anos e os media adotam esta ferramenta como uma forma de obter mais tempo e espaço para a produção de conteúdos que, de outro modo, poderiam não ter lugar na plataforma tradicional. Isso aconteceu no caso da cobertura da pandemia da covid-19, com a criação de vários podcasts a esta dedicados em exclusivo ou com a produção de episódios de podcasts já existentes, prática que revela, em nosso entender, que o jornalismo de saúde pode encontrar neste novo meio uma forma adicional de disponibilização de informações, aproveitando a sua popularidade junto das audiências, gratuitidade, facilidade de acesso e autonomia, que confere ao ouvinte o poder de escutar quando e onde quiser.