1. Introdução
1.1. O Instituto de Arte Contemporânea
O percurso do ensino de design no Brasil se apresenta como uma teia complexa de agentes, instituições e eventos que atravessam pelo menos meio século de história, sendo o início da segunda metade do século XX referenciado, em geral, como o ponto de partida de sua institucionalização (De Moraes, 2005 ; Leon & Montore, 2008; Leon, 2014). Compreender essa complexidade pressupõe debruçar-se sobre tais elementos, de forma isolada ou relacionada, e indagar-se, entre outras coisas, a respeito dos processos históricos que os conformaram.
Nesse sentido, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), setenta anos após sua abertura, ainda suscita indagações a respeito de suas atividades e seus personagens, cuja problematização é pertinente para se pensar o design no contexto brasileiro. O IAC abrigou o primeiro curso de desenho industrial (ou design, como aponta Leon, 2014) do Brasil. Foi fundado por Pietro M. Bardi e coordenado por Lina Bo Bardi como uma extensão das atividades desenvolvidas no Museu de Arte de São Paulo, dirigido também por Pietro à época.
O curso, que funcionou entre 1951 e 1953, fez parte de um conjunto de iniciativas de Bardi que tinha como objetivo instruir a elite paulistana e moldar seu gosto estético de forma que passassem a apreciar a arte e o design modernos e, com isso, pudessem se tornar patrocinadores do MASP (Ibid.). A Revista Habitat e o próprio museu, com seus cursos livres, incluem-se nessas iniciativas. O IAC trazia o objetivo adicional de formar os designers que fariam a ponte entre esses ideais de Bardi e as indústrias, o que acabou não se concretizando plenamente àquele momento.
1.2. Aproximação à Bauhaus
Bardi buscou, desde o momento do planejamento do currículo da escola até anos depois, quando escreveu sobre ela em suas publicações, aproximar o IAC de duas outras referências no ensino de design: o Institute of Design de Chicago e a Bauhaus, especificamente a Bauhaus-Dessau. O Institute of Design de Chicago é entendido como uma espécie de continuação, ou tentativa de continuação, dos esforços da Bauhaus, encabeçada por Lazlo Moholy-Nagy, que lecionou na escola alemã.
Assim como na Bauhaus e no Institute of Design de Chicago, o IAC incluía um curso preliminar, obrigatório a todos os alunos, e, no ano seguinte, estes escolhiam entre algumas oficinas que trabalhavam com diferentes materialidades de forma prática, entre elas, a oficina de tecelagem, além de oficinas de pedra, madeira, cerâmica, metal, vidro e tapeçaria. Klara Hartoch foi a responsável pela oficina de tecelagem e pelos cursos livres de tecelagem que o MASP promovia (Habitat, 1952). Bardi a utilizava como uma maneira de aproximar o IAC da Bauhaus de forma mais direta: o diretor do museu apresentava Klara como ex-aluna da Bauhaus-Dessau, e afirmava que ela teria sido aluna de Anni Albers.
Leon (2014) defende que essa aproximação não pode ser confirmada; de acordo com a autora, o nome de Klara Hartoch não consta nos documentos da Bauhaus-Dessau nem da Bauhaus-Berlim, fase final da escola, que foi fechada por conta do contexto de ascensão do nazismo na década de 1930, entre outras dificuldades (Droste, 2006). A autora levanta uma possibilidade: Hartoch pode ter tido outros sobrenomes ao longo de sua vida e ter mudado de nome ao vir para o Brasil, o que não seria uma prática incomum no contexto já mencionado de ascensão nazista na Alemanha.
Almeida (2022) confirma que Hartoch utilizava outros sobrenomes anteriormente: nasceu Klara Kaufmann e, após o primeiro casamento, usou Klara Friedländer. Após o segundo casamento, passou a usar Klara Hartoch. Tanto o sobrenome Kaufmann quanto Friedländer não foram encontrados nos arquivos da Bauhaus, em consulta realizada por Almeida entre 2019 e 2020.
1.3. Klara Hartoch e Anni Albers
Apesar de a filiação de Klara Hartoch à escola alemã não ser uma possibilidade concreta, conforme apontado acima, é perceptível que seu trabalho e sua contribuição ao IAC e ao MASP de maneira geral possuem similaridades com o trabalho desenvolvido nas oficinas de tecelagem da Bauhaus e de outras escolas de design ao redor do mundo, como o próprio Institute of Design de Chicago. Sua produção dialoga especificamente com a oficina de tecelagem da Bauhaus no período de Dessau, que foi caracterizada por projetos têxteis que traziam consigo uma estética menos experimental e mais em consonância com a produção industrial do que aqueles desenvolvidos no período de Weimar, dirigida também por Gropius (Droste, 2006). Isso porque o trabalho de Hartoch é entendido no contexto de uma produção têxtil moderna, pela a qual a Bauhaus é costumeiramente creditada numa história hegemônica do design.
O trabalho Klara Hartoch no IAC e no MASP guarda semelhanças, especialmente, com o trabalho de Anni Albers. Essa aproximação pode ser observada quando se reflete sobre uma questão ainda relativamente pouco explorada quando se menciona o trabalho de Klara (ao menos no material ao qual o autor teve acesso aqui): suas referências a técnicas, matérias-primas e motivos indígenas, fertilmente exploradas no Primeiro Desfile da Moda Brasileira, de 1952. Este projeto foi mais um dos empreendimentos de Bardi para o fomento do design no Brasil, com o objetivo específico de “estimular a autonomia da nossa moda como expressão das reais necessidades populares” (Bardi, 1952), conforme mencionava uma das cartas escritas pelo diretor do museu à época. Klara e outros personagens do IAC, como Roberto Sambonet e Lilli Correia de Araújo, referenciavam técnicas e motivos indígenas em sua produção direcionada a esse desfile, como aqueles advindos de artefatos marajoara (Habitat, 1952).
Albers, similarmente, é reconhecida por introduzir à oficina de tecelagem da Bauhaus (e levar consigo ao longo de sua carreira) as técnicas têxteis de culturas pré-colombianas, como Incas, Huari, Chancay etc. (Albers, 1965; Troy, 1999). Ela estudou as complexidades dessas técnicas que atravessaram séculos de história e as adaptou àquilo que era proposto pela Bauhaus em termos de design moderno. Esse sincretismo, dos elementos locais empregados em serviço de um ideal universal de modernidade, encontrou respaldo principalmente na fase de Dessau dirigida por Hannes Meyer, quando as oficinas de tecelagem da escola estabeleceram um contato mais sólido com a indústria alemã (Droste, 2006; Smith, 2014) e Albers se utilizou de seus estudos a respeito dos processos têxteis pré-colombianos para facilitar a estandardização de sua produção (Troy, 1999).
1.4. Problema de pesquisa
Nas literaturas consultadas pelo autor a respeito de ambas, não são traçados paralelos entre suas obras, ou entre os contextos nos quais foram desenvolvidas. Leon (2014) esclarece apenas a questão relativa à hipotética e esquiva filiação de Hartoch à Bauhaus aludida por Bardi. Almeida (2022) contribui para a desmistificação dessa hipótese e aponta para aspectos mais relevantes da produção de Hartoch no Brasil que vão além de apenas uma possível ligação à escola alemã.
Aponta-se aqui, então, a oportunidade para uma investigação acerca das aproximações mencionadas acima entre o trabalho de Hartoch no Primeiro Desfile da Moda Brasileira e o de Albers, justificando-se a partir da necessidade de se refletir sobre a interação entre projetos de design têxtil e formas culturais locais, como as culturas indígenas aqui mencionadas. A partir dessa introdução de suas trajetórias e dos contextos nos quais estiveram inseridas, é possível delinear as questões norteadoras do artigo:
1. Quais são algumas das aproximações e os distanciamentos entre a forma como Klara Hartoch e Anni Albers incorporaram referências a culturas indígenas latino-americanas em seus trabalhos?
2. De que forma o uso dessas referências contribui para a construção de um imaginário acerca das culturas indígenas, explorado no design moderno ao longo do século XX?
2. Metodologia
A pesquisa de abordagem qualitativa a partir da qual este artigo surge é descrita como uma pesquisa histórica, tendo em vista que trata principalmente da análise e interpretação de fenômenos passados aos quais só se tem acesso por meio de fontes bibliográfico-documentais (Rodrigues, 1978; Richardson, 2010). Entende-se, a partir de Leedy (2015), que a pesquisa também inclui componentes do estudo de caso múltiplo, onde dois ou mais objetos de estudo, aqui observados em diferentes recortes espaço-temporais, são observados em profundidade.
Como descrito nas seções acima, o objetivo é realizar um estudo comparado entre trabalhos das designers mencionadas. Assim, o artigo busca levantar e identificar dados referentes a dois locais diferentes, sendo o primeiro deles o IAC, e, no caso de Albers, optou-se por trabalhar com uma posterior ao período em que esta lecionou no Black Mountain College. Ambos os recortes estão localizados na mesma década: 1950. Em seguida, se recorre à comparação desses dados entre si. Os autores elencaram quatro categorias para a realização dessa comparação sistematizada: referências, materiais, métodos/processos e resultados alcançados.
3. Estudo Comparado
Esta seção é focada no estudo comparado entre um projeto de Klara Hartoch e uma obra de Anni Albers, que serão sistematicamente comparadas entre si.
3.1. “Balaio” (1952) e “Rail” (1958)
Em termos de referências, processos e materiais, a realização de Hartoch (Fig. 1) - um têxtil utilizado no look “Balaio” do Primeiro Desfile da Moda Brasileira - evoca manualidades têxteis indígenas na medida em que emprega trançados de fibra de palha (remetendo às cestarias coloquialmente chamadas “balaios”) na trama do tecido, conjugados a fios de algodão na urdidura. A obra de Albers (Fig. 2) se utiliza do linho como matéria-prima e parte da referência ao método de tecelagem em gaze, estudado por ela a partir de têxteis pré-colombianos peruanos (Albers, 1965), possivelmente têxteis de origem Chancay, cuja produção incluía esse tipo de técnica (Arnold, 2019). Na gaze, os fios de urdume são cruzados entre si, formando um ou dois pares, intercalando-se à trama, como a designer aponta nos diagramas abaixo (Figs. 3 e 4):
Percebem-se similaridades entre os processos das duas obras: Hartoch entrelaça os fios da trama entre si, enquanto Albers o faz com os fios de urdume. Esteticamente, os resultados alcançados também se assemelham; nos dois casos, é produzido um efeito de tecido aberto e espaçado.
No entanto, por conta das diferenças nos materiais utilizados (fibra de palha, que apresenta certa rigidez, e linho, respectivamente), infere-se que os tecidos diferem em relação a sua sustentação: a realização de Hartoch é aplicada a uma espécie de corpete no look “Balaio” (Fig. 5), o que demonstra uma rigidez que não se percebe em “Rail”, cujos fios da trama pendem entre os fios de urdume.
Pensando nas aproximações e nos distanciamentos apontados entre as duas obras, é possível relacioná-las a um fragmento da obra On Weaving, que seria lançada na próxima década, em 1965:
Todo tecido resulta, sobretudo, de dois elementos: o caráter das fibras utilizadas na construção do fio - ou seja, a matéria-prima - e a construção da tecelagem em si. [...] As fibras, que são o material cru, podem ser flexíveis, e fiadas em um fio igualmente flexível, e ainda assim podem ser transformadas em um material rígido como resultado da tecelagem. [...] A implicação importante aqui é a influência de um desses fatores sobre o outro, as modificações pelas quais cada um deles passa, por meio da agência do outro, a intensificação ou diminuição de suas qualidades naturais, ou sua alteração (Albers, 1965, p. 41, tradução dos autores).
A produção de Klara Hartoch no IAC sublinha aquilo que é expressado no fragmento acima (também retomado em Smith, 2014), na medida em que a designer experimentou com diversas fibras, fios (como ráfia, palha, algodão, linho, lã, camurça, Chevron, plástico etc.) e variadas técnicas de tecelagem (MASP, 1952; Habitat, 1952), alcançando múltiplos resultados, muitos dos quais foram empregados no Primeiro Desfile da Moda Brasileira.
Novamente, apesar de não ser possível confirmar ou não a influência da produção de Albers na de Hartoch, é inegável que dividam processos similares em termos de design têxtil e da referência a culturas indígenas latino-americanas - alguns dos trabalhos de Hartoch no Primeiro Desfile da Moda Brasileira referenciavam assumidamente artefatos Marajoara, por exemplo, enquanto grande parte da obra de Albers faz referência a têxteis pré-colombianos andinos e mesoamericanos.
A forma como essas referências eram incorporadas e de onde elas partiam também são aspectos similares de seus trabalhos. Albers as incorporava em duas dimensões: nas técnicas têxteis exploradas por ela, e na dimensão estética de seus têxteis. O recorte da produção de Hartoch abordado aqui as incorpora, principalmente, a nível estético, mas também em termos de técnicas, como no caso dos fios de trama de “Balaio”. No caso de Albers, as referências vinham diretamente das técnicas têxteis dos artefatos pré-colombianos, mas também de seus elementos iconográficos e de elementos iconográficos de cerâmicas, metais e até de construções pré-colombianas, como o sítio de Monte Albán, que é referenciado em uma peça homônima da designer (Troy, 1999). Similarmente, Hartoch referencia técnicas têxteis e técnicas manuais como a cestaria, e também aspectos iconográficos da produção marajoara.
4. Design moderno e colonialidade
Dijon de Moraes (2005) e Nestor Garcia Canclini (1989) fornecem perspectivas interessantes para se pautar os trabalhos aqui discutidos. O primeiro elabora sobre o fato de que, no Brasil, o design (e a cultura no geral, mas aqui debate-se apenas o design) transitou ao longo do século XX entre dois elementos: de um lado, as influências externas, universalizantes, como a própria Bauhaus e, posteriormente, a HfG-Ulm (que viria a informar o projeto pedagógico da Escola Superior de Desenho Industrial em 1963, tida como o primeiro curso superior de desenho industrial no Brasil, conforme Cardoso, 2008), e do outro, a valorização de uma prática projetual que se utiliza do que é local, apoiando-se em formas culturais específicas de grupos como povos indígenas.
Esses elementos foram, na perspectiva de De Moraes, importantes para dar forma à modernidade brasileira, que se apresenta como uma amálgama de ambos. Ele utiliza o termo “mestiçagem” para nomear esse processo. Apesar de descrever um processo brasileiro, quando se pensa no trabalho de Albers desenvolvido na Bauhaus e, posteriormente, no Black Mountain College, também se percebe a sobreposição dessas influências universalizantes e das culturas locais.
Canclini se utiliza de um outro termo, “hibridação”, para descrever “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (Canclini, 2019, p. 19), descrição que, inicialmente, parece se relacionar com os processos documentados nos trabalhos de Hartoch e Albers.
Mais que isso, no entanto, acredita-se que as questões levantadas por Canclini e De Moraes, apontadas acima, podem ajudar a traçar uma reflexão mais profunda acerca do discurso de design moderno fomentado pela Bauhaus, continuado pelo Black Mountain College e, décadas depois, resgatado no IAC, especificamente no Primeiro Desfile da Moda Brasileira. Ora, quando se coloca os trabalhos de Hartoch e Albers em perspectiva, surgem uma série de questões em relação ao propósito desse “hibridismo” ou dessa “mestiçagem”, falando a partir dos termos levantados pelos dois autores mencionados, empregados no design moderno.
É perceptível, por exemplo, a construção de um imaginário hegemônico em relação às culturas indígenas referenciadas nas obras de ambas, dentro dos contextos em que foram concebidas. A Revista Habitat, fonte primária utilizada aqui na investigação sobre Klara Hartoch, em um artigo sobre têxteis marajoaras e incas, refere-se a essas culturas indígenas e suas práticas como “selvagens”, “primitivas”, “inespertas” [sic.] e “simples”. O artigo em questão se posiciona de duas maneiras diferentes, porém de semelhante efeito, a essas formas culturais: em alguns momentos, dando a entender que tais culturas seriam menos avançadas, ou atrasadas, em relação ao progresso ocidental moderno, numa perspectiva positivista. Em outros momentos, exotificando seus artefatos e condicionando sua relevância aos interesses do homem moderno, quando aponta, por exemplo, que um desses artefatos “poderia fazer as delícias de um pintor surrealista ou de um pintor abstratista. Haveria de agradar e muito a um Dalí, a um Miró, a Etchaurren ou a Max Ernst” (Habitat, 1952, p. 39).
Apesar de trazer uma abordagem mais sensível e menos ligada a conceitos colonialistas (como o de sociedades mais ou menos avançadas que outras), a obra de Anni Albers situa as culturas indígenas pré-colombianas em uma posição não menos subalterna, ao se apropriar de seus saberes (por meio de um processo de aquisição e coleção de obras pré-colombianas e o estudo destas, como apontado por (Kochman, 2017) e os empregar a serviço de um design moderno universalizante, como aquilo que era proposto pela Bauhaus e pelo Black Mountain College. Albers dedica o volume On Weaving a seus “grandes professores, os tecelões do antigo Peru” (Albers, 1965, p. 5), o que reforça que sua prática artística e projetual é construída principalmente utilizando esses saberes como norte.
Entende-se que, apesar do cuidado em relação às culturas em questão, a relação de Albers com elas é complexa e paradoxal, pois traz aspectos reminiscente de um passado colonial, mas não situa tais culturas como inferiores ao progresso ocidental moderno. Tanto Albers quanto Hartoch emergem de um contexto europeu e, no caso da primeira, um contexto norte-americano, o que complexifica ainda mais suas relações com tais culturas, pensando nas dinâmicas globais de poder ligadas a esses contextos para com a América Latina. No caso de Hartoch, é possível refletir ainda sobre o fato de que muitos dos personagens ligados à institucionalização do design no Brasil - e, especialmente, à proposição de um design moderno com características brasileiras, locais - vieram da Europa (Leon, 2014; Leon & Montore, 2008; Cardoso, 2008; Almeida, 2022).
À incorporação dos elementos indígenas aos esforços aqui debatidos se relaciona um fragmento de Galeano, que ajuda a refletir sobre os contextos evocados por essas práticas e oferece uma visão crítica e questionadora acerca delas, sem deixar de reconhecer sua complexidade:
É a América Latina, a região das veias abertas. Do descobrimento aos nossos dias, tudo sempre se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal se acumulou e se acumula nos distantes centros do poder. (Galeano, 2021, p. 18)
A partir disso, entende-se que os projetos de Albers e de Hartoch podem ter contribuído, em alguma medida, para a construção e manutenção do imaginário mencionado acerca das culturas indígenas por elas referenciadas, dado não apenas os contextos evocados, mas também o contexto em que essas produções se conformaram, onde a sobreposição do o moderno e do universal ao tradicional e vernacular era uma constante.
5. Considerações finais
A partir da análise e da comparação de obras de Klara Hartoch e Anni Albers, foi possível perceber algumas semelhanças e alguns distanciamentos nas maneiras como ambas as designers projetaram têxteis e qual o papel das referências indígenas latino-americanas em seus fazeres. São semelhantes a natureza de suas referências (iconografias e técnicas têxteis) e seu uso (a nível estético e tecnológico na produção de cada uma), bem como algumas das técnicas utilizadas pelas duas - nas realizações aqui analisadas, o entrelaçamento dos fios de urdume no caso de uma e dos fios de trama no caso de outra, com propósitos similares. Diferem principalmente os materiais usados nas obras, e os resultados se aproximam esteticamente em alguns aspectos e diferem em termos de estrutura.
Também foi possível, a partir de um olhar crítico à colonialidade, refletir a respeito de uma herança colonial presente no design moderno do século XX e sua interação com formas culturais locais. O uso de tais referências no trabalho de ambas remonta a contextos de exploração das culturas materiais e imateriais da América Latina por parte de agentes de contextos europeus e norte-americanos, além de sublinhar as diferenças entre o sentido universalizante do design moderno e o caráter vernacular das referências indígenas pré-colombianas em questão.
Para além disso, no entanto, nenhuma das duas designers trata tais culturas como defasadas ou inferiores em relação ao pensamento ocidental moderno, como era comum nos contextos em que elas produziram, - especialmente a obra escrita de Anni Albers - o que faz com que o debate em torno de seu papel na manutenção de um imaginário que subalterniza culturas indígenas seja, no mínimo, complexo e paradoxal, como muitos dos debates em torno da modernidade.
Esta é a principal reflexão que resulta do exercício aqui empregado: é pouco produtivo tentar rotular o papel dessas designers no design têxtil moderno a partir de perspectivas que ignorem a profundidade das relações de ambas com os referenciais mencionados, as caracterizando como isto ou aquilo. Ao menos pensando nos aspectos aqui investigados, não é possível - nem desejável - chegar a uma única definição de suas contribuições, pelo contrário. Evidentemente, o artigo se posiciona de forma a tecer uma crítica a tais processos no design moderno e no processo de institucionalização do design. As contribuições pessoais de cada um dos agentes desse processo, no entanto, merecem mais atenção e minúcia, para que não sejam reduzidas a uma única dimensão.
Pensando em dar continuidade à reflexão aqui apresentada e expandir o debate em torno da dicotomia universal-vernacular no design moderno e no trabalho de Anni Albers, o projeto pretende seguir investigando e problematizando as referências pré-colombianas incorporadas à sua prática ao longo de sua trajetória na Bauhaus e no Black Mountain College, pensando em aprofundar o entendimento em torno da diversidade de técnicas e de formas culturais apropriadas por ela.