INTRODUÇÃO
O amianto é um conjunto heterogéneo fibroso mineral, de ocorrência natural, com diversas propriedades físico-químicas, entre as quais se destacam o bom isolamento térmico e acústico, a resistência elevada (altas temperaturas, produtos químicos, corrosão, danos mecânicos e ao fogo)1. Estas propriedades são a razão para que tenha sido muito usado no passado, principalmente na indústria da construção, estando presente em revestimentos e coberturas de edifícios à prova de fogo, telhas de fibrocimento, placas de teto falso e caldeiras, por exemplo1.
Em Portugal, desde 1 de Janeiro de 2005 que a sua utilização e comercialização está proibida, de acordo com o disposto na Diretiva 2003/18/CE, tendo sido transposta internamente para o Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de Junho2,3.
O amianto apresenta perigo para a saúde ao dispersar-se no ar sob a forma de fibras muito pequenas, que quando inaladas podem provocar doenças, como a Asbestose, o Mesotelioma ou o Cancro do Pulmão1,4. Trata-se de um agente cancerígeno de classe 1, ou seja, pode provocar cancro no ser humano, pelo que qualquer exposição ao amianto deve ser reduzida1,4,5. Estas fibras microscópicas, por sua vez, depositam-se nos pulmões, onde permanecem por tempo prolongado. As doenças manifestam-se vários anos ou mesmo décadas após a exposição1,6.
Contudo, se o material estiver bem conservado, não ficar sujeito a agressões diretas e nem estiver friável, a sua presença nos materiais de construção representa um baixo risco para a saúde, no entanto, a quebra da integridade do material leva à libertação de fibras para o ar ambiente1,4.
A manipulação do amianto está sujeita ao cumprimento de normas europeias e nacionais. De acordo com o Decreto-Lei nº 266/2007, de 24 de Julho, que diz respeito à proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais de exposição ao amianto, o valor limite de exposição para todos os tipos de amianto é fixado em 0,1 fibra/ cm31,4,7. Segundo a Organização Mundial da Saúde, em caso de exposição em geral da população, e atendendo ao facto que a exposição ao amianto pode dar-se por via respiratória, via cutânea e por ingestão, o limite de concentração das fibras em suspensão no ar deverá ser inferior a 0,01 fibra/ cm31,4,8.
Os autores relatam um caso de exposição ocupacional a amianto.
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
Apresenta-se o caso clínico de um trabalhador do sexo masculino, de 70 anos, leucodérmico, apto sem condicionamentos para o trabalho.
A nível de antecedentes pessoais há que referir uma Apendicectomia há mais de 30 anos e uma Pneumonia Adquirida na Comunidade há 2 anos, tratada com antibiótico em ambulatório, sem intercorrências. Nega outros antecedentes relevantes. Nega hábitos tabágicos, embora refira uma anterior exposição em contexto ocupacional, na Restauração.
É Gestor Hoteleiro e de Restauração há cerca de 40 anos. O seu Hotel sofreu obras de remodelação há 19 e 9 anos, onde o trabalhador manteve uma presença assídua, de forma a supervisionar os trabalhos. Para além da Gerência, também lida, quando necessário, com a manutenção dos vários equipamentos, como fogões e refrigeradores. Diariamente, a sua atividade laboral carateriza-se por se deslocar ao mercado para realizar as compras para o Restaurante, colabora no serviço às mesas e nos pagamentos ao balcão, assim como também fica encarregue da receção durante o horário noturno. Iniciou a sua atividade profissional aos 9 anos numa mercearia e, posteriormente emigrou para França aos 22 anos, onde permaneceu durante 5 anos, para trabalhar na construção civil onde construía e montava pavilhões industriais com cobertura de amianto. Refere outras ocupações como bricolage, agricultura, caça e criação de aves (nomeadamente galinhas, perus e patos).
Recorre à sua médica de família por quadro de tosse seca intermitente, por vezes produtiva de predomínio matutino, com vários meses de evolução. Nega perda de peso, anorexia, sudorese, febre, dispneia e fadiga. Ao exame objetivo destaca-se uma auscultação cardíaca rítmica e sem sopros aparentes, uma auscultação pulmonar com diminuição do murmúrio vesicular bibasal sem ruídos adventícios aparentes e sem baqueteamento digital.
Solicitou-se a realização de análises e eletrocardiograma, os quais não apresentavam alterações relevantes. Realizou também uma Radiografia Torácica que revela espessamento pleural marginal no andar médio do hemitórax direito, oclusão do seio costofrénico homolateral e extensas opacidades irregulares bilaterais nos andares médios, provavelmente pleurais, sem outras alterações aparentes da transparência pleural ou parenquimatosa. Apresentou também um índice cardiotorácico aumentado (Figura 1).
Para esclarecer estas alterações radiográficas, pediu-se uma Tomografia Computorizada Torácica, que revelou extensos espessamentos pleurais com placas cálcicas bilaterais, relacionadas com paquipleurite, sugestiva de Asbestose. O parênquima pulmonar apresenta estrias fibro-cicatriciais, particularmente nas bases, bronquiectasias de tração, enfisema para-cicatricial bilateralmente, mais evidente nas bases (Figura 2).
O trabalhador foi referenciado à consulta de Pneumologia, onde lhe foram pedidos novos exames. Realizou um Ecocardiograma, o qual revelou insuficiência cardíaca ligeira, sem sinais de hipertensão pulmonar ou outras alterações significativas. Para avaliar a função respiratória, realizou um Estudo Funcional Respiratório, sem alterações, sendo normais os volumes pulmonares, débitos e as resistências das vias aéreas e a difusão alveolocapilar. Perante a história ocupacional detalhada e os dados imagiológicos, diagnosticou-se Asbestose. Explicou-se a doença ao trabalhador e que não existia tratamento curativo, recomendando-se uma vigilância regular e um controlo de sintomatologia, caso esta se desenvolva. Prescreve-se a vacinação contra a gripe e pneumonia, assim como se reforçou a importância de uma vigilância anual.
Dado o diagnóstico de Asbestose, procede-se à Participação Obrigatória de Doença Profissional9,10,11. Tanto no Hotel, como no Restaurante, não se encontraram materiais com amianto. Os fatores de risco (nomeadamente mecânicos e psicossociais) a que está exposto o trabalhador são já conhecidos de outras vistorias, não limitando a sua atividade. Por parte da Saúde Ocupacional, constata-se que o trabalhador está apto e adaptado ao posto de trabalho.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A Asbestose é uma doença pulmonar fibrótica crónica, em regra de exposição ocupacional, ou pneumoconiose, causada pela inalação de fibras de amianto. A exposição prolongada a estas fibras pode provocar fibrose pulmonar e dispneia. Os sintomas podem ser ligeiros a graves e, normalmente não aparecem até vários anos ou décadas após a exposição. Normalmente, o período latente entre o pico de exposição ao amianto e o diagnóstico é de 20 a 30 anos12.
Sabe-se que quanto maior for o tempo e a intensidade da exposição ao amianto, maior será a probabilidade de ocorrência de Asbestose e de maior gravidade13.
Os sinais e sintomas tendem a ser inespecíficos, pelo que, a história ocupacional é orientadora para uma suspeita clínica. Os trabalhadores de risco são, entre outros, os construtores civis, os serralheiros, os operários de estaleiros e de ferrovias12,13.
A Asbestose assemelha-se clinicamente à Fibrose Pulmonar Idiopática. No entanto, a Asbestose normalmente tem uma progressão lenta, enquanto a Fibrose Pulmonar Idiopática progride rapidamente. Daí ser importante o estabelecimento de um nexo causal, com a recolha de uma história clínica ocupacional minuciosa12,13.
Embora inespecífica, a dispneia é um dos sintomas mais frequentes. Quando ocorre dispneia de esforço associada com crepitações na auscultação, uma avaliação mais exaustiva deverá ser considerada. Com a progressão da doença, as provas de função pulmonar revelarão um padrão restritivo. A avaliação radiológica faz-se com radiografia torácica e com tomografia computorizada torácica. A radiografia ainda é considerada o exame mais utilizado para o estudo dos trabalhadores expostos ao amianto. Podem ser observadas pequenas opacidades irregulares, maioritariamente nos dois terços inferiores dos lobos pulmonares, que sugerem compromisso pulmonar e, em estadios mais avançados, poder-se-á notar maior acentuação do infiltrado intersticial, a culminar com padrão em favo de mel. Estas alterações não são específicas de Asbestose, mas quando associadas a placas pleurais, o diagnóstico de Asbestose torna-se uma probabilidade real a ser considerada, pelo que o nexo causal deverá ser indagado. A Tomografia Torácica, usada atualmente com muita frequência, com imagens de alta resolução, também revela aumento do reforço intersticial, predominantemente nas bases, sendo o padrão favo de mel um sinal tardio.
Com uma história de exposição ocupacional ao amianto significativa e, com os achados típicos na Tomografia Computorizada Torácica, a biópsia pulmonar raramente é necessária para estabelecer-se o diagnóstico6,12,13.
Atualmente, não existe nenhum tratamento que altere o curso natural da Asbestose. O tratamento assenta no alívio dos sintomas, como da dispneia e da tosse. A cessação tabágica é fundamental uma vez que o tabaco aumenta o risco de desenvolvimento de cancro do pulmão nos indivíduos com história de exposição ao amianto. Também é fundamental a profilaxia de infeções respiratórias, sendo que os indivíduos com Asbestose deverão ser vacinados contra a gripe e pneumonia. Não menos importante, deverá ocorrer uma eliminação ou redução da exposição ao risco6,12,13.
O trabalhador deverá manter uma vigilância regular uma vez que existe um risco de progressão da doença, nomeadamente para neoplasia pulmonar. A Asbestose, de uma forma geral, apresenta uma progressão lenta, contrariamente a outras entidades relacionadas com a exposição ao amianto, como o Mesotelioma, que, por sua vez, já apresenta muito mau prognóstico. A vigilância passa por uma avaliação clínica anual, com controlo da evolução sintomática, por radiografia torácica e por provas de função respiratória. Nos trabalhadores com maior exposição cumulativa, recomenda-se o seguimento por tomografia computorizada torácica6,12,13.