Introdução
A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários à Saúde, reunida em Alma-Ata em 1978, definiu a saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Nesse sentido, alguns estudos têm utilizado métodos de avaliação do estado de saúde usando parâmetros subjetivos, dentre eles a autopercepção do estado de saúde (Sena et al., 2023), pontuada como forma em que o indivíduo rotula a sua saúde, levando em consideração a individualidade biológica, condições socioeconômicas, doenças crônicas, dentre outros (Moreira et al., 2020).
A Autopercepção de Saúde (Self-Reted Health - SRH) é obtida questionando-se o indivíduo a respeito de como ele classifica a sua saúde nos últimos dias, apresentando como respostas em uma escala que varia de muito boa a muito ruim (Cardoso et al., 2014). Esse constructo tem sido utilizado em inquéritos populacionais, podendo ser atribuído a indicadores de saúde mental e física, tornando-se assim um método válido e plausível em aplicações médicas, utilizado não só em países subdesenvolvidos, como também nos países desenvolvidos (Barroso et al., 2023).
Evidências científicas apontam que fatores socioeconômicos, relação com a família e amigos, estresse, aspectos psicológicos, comportamentos de risco a saúde estão interligados à autopercepção negativa de saúde na população em geral. No que tange a universitários, estudos apontam que à percepção negativa da saúde mostrou-se associada a pior percepção da imagem corporal (Rodrigues et al., 2020), consumo exagerado de álcool (Silva et al., 2021), uso de cigarro eletrônico (CE), alimentação inadequada (Ferreira et al., 2022), e relações sexuais sem uso de preservativo (Lima et al., 2018).
Tendo em vista que a população universitária no Brasil está em expansão (Brasil, 2022), e que a percepção do estado de saúde tem sido considerada um preditor de morbimortalidade, já que os indivíduos que avaliam a saúde como negativa têm maior predisposição a pior qualidade de vida (Ferreira et al., 2022), estudos que envolvem essa temática são cada mais oportunos. Nesse contexto, o estudo busca analisar a prevalência de autopercepção do estado de saúde e fatores associados em universitários do curso de Educação Física de uma instituição pública no Norte de Minas Gerais.
Método
Foi realizado um estudo transversal, quantitativo e analítico, cuja população alvo foi composta pelos universitários matriculados no curso de bacharelado em Educação Física de uma Universidade Estadual, localizada em um grande centro do norte de Minas Gerais. A região representa uma área de transição entre o Sudeste, mais desenvolvido, e o Nordeste, menos desenvolvido, e caracteriza-se por seus contrastes socioeconômicos, sendo considerada uma área emblemática dos desafios do País, sendo atualmente considerado um polo universitário.
Amostra
A amostragem realizada foi do tipo probabilístico. Os participantes foram selecionados mediante sorteio, completando todos os semestres do curso. Na determinação do cálculo amostral, tomou-se como parâmetro o número de universitários matriculados no curso de Educação física no ano de 2023, e uma frequência esperada de 50% do evento (autopercepção negativa de saúde), considerando a inexistência de dados prévios sobre o indicador e o fato dessa prevalência gerar o maior número amostral. O erro amostral admitido foi de 5% e o nível de confiança de 95%. O valor final foi multiplicado por um fator de correção para efeito do desenho (deff) igual a 2, obtendo-se, assim, um número mínimo de 132 universitários a serem avaliados.
Procedimentos
Após o treinamento dos entrevistadores e antes do período da coleta de dados, foi realizado um estudo piloto. Uma amostra de dez universitários e recém formados de outras instituições do mesmo curso em questão na cidade de Montes Claros foram submetidos a um questionário teste, visando rever e padronizar os procedimentos de pesquisa. Ajustes no instrumento não foram necessários.
Após autorização da Coordenação do Curso de Educação Física Bacharelado da instituição e dos docentes para o início da coleta, os pesquisadores verificaram as disponibilidades de horários para esse fim. Após aprovação, os alunos foram informados do que se tratava a pesquisa e seus respectivos objetivos, além de serem assegurados do anonimato e do caráter de voluntariedade e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi iniciada a aplicação do questionário, ao final das aulas, dentro de sala de aula, que abrangiam aspectos sociodemográficos, fatores comportamentais e clínicos. A variável desfecho referiu-se à autopercepção do estado de saúde avaliada por uma questão extraída do VIGITEL: Em comparação com pessoas da sua idade, como você considera o seu estado de saúde? As quatro categorias de resposta foram dicotomizadas em positiva (para as opções “muito bom” e “bom”) e negativa (para as opções “regular” e “ruim”), como realizado no estudo de Silva et al. (2018).
Quanto aos fatores sociodemográficos, referiu-se ao sexo (feminino/ masculino), a idade (acima de 26 anos/ até 26 anos), cor de pele (branco/ não branca), estado civil (casado, divorciado, viúvo e solteiro), período do curso (até o quarto período/ acima do quarto período), com quem reside (familiares/ amigos/ sozinho(a)), se o indivíduo trabalha (sim/ não). Os fatores comportamentais abrangeram o uso de cigarro eletrônico CE (não/ sim), usou cigarro CE no passado (não/ sim), consumo de bebidas alcoólicas (não/ sim), prática de exercícios físicos (sim/ não), prática de esportes individuais (não/ sim). Quanto ao perfil antropométrico, foi perguntado aos acadêmicos qual o seu peso e altura aproximada, posteriormente calculado o índice de massa corpórea IMC, como realizado nos estudos de Farias Júnior (2007).
Análise estatística
Os dados foram processados com o auxílio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22.0. Realizou-se a análise descritiva, por meio de distribuição de frequências simples (absolutas e relativas), em seguida realizou-se o teste qui-quadrado de Pearson, esse teste foi considerando adequado uma vez que as variáveis eram categóricas, as células apresentavam mais que 5 unidades de uma amostra probabilística e independente, posteriormente aquelas variáveis que apresentaram valor de p < .20 foram selecionadas para análise múltipla, utilizando a regressão de Poisson para estimar a magnitude das associações por meio das razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), permanecendo no modelo final as variáveis que apresentaram significância de 5% (p < .05).
Resultados
Participaram do estudo 132 universitários matriculados no curso de bacharelado de Educação física da Unimontes. Houve predominância de homens (59.1%). Destes, uma parcela apresentou estado de saúde regular/ ruim (21.2%) (Quadro 1).
Após a análise bruta, estiveram associados à percepção negativa do estado de saúde a variável prática de exercícios físicos regularmente (p = .103), prática de esportes individuais (p = .009) e IMC (p = .010). Após análise multivariada, permaneceram no modelo final a variável prática de esportes individuais (RP = .33 IC 95% .15- .71) e IMC (RP = 2.42 IC 95% 1.30-4.49) (Quadro 2).
Discussão
O presente estudo verificou associação da autopercepção negativa de saúde com os hábitos comportamentais, perfil antropométrico, e evidenciou que uma parcela significativa dos Universitários de ambos os sexos apresentou prevalência elevada de autopercepção negativa de saúde. A prevalência elevada da autopercepção negativa de saúde encontrada neste estudo corrobora com estudos de Fonsêca (2023) e Ferreira et al. (2022) que explicitam o aumento na autopercepção de saúde negativa entre universitários. Ademais, estudos realizados por Palmeira et al. (2021) e Silva et al. (2018) que tiveram como população estudada, adultos, acharam resultados similares.
A autopercepção do estado de saúde, conforme Cardoso et al. (2014), refere-se a uma autoavaliação para a mensuração e monitoramento do estado de saúde dos indivíduos, englobando aspectos de natureza física, funcional, cognitiva, emocional e de bem-estar, sendo um indicador de qualidade de vida, morbidade, declínio funcional e, sobretudo, um preditor sólido de mortalidade. Assim, vem-se mostrando-se válida e confiável em termos de pesquisas, apesar de ser uma definição subjetiva e individual (Ferreira et al., 2022).
O período universitário é o marco de uma nova fase na vida dos indivíduos, aparecendo constantes adaptações e mudanças de rotina, passando a enfrentar desafios tanto no meio acadêmico, quanto de readaptação (Rodrigues et al., 2020). As novas exigências e o aumento exacerbado da responsabilidade contribuem para o desenvolvimento do sucesso no âmbito acadêmico e profissional. Em contrapartida, a formulação de prioridades e o tempo destinado para atividades acadêmicas podem influenciar negativamente no tempo destinado à saúde e ao lazer dos universitários. O que interfere de forma direta na percepção da saúde e qualidade de vida dessa população (Ferreira et al., 2022). Em resultado desse parâmetro, tem-se o aumento de “fugas da realidade” como o uso exacerbado do álcool e do cigarro.
Após a análise multivariada, percebeu-se que a ausência da prática de esportes individuais é fator de proteção para a percepção negativa de saúde dos universitários. Estudos mostram a relação inversa apontando que indivíduos praticantes de esportes individuais e a difusão de habilidades para a vida (Freire et al., 2020), redução de possíveis problemas psicológicos, melhora na autoconsciência e no crescimento pessoal (Eime et al., 2013). Esses achados podem ser justificados pela amostra reduzida, o que sugere que novos estudos deverão ser realizados, a fim de investigar uma associação inevitável entre os esportes individuais e uma autopercepção positiva de saúde.
Observou-se também que apresentar sobrepeso/obesidade é fator de risco para a percepção negativa de saúde. Fusco et al. (2020) afirma que a obesidade tem uma forte associação com o aumento do risco de morbimortalidade, maior probabilidade de resultados negativos de saúde e redução da expectativa de vida. Nesse âmbito, outros estudos Palmeira et al. (2021) e Silva et al. (2018) explicitam fatores semelhantes, levando ao mesmo resultado negativo na autopercepção de saúde, como percentual de gordura corporal, nível de exercício físico, nível de atividade física, lazer passivo, inatividade física, classificação do IMC e gordofobia e insatisfação com a imagem corporal (Ganda et al., 2022; Palmeira et al., 2021; Silva et al., 2018).
Este estudo apresenta como limitação por ter sido realizado em um único curso de graduação em Educação Física, além de apresentar caráter transversal. Entretanto os resultados devem ser respeitados uma vez que referem-se a uma amostra probabilística, representativa de universitários matriculados em um curso da área da saúde, oriundo de uma universidade pública de referência localizada no norte de Minas Gerais.
Conclusão
Conclui-se que a amostra investigada apresentou elevada prevalência da auto percepção negativa de saúde e, esse desfecho esteve associado às condições ao sobrepeso e obesidade. A ausência da prática de esportes individuais neste estudo, atuaram como fator de proteção, sugerindo que novos estudos sejam desenvolvidos a fim de elucidar essa questão.