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Revista Lusófona de Estudos Culturais (RLEC)/Lusophone Journal of Cultural Studies (LJCS)

Print version ISSN 2184-0458On-line version ISSN 2183-0886

RLEC/LJCS vol.8 no.1 Braga June 2021  Epub May 01, 2023

https://doi.org/10.21814/rlec.3224 

Artigo Temático

A Metrópole Carnavalizada: Os Blocos de Rua Como Performances Surrealistas e Situacionistas na Cidade do Rio de Janeiro

André Videira de Figueiredo1 
http://orcid.org/0000-0002-7133-2905

1Departamento de Ciências Sociais, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil


Resumo

O carnaval de rua do Rio de Janeiro, manifestação cultural em franco crescimento nas últimas três décadas, foi alvo de recentes investimentos ordenadores pelo poder público e pelos interesses mercantis. Uma das consequências desta intervenção foi a distinção dos blocos de rua entre oficiais e não-oficiais. É acerca deste segundo tipo de blocos, caracterizados pela espontaneidade e pela horizontalidade, que este artigo tratará, tomando como caso exemplar o Cordão do Boi Tolo. Tais manifestações consubstanciam vivências da cidade que se impõem, do ponto de vista estético e cultural, como experiências criativas de performatização dos corpos. Numa perspectiva política, estas manifestações constituem formas libertárias de ocupação do espaço público e de ressignificação dos usos da cidade. Unindo análise literária, reflexão sociológica e observação etnográfica, o artigo pretende discutir este carnaval de rua como um prolongamento inesperado das propostas surrealista e situacionista de reencantamento do mundo e de mani festação do maravilhoso. Conclui-se que a magia que a literatura opera no surrealismo continua sendo atualizada nas ruas e encruzilhadas do Rio de Janeiro pelos blocos carnavalescos, em sua oposição aos poderes institucionais e ao controle do mercado. É no gozo da cidade pelos foliões que a flânerie se converte em escrita criativa da realidade. É nas ruas da metrópole carnavaliza- da que a deriva se encontra enraizada nas mais antigas tradições da praça como espaço livre e gratuito de criação popular.

Palavras-chave: blocos de rua; carnaval de rua; cidade; situacionismo; surrealismo

Abstract

The street carnival in Rio de Janeiro, cultural manifestation in rapid growth in the last three decades, has been the target of recent investments by the government and commercial interests. One of the consequences of this intervention was the distinction of blocos de rua (street carnival groups) between official and unofficial. This article will deal with this second type of groups, characterized by spontaneity and horizontality, taking as an exemplary case the group named Cordão do Boi Tolo. Such manifestations substantiate city experiences that impose themselves, from the aesthetic and cultural point of view, as creative experiences of performatization of bodies. From a political perspective, they are libertarian forms of occupation of public space and of redefining the uses of the city. Combining literary analysis, sociological reflection and ethnographic observation, the article intends to discuss this street carnival as an unexpected extension of the surrealist and situationist proposals for the re-enchantment of the world and the manifestation of the wonderful. It concludes that the magic that literature works in surrealism continues to be updated in the streets and crossroads of Rio de Janeiro by the blocos de rua, in their opposition to institutional powers and market control. It is in the enjoyment of the city by the revelers that the flânerie becomes creative writing of reality. It is in the streets of the carnivalized metropolis that the dérive is rooted in the oldest traditions of the square as a free space of popular creation.

Keywords: city; street carnival; street carnival groups; situationism; surrealism

Ainda vão me matar numa rua. Quando descobrirem, principalmente, que faço parte dessa gente que pensa que a rua é a parte principal da cidade. -Paulo Leminski, Quarenta Clics em Curitiba

Introdução

O carnaval de rua1 pode ser definido como um conjunto de manifestações populares, espontâneas e lúdicas que se distinguem, no Rio de Janeiro, do chamado “carnaval de avenida”, dos desfiles das grandes escolas de samba. Em contraposição a este carnaval de escolas, fundado em uma divisão rígida e fechada entre oficiantes e espectadores, e orbitando em torno da disputa entre agremiações, o carnaval de rua pressupõe a participação ativa e livre do folião, que “brinca” à festa sem nenhum outro objetivo que não a diversão propriamente dita. Sua forma organizativa mais comum são os blocos, entendidos como grupos carnavalescos populares, semi-organizados, não-competitivos e não-comerciais (ou pelo menos gratuitos), que tipicamente saem em cortejo pelas ruas da cidade (embora também possam existir blocos parados). A experiência dos blocos de rua implica a ressignificação dos espaços da cidade, retirados do seu cotidiano e tornados objetos de investimentos afetivos. Tais experiências de apropriação simbólica do espaço urbano constituem formas de resistência política (deliberadas ou não), de afirmação da presença na rua como um direito, mas também de resistência cultural, pela reivindicação de modos particulares de performatizar essa presença. Se tais manifestações carnavalescas se opõem tipicamente aos poderes institucionais e à autoridade constituída, se dirigem também a modalidades de controle do comportamento que se manifestam de forma difusa no plano da cultura, sobre as formas de viver o cotidiano. Trata-se, portanto, de afirmar vivências da cidade que se impõem tanto do ponto de vista estético e cultural, como experiências criativas de performatização dos corpos, quanto do ponto de vista político, como formas libertárias de ocupação do espaço público.

Uma abordagem desta natureza, do transitar livre e espontâneo pela cidade como forma de resistência aos controles sistêmicos do poder e do dinheiro, encontra sua melhor genealogia nas interseções entre o pensamento social e a literatura. Isso se dá desde a concepção baudelaireana do flâneur (e o modo como ela foi reapropriada pela poética surrealista e pela praxis situacionista) até ao modo como este personagem encontra seu outro no folião, modalidade exusíaca de fruição da rua e da praça (Simas, 2020). É neste percurso teórico (e prático) que encontraremos os antecedentes poéticos e políticos das atuais formas de ocupação e significação da cidade do Rio de Janeiro pela folia carnavalesca. O carnaval de rua, em sua máxima potencialidade libertária, é um estar na cidade pela extrapolação do brincar e pela performatização dos corpos a partir da busca pela realização dos desejos. Pode ser pensado, neste sentido, como um prolongamento inesperado dos programas surrealista e situacionista para a cidade do Rio de Janeiro.

Tal pressuposto demanda o estabelecimento das conexões entre a literatura e a vida cotidiana como formas de produção de significados sobre a cidade. À análise literária se seguirá, portanto, a tentativa de compreensão dos modos como o carnaval de rua do Rio de Janeiro se configurou nas últimas décadas a partir do improviso e da recusa às tentativas de normatização. O Cordão do Boi Tolo, bloco criado em 2006, será tomado não apenas como um tipo-ideal deste modelo de Carnaval, mas como sua extrapolação, ultrapassando a condição de bloco e convertendo-se em uma ambiência imersiva. A partir das interseções entre a flânerie e a deriva literárias e as experiências concretas do carnaval de rua, sobretudo as minhas próprias2, buscarei perceber esta festa como manifestação objetiva do reencantamento surrealista do mundo e da cidade, em sintonia com a busca daqueles poetas pelo encontro entre a arte e a práxis vital.

Aqui, o trabalho de campo estabelece interseções com a escrita literária, como em um jogo de espelhos. Para os surrealistas, as deambulações do poeta-flâneur pela cidade constituem outra forma de percepção do maravilhoso, complementar à prática da escrita literária. Juntas, a flânerie e a escrita constituem para Walter Benjamin (1929/1987) a forma suprema da iluminação profana surrealista. A etnografia, por sua vez, pode ser pensada não apenas como transposição do método surrealista da collage, que constrói imagens pela superposição de realidades distintas e descontextualizadas (Clifford, 1981/2000), mas como experiência do acaso objetivo, no qual os significados emergem pela projeção da subjetividade desejante sobre os objetos (Farias, 2003). Neste processo, desafios metodológicos similares se impõem ao flâneur e ao etnógrafo como investigadores do seu próprio cotidiano. Em sua tentativa de se converter no “camponês de Paris”, Louis Aragon (1928/1996) assume uma atitude que antecipa aquela da antropo logia, pelo estranhamento do familiar, que buscarei ao analisar minha própria experiência do Carnaval. Para os situacionistas, a subjetividade individual do experimentante, desde que em sintonia com outras vozes de seu tempo, poderá pôr “esse tempo em harmonia com nossos desejos” (Vaneigem, 1967/2002, p. 12).

Assim, meu próprio olhar será complementado por entrevistas de outros participantes do carnaval de rua não-oficial, tendo em vista colocar essa experiência em perspectiva. Para este artigo, foram entrevistados organizadores e músicos de diferentes blocos da cidade do Rio de Janeiro. Entre os citados, Tomás Ramos é criador e organizador do BlocAto Nada Deve Parecer Impossível de Mudar e do movimento Ocupa Carnaval, que articula blocos do carnaval não-oficial em ocupações políticas da rua; Clemente Momberao é fundador do Technobloco e do Bloco do Bagunço. Ambos os entrevistados, entretanto, participam de diversos outros blocos da cidade. Além disso, foi entrevistado um fundador e organizador do Cordão do Boi Tolo, cuja identidade será mantida em sigilo, considerando-se o caráter não-oficial do bloco e a possibilidade de aplicação de sanções do poder municipal sobre seus organizadores. Todas as entrevistas foram con- cedidas ao autor em dezembro de 2020.

A Escrita da Cidade: O Flâneur, o Derivante e o Folião

Nenhum personagem encarnou tão bem o sujeito moderno das grandes cidades quanto o flâneur. De Balzac a Edgar Alan Poe, de Victor Hugo a Karl Marx, o pensamento europeu do século XIX reconheceu nesse deambulador o personagem central da vida moderna, cujo grande cenário é a rua. Ninguém cantou o flâneur, entretanto, com tanto entusiasmo quanto Charles Baudelaire (1863/1995), que o definiu como um residente da rua, da qual é cronista e filósofo, um observador apaixonado da multidão. João do Rio (1995) definiu o flâneur por uma dupla condição: “ser vagabundo e refletir (…) ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem”, em suma, “perambular com inteligência” (p. 5). O desenvolvimento da flânerie, estilo de vida que é também forma de pensamento, corresponde à conformação de um certo tipo de cidade, a dos grandes bulevares e das galerias comerciais, mar de rostos desconhecidos e potencialmente perigosos (Benjamin, 1938/2000). Nela, o flâneur se mistura com outro tipo urbano, a boêmia, composta pelos revoltosos e conspiradores que, por sua vez, se confundem com a ralé dos trapeiros e prostitutas (Benjamin, 1938/2000). Juntos, compartilham a condição de classes perigosas e compõem uma espécie de protesto vivo contra a ordem vigente e as investidas racionalizantes das reformas sobre o tecido urbano da capital francesa.

Se Benjamin (1938/2000) percebe o potencial contestador da flânerie, não lhe escapam, por outro lado, suas limitações no processo de reinvenção da cidade. Para ele, o flâneur é tanto potente investigador urbano e crítico da vida objetiva das cidades como tipo decadente rendido ao fetichismo da mercadoria. Serão os surrealistas, herdeiros literários da flânerie no século XX, aqueles que resgatarão tanto a sua capacidade demiúrgica quanto seu potencial crítico e iconoclasta. Em 1924, o surrealismo declarou guerra ao capitalismo, à sociedade burguesa e à racionalidade ocidental, sobretudo quanto aos efeitos de tais fenômenos sobre o espírito humano: a morte do maravilhoso, o desencantamento do mundo e a redução da vida à dimensão instrumental e técnica (Breton, 1924/2001). Entretanto, um dos grandes mistérios que habitam o pensamento surrealista, um de seus golpes dialéticos mais certeiros, talvez seja o equilíbrio elegante entre a denegação completa da modernidade e a assunção da cidade, palco da vida moderna, como seu habitat legítimo. Não restam dúvidas sobre o rebaixamento humano pelo advento da vida moderna, sua ciência, sua técnica e suas máquinas. Das prensas jornalísticas ao maquinário psiquiátrico, todo o mundo burguês é uma ofensa à humanidade. A vida espiritual deste mundo de engenhosidades técnicas é pobre, carente e saudosa da magia da vida campestre e do encantamento do onírico (Breton, 1924/2001). Mas é às cidades que o surrealismo recorre. É nas suas ruas que os encontros fantásticos ocorrerão, que os objetos revelarão o maravilhoso e que o acaso objetivo produzirá as imagens surrealistas pelo fogo que surge do chocar-se de distintas realidades.

Ao deambular “para baixo e para cima” pelos bulevares, sem objetivo determinado e ao sabor das coincidências, o flâneur surrealista torna-se vetor da produção de significados profundos a partir do não planejado e do contingente. Como na experiência da escrita automática, a flânerie se converte em método de investigação e tecnologia de produção de novos sentidos (Löwy, 2000/2018). Esse livre andar opera como vetor dos encontros verdadeiramente importantes, quer seja com amigos, amores ou parcerias intelectuais (Breton, 1928/2007). Além de laboratório de estudo, as ruas são também o campo de batalha da revolta surrealista. É à noite que os cavaleiros-poetas planejam seu assalto às cidades, para implodí-las desde dentro e desde baixo, arrastando para o fundo das águas, onde tudo é lento e enferrujado, as máquinas da burguesia e do capital (Breton, 1924/2001). O flâneur surrealista passeia pelas lojas condenadas pelas reformas urbanas, atropeladas pelo bulevar que leva o nome do barão reformista do século anterior, como quem revisita as barricadas da Comuna de Paris. Revela não apenas o caráter transitório das cidades, mas os conflitos em torno de tais mudanças. Percebe, nos cartazes colados nas vidraças e nas páginas dos jornais de bairro, os ecos de uma guerra civil, uma reação ao som das picaretas que destroem a velha Paris em nome do progresso (Aragon, 1928/1996).

Resultado da dupla jornada da literatura e da flânerie, a cidade é, segundo Benjamin (1929/1987), a obra suprema dos surrealistas e a síntese do seu espírito de revolta. A experiência do acaso objetivo supera a embriaguez do flâneur oitocentista pela natureza inebriante da mercadoria, substituindo o prazer do desejo de consumo pelo gozo da consumação do desejo. Esse rompimento com o caráter reificado da flânerie se consumaria, décadas mais tarde, na prática situacionista da deriva, forma de experimentação das ambiências urbanas orientada pela livre entrega às solicitações do terreno e dos encontros (Debord, 1958/2003c). A deriva revela a paixão dos situs pela pesquisa de novos modos de vida nas cidades, mais livres e autônomos, em negação radical do caráter espetacular de um mundo dividido entre performatizadores e público (Debord, 1957/2003b, 1967/1997). Sua prática permite a construção de situações que convocam os sujeitos a agirem como vivenciadores, criando um campo favorável à criação e realização de seus desejos e tornando-se, no melhor sentido dos surrealistas, “um passeio encantado no reino da Liberdade” (Lövy, 2000/2018, p. 14). Contra a redução da existência ao funcionalismo racionalista, aos ditames da ordem e às seduções da promessa capitalista (Internacional Situacionista, 1959/2003), as ruas são experimentadas pelos derivantes como o terreno para um jogo apaixonante (Debord 1955/2003a), necessariamente cole- tivo, participativo e colaborativo, voltado para a construção de novos significados sobre a cidade, sobre as relações e sobre a própria vida cotidiana (Jorn, 1958/2003).

A flânerie e a deriva encontrarão desdobramentos inesperados no Rio de Janeiro, cidade que João do Rio (1995) descreve pelo cotidiano das experiências de subversão da ordem e das misturas. O olhar do flâneur descobre uma trama inventada por aquelas classes perigosas que formaram seu caldo de cultura e contra as quais a própria urbe, planejada, tornou-se um instrumento de contenção (Simas 2020). Esta flânerie carioca revela uma cidade de invenções e inversões, de misturas e interpenetrações, de deslocamentos e frestas. Aqui São Jorge figura como a ponte entre Ogum e o guerreiro nórdico Sigurd, Carlos Gardel “baixa” em centro espírita com um espírito tupinambá ao bando neon e chorões misturam música europeia e ritmos africanos. É nas suas ruas que Zé Pelintra, entidade rural, se urbaniza e se transforma no malandro, mistura carioca de flâneur e boêmio (Simas, 2020). É essa energia exusíaca que define o Rio de Janeiro, a alma encantadora e o corpo encantado de suas ruas. Para Simas (2020), “as ruas são de Exu” (p. 9), entidade tranformada em princípio político e epistêmico, manifesto cultural mente de diversas formas: de Legba, o deus das ruas e mercados do povo do Daomé, às pombagiras, donas de portões e encruzilhadas e arquétipos da liberdade das mulheres sobre seu corpo. Em contraposição ao oxalufânico3, definido como relativo à ordem e ao método, o exusíaco diz respeito à invenção e ao improviso, às imprevisibilidades e bre chas, à subversão e à inversão da ordem (Simas, 2020, p. 105). O princípio exusíaco das ruas cariocas se manifesta, segundo o autor, como princípio da criação no desconforto, forma de driblar a normatividade e a racionalidade moderna e resistência a um projeto civilizacional de matriz europeia.

É durante o Carnaval que as ruas do Rio de Janeiro são “exemplarmente exusíacas” (Simas, 2020, p. 105), que as relações se (des)organizam pela inversão e diluição das identidades, pela perda de rumos e pelos esquecimentos. É no Carnaval que a cidade é tomada por uma sensação de aventura e “angustioso imprevisto” (Rio, 2002, p. 27). O sujeito da experiência carnavalesca é o folião, tipo que pode ser pensado em uma dupla relação de continuidade e rompimento com as formas de ressignificação do espaço urbano pela flânerie e pela deriva. A presença do folião na cidade é performada sempre coletivamente. Seu gozo em ocupar o espaço público só tem sentido quando mergulhado numa massa indistinta que, por vezes, desafia a ideia de individualidade ao nível do próprio corpo. Envolvidos na catarse coletiva do Carnaval, os foliões se deixam levar pela onda humana, não raro fisicamente. Algumas experiências carnavalescas de rua são caracterizadas pela extrema concentração de pessoas, e o contato físico é naturalizado de forma incomum, às vezes como um inconveniente inevitável, muitas vezes como elemento definidor do próprio evento. O folião compartilha este apreço pela multidão com o flâneur, mas com uma diferença central: se o flâneur é o “homem da multidão”, seu gozo da rua é muitas vezes solitário. Em contrapartida, ninguém é folião sozinho. Além disso, há no gozo coletivo do folião um elemento de subversão da ordem que o define como uma categoria perigosa. Sua deambulação coletiva é anárquica e barulhenta, movimentosa e errática, alimentada a drogas e álcool. É verdade que a experiência do flâneur, inclusive em sua versão surrealista, é de gozo, mas trata-se de um deleite in- terno, civilizado, aburguesado. A Nadja por quem André Breton (1928/2007) se encanta nas ruas é, neste sentido, uma antecipação do espírito do folião: seu comportamento é errático, anárquico e essencialmente delirante. Mas Nadja, solitária na Paris da primeira metade do século XX, está deslocada no tempo e no espaço. Breton (1928/2007), afinal, não a suporta. Admite não estar pronto para ela.

O que acontece quando o flâneur encontra o folião? João do Rio (1995), o flâneur carioca por excelência, é tomado de absoluto pavor ao encontrar o cordão carnavalesco vindo em sua direção pela Rua do Ouvidor, no centro da cidade da primeira década do século XX. Tomada por uma multidão convulsionada, a rua parece prestes a “rebentar de luxúria e barulho” (Rio, 1995, p. 89). “Gargalhadas, risos, berros, uivos e guinchos” se unem ao “batuque confuso” e “epilético”, complementados pelo cheiro nauseante de perfume barato, poeira, ranço e álcool (Rio, 1995, pp. 89, 95). Escondendo-se de porta em porta do que considera um “pandemônio”, o cronista exclama: “oh, estes cordões! Odeio o cordão!” (Rio, 1995, pp. 90, 93). A esta aversão imediata pela anarquia carnavalesca do cordão se segue, entretanto, a compreensão pelo flâneur da importância do Carnaval não apenas como potência criativa das ruas e da alma do Rio de Janeiro, mas como expressão máxima de todos os sentimentos humanos. Mas esse encontro entre a flânerie carioca e a folia não é, em João do Rio (1995, 2002), apenas um jogo intelectual. O flâneur e o folião correspondem a distintas posições que, não sendo mutuamente excludentes, se manifestam em temporalidades distintas da urbe: aquele na sua vida cotidiana, este na excepcionalidade do período carnavalesco. Nesses “quatro dias paranóicos”, nos quais todos se entregam ao excesso, às extravagâncias e aos transportes da carne, o flâneur carioca se transfigura em folião, lançando-se no “vagalhão de volúpia e prazer” que toma toda a cidade (Rio, 2002, p. 28).

A experiência da deriva situacionista aproxima-se daquela do folião por seu caráter coletivo e lúdico. Distingue-se, entretanto, por sua qualidade reflexiva e mesmo intelectual. Inversamente, o carnaval de rua pode ser descrito pelos termos da deriva: o livre gozo da cidade em resposta aos estados afetivos imediatos e às solicitações dos encontros. Mas as solicitações do Carnaval são de qualidade ímpar, tornando a cidade uma “pornéia” na qual a honra e o bom senso se tornam fardos e onde “tudo é possível, os maiores absurdos, os maiores crimes” (Rio, 2002, p. 32). O folião é a expressão mais pura das energias da embriaguez que Walter Benjamin (1929/1987) encontra nos surrealistas, embora ali mediadas pela literatura e pela disciplina revolucionária. Do selvagem entrudo popular, passando pela balbúrdia presenciada por João do Rio diante dos cordões, até aos blocos que fizeram do seu brincar uma forma de resistência ao autoritarismo, o Carnaval chegou ao final do século XX sem perder sua potência subversiva da ordem. A emergência de blocos que, nas primeiras décadas do século XXI, fazem do seu estar na rua um desafio à oficialidade é mais um capítulo virtuoso na história da deriva carnavalesca.

Um Instrumento na Mão, uma Ideia na Cabeça

Após um longo período de esvaziamento, no contexto da modernização autoritária sob a ditadura militar, o carnaval de rua do Rio de Janeiro viveu, na segunda metade da década de 1980, um momento de revitalização. Esta “retomada carnavalesca” (Sapia & Estevão, 2012) se deu sobretudo em torno dos bairros da zona sul, protagonizada pela juventude intelectualizada de classe média que percebia, no novo panorama político do final do século, a possibilidade de sair às ruas para se expressar (Frydberg, 2017). Dimensão festiva do processo de redemocratização política, esta retomada orientava-se pelo sentimento de cidadania que tomava a sociedade brasileira (Pimentel, 2002). Tomando por mote um verso do samba “Plataforma”, de Aldir Blanc e João Bosco, “não põe corda no meu bloco”, o movimento orientou-se pela afirmação da rua como lugar livre para a fruição e da festa como uso principal da cidade. Os blocos propunham um estilo de Carnaval caracterizado pela crítica política e pela democratização da participação dos foliões, em contraposição à enfase anterior no modelo dos desfiles das escolas de samba como espetáculos turísticos (Sapia & Estevão, 2012).

Se estendendo até os primeiros anos do século XXI, este renascimento dos blocos se deu em paralelo à revitalização do chamado “samba de raiz” como forma de ocupação cultural do bairro da Lapa, que passava rapidamente da condição de bairro degradado à de pólo de entretenimento da juventude carioca. Seguindo a lógica da retomada carnavalesca, os blocos deste início de século ainda se organizavam em torno das rodas de samba e dos bares da cidade, mas agora tendo o centro como seu espaço preferencial. Sua musicalidade evocava também um espírito de revitalização, com um repertório que, quando fugia da tradicional fórmula dos sambas de enredo, era formado por anti gos ranchos e marchinhas. O reduzido tamanho do público, em um período no qual o Carnaval de Salvador ainda era o destino preferencial da juventude burguesa da cidade, ampliava esse apelo memorialista, com cortejos que atravessavam bucolicamente as vielas do centro conhecidas como “Rio Antigo”.

O ressurgimento do carnaval de rua do Rio de Janeiro ganharia dimensões monumentais, entretanto, a partir da segunda metade do ano 2000, em um segundo movimento de retomada. Herschmann e Cabanzo (2016) se referem a este momento como o “boom do Carnaval de rua carioca” (p. 7), em estreita conexão com a chegada à cidade do chamado movimento do neofanfarrismo. A despeito das novidades apresentadas por esses novos blocos, dentre os quais se destacam o Songoro Cossongo, criado em 2005, e a Orquestra Voadora, criada em 2009, alguns elementos centrais para essa expansão do carnaval de rua já se manifestavam nos blocos do final dos anos 1990. Um dos entrevistados, fundador e organizador de diversos blocos do carnaval de rua do Rio de Janeiro, aponta que

esse nosso carnaval de rua, carnaval de cortejo, sem carro de som, que não tem um roteiro exatamente fechado, que tem capacidade de criar alternativas, que usa instrumentos acústicos… esse tipo de carnaval que tem capacidade de se organizar rapidamente, de uma hora pra outra, de forma espontânea, ele nasce a partir de 1996, com o (Cordão do) Boitatá. (Tomás Ramos)

A emergência dos novos blocos, identificados como “fanfarras” ou vinculados a este formato de grupo musical, traria como novidade a inclusão de novos temas, ritmos e musicalidades, mas também novas concepções em torno das relações com o espaço público. As fanfarras podem ser definidas como uma forma de ocupação musical das ruas de caráter nômade e lento, na contramão de seu uso como lugar de passagem e orientado pelos imperativos da vida cotidiana (Herschmann & Cabanzo, 2016). Materialmente, se caracterizam pelo uso de instrumentos de sopro e percussão, escolhidos tanto em razão de sua maior mobilidade quanto pela possibilidade de serem “acusticamente consumidos pelo público no ambiente ruidoso da cidade” (Herschmann & Cabanzo, 2016, p. 3). O movimento neofanfarrista brasileiro foi impulsionado a partir do Rio de Janeiro, onde se distinguiu por uma atuação carnavalizada e articulada em rede com os blocos de rua. Orienta-se pela ideia de democratização do acesso à cultura e agrega grupos de músicos profissionais e não-profissionais que se encontram no Carnaval de várias cidades. Embora esse formato musical tenha tradicionalmente um caráter marcial, as novas fanfarras se destacam por contarem com repertórios ecléticos, compostos por versões acústicas de músicas de diversos estilos. Este traço estético, transposto para o carnaval de rua, foi um elemento central para o seu crescimento, atraindo um público que tradicionalmente não se interessava pela sonoridade das marchinhas e sambas.

Outra característica central dos blocos de fanfarras foi a organização de oficinas musicais, imprimindo uma dinâmica nova ao movimento do Carnaval. As oficinas pro duziram uma explosão de músicos de rua, estimulando naqueles que antes performavam como foliões o gosto por essa forma de participação na festa (Frydberg, 2017). Tais oficinas consistem, em geral, na organização de turmas por instrumentos, cobrindo todos os naipes de sopro e percussão que compõem um bloco. Têm por objetivo fundamental treinar os componentes na execução do repertório a ser apresentado no Carnaval. Este modelo foi criado a partir da experiência da Orquestra Voadora, embora outras agremiações da retomada carnavalesca já oferecessem oficinas exclusivamente de instrumentos de percussão (Frydberg, 2017, p. 5). O modelo fanfarrístico de oficina, entretanto, ao ensinar instrumentos de todos os naipes encontrados em uma banda, permitiu a formação de unidades musicais autônomas, levando ao surgimento de novas bandas e blocos4.

As oficinas de Canaval criaram redes de sociabilidade entre foliões e um movimento de ocupação musical da cidade que se estende durante todo o ano, inclusive pela incidência não organizada, espontânea e puramente festiva de encontros improvisados, apelidados pelos participantes desta rede de cracks. O termo foi cunhado, a princípio, para nomear os encontros musicais informais de alunos da oficina da Orquestra Voadora, às terças-feiras, após as aulas. Trata-se, como se pode supor, de uma alusão controversa ao estupefaciente derivado da cocaína, relacionada pelos próprios participantes à vontade ininterrupta de tocar, resultante do novo aprendizado5. Com o tempo, o termo passou a ser usado pelos foliões do carnaval de fanfarras como referência a qualquer encontro de músicos amadores para improvisações carnavalescas, dentro ou fora do período momesco. Interpretações mais abrangentes do termo definem como crack qual- quer bloco que não ensaia, ou qualquer cortejo que se forme espontaneamente, não raro a partir de encontros fortuitos de músicos amadores. A prática do crack - da qual deri vam as categorias “cracudagem”, para referir-se ao coletivo, e “cracudos”, para nomear seus oficiantes individuais - implicou uma expansão espacial e temporal do carnaval de rua do Rio de Janeiro. A temporalidade expandida se manifesta no uso corrente da afirmação de que a cracudagem brinca ao Carnaval o ano inteiro. De fato, são comuns os cortejos marcados durante todo o decorrer do ano, sem que haja qualquer motivo especial para isso senão a pura vontade de brincar na rua. A expansão espacial se verifica durante o próprio período carnavalesco, pela explosão de unidades musicais improvisadas, revelando o crack como um princípio organizador do carnaval de rua não-oficial:

então os blocos que eu assisti serem inventados surgiram assim, de forma espontânea, o que as pessoas chamam de crack: aquele momento após um bloco específico, no qual juntam-se meia dúzia de músicos pra sair tocando, pra fazer graça. E acontece um fenômeno que é: no momento em que o Carnaval vai crescendo, vai tendo mais e mais blocos, mais e mais músicos, você vai tendo uma rede de músicos que tocam em vários blocos juntos. Aí quando acaba determinado bloco, essa galera tem o repertório de todos os blocos nas pontas dos dedos, aí consegue puxar as músicas dos outros blocos. (Tomás Ramos)

O momento de retomada do carnaval de rua se fez acompanhar de outro ressurgimento, o das tentativas de cooptação e disciplinamento destas manifestações. Depois de décadas sem qualquer intervenção do poder público, os blocos passaram a ser alvo, a partir de 2009, da iniciativa reguladora da administração municipal, nomeada como “Carnaval Oficial”6. Um decreto municipal de 2010 (Decreto Municipal N.º 32.664/2010) passou a regulamentar os procedimentos para a realização de desfiles carnavalescos na rua, condicionando a ocupação do espaço público ao registro dos coletivos e à prévia autorização dos cortejos pela Secretaria Municipal de Turismo. Em seu conjunto, tais iniciativas regulatórias descaracterizaram o Carnaval como exercício do direito à cultura e à cidade, convertendo-o em produto turístico e oportunidade de negócio, ao passo que desrespeitava manifestações culturais. A despeito de suas causas conjunturais, a regulação do car naval de rua pela prefeitura do Rio de Janeiro, justo quando ele vivia um momento de ressurgimento, revela o caráter estrutural das tentativas do poder público de controlar as manifestações populares da vida festiva. Um controle pela repressão ou pela cooptação, sempre que essas forças irrompem como ressignificadoras da sociedade brasileira e da cidade, e como produtoras de identidades coletivas de forma espontânea, aberta e lúdica. Em contrapartida, o carnaval de rua do Rio de Janeiro manteve sua vitalidade, afirmando, ano após ano, seu caráter livre e anárquico. A oficialização do Carnaval pelo modelo mercantil da administração municipal encontrou seu contraponto na afirmação da presença e da identidade de blocos que passaram a ser classificados como “não-oficiais”. Esta categoria (e suas variantes recorrentes: “piratas”, “clandestinos” ou “secretos”) incidiu sobre os grupos que, no processo de retomada carnavalesca, representavam sua expressão mais livre e espontânea. Blocos resultantes da musicalidade de fanfarras e das bandas acústicas, muitas vezes organizados na forma dos cracks ou em íntima relação com eles. São aqueles que brincam o Carnaval sem a autorização do poder público, no mais das vezes por entendê-la como avessa à própria festa. Parte destes coletivos orga nizaram-se em torno da Desliga dos Blocos, articulação cujo nome evoca, justamente, a contraposição ao modelo das ligas carnavalescas, organizadas para mediar o contato entre as agremiações, o poder público e as empresas. Em setembro de 2009, quando da promulgação do primeiro decreto que criava o Carnaval Oficial, a Desliga dos Blocos organizou uma “bloqueata” como forma de protesto. O manifesto que acompanhava o ato afirmava a compreensão do carnaval de rua como forma de “criar nossos roteiros ao sabor do acaso e da vontade dos participantes” e “estimular o livre dançar” (Henri- que, 2010, para. 1), palavras de ordem dignas de um documento situacionista. No ano seguinte, o mesmo coletivo organizou a primeira “Abertura do Carnaval Não-Oficial”, como forma de marcar sua oposição às tentativas de formalização dos blocos. Desde então, o evento antecipa anualmente o reinado de Momo sobre a cidade, de forma autônoma às iniciativas oficiais de gestão da festa.

Esse carnaval de rua não-oficial é a afirmação potente de formas de gozar a cidade que se insurgem contra a mercantilização da vida festiva, restaurando seu caráter mágico e único de feixe de relações que ressignificam a cidade. Neste processo, os recursos materiais e as tecnologias da rua elaborados pelo carnaval das fanfarras se ofereceram como elementos de resistência. O bloco acústico, ao modelo das fanfarras, estimula a formação de coletivos caracterizados por um maior grau de espontaneidade e menor investimento em organização. Esta modalidade mais improvisada de deambulação coletiva pela cida de, cujo trajeto muitas vezes é decidido no calor da festa, se permite muito menos à conversão em espetáculo oficializado e vendável. O amadorismo característico deste carnaval de foliões, resultado da expansão das oficinas e da articulação de uma rede de não-profissionais, é um elemento central na sua definição como não-mercantil por excelência.

Onde está o Boi Tolo?

Algumas manifestações não oficiais do carnaval de rua excederam a própria condição de blocos, entendidos como agremiações e organizações carnavalescas, e ganharam a condição mais ampla de situações, envolvendo fortemente os foliões e rompendo as barreiras entre realizadores e público. No melhor sentido do pensamento surrealista e situacionista, tais eventos podem ser entendidos como promotores de ambiências momentâneas de vida capazes de produzir fortes impactos subjetivos sobre seus participantes. A experiência do brincar livre deste carnaval empreendido sem mediações pelos foliões opera, portanto, como ampliador da capacidade de realização de desejos. São formas de resistência a uma concepção funcionalista, espetacular e instrumental do cotidiano e de construção de relações libertárias e conectadas ao maravilhoso.

Este parece ser o caso do Cordão do Boi Tolo. Criado em 2006, o bloco constitui um marco na retomada carnavalesca do Rio de Janeiro. Seu mito fundador traz consigo os signos da espontaneidade, da horizontalidade e da ludicidade que definem o carnaval de rua. Como conta um dos seus organizadores, o bloco foi criado num domingo de Carnaval no qual um grupo de foliões esperava, na Praça XV de Novembro, pelo Cordão do Boitatá, um dos blocos mais frequentados do centro da cidade naquele momento. A despeito da longa espera, o Cordão do Boitatá não apareceu. A ausência do bloco é atribuída pelo entrevistado a um compromisso da banda em outra localidade, mas outra versão corrente fala da estratégia então usada pelo Boitatá de mudar seus locais e horários de desfile para evitar grandes aglomerações. De qualquer forma, diversos contadores desta história relatam como aqueles foliões, alguns deles músicos amadores, juntaram alguns poucos instrumentos e saíram em um cortejo improvisado. Tomaram por estandarte um pedaço de papelão no qual se lia, de um lado, “Os Boicotados” e, do outro, “Cordão do Boi Tolo”, em referência clara e jocosa à suposta estratégia de dispersão empreendida pelo bloco esperado.

O que a princípio havia sido apenas uma troça, transmutação carnavalesca do encontro frustrado em festa improvisada, tornou-se, no decorrer do ano, uma articulação para um segundo cortejo7. Na disputa entre os dois nomes originários, impôs-se o segundo, a apontar para o sentido carnavalesco da tolice, carregado de positividade, em contraposição ao caráter negativo da ideia de boicote. Todos os “boitolinos”, como se chamam os adeptos do bloco, são alegremente tolos e festejam, ano a ano, a tolice daquele desencontro originário, na busca incessante pelo próprio desencontro. É corrente entre os foliões, no domingo de Carnaval, a piada na qual se pergunta “onde está o Boi Tolo?”, referência ao caráter não planejado de seu trajeto pelo centro da cidade. Sua massa errante torna-se um ponto de encontros e desencontros dos brincantes no domingo de Carnaval. A escolha por nomear-se um cordão decorre, por certo, da referência ao bloco que originara aquele encontro primordial, o Cordão do Boitatá. De qualquer forma, evoca também os antigos cordões carnavalescos que, no século XIX, eram identificados como formas mais anárquicas de folia (Ferreira, 2004).

O Boi Tolo não possui uma banda, não conta com uma formação definida daqueles que empreendem a festa, não realiza ensaios e não tem critérios para participação. Conta com um grupo organizador formado por componentes de sua formação originária, mas também por pessoas que se aproximaram do bloco no decorrer dos anos. A existência desta instância colegiada não implica a formalização do bloco, estando sua atuação, em geral, restrita às decisões logísticas em torno dos desfiles. O Boi Tolo não é registrado e não possui estatuto, apenas um entendimento geral em torno de seus princípios, que foram resumidos pelo organizador entrevistado em três “regras pétreas”: “a gente não paga e não recebe”, referência ao caráter não-mercantil dos desfiles do bloco e à resistência aberta e refletida à profissionalização das bandas carnavalescas; “a gente defende a ocupação do espaço público”, revelando o entendimento do caráter político do coletivo; “se sabe tocar e quer tocar, pode entrar (no bloco) e tocar”. Deste modo, uma das características que distingue o Boi Tolo de outros blocos é seu caráter absolutamente aberto: qualquer pessoa pode tocar ou performar no bloco. A “corda humana” que separa os oficiantes dos que pulam o Carnaval serve apenas para a garantia de espaço seguro e confortável para essa performance, podendo ser atravessada por qualquer pessoa que queira manifestar-se artisticamente. Segundo um de seus organizadores, é justamente essa abertura participativa que torna inevitável a formação de um grupo organizador: “se o Boi Tolo é um bloco no qual todo mundo pode entrar e tocar, você teria que fazer um plebiscito na cidade do Rio de Janeiro pra tomar as decisões”. Com esta orientação, a qualidade musical é deliberadamente preterida em nome do caráter exclusivamente lúdico da musicalidade que atravessa todo o domingo e da natureza aberta, livre e anárquica deste brincar.

O Boi Tolo sai tradicionalmente nos domingos de Carnaval, por volta das 8 horas da manhã, horário daquele primeiro (des)encontro, em 2006. Durante anos a concentração do cortejo se manteve na Praça XV de Novembro, nas imediações da Rua do Mercado, lugar de onde partiu o primeiro desfile e que atualmente é chamado pelos foliões de “Largo do Boi Tolo”8. Com o crescimento do bloco (e considerando que o Cordão do Boitatá manteve este lugar como seu ponto de concentração), o Cordão do Boi Tolo passou a se concentrar nas proximidades da Igreja da Candelária9. Em seu cortejo originário, o bloco replicou o trajeto do Cordão do Boitatá, da Rua do Mercado até o prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (no que um dos seus organizadores chamou de “a saída mais curta do Boi Tolo”). No decorrer dos anos, entretanto, tornou-se hábito e expectativa que o desfile, iniciado pela manhã, se estenda por todo o domingo. Como relata o organizador entrevistado, nos primeiros anos o trajeto era definido de forma espontânea e improvisada, “ia-se andando” ao sabor dos próprios foliões. Com o aumento do número de brincantes, os cortejos passaram a ser planejados, tendo em vista a preferência por ruas mais largas. Ainda assim, tratava-se de um roteiro em relação ao qual se ia “improvisando na hora”, em boa medida em razão dos movimentos dos próprios foliões.

Tipicamente, os cortejos de Carnaval são marcados por um início, chamado pelos foliões e organizadores de “concentração”10, e por um fim, quando o bloco encerra seu desfile com o ato simbólico da recolhida do seu estandarte. Tornou-se um costume do carnaval de rua não-oficial que este momento final fosse também o do início do crack. É o momento no qual qualquer músico amador pode se juntar à banda do bloco, quer seja para tocar novamente seu repertório, quer seja para tocar músicas que sejam parte de repertórios de outros grupos, além de marchinhas e sambas. Inicia-se, assim, um prolongamento da festa que, ao contrário da previsão do desfile formal, não tem hora para acabar. A ausência de uma banda fixa e de um repertório previamente escolhido e ensaiado não permitiu, no caso do Boi Tolo, a identificação deste momento. Seu desfile constitui, de fato, um imenso crack, “o primeiro crack espontâneo da história (do Carnaval)”, na opinião de um de seus organizadores. Um dos entrevistados considerou o Boi Tolo como um bloco que responde a uma “lógica anárquica, sem começo e sem fim” (Tomás Ramos). Outro entrevistado lembrou como os músicos do Carnaval planejavam suas participações em outros blocos e bandas na expectativa de que o Boi Tolo durasse “o dia inteiro” (Clemente Momberao). O Cordão do Boi Tolo, nesse sentido, passou a ser entendido, sentido e vivido pelos seus foliões como uma experiência imersiva, a desafiar os limites físicos de seus participantes. Não foi sem comemoração que, em 2017, um grupo de foliões e músicos amadores registraram a dispersão do bloco na praia do Arpoador, às 8h30 da manhã de segunda-feira, quando o estandarte do Boi Tolo foi recolhido após mais de 24 horas de desfile.

O prolongamento temporal da experiência carnavalesca no Cordão do Boi Tolo torna seu desfile de domingo um ato de ocupação da cidade, tanto do ponto de vista material quanto do ponto de vista simbólico. Foliões e músicos amadores atravessam seu fluxo durante todo o domingo, entrando, saindo e voltando a entrar, não sem antes encontrar alguém que responda à pergunta do dia: “onde está o Boi Tolo?”. Não raro essa ocupação anárquica e festiva da urbe empreende tomadas simbólicas de espaços formais como as escadarias da Assembleia Legislativa, as instalações do Palácio Gustavo Capanema e o saguão do Aeroporto Santos Dumont, subvertendo seu uso e transformando-os em palco da festa. Após transitar pelo centro da cidade, quase sempre o trajeto do cortejo culmina com o abandono do traçado das ruas em direção ao Aterro do Flamengo. Os foliões anoitecem entre árvores e gramados, em um jardim convertido em território absoluto do Carnaval, magicamente deslocados para um mundo totalmente deles, sem os constrangimentos físicos e sociais do espaço urbano. Desde 2017, essa ocupação do Aterro se faz seguir do avanço da tropa boitolina em direção à zona sul, adicionando ao domingo de Carnaval uma outra experiência que se repetiria em todos os anos posteriores: a travessia dos dois túneis que ligam os bairros de Botafogo e Copacabana. Momento de frenesi sonoro que se tornou uma obsessão dos foliões e no qual, sob as luzes dos túneis, milhares de pessoas pulam ao som amplificado dos instrumentos de percussão.

Em 2016, o crescimento do bloco se tornou um problema para seus organizadores. Estima-se que o Boi Tolo contava, naquele ano, com 50 a 100.000 foliões e com uma banda de 400 a 600 músicos. O cortejo se dividiu pela primeira vez, organizado em várias frentes que saíram simultaneamente de diferentes pontos do centro do Rio. Essas facções foram chamadas pelos organizadores de “troncais”, em referência às mudanças recentes nas linhas de ônibus da cidade, mas logo ganharam outro apelido pelos foliões: “boiadas”. O termo remetia ao sentido de muldidão que, com o tempo, passou a definir o Boi Tolo. A divisão em troncais teve por efeito a possibilidade de recuperação de um outro sentido do brincar carnavalesco que parecia ter se perdido com o crescimento do bloco e do carnaval de rua: aquele relativo ao afeto trocado entre os brincantes. As boiadas foram organizadas em torno das fanfarras que tocam na cidade, pela afinidade de músicos amadores, pernaltas e performers com determinadas bandas, seus componentes, público e repertório. A estratégia se completava, entretanto, no meio do dia, com o encontro de todas as boiadas nos Arcos da Lapa. Esta gigantesca concentração tornava novamente o Boi Tolo em um único bloco, reafirmando seu caráter monumental e anunciando a multidão como seu traço definidor. No ano seguinte, o bloco também saiu organizado em boiadas, que não se encontraram como no ano anterior, mas que saíram todas do mesmo lugar, em frente à Igreja da Candelária, novamente como forma de afirmar sua unidade. Em 2019, o desfile foi organizado na forma de uma parada de vários blocos, com todas as facções desfilando no mesmo sentido, em intervalos regulares. A forma organizativa original, em um único grande bloco, foi restaurada em 2020, como afirmação de sua força diante das novas tentativas de repressão ao carnaval de rua pela administração municipal.

Quando a repressão aos blocos de Carnaval foi instaurada pela lógica privatista da administração municipal, a partir de 2009, o Boi Tolo passou a ser pensado por seus organizadores e foliões como uma forma de protesto carnavalesco, de “bater de frente com muitas decisões políticas”, conforme declarou um de seus organizadores, pela afirmação da ocupação da rua como um direito e contra a mercantilização da festa. Uma resistência que se manifesta, fundamentalmente, pelo caráter livre do “andar pelas ruas do centro, pra onde você quer, andar sem destino, ocupar a rua, fazer um cortejo espontâneo, sem currais, sem amarras, sem cordas”, ainda nos termos de um dos seus organizadores. A condição de “bloco anárquico”, não-registrado, não autorizado, sem banda fixa, participativo e aberto, fez com que os atores do carnaval de rua, sobretudo os músicos, perce bessem o Cordão do Boi Tolo como espaço para dizer o que não poderia ser dito pelos blocos oficiais. O Boi Tolo é elevado, neste momento, “ao patamar de debate político” (Tomás Ramos), constituindo uma possibilidade de expressão das demandas populares em relação à cidade e ao espaço público. Forma eminentemente carioca de unir nas ruas luta e festa, fazendo do Carnaval, como aponta o organizador do bloco entrevistado, “um momento de se juntar, comemorar a cidade, a vida, o espaço que é nosso”.

Conclusão

A retomada carnavalesca no século XXI, da musicalidade do neofanfarrismo, da multiplicidade explosiva das pequenas bandas e do brincar improvisado e (des)organizado pelos foliões reafirma a vocação subversiva do carnaval de rua. No sentido mais amplo do termo, trata-se de um carnaval de folião, a extrair potencialidades inesperadas das propostas da flânerie surrealista e da deriva situacionista. Em primeiro lugar, pela resistência à espetacularização da cultura, desde o mote do “não põe corda no meu bloco” até a chamada “cultura do crack”, resultado da popularização das oficinas carnavalescas e impulsionadora de situações musicais espontâneas, coletivas e transitórias pelas ruas da cidade. Em segundo lugar, pela oposição à formalização e à mercantilização do Carnaval, contra as quais se afirmam os blocos não-oficiais, dos quais o Cordão do Boi Tolo constitui o caso exemplar. Finalmente, este carnaval deliberadamente não-oficial, militante da anti-oficialidade, se afirma como forma de ocupação anárquica e horizontal da rua, como ato político e tomada de posse da multidão sobre a cidade, ainda que circunscrita a um momento virtuoso. Mais que mera negação, esta presença é afirmação do lúdico e do afeto, da organização pela brincadeira e de um brincar que desorganiza e desafia a ordem, no espírito da revolta situacionista e surrealista. Neste processo, os foliões são sujeitos coletivos da construção de novas ambiências, desde os mais anônimos àqueles envolvidos com as práticas musicais e organizativas dos blocos, tornando-se pensadores da cidade em ato. Minha própria experiência carnavalesca, consubstanciada na reflexão deste artigo, soma-se às contribuições dos entrevistados na forma de uma flânerie etnográfica. Todo esse movimento potencializa o carnaval de rua como uma experiência de reencantamento do mundo e de ressignificação coletiva do espaço urbano. Momento demiúrgico que deixa seus rastros de cidade sonhada na cidade desperta. Com suficiente curiosidade e imaginação, o caminhante cotidiano pode seguir as pistas do folião, e descobrir essa outra cidade possível.

Agradecimentos

Agradeço a Marcela Gaio e Camila Marandino pelas leituras preliminares do manus- crito. A Darlan Montenegro, pela revisão da tradução para o inglês

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1Não há consenso na bibliografia sobre o uso da inicial maiúscula ou minúscula na grafia do termo “Carnaval”. Seguindo a orientação de Ferreira (2004), optei por usar a inicial maiúscula para me referir à festa datada nos três dias anteriores à Quaresma (o Carnaval), escolhendo grafar com iniciais minúsculas o termo “carnaval de rua”, por entendê-lo como referente a uma manifestação possível daquela festividade maior.

2Transito pelo carnaval de rua do Rio de Janeiro sem interrupções desde 2000. A partir de 2016, me envolvi na rede de músicos amadores vinculados ao movimento do neofanfarrismo e do carnaval de rua, participando desde então da organização de bandas e bloco.

3Oxalufã, velho e sábio, é o orixá cuja positividade está no exercício da paciência e no cumprimento dos afazeres (Simas, 2020, p. 107).

4A oficina da Orquestra Voadora tinha, em seu programa anual, uma atividade conhecida como “módulo de mini-fanfarras”, que teve por consequência o estímulo à criação de novas bandas e blocos, como Ataque Brasil, Damas de Ferro e Os Biquinis de Ogodô Convidam as Sungas de Odara.

5Como podemos ver no documentário Aprendendo a Voar, produzido em 2015 pelos alunos da oficina da Orquestra Voadora (Orquestra Voadora, 2015).

6Este modelo de regulação do Carnaval foi detalhadamente descrito e analisado, em sua formulação e funcionamento, pelos relatórios anuais da Comissão Especial de Carnaval da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, com a finalidade de analisar a relação e as responsabilidades entre o poder público municipal e o Carnaval, relativos aos anos de 2017 a 2020 (Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 2017, 2018, 2019, 2020).

7Pelo menos dois foliões organizaram comunidades na rede social Orkut, a partir das quais o segundo cortejo foi articulado.

8O primeiro estandarte do bloco, confeccionado para o segundo desfile, em 2007, encontra-se exposto no bar Kamikaze, localizado naquele largo.

9De onde saiu nos anos seguintes, à excessão de 2017, quando o bloco se fragmentou e concentrou-se em diferentes pontos do centro da cidade

10O termo também é utilizado para nomear o lugar no qual este início é planejado.

Recebido: 31 de Janeiro de 2021; Aceito: 29 de Março de 2021

André Videira de Figueiredo é doutor em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e mestre em antropologia pela Universidade Federal Fluminense. É professor do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde coordena o Grupo de Estudos Surrealistas. É autor de O Caminho Quilombola (Editora Appris, 2011). Participa do coletivo carnavalesco Dalí Saiu Mais Cedo. Entre suas áreas de interesse de pesquisa, destacam-se sociologia da arte, carnaval e cidade, políticas de reconhecimento, pensamento descolonial e surrealismo. Email: andre.videira@gmail.com Morada: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Km 07, Zona Rural, BR-465, Seropédica - RJ, CEP 23890-000

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