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Acta Portuguesa de Nutrição
On-line version ISSN 2183-5985
Acta Port Nutr no.22 Porto July 2020
https://doi.org/10.21011/apn.2020.2211
ARTIGO PROFISSIONAL
Motivação dos Nutricionistas/Dietistas: antecedentes e consequências para a prática clínica
Nutritionists/Dietitians’ motivation: antecedents and consequences for their clinical practice
Marie de Oliveira1; Catarina Paixão2; Eliana Carraça2,3; Inês Santos2-4*
1Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal
2Centro Interdisciplinar para o Estudo da Performance Humana, Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, Estrada da Costa, 1495-688 Cruz Quebrada, Portugal
3CIDEFES, Universidade Lusófona, Campo Grande, n.º 376, 1749-024 Lisboa, Portugal
4Laboratório de Nutrição, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Avenida Professor Egas Moniz, 1649-028 Lisboa, Portugal
Endereço para correspondência
RESUMO
Introdução: A teoria da autodeterminação sugere que o contexto social e laboral tem impacto na motivação dos indivíduos, com diferentes consequências a nível comportamental.
Objetivos: Determinar a associação entre a motivação para o trabalho, as pressões percebidas neste contexto e as estratégias motivacionais utilizadas na prática clínica, numa amostra de nutricionistas/dietistas.
Metodologia: Participaram neste estudo 134 profissionais, tendo-se avaliado as suas características sociodemográficas e inerentes à profissão. Nos profissionais que exerciam em contexto clínico, avaliou-se ainda a sua motivação para o trabalho, a pressão percebida no trabalho e a perceção da utilização de estratégias motivacionais de suporte vs. de controlo na sua prática clínica, com recurso a versões adaptadas e/ou traduzidas de instrumentos validados internacionalmente.
Resultados: Cerca de 96% dos participantes eram mulheres, tinham em média 29,3 ± 6,5 anos, e cerca de 75% exerciam na área da nutrição clínica. Observou-se uma associação positiva entre a motivação intrínseca para o trabalho e o uso de estratégias motivacionais de suporte da autonomia e entre a motivação externa e amotivação e o uso de estratégias de controlo (p<0.05). Os vários tipos de pressão percebida associaram-se de forma positiva com motivações mais controladas e com o uso de estratégias controladoras.
Conclusões: Nutricionistas/dietistas mais autodeterminados, com contextos de trabalho menos pressionantes, tendem a utilizar estratégias motivacionais de suporte para com os seus clientes, com potencial impacto positivo no comportamento dos mesmos.
Palavras-chave
Dietistas, Estratégias controladoras, Estratégias de suporte, Motivação para o trabalho, Nutricionistas, Pressão no trabalho, Teoria da Autodeterminação
ABSTRACT
Introduction: Self-determination theory suggests that the social and work context has an impact on individuals’ motivation with different consequences at the behavioral level.
Objectives: To determine the association between work motivation, perceived job pressures and motivational strategies used in clinical practice in a sample of nutritionists/dietitians.
Methodology: About 134 professionals participated in this study, completing a questionnaire developed to assess socio-demographics and the characteristics of their profession. The ones who worked in a clinical setting also completed a psychometric battery of adapted and/or translated versions of internationally validated questionnaires to assess their motivation for work, job pressures and perceived use of motivational supporting vs. controlling strategies in their clinical practice.
Results: About 96% of the participants were women (29,3 ± 6,5 years) and about 75% worked in the area of clinical nutrition. There was a positive association between intrinsic motivation for work and the use of motivational strategies to support autonomy and between external motivation and the use of controlling strategies (p<0,05). The various types of perceived job pressure were positively associated with more controlled motivations and with the use of controlling strategies.
Conclusions: More self-determined nutritionists/dietitians, with a less stressful work context, tend to use motivational supporting strategies towards their patients/clients, with a potential positive impact on their behavior.
Keywords
Dietitians, Controlling strategies, Support strategies, Motivation at work, Nutritionists, Pressure at work, Self-determination theory
INTRODUÇÃO
Os nutricionistas e dietistas assumem um papel preponderante na saúde da população, na medida em que contribuem para a promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças, de forma individual ou em grupo, em organizações e comunidades, através da prescrição e intervenção alimentar e nutricional (1). Apesar da sua intervenção estar bem delineada e das recomendações alimentares e nutricionais estarem bem estabelecidas a nível populacional, a realidade confronta estes profissionais com o problema da aplicabilidade em condições de vida real, às quais não são estranhos os fenómenos de resistência, dificuldades na adesão e desistência prematura por parte dos seus clientes.
A este respeito, a Teoria da Autodeterminação (TAD) oferece uma explicação teórica para a compreensão da sustentação dos comportamentos (de saúde e não só) a longo prazo (2, 3). Segundo a TAD, existem diferentes tipos de motivação de qualidade distinta, estando as motivações autónomas associadas a uma adesão mais sustentada aos comportamentos e a resultados psicológicos mais favoráveis (2). A TAD propõe que as motivações humanas têm por base um continuum de autodeterminação, que oscila desde formas mais controladas (menos autodeterminadas) até formas mais autónomas (autodeterminadas) (2). As motivações mais controladas estão relacionadas com ambientes avaliadores e com a obtenção de resultados específicos que derivam de pressões externas (motivação externa) ou autoimpostas (motivação introjetada), enquanto que as motivações autónomas (i.e., mais internas) dizem respeito a uma valorização do comportamento ou seus benefícios (motivação identificada), a um sentido pleno de coerência interna (motivação integrada) e/ou aos sentimentos de prazer e desafio (motivação intrínseca) (2). Para se desenvolverem motivações de melhor qualidade (i.e., autónomas), as quais facilitam a mudança comportamental, a TAD defende que é essencial satisfazer três necessidades psicológicas básicas – autonomia (perceção individual de escolha e voluntariedade face aos comportamentos
adotados), competência (sentimento de capacidade face à ação) e relacionamento positivo (sentimento de conexão e respeito num clima emocional positivo) (2-4). A TAD sugere que o contexto social e laboral tem um impacto sobre as perceções de autonomia, competência e relacionamento positivo dos profissionais que, por sua vez, podem afetar a sua intervenção e as suas competências (5), naturalmente, com consequências para os clientes. Quando o contexto consegue dar suporte a estas necessidades psicológicas básicas, motivações mais autónomas e resultados positivos a nível comportamental, cognitivo e afetivo tendem a surgir. Em oposição, quando o contexto promove a frustração destas necessidades, motivações mais controladas e resultados mais negativos tendem a emergir (2).
A evidência baseada na TAD tem mostrado que estas relações são transversais a vários domínios, estendendo-se também ao contexto laboral. Estudos anteriores revelaram que um ambiente de trabalho que satisfaça as três necessidades psicológicas básicas dos profissionais conduz a motivações mais autónomas para o trabalho e, subsequentemente, a maior envolvimento nas tarefas, satisfação no trabalho, atitudes positivas relacionadas com o trabalho e bem-estar psicológico (6). Em contraste, as pressões vivenciadas no ambiente de trabalho parecem influenciar negativamente a qualidade da motivação dos profissionais (7), por intermédio de uma menor satisfação das suas necessidades psicológicas básicas (8). Como observado na área do exercício, as pressões laborais percecionadas pelos fisiologistas do exercício mostraram ter impacto no uso de estratégias motivacionais, verificando-se que ambientes de trabalho sujeitos a elevada pressão e avaliação (mais controladores), por parte das estruturas organizativas ou dos próprios clientes, se associaram à utilização de estratégias mais controladoras e intimidativas por parte dos fisiologistas do exercício, para com os seus clientes (9). A relação inversa foi também observada, isto é, condições de trabalho percebidas como facilitadoras da satisfação das necessidades psicológicas básicas mostraram-se associadas com o uso de estratégias motivacionais de suporte às necessidades psicológicas básicas dos clientes (9).
Esta temática tem sido bastante estudada em vários contextos da área da saúde (9-14). Contudo, na área da Nutrição tem sido descurada. Dada a sua utilidade empírica e prática, torna-se importante estudar a motivação destes profissionais e os antecedentes (tipos de pressão a que estão sujeitos), e de que forma estes se relacionam com o uso de estratégias motivacionais de suporte vs. controladoras na sua prática clínica (consequências).
OBJETIVOS
Este estudo teve como principal objetivo determinar a associação entre a motivação para o trabalho e as estratégias motivacionais utilizadas na prática clínica numa amostra de nutricionistas/dietistas. Adicionalmente, pretendeu-se analisar em que medida os vários tipos de pressão a que estes profissionais estão sujeitos em contexto de trabalho se associam à sua motivação para o trabalho e às estratégias que utilizam para com os seus clientes. Estabeleceram-se como hipóteses: 1) os nutricionistas/dietistas com motivações mais autónomas para o trabalho tendem a usar estratégias motivacionais de suporte na sua prática clínica; 2) as pressões no trabalho associam-se de forma positiva a motivações mais controladas e ao uso de estratégias mais controladoras por parte dos nutricionistas/dietistas.
METODOLOGIA
Segundo o Artigo 1.º do Regulamento n.º 308/2016, "a atribuição do título profissional, o seu uso e o exercício da profissão de nutricionista em qualquer setor de atividade, individualmente ou em sociedade profissional, dependem da inscrição como membro efetivo na Ordem dos Nutricionistas" (ON) (15). Neste sentido, a seleção dos participantes foi feita com base nos registos como membros efetivos da ON. Considerando que, à data de início do presente estudo (2 de agosto de 2019), a ON era constituída por 3777 membros efetivos ativos, estimou-se por cálculo amostral, que uma amostra de 133 nutricionistas/dietistas seria adequada para obter uma potência estatística de 90%. Dados recentes acerca da atividade destes profissionais revelaram que a maioria (61,6%) atua na área da nutrição clínica (16).
A recolha de dados foi efetuada através de um questionário online na plataforma Google Forms, no período entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020. Este questionário foi divulgado nas redes sociais dos investigadores responsáveis pelo estudo e solicitou-se ainda apoio por parte da ON no sentido de divulgarem o estudo aos seus membros.
Dos 144 indivíduos que preencheram o questionário, 3 foram excluídos por serem profissionais de outras áreas que não nutrição e 7 por não serem membros efetivos da ON. Assim, a amostra (não probabilística) ficou constituída por 134 indivíduos elegíveis, i.e., nutricionistas/dietistas, membros efetivos da ON e que aceitaram voluntariamente participar no estudo. Todos os indivíduos deram consentimento informado, livre e esclarecido antes de participarem no estudo.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Desporto da Universidade Lusófona de Humanidades de Tecnologias de Lisboa (outubro de 2019) e foi realizado de acordo com os padrões éticos descritos na declaração de Helsínquia de 1964 e das suas posteriores emendas (17).
Para a realização deste estudo, aplicou-se uma bateria de questionários específica, complementada por um conjunto de questões sociodemográficas, englobando sexo, data de nascimento e grau académico, e questões específicas inerentes à profissão, nomeadamente especialização académica, registo na ON, principal área de atuação, anos de experiência, horas semanais despendidas em contexto de trabalho, contexto em que exerce no âmbito da nutrição clínica, assim, como o grau de satisfação em relação à sua prática profissional. Esta bateria de questionários incorporou versões adaptadas ao contexto da nutrição clínica e/ou traduzidas de quatro instrumentos frequentemente utilizados e validados internacionalmente.
Para a avaliação das motivações para o trabalho utilizou-se a versão portuguesa da Motivation at Work Scale (18), a qual inclui 12 itens divididos em quatro subescalas, nomeadamente motivação intrínseca (p. ex., “Porque gosto muito deste trabalho”), identificada (p. ex., “Porque este trabalho me permite alcançar os meus objetivos de vida”), introjetada (p. ex., “Porque a minha reputação depende dos resultados que tenho neste trabalho”) e motivação externa (p. ex., “Porque este trabalho me permite ter um determinado vencimento”). Dado que este questionário não avaliava a falta de motivação, adicionou-se a subescala de amotivação da Work Tasks Motivation Scale for Teachers (19), que consiste em 3 itens (p. ex., “Não sei, não vejo a finalidade deste trabalho”). As respostas foram medidas através de uma escala de Lickert de 7 pontos, variando de 1 (discordo plenamente) a 7 (concordo plenamente). A consistência interna destas subescalas, indicada pelos alfas de Cronbach, variou entre: α=0,51 (externa); α=0,77 (identificada); α=0,79 (introjetada); α=0,83 (amotivação); e α=0,85 (intrínseca).
Para avaliar os tipos de pressão laboral percebida pelos nutricionistas/dietistas, criou-se uma versão adaptada ao contexto da nutrição, com base nos 10 itens do Perceived Job Pressure (20), distribuídos por três subescalas: constrangimentos de tempo (p. ex., “Por vezes, tenho que me apressar para concluir a consulta”), pressão da entidade empregadora (p. ex., “Os métodos de intervenção nutricional são definidos pela politica da entidade empregadora”), e avaliação do desempenho (p. ex., “Sinto-me pressionado porque o meu desempenho é avaliado”). A escala de resposta variou de 1 (nada verdadeiro) a 7 (muito verdadeiro). Quanto à consistência interna desta versão adaptada, obtiveram-se os seguintes alfas de Cronbach: α=0,88 (constrangimentos de tempo); α=0,75 (pressão da entidade empregadora); e α=0,78 (avaliação do desempenho).
A perceção de utilização de estratégias motivacionais de suporte na prática clínica foi avaliada com base na adaptação da escala Perceived Psychological Support for Basic Needs (21) ao contexto da nutrição clínica e à perspetiva do nutricionista/dietista, como efetuado anteriormente para o contexto do exercício e fisiologista do exercício (9). Este instrumento é composto por 15 itens, distribuídos por três dimensões: suporte à autonomia (p. ex., “Proporciono um leque de possibilidades diferentes na minha prescrição nutricional”); estrutura (p. ex., “Torno claro ao meu cliente o que é preciso para obter resultados”); e envolvimento interpessoal (p. ex., “Preocupo-me com o bem estar dos meus clientes”). A escala de resposta variou de 0 (não é verdade para mim) a 4 (muitas vezes é verdade para mim). Quanto à consistência interna desta versão adaptada, obteve-se um alfa de Cronbach de α=0,80 (suporte à autonomia: α=0,72; estrutura: α=0,51; e envolvimento interpessoal: α=0,63).
Por fim, para avaliar a perceção de utilização de estratégias de controlo na prática clínica, utilizou-se uma adaptação da escala Controlling Coach Behaviors Scale (22) ao contexto da nutrição clínica e à perspetiva do nutricionista/dietista, como efetuado anteriormente para o contexto do exercício e fisiologista do exercício (9). Este instrumento inclui 16 itens subdivididos em cinco subescalas: uso de recompensas (p. ex., “Só elogio os meus clientes para que cumpram o plano alimentar com o mínimo de desvios”), estima/atenção contingencial (p. ex., “Dou menos atenção aos meus clientes caso eles me desapontem”), intimidação (p. ex., “Intimido os meus clientes para que eles façam o que eu quero"), controlo pessoal excessivo (p. ex., “Tento interferir em outros aspetos da vida dos meus clientes, fora do contexto de consulta”) e crítica/depreciação (p. ex., “Sou muito crítico com os meus clientes quando não estão a cumprir com o combinado”). A escala de resposta variou de 1 (nada verdadeiro) a 7 (muito verdadeiro). Quanto à consistência interna desta versão adaptada, obteve-se um alfa de Cronbach de α=0,83 (uso de recompensas: α=0,34; estima/atenção contingencial: α=0,52; intimidação: α=0,61; controlo pessoal excessivo: α=0,39; crítica/depreciação: 0,72).
Para assegurar uma tradução e adaptação adequadas a partir da versão original em Inglês, a técnica de tradução e retroversão para a língua original, bem como o recurso a um painel de especialistas para aprovação das versões traduzidas e adaptadas, foram utilizados. Este processo envolveu 5 fases: 1) tradução preliminar; 2) primeiro painel de especialistas; 3) segundo painel de especialistas (fase terminada apenas quando foi alcançado o consenso quanto ao conteúdo de todos os itens); 4) aplicação piloto; 5) Revisão e ajuste final (apenas questões de semântica e sintaxe).
Para o armazenamento e análise estatística dos dados utilizou-se o programa IBM Statistical Package for the Social Sciences® versão 25. Relativamente à estatística descritiva, a amostra foi caracterizada recorrendo ao cálculo das frequências simples e relativas para as variáveis qualitativas e de média e desvios-padrão, mínimos e máximos para as variáveis quantitativas. As variáveis foram testadas quanto à normalidade da sua distribuição utilizando o teste de Kolmogorov-Smirnov. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para testar a associação entre as variáveis psicométricas em estudo com distribuição normal (testes paramétricos) e o coeficiente de correlação de Spearman para testar a associação entre variáveis com distribuição não normal (testes não paramétricos). Dado que as correlações de Pearson são robustas na presença de desvios da normalidade em amostras relativamente grandes (23) e considerando que as diferenças entre os coeficientes de Pearson e Spearman para as variáveis com distribuição não normal foram mínimas, apenas os coeficientes de Pearson são reportados. Foram ainda utilizadas correlações parciais para explorar as associações entre as pressões para o trabalho, as motivações para o trabalho e as estratégias utilizadas na prática clínica controlando para a satisfação no trabalho, as horas semanais despendidas e os anos de experiência. Assumiu-se um valor de significância de 5% (p<0,05).
RESULTADOS
As características sociodemográficas dos participantes, assim como as características inerentes à sua profissão, estão descritas na Tabela 1.
Cerca de 96% (n=129) dos nutricionistas/dietistas que participaram no estudo eram mulheres e tinham, em média, 29,3 ± 6,5 anos. A maioria tinha apenas o 1.º ciclo de estudos (68,7%; n=92), ao passo que 1/4 tinha mestrado (25,4%; n=34), 4,5% (n=6) pós-graduação e 1,5% (n=2) doutoramento. No que diz respeito à licenciatura, a maioria (63,4%; n = 85) licenciou-se em ciências da nutrição. Relativamente à área e contexto de trabalho, observou-se que cerca de 75% (n=100) exerciam na área da nutrição clínica, dos quais 44% exerciam em vários contextos em simultâneo, incluindo meio hospitalar ou cuidados de saúde primários, clínicas privadas, farmácias, ginásios, clubes desportivos, centros de estética e lojas dietéticas. Dos que exerciam em contextos exclusivos, 17% exerciam em clínicas privadas, 16% em ginásios, 9% em hospital público ou privado, 6% em farmácias, 4% em centros de saúde, 2% em câmaras municipais ou juntas de freguesia e 2% em unidades de cuidados continuados integrados. Estes profissionais revelaram exercer a sua profissão, em média, há 5,8 ± 5,7 anos, sendo que a maioria dedica mais do que 30 horas por semana à componente clínica (57%) e afirma estar satisfeito (69%) com o seu trabalho/situação profissional.
As pressões percebidas em contexto de trabalho, as motivações para o trabalho e as estratégias motivacionais utilizadas na prática clínica por parte dos nutricionistas/dietistas estão descritas na Tabela 2, assim como a associação entre as mesmas. No que diz respeito às pressões percebidas, observou-se que os constrangimentos de tempo sentidos pelos nutricionistas/dietistas (p. ex., duração reduzida da consulta) se associam de forma positiva a motivações mais controladas (introjetada, p=0,014; externa, p<0,001) e à ausência de motivação (p<0,001), e de forma negativa a motivações mais autónomas (intrínseca, p=0,012; identificada, p=0,012). Este padrão de associação é transversal à pressão relacionada com a autoridade da entidade empregadora (externa, amotivação e intrínseca, p<0,001; identificada, p=0,002). A pressão sentida por avaliação do seu desempenho enquanto profissionais associou-se de forma positiva com a motivação externa (p<0,001) e com a amotivação (p=0,019).
Apenas o expoente máximo de autonomia para o trabalho – motivação intrínseca – se associou de forma positiva com o uso de estratégias motivacionais de suporte, especificamente as de suporte à autonomia do cliente (p=0,012). Adicionalmente, este tipo de regulação comportamental associou-se de forma negativa com o uso de estratégias motivacionais de controlo, nomeadamente atenção contingencial (p=0,008). Já a motivação externa associou-se de forma positiva com o uso de estratégias de controlo, especificamente atenção contingencial (p=0,024) e de forma negativa com o uso de estratégias de suporte à autonomia (p<0,001) e envolvimento interpessoal (p=0,005). De forma semelhante, a amotivação associou-se de forma positiva com o uso de estratégias de atenção contingencial (p=0,019) e de forma negativa com o uso de estratégias de suporte à autonomia (p=0,023).
Como esperado, observou-se que a pressão percecionada em contexto de trabalho está também associada ao tipo de estratégias utilizadas pelos nutricionistas/dietistas na sua prática clínica. Especificamente, todos os tipos de pressão se associaram de forma positiva com o uso de estratégias controladoras para com os seus clientes, nomeadamente atenção contingencial e intimidação (p<0,05), e de forma negativa com o uso de estratégias de suporte à autonomia (p<0,05). Observou-se ainda que a perceção de constrangimentos de tempo se associou de forma negativa com estratégias de envolvimento/interesse para com os clientes (p=0,020) e que a perceção de pressão por avaliação do desempenho se associou de forma positiva ao uso de estratégias motivacionais de controlo pelo uso de recompensas (p=0,022).
Ao controlar estas associações para o grau de satisfação no trabalho, a carga horária semanal e os anos de experiência, observou-se que algumas destas associações deixam de ser significativas (Tabela 2).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente estudo é pioneiro a investigar a motivação para o trabalho de uma amostra de nutricionistas/dietistas em Portugal, os seus antecedentes e as consequências para a prática clínica. Os resultados sugerem que nutricionistas/dietistas intrinsecamente motivados para o trabalho tendem a utilizar estratégias de suporte à autonomia na sua prática clínica, ao passo que profissionais externamente motivados tendem a usar estratégias de controlo, particularmente estima e atenção contingencial (isto é, se o cliente cumpre os objetivos ou se segue as orientações do nutricionista/dietista, este dedica-lhe maior atenção e empenha-se mais). Adicionalmente, nutricionistas/dietistas sujeitos a diversos tipos de pressão no trabalho tendem a desenvolver regulações comportamentais menos autodeterminadas (i.e., mais controladas) e a utilizar estratégias mais controladoras na sua prática clínica.
Estes resultados são semelhantes aos verificados noutro estudo com professores de educação física (20). De facto, evidência recente indica que quando os profissionais se sentem pressionados, não só pela entidade empregadora (pressões de cima, por exemplo, obrigar o profissional a seguir padrões de colegas), mas também pelos seus clientes ou alunos (pressões de baixo, por exemplo, alunos ou clientes pouco autodeterminados), tendem a adotar comportamentos mais controladores, pois têm a constante necessidade de demonstrar o seu valor, o que pode inclusivamente levar a quadros de exaustão emocional (7).
Estes resultados dão suporte à TAD, na medida em que sugerem que entidades empregadoras que, ao invés de pressionarem, potenciem a satisfação das necessidades psicológicas básicas dos profissionais, i.e., autonomia, competência e relacionamento positivo, contribuem para que os profissionais desenvolvam regulações comportamentais mais internas. E profissionais que experienciem regulações comportamentais mais autodeterminadas, tendem a utilizar estratégias de suporte às necessidades psicológicas básicas do seu cliente (3, 7), com potenciais consequências positivas no que respeita à mudança comportamental por parte destes. Resultados similares foram encontrados num estudo com fisiologistas do exercício, verificando-se que estes apresentavam maior satisfação das necessidades psicológicas básicas em contexto de trabalho, bem como motivações de melhor qualidade, maior satisfação profissional e envolvimento no trabalho (9). Resultados semelhantes foram ainda observados num estudo com enfermeiros (10).
Por outro lado, os resultados do presente estudo sugerem também que nutricionistas/dietistas com motivação externa e amotivação para o trabalho tendem a utilizar estratégias controladoras para com os seus clientes, demonstrando menos interesse, não dando valor aos seus esforços e envolvendo-se menos no processo, como verificado em estudos anteriores (6, 24).
Algumas das associações observadas neste estudo foram dependentes do grau de satisfação profissional, da carga horária semanal e dos anos de experiência. Por exemplo, as associações entre os vários tipos de pressão e a motivação intrínseca para o trabalho deixaram de ser significativas quando se consideraram estas variáveis. De facto, alguns estudos mostram que fatores como a idade e a carga horária parecem estar associados a mau estar psicológico por parte dos profissionais de saúde (25). Num estudo com médicos de várias idades, observou--se que os mais jovens enfrentavam grandes níveis de pressão para aumentar os seus conhecimentos, assim como estavam sujeitos à pressão do tempo, pois eram menos experientes e levavam mais tempo para concluir as tarefas; consequentemente, aumentavam o número de horas no serviço e eram os que apresentavam maiores níveis de esgotamento (25). Apesar de a maioria dos nutricionistas/dietistas ter revelado níveis moderados a elevados de satisfação profissional, não podemos descurar o facto de alguns revelarem níveis baixos. O burnout é uma realidade nas profissões de saúde e alguns estudos demonstram que a baixa satisfação no trabalho pode levar a este estado de exaustão emocional, podendo inclusivamente ser um sintoma (25). Estudos futuros deverão avaliar esta realidade nos nutricionistas/dietistas.
Uma das limitações do presente estudo prende-se com a sua natureza transversal, não permitindo determinar inferência causal. Outra limitação está relacionada com o facto das estratégias motivacionais terem sido auto-reportadas: o viés associado à desejabilidade social pode aumentar a indicação da utilização de estratégias de suporte e diminuir a indicação da utilização de estratégias controladoras. Adicionalmente, apesar dos questionários utilizados neste estudo estarem validados internacionalmente, as versões adaptadas que aqui se utilizaram ainda não estão validadas para a população portuguesa e para este contexto (nutrição clínica) em específico. Estes instrumentos dependem profundamente do ambiente cultural intrínseco às populações em que são utilizados, sendo, por isso, inevitável a investigação das suas características psicométricas. O facto de não estarem validados exige assim que os resultados deste estudo sejam interpretados com cautela e confirmados em estudos futuros. Ainda que se tenha feito cálculo amostral, o facto de não ter sido usado um fator de ponderação para o género e idade impossibilita que a amostra garanta a representatividade dos nutricionistas/dietistas registados na ON.
Tudo ponderado, parece ser importante que os nutricionistas/dietistas percecionem o seu ambiente de trabalho como sendo facilitador da satisfação das suas necessidades de autonomia, competência e relacionamento positivo, e não como avaliativo, intimidativo ou fonte de pressão contante, para que se sintam mais realizados, motivados autonomamente e, assim, utilizem estratégias de suporte às necessidades psicológicas básicas dos seus clientes. Para se criar um ambiente promotor das necessidades psicológicas básicas nos nutricionistas/dietistas será importante, por exemplo, que a entidade empregadora permita que o nutricionista/dietista prescreva planos alimentares individualizados ao invés de impostos por terceiros, promova oportunidades para o seu desenvolvimento profissional ou iniciativas de team building, e que envolva o nutricionista/dietista nas tomadas de decisão do seu serviço ou da própria instituição que o emprega. Dessa forma, será possível que os nutricionistas/dietistas desenvolvam perceções mais positivas do seu ambiente de trabalho e, consequentemente, sintam maior satisfação das suas necessidades psicológicas básicas, desenvolvendo motivações de melhor qualidade e implementando estratégias motivacionais de suporte às necessidades básicas dos seus clientes.
CONCLUSÕES
Conclui-se assim com o presente estudo que a perceção de um ambiente de trabalho de pressão (seja por constrangimentos de tempo ou por autoridade da entidade empregadora) por parte dos nutricionistas/dietistas se associa a regulações comportamentais mais controladas e ao uso de estratégias motivacionais controladoras na sua prática clínica, podendo comprometer o sucesso do cliente. Contrariamente, maior autodeterminação nestes profissionais está associada ao uso de estratégias motivacionais de suporte para com os seus clientes, podendo ser a chave para o sucesso.
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Inês Santos
CIPER, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa,
Estrada da Costa, 1499-002 Cruz Quebrada-Dafundo, Portugal
Recebido a 28 de julho de 2020
Aceite a 18 de setembro de 2020