1. Introdução
Os últimos trinta anos têm sido caracterizados por uma expressiva mobilização do campo acadêmico do Design, particularmente dos estudos sobre sua história, no sentido de ampliar os conteúdos até então existentes desde que a História do Design deixou de ser um tema de interesse particular de alguns pesquisadores pioneiros para se tornar presença obrigatória no percurso de formação dos profissionais. Ainda assim, as lacunas são grandes em determinadas áreas, como é o caso da história do Design de Interiores.
Os estudantes, de modo geral, são prejudicados pela escassa literatura estrangeira e nacional que aborda especificamente esse segmento. As raras publicações com alguma consistência são em língua estrangeira e de pouco acesso em virtude de seu custo. Além disso, a maior parte desses conteúdos se restringe à abordagem sobre estilos, apresentando em uma sequência cronológica aqueles que foram mais presentes nos grandes centros de influência da Europa e dos Estados Unidos, o que é importante, sem dúvida, mas não contempla todas as facetas da atividade. No caso do Brasil, os estudantes são obrigados a fazer inferências entre publicações que tratam sobre a história do mobiliário e a história da Arquitetura nacionais.
O objetivo deste artigo, que foi bastante reduzido para fins desta publicação, é contribuir para ampliar o que se sabe sobre a história do Design de Interiores, acompanhando uma parte de seu processo de profissionalização. Por meio de uma ampla revisão de literatura, buscou-se construir um texto de fácil comprensão que ajude o leitor a compreender a profissionalização desse segmento em grandes centros estrangeiros que se tornaram referência para o desenvolvimento da profissão em outros países, como o Brasil.
2. Do decorador ao designer de interiores
A atividade hoje denominada Design de Interiores decorre da anteriormente conhecida Decoração de Interiores ou simplesmente Decoração, e seu conceito veio sendo ampliado ao longo do tempo à medida que as características da vida moderna e contemporânea passaram a demandar um conjunto de ações mais complexas e específicas para o ato de se projetar os espaços de vivência e uso do ser humano.
É possível perceber em autores como Massey (2008) e Lees-Maffei (2008) a preocupação em apresentar o desenvolvimento do Design de Interiores pelo recorte da profissionalização, entendida como o “processo de desenvolvimento de uma atividade em uma profissão geralmente reconhecida, através da criação de organizações profissionais, articulação e monitoramento de padrões e códigos de conduta, instituição de rotas educacionais claras e meios de avaliação” (Lees-Maffei, 2008, p. 1). Nesse sentido, por meio da abordagem dos principais centros de influência desde o século XVIII, este artigo apresenta o precesso de reconhecimento da profissão pela sociedade, um processo que, de certa forma, antecede a institucionalização da atividade por meio da criação de organizações profissionais, estabelecimento de normas e legislação e/ou criação de espaços de formação acadêmica.
2.1. A experiência francesa do final do século XVII até meados do século XVIII
Durante os reinados de Luís XIV, o “Rei Sol” (1643-1715), e Luís XV, “o Bem Amado” (1715-1774), o contexto socioeconômico francês foi um terreno propício para mudanças de paradigmas no modo de viver da aristocracia. A extravagância voltada para a ostentação pública de riqueza e poder, com valorização extrema das aparências e dos protocolos comportamentais, foi gradativamente substituída por um estilo de vida confortável baseado na ideia de privacidade e um interesse pelo bem-estar e pela informalidade.
O conceito de conforto como necessidade para a vida cotidiana era praticamente inexistente. O mais importante era a criação de espaços de vivência que pudessem ser admirados e que reforçassem a posição privilegiada ocupada pela aristocracia. Nesse sentido, a ênfase recaía sobre edificações grandiosas, fachadas imponentes e ambientes deslumbrantes feitos para impressionar. Nesses ambientes, uma ornamentação profusa e rica recobria os elementos arquitetônicos, tais como paredes, tetos, pisos, portas, janelas, escadas e guarda-corpos, enquanto o mobiliário ocupava uma posição secundária (Dejean, 2012; Gibbs, 2013).
No século XVIII ocorreu uma mudança de paradigma. Os interiores passaram a ser entendidos como ambientes para viver o quotidiano da família, pensados para funções específicas, dispostos tendo em vista o conforto e a privacidade de quem os utilizava, influenciando, inclusive, o projeto das edificações. O desejo de acomodação confortável e vida informal proliferou na Paris do início do século XVIII e tornou-se realidade graças às possibilidades econômicas da elite financeira emergente. Pela primeira vez, os novos-ricos - aqueles sem origem nobre, mas com alto poder aquisitivo devido à riqueza adquirida em sua própria geração (e não por herança familiar) - puderam e moraram como as famílias mais tradicionais do país. Foi um período marcado por grande efervescência na criação de novidades, no qual os fabricantes se dedicaram a imaginar a vida das pessoas e a produzir objetos que atendessem às suas necessidades. Nesse contexto, entre outros artefatos, surgiram a cômoda, a mesa de cabeceira, a penteadeira e o sofá; e o mobiliário deixou de desempenhar um papel subordinado e passou a ter destaque no âmbito das Artes Decorativas (Dejean, 2012).
Na França, já na primeira metade do século XVIII, a arte de projetar espaços de forma elegante, prática e confortável - conhecida na época como Decoração de Interiores - ganhou importância e tornou-se necessária. Afinal, em meio a tantos objetos domésticos, era real a procura por indivíduos que fossem capazes de articular harmoniosamente os diversos aspectos do mundo da Decoração. Inicialmente, os arquitetos envolvidos no projeto do edifício assumiram essa atividade. Com a crescente independência da Decoração em relação à Arquitetura, surgiu um novo tipo de profissional: o decorador. A demanda permitiu que negociantes, carpinteiros e estofadores aproveitassem a oportunidade e passassem a orientar seus clientes - e o fizeram por menos dinheiro que os arquitetos (Dejean, 2012). No entanto, no final do mesmo século, a França já não ditava o gosto europeu. O país perdeu influência devido a seu enfraquecimento político e econômico. A Inglaterra, por outro lado, começou a se destacar como líder comercial e como potência colonial dominante no mundo, experimentando grande prosperidade devido, sobretudo, à riqueza gerada por suas fábricas com o advento da Revolução Industrial (Massey, 2008; Dejean, 2012).
2.2 A experiência inglesa: meados do século XVIII ao final do século XIX
Durante o reinado (1837-1901) da Rainha Vitória (1919-1901), o Reino Unido viveu um período de grande prosperidade e relativa paz. A chamada Era Vitoriana, em termos decorativos, caracterizou-se pelo uso excessivo de ornamentos, mistura de estilos do passado, energia e vitalidade. Embora muitos contemporâneos tenham percebido o Estilo Vitoriano como expressão da falta de refinamento e apuro estético decorrentes das mudanças no modo de produção dos objetos (Pile & Gura, 2014), é inegável que ele também refletia a nova dinâmica estabelecida, em contextos industrializados, entre uma oferta crescente de produtos a um custo menor e as classes emergentes ávidas por mostrar sinais externos de sua ascensão.
As mudanças que se consolidavam na estrutura social e econômica no contexto da Revolução Industrial foram particularmente sentidas na Inglaterra, uma vez que o país era protagonista do processo de industrialização desde meados do século XVIII. Experimentava-se uma nova maneira de viver diferente de qualquer outra experimentada até então (Massey, 2008; Pile & Gura, 2014; Pevsner, 2001). Uma grande variedade de inovações tecnológicas surgiu para os interiores domésticos com o objetivo de aumentar o conforto dos moradores, como a modernização dos sistemas de encanamento de água, de iluminação e de aquecimento. Paralelamente, as grandes lojas de departamentos começaram a oferecer seções de artigos para o lar como tapetes, papéis de parede, tecidos, luminárias, vasos e outros itens de decoração (Coleman, 2002). Se, havia bem pouco tempo, as pessoas comuns possuíam poucos objetos em seus lares - lembrando que esses poucos objetos eram de origem manufatureira - muitas já eram as opções de artefatos industrializados disponíveis para a configuração das casas (Pile & Gura, 2014). Os objetos produzidos em massa, com baixa qualidade e sem refinamento estético, contribuíram para que fosse atribuído ao novo estrato social que os consumia - a classe média - a ideia de mau gosto e falta de sofisticação (Massey, 2008).
Essa classe média, resultante da riqueza gerada pelas fábricas e dos novos modelos de negócios, era constituída por produtores industriais autônomos, profissionais ligados à indústria, vendedores, bancários, agentes de seguros, contadores, entre outros (Pile & Gura, 2014). Era um estrato social que desejava viver com mais conforto, usufruir dos benefícios das inovações tecnológicas e também externar sua prosperidade por meio da Decoração de Interiores de suas residências, sem, contudo, possuir o bom gosto e o refinamento tradicionalmente inerentes à aristocracia (Massey, 2008). No estrato social imediatamente acima estavam os nouveaux riches, donos das novas fortunas do final do século XIX. Além de conforto e externalização de prosperidade, eles queriam, ainda, demostrar poder por meio da decoração de suas casas (Brooker & Stone, 2014).
A demanda por um profissional que pudesse atender aos desejos desses segmentos emergentes estimulou comerciantes do ramo, artesãos, marceneiros e estofadores a ampliarem seu escopo de clientes e a oferecerem sugestões de decoração e layouts às residências das classes médias. Não houve conflito com os arquitetos que, na época, estavam mais interessados em edifícios públicos e comerciais ou em projetos nos quais pudessem assumir total controle, tanto da estrutura arquitetônica quanto dos interiores (Brooker & Stone, 2014; Edwards, 2010). A demanda também foi uma oportunidade para que muitos aristocratas, em situação de decadência financeira, pudessem utilizar o seu bom gosto e a sua sofisticação de berço para auxiliar os novos ricos na decoração de suas casas (Gibbs, 2013). Diversos entusiastas, especialmente mulheres, cada vez mais ofereciam os serviços de Decoração de Interiores.
2.3 A experiência estadunidense do início do século XX
Nos Estados Unidos, havia o entusiasmo pelo Ecletismo historicista, ou seja, pela imitação e pela mistura de estilos do passado conforme conveniência (Massey, 2008). Havia necessidade, portanto, de profissionais que soubessem criar interiores que se harmonizassem com a arquitetura do edifício para que o desejado efeito de cultura, prosperidade e status fosse obtido (Pile & Gura, 2014).
No final do século XIX e início do século XX, o contexto socioeconômico norte-americano possibilitou a contratação e a valorização de indivíduos que atuassem na Decoração de Interiores, dos quais se esperava apurado senso estético e capacidade de selecionar e coordenar tecidos, revestimentos de pisos e paredes, móveis, iluminação e uma paleta de cores para os cômodos que lhes conferissem suntuosidade (Massey, 2008; Brooker & Stone, 2014).
O decorador típico era treinado para conhecer os estilos históricos, para ser hábil em reunir os muitos elementos que compõem um interior e, muitas vezes, ser um especialista em aquisição de antiguidades, obras de arte e tudo o que fosse necessário para concluir um projeto. […] A capacidade de encantar, persuadir e ajustar-se aos caprichos dos clientes ricos eram habilidades essenciais (Pile & Gura, 2014, p. 314).
De modo geral, pode-se dizer que, desde o início do século XVIII, artesãos, estofadores, marceneiros, varejistas, arquitetos e entusiastas exerceram a atividade de Decoração de Interiores, oferecendo aconselhamentos sobre o arranjo e a composição dos espaços a partir da noção de bom gosto, de bom senso e de um talento natural (Massey, 2008; Dejean, 2012; Gibbs, 2013; Edwards, 2010). No entanto, como explicam Massey (2008), Gibbs (2013) e Brooker & Stone (2014), antes do século XX, a profissão não existia; foram as mudanças sociais e as circunstâncias econômicas desse século que possibilitaram a ascensão do decorador de interiores.
Lees-Maffei (2008), contudo, antecipa o processo de profissionalização da atividade para a década de 1870 e destaca a crescente participação feminina nesse processo. Em 1876, por exemplo, as primas Agnes (1845-1935) e Rhoda Garrett (1841-1882) publicaram o livro House Decoration in Painting, Woodwork and Furniture. Em 1877, a norte-americana Candace Wheeler (1827-1923) fundou, na cidade de Nova York, a Society of Decorative Art - dedicada ao treinamento de artistas e artesãs para as Artes Aplicadas e a comercialização de suas criações; em 1895, publicou o artigo Interior Decoration as a Profession for Women. Candace Wheeler foi uma das pioneiras em uma área até então dominada por homens e foi, também, uma grande promotora da empregabilidade feminina (Massey, 2008; Edwards, 2010).
A norte-americana Edith Wharton (1862-1937) e seu compatriota Ogden Codman Jr. (1863-1951) publicaram, em 1897, o livro The Decoration of Houses, obra cuja relevância durou mais de quarenta anos e na qual defenderam que a essência da atividade do decorador consistia em adequar o mobiliário e os demais objetos aos interiores de uma arquitetura tradicional de base europeia, aplicando estilos clássicos de forma simétrica e proporcional (Coleman, 2002; Edwards, 2010).
Mas é Elsie de Wolfe (1865-1950), contemporânea de Wharton e, durante algum tempo, discípula de sua abordagem, que a maioria dos autores considera como pioneira na profissão de Decoração de Interiores nos Estados Unidos (Massey, 2008; Lees-Maffei, 2008; Gibbs, 2013; Pile & Gura, 2014; Coleman,2002; Edwards, 2010; Hinchman, 2013; Turpin, 2007). Atriz e socialite, Wolfe chamou a atenção de seu círculo de amigos quando decorou a própria casa, transformando típicos quartos vitorianos em ambientes de estilo mais leve. Com os convites que se seguiram para decorar as casas de amigos, muitos deles com grande influência social, ela ganhou projeção e notoriedade (Pile & Gura, 2014).
Segundo Massey (2008), Elsie de Wolfe estabeleceu um padrão para o exercício da atividade, que posteriormente seria utilizado por outros decoradores. Tratava-se de um trabalho comissionado com 10% de todo o custo empreendido na decoração, incluindo viagens à Europa para coletar informações sobre móveis e tecidos, a manutenção de um extensivo contato social com clientes em potencial e o uso do antigo estilo francês. Edwards (2010) [8], contudo, explica que Wolfe
[...] estava entre os primeiros “decoradores” a receber um pagamento por seus serviços de decoração, em vez de uma comissão sobre a venda de móveis comprados por meio de um varejista. Essa mudança no processo de pagamento significou uma revisão da percepção de uma atividade diletante para uma abordagem profissional (Edwards, 2010, p. 55).
Seja como for, a Decoração de Interiores norte-americana viveu o seu auge nas décadas de 1920 e 1930, registrando um aumento significativo de pessoas interessadas em se aventurar na área, principalmente mulheres, provavelmente inspiradas no sucesso de Elsie de Wolfe. Assim como ela, muitos dos primeiros decoradores de interiores eram autodidatas e não receberam treinamento formal específico. Contudo, ainda nos anos 1930, uma nova geração, com treinamento formal e abordagem comercial, viria ocupar seu espaço (Massey, 2008; Hinchman, 2013).
Nancy McClelland (1877-1959) desempenhou importante papel no processo de profissionalização da atividade. Como membro fundador do American Institute of Interior Decorators, do qual, inclusive, foi a primeira mulher a ocupar a presidência (1941-1944), McClelland recomendava aos interessados em atuar na área que buscassem capacitação em uma escola de Artes Aplicadas para aprender a desenhar, receber um treinamento em Arquitetura e desenvolver um conhecimento técnico sobre cores. Considerava importante a realização de viagens pelo aspirante a decorador de interiores que, segundo ela, permitiria a aquisição de conhecimentos relacionados à iluminação, materiais, história, móveis, tapetes, pinturas e ornamentos (Lees-Maffei, 2008; Edwards, 2010).
Frequentar cursos de treinamento formal foi se tornando fundamental para os novos decoradores de interiores à medida que as inovações tecnológicas da época - tais como o telefone, banheiros e cozinhas sofisticados, elevadores e iluminação elétrica (Gibbs, 2013) - modificavam substancialmente o modo de viver, exigindo dos profissionais capacidade para integrar esses novos produtos e tecnologias aos projetos (Pile & Gura, 2014).
2.4 A influência das produções da Europa
Importantes acontecimentos na Arte, na Arquitetura e na cultura em geral marcaram a segunda metade do século XIX na Europa. Quanto aos estilos decorativos, destacam-se os movimentos Arts and Crafts e Art Nouveau. Em resposta à queda de qualidade dos bens produzidos por meio de processos industriais, o Arts and Crafts defendia a permanência do trabalho artesanal e acreditava ser necessário educar as pessoas para que fossem capazes de perceber a qualidade dos objetos. Embora contrário ao desenvolvimento industrial, o movimento teve longa duração, de 1860 a 1910, e foi tão amplo que, nascido na Grã-Bretanha, espalhou suas ideias pelos países da Europa Central e pelos Estados Unidos. Algumas das ideias defendidas pelo movimento, como a rejeição ao historicismo, o uso de formas despojadas, a preocupação com a funcionalidade mais do que com a aparência e, mais importante, a convicção de que os objetos seriam os responsáveis pela qualidade de vida das pessoas, seriam exploradas, nas décadas seguintes, pelo Modernismo (Hauffe, 1996; Julier, 1993).
Por volta de 1880 surgiu, na Bélgica, o Movimento Art Nouveau. Rapidamente assumido e impulsionado pela França, desenvolveu-se por quase todo o continente europeu, tendo atingido seu auge em 1900 para entrar em declínio na década seguinte. O Art Nouveau compartilhava com o Arts and Crafts a rejeição ao historicismo e a busca por uma alternativa para as Artes Decorativas, mas diferia de seu contemporâneo britânico por sua aceitação da intervenção da máquina e dos benefícios trazidos pelos avanços tecnológicos, ainda que muitas de suas criações tenham sido artesanais (Hauffe, 1996; Julier, 1993).
O Movimento Art Nouveau assumiu expressão diferenciada conforme o país de ocorrência, bem como denominação própria em cada um deles, porém sempre afirmando seu desejo pelo novo, mesmo quando buscava referências - e não modelos - no passado. Duas vertentes agrupam os estilos dos países que aderiram ao movimento. De um lado, com inspiração na natureza, uma linguagem dinâmica que enfatizava as formas orgânicas e explorava a curvilinearidade. De outro lado, uma linguagem mais sóbria e estática, na qual predominavam a geometria e a retilinearidade. Esta vertente foi assumida pela Deutscher Werkbund, importante associação alemã criada em 1907, em Munique, que objetivava a promoção de um design de excelência a partir da interação entre arte, indústria e artesanato e cujo papel no desenvolvimento do Modernismo foi significativo (Hauffe, 1996; Julier, 1993).
O Modernismo - ou Movimento Moderno - foi um “novo movimento filosófico progressista cujo objetivo era remodelar a sociedade através da experimentação e da aplicação inovadora do conhecimento científico e da tecnologia” (Fiell & Fiell, 2019, p. 106). Os designers e arquitetos alinhados ao Movimento Moderno, assim como seus antecessores do Arts and Crafts, acreditavam ser possível uma reforma social, que se daria por meio do emprego de processos mecânicos e industriais que viabilizariam, para um maior número de pessoas, os benefícios de objetos projetados para serem funcionais e racionais, produzidos de maneira eficiente e com uma estética baseada na simplicidade formal de um estilo que fosse democraticamente acessível a todos. Esse novo espírito surgiu em diversos contextos geográficos - futuristas italianos, construtivistas russos e neoplasticistas holandeses -, mas foi entre os alemães, após a Primeira Guerra Mundial, que se consolidou, associado à trajetória da famosa Escola Bauhaus (1919-1933) e à diáspora de seus integrantes durante a ascensão do III Reich.
O Funcionalismo, expressão estilística do Movimento Moderno, se caracterizava pela ausência de ornamentação, predominância das formas geométricas, uso de uma paleta de cores restrita e a preferência por espaços amplos e interconectados que valorizassem a funcionalidade. Os objetos - móveis, eletrodomésticos, artefatos, entre outros - deveriam ter a forma decorrente da função pretendida. O ornamento, portanto, outrora tão valorizado, não tinha lugar de destaque no estilo (Massey, 2008; Pile & Gura, 2014; Pevsner, 2001).
O Funcionalismo Moderno alcançou notoriedade a partir de 1932, ficou conhecido como International Style, ultrapassou as fronteiras da Europa Continental e teve bastante influência na produção norte-americana. No que diz respeito aos interiores, de certa forma, devolveu aos arquitetos o protagonismo na concepção dos ambientes que deveriam reforçar e complementar os valores da nova linguagem arquitetônica - simplicidade, funcionalidade, racionalidade e universalidade. O fato de o Funcionalismo Moderno ter-se tornado uma linguagem internacional - International Style e posteriormente ter sido assumido pelas elites como um clássico do modernidade - Good Design, contribuiu para legitimar o trabalho desenvolvido pelos arquitetos alinhados às ideias do Movimento e que também atuavam na concepção de mobiliário, luminárias e outros objetos.
Um dos momentos mais prolíficos da Decoração de Interiores, no entanto, foi o período compreendido entre as duas guerras mundiais, no qual, paralelamente ao Movimento Moderno, e com um poder de penetração muito grande, vigorou o estilo Art Deco. Esse estilo vinha sendo gestado pelos franceses como uma tentativa de retomada de sua influência internacional desde que o Art Nouveau começou a dar mostras de desgaste, mas só ganhou reconhecimento generalizado depois de 1925 quando da realização da Exposition des Arts Décoratifs et Industriels Modernes em Paris. O evento foi de grande impacto e influência, e a maior parte dos pavilhões era francesa, com destaque para as grandes lojas de departamentos (ex. Galerie Lafayette, Printemps e Au Bom Marché) que, inclusive, já haviam criado setores específicos para Decoração de Interiores (Massey, 2008).
Nos vinte anos que separam as duas guerras mundiais, intercaladas por uma recessão econômica, é possível identificar dois segmentos: de um lado, os ainda muito ricos que procuravam profissionais para projetos exclusivos e que demandavam uma modernidade suntuosa; de outro, uma classe média sem recursos para contratar profissionais específicos e que buscava ideias nas revistas especializadas, em show rooms de lojas de departamentos, em cenários de filmes ou de espetáculos teatrais. Para estes, as agruras da guerra e da recessão poderiam, e foram, mascarados por uma opulência barata que os novos materiais industriais conseguiam fornecer.
O Art Deco foi, portanto, um estilo moderno, mas que não compartilhou com o Movimento de mesmo nome as ideias de despojamento, funcionalidade e simplicidade produtiva. Transitando entre a tradição francesa do passado e a incorporação de formas modernas de nítida influência cubista, atendendo a grandes fortunas ou se tornando acessível comercialmente nos grandes magazines, o Art Deco explorou formas geométricas não regulares, cores extravagantes, modismos e exotismos da época (ex. cultura do Jazz, arte primitiva africana e mesoamericana, elementos egípcios) e revelou profissionais de diferentes linguagens como Emile Jacques Ruhlmann (1879-1933), Eileen Gray (1878-1976) e Donald Deskey (1894-1989). Acima de tudo, seu sucesso entre clientes e profissionais foi por permitir a adesão de designers e usuários a uma modernidade glamourosa que ainda sobrepunha a individualidade ao estilo universal defendido pelo Movimento Moderno, cuja forte vinculação à Arquitetura tornava os ambientes internos quase uma extensão das edificações, enquanto no Art Deco, ainda que a Arquitetura tenha tido manifestação bastante significativa, os ambientes eram criados de forma independente, fazendo convergir o estilo do profissional e o gosto do cliente e contemplando uma variada gama de possibilidades.
A ascensão do decorador de interiores foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial. Entretanto, no contexto de expansão econômica do pós-guerra nos Estados Unidos - e também na Europa -, a atividade de Decoração de Interiores refloresceu, ganhou força e se estruturou como Design de Interiores, contando com designers menos confiantes no bom gosto natural e mais confiantes na educação formal (Massey, 2008; Pile & Gura, 2014).
2.5 A experiência estadunidense do pós-guerra
A expansão econômica do pós Segunda Guerra Mundial, sobretudo nos Estados Unidos, favoreceu o reconhecimento do potencial estratégico do Design de Interiores para o mundo dos negócios e consagrou uma nova geração de profissionais especializada em projetos comerciais (Massey, 2008). O crescimento, em número e importância, das propriedades comerciais foi decisivo para que o Design de Interiores se tornasse uma prática distinta da Decoração de Interiores (Guerin & Martin, 2004), uma vez que, em termos projetuais, as formas de abordar o espaço residencial e o espaço corporativo eram distintas (Coleman, 2002).
Um expressivo conjunto de novas tecnologias havia transformado os espaços do mundo corporativo. Materiais sintéticos substituíram os materiais naturais, paredes de gesso (as chamadas dry walls) garantiam flexibilidade na divisão dos ambientes, forros estruturados possibilitavam a instalação e fácil manutenção de placas acústicas, iluminação e sistemas de circulação de ar, estes dois últimos também inovados pelas lâmpadas fluorescentes e pelos sistemas de condicionamento do ar que substituíram as janelas como fonte de luz e ventilação (Pile & Gura, 2014). Além disso, o número crescente de empresas trouxe a necessidade de que cada corporação tivesse sua identidade comunicada por meio de uma imagem que refletisse sua importância, fosse ela uma marca, sua arquitetura ou os ambientes de trabalho (Coleman, 2002).
O Modernismo, expresso nas formas e nas cores do International Style, havia se tornado norma para o trabalho de designers de interiores do pós-guerra (Pile & Gura, 2014). A sociedade, entretanto, estava novamente em mudança. O auge do consumo nos Estados Unidos dos anos 1950 e na Europa da década seguinte caracterizou-se pelo aumento exponencial da oferta de objetos para o lar, especialmente os eletrodomésticos, estimulando as pessoas a exercitar, como nunca antes, o poder de escolha que lhes era oferecido, disseminando a ideia de que não era preciso ter receio em expressar o próprio gosto. Como consequência, a autoridade dos formadores de opinião sobre o bom gosto erodiu-se, provocando confusão no entendimento do que ele se constituiria, um árduo questionamento às propostas modernistas e uma diversidade de estilos como forma de possibilitar o reflexo de identidades individuais (Massey, 2008).
2.6 O Design de Interiores do final do século XX e início do século XXI
Na década de 1970, os cânones modernistas estavam desacreditados, bem como o International Style. A crítica recaía sobre a produção de edifícios iguais, sem personalidade, sobre a aridez causada pelo abandono total dos elementos decorativos e sobre a configuração de uma estética elitista, incompatível com a sociedade da década que apresentava grande diversidade. Houve, então, uma busca por novas possibilidades estilísticas que incorporassem as novas tecnologias e os novos materiais, resultando em uma grande diversidade de propostas ecléticas e experimentais de novos estilos, como, entre outros, o High-Tech, o Pós-modernismo, o Modernismo tardio, o Desconstrutivismo e o Minimalismo (Massey, 2008; Pile & Gura, 2014; Coleman, 2002). Nos anos 1980, a mistura de estilos viria a se estabelecer como gosto popular e industrial dominante (Baxter, 1991), lançando as raízes do que vivenciamos neste início de século: a diversidade, a quebra de barreiras, a variedade e as ilimitadas possibilidades (Pile & Gura, 2014).
Denúncias sobre uma iminente crise provocada pela poluição decorrente da produção industrial surgiram ainda nos anos 1970, permitindo a percepção da incompatibilidade entre o estilo de vida pautado no consumo de bens materiais e a disponibilidade de recursos naturais para a sua sustentação, o que viria a se tornar o maior dilema para as sociedades na pós-modernidade (Massey, 2008; Pile & Gura, 2014; Baxter, 1991).
No âmbito do ambiente construído, o contínuo desenvolvimento tecnológico, mais uma vez, modificava a natureza dos espaços. Iluminação artificial, calefação, ar condicionado, sistemas de transporte vertical e outras inovações foram incorporadas às edificações. Ao mesmo tempo em que proviam (e ainda provêm) conforto e facilidades, provocavam (e ainda provocam) grande consumo de recursos naturais. No campo do Design de Interiores, discussões começaram a trazer à tona a possibilidade de uma abordagem projetual que considerasse o conservar em detrimento do consumir, e o campo passou a assumir responsabilidades referentes à sustentabilidade no trato do ambiente construído (Pile & Gura, 2014). A ideia da sustentabilidade aplicada ao Design de Interiores associa-se ao compromisso de minimizar os impactos negativos causados ao meio ambiente, reduzindo os níveis de problemas gerados pelo consumo de energia e água e pelo uso de materiais e métodos construtivos (Brooker & Stone, 2014).
Além do compromisso com o desenvolvimento sustentável, uma nova responsabilidade foi adicionada ao campo do Design de Interiores na virada para o século XXI: a de contribuir para a qualidade de vida das pessoas. Nos anos 1990, já era perceptível que a qualidade dos espaços - “[...] sua capacidade de apoiar pessoas em suas atividades [...]” - exercia grande influência na escolha dos indivíduos de onde estar ou trabalhar (Friedrichs, 2002, p. 22). Esse novo olhar para a forma como as pessoas utilizam e interagem com o ambiente construído redefiniu o trabalho do designer de interiores na medida em que, por meio do projeto de ambientes para as atividades humanas, constatou ser possível contribuir para a melhoria da saúde, da segurança e do bem-estar das pessoas (Pile & Gura, 2014).
Projetar espaços focando-se no humano exige do designer de interiores a capacidade de compreender o efeito da manifestação física do que ele projeta sobre as pessoas (Pile & Gura, 2014; Guerin & Martin, 2005). Demanda, em outros termos, compreender o significado sociocultural do ambiente que ele projeta. Isso porque esse espaço físico se transforma em espaço humano (ambiente) por ser uma construção de signos (símbolos) que influenciam fortemente o comportamento do(s) indivíduo(s) (Clemons & Eckman, 2011). Ainda para Guerin & Martin (2004; 2010), a essência da prática do Design de Interiores, neste início de século, está na promoção da saúde, da segurança e do bem-estar dos indivíduos por meio da criação de soluções para os seus ambientes de vivência que integram função, beleza e significado, o que, por fim, é capaz de proporcionar qualidade de vida.
3. Conclusão
O Design de Interiores sofreu grandes transformações desde seu início do século XVIII. Como Decoração de Interiores, a atividade, vinculada à ideia de luxo e ostentação, ficava sob responsabilidade de profissionais sem educação formal para o ofício, mas talentosos, criativos e com bom trânsito social, cuja abordagem projetual se baseava no domínio de estilos de época e na noção de bom gosto, bom senso e talento natural para a composição de cores, materiais, mobiliários, adornos e objetos de Arte para os interiores residenciais. As transformações da sociedade, nos séculos seguintes, trouxeram mudanças em diferentes campos, e os designers de interiores de hoje planejam os aspectos funcionais e estéticos do espaço, sempre com o foco nas pessoas, utilizando um processo projetual sistematizado e conhecimentos específicos adquiridos por meio da educação formal e experiência pessoal. Além disso, os profissionais da atualidade compartilham a ideia de que a profundidade e a amplitude dos conhecimentos necessários à projetação demandam o desenvolvimento de pesquisas aplicadas para subsidiar soluções que contribuam para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para o desenvolvimento sustentável.
Este artigo, apresenta uma visão sintética da trajetória histórica do Design de Interiores com enfoque em seu processo de profissionalização. Não é um ponto final, mas sim uma vírgula. Demanda complementação por futuros estudos com outras abordagens, como as linguagens utilizadas nos diversos períodos, a relação do campo com a Arquitetura e as Artes Plásticas, os grandes nomes de cada época e contexto geográfico, entre outros, na tentativa de oferecer melhor contextualização e compreensão deste fenômeno. Este trabalho pretende, apesar de suas limitações, ser de alguma valia para estudos vindouros.