Introdução
A incidência de doença crónica na idade pediátrica tem vindo aumentar nos últimos anos, com o consequente aumento de incapacidades, fruto dos avanços científicos e tecnológicos que permitiram o aumento da esperança de vida e o diagnóstico precoce das crianças com doença cronica (Santos & Barros, 2015). De acordo, com Santos (2010) a doença crónica é toda e qualquer patologia de longa duração, evolutiva que determina uma alteração orgânica ou funcional irreversível, potencialmente incapacitante, sem perspetiva de remissão completa e que altera a qualidade de vida da pessoa a nível físico, mental, emocional, social e/ou económico. Algumas crianças com doença crónica podem viver sem restrições, outras têm um prognóstico reservado a curto ou médio prazo. Muitas vezes, o viver é permeado por momentos de hospitalização, tentativas de manter as atividades no domicílio, escola, consultas (Gomes, Mota, Moreira, Jung, Xavier, & Silva, 2017).
É aos familiares cuidadores (pais) que cabe a socialização, a proteção dos filhos e, em situação de doença crónica, a prestação de cuidados. Nesta situação, a dinâmica familiar sofre alterações, exigindo grande parte das vezes, necessidade de alterar rotinas de vida e em simultâneo, realizar a autogestão emocional. Para Damásio (2010), as emoções são desencadeadas após um processo mental de avaliação, o qual é voluntário, determinado por processos fisiológicos ou no decorrer de interações do organismo com o meio ambiente, causando as emoções de fundo. Por sua vez, o sentimento é algo reservado que decorre da experiência mental de uma emoção. Neste sentido, o sentimento é a experiência mental que nós temos do que se passa no corpo. É o mundo que se segue (à emoção).
A evidência científica, vem demonstrando que cuidar de uma criança com doença crónica no domicílio é para os familiares cuidadores uma tarefa complexa e, envolvendo desgaste emocional, pois deparam-se no seu quotidiano de vida com a irreversibilidade da doença e com o que isso representa. Cada família, irá lidar com a nova situação de maneira diferente e isso dependerá das experiências prévias, das crenças, dos valores de cada membro familiar, além da influência e do espaço que desenvolvem e ocupam na sua rede organizacional (Milbrath, Motta, Gabatz, & Freitag, 2017).
Efetivamente, a presença de doença crónica na criança, desencadeia nos cuidadores níveis de morbilidade emocional que derivam não só da exigência da prática de cuidados, como da possibilidade de enfrentar a perda iminente da criança, para os quais não estão muitas vezes preparados. O medo, a ansiedade, a frustração e o stress são frequentemente descritos como presentes nas vivências, podendo conduzir a uma crise na dinâmica familiar. Os familiares cuidadores destas crianças são confrontados com novas exigências, com alterações nas rotinas e readaptações diversas (Silva, Oliveira, Ferreira, Marques, Silva, &Silva, 2020).
Ao longo de todo este percurso de doença, o familiar cuidador, entendendo-o como aquele “que acompanha e cuida a pessoa cuidada de forma permanente que com ela vive em comunhão de habitação e que não aufere qualquer remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada” (Portaria n.º 64/2020 de 10 de março,p. 6), desafia os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros dos cuidados de saúde primários, a desenvolver conjuntamente com estes, estratégias personalizadas que os ajudem a capacitar para a continuidade dos cuidados no domicílio e para a promoção da saúde da criança. Tal como salienta Lopes (2015), é fundamental conhecer as necessidades quer físicas, quer emocionais, avaliar as suas forças e fragilidades, de forma a possibilitar intervenções apropriadas capazes de mobilizar as competências parentais existentes e sustentar a aquisição de outras, contribuindo para uma maior autonomia.
Aprender a viver com uma doença crónica é um processo contínuo que envolve comprometimento para com as constantes transições complexas e multidimensionais do processo de doença, que implicam movimento e mudanças nos padrões de vida, ou seja, a passagem de um estado estável para outro estado estável (Meleis, 2010). O grau de comprometimento da criança e família com o processo de transição, pode ser alterado de acordo com as exigências e complexidade do tratamento, pela exposição a situações de dor e sofrimento, aumentando a confusão e diminuindo a confiança e mecanismos de coping até então adotados (Meleis, 2010).
Também, o estudo de natureza quantitativo realizado no âmbito do estágio de enfermagem de saúde pública do mestrado em enfermagem comunitária, subordinado ao tema “Necessidades de saúde especiais num Agrupamento de Escola”, no Alto Minho, Portugal, evidenciou que numa população de 1258 alunos, existiam 460 crianças/jovens que apresentavam um ou mais problemas de saúde crónicos com repercussões na vida emocional da família.
Face ao exposto, levantamos a seguinte questão de investigação: quais as emoções e sentimentos do familiar cuidador da criança com doença crónica no domicílio? com o objetivo de identificar a experiência emocional do familiar cuidador da criança com doença crónica no domicílio, tendo por finalidade contribuir para a gestão emocional do familiar cuidador e para o desenvolvimento de intervenções de enfermagem comunitária de âmbito multidimensional.
Enquadramento/fundamentação teórica
Cuidar da criança com doença crónica no domicílio, leva a que o familiar cuidador redefina e reorganize os seus papéis e funções, bem como, a integração de novas aprendizagens, de incorporação de novos comportamentos e atitudes, requerendo muitas vezes, a reorientação interna para aprenderem a integrar as necessidades decorrentes do processo de doença da criança. Tudo isto, obriga a um enorme esforço no processo de adaptação à sua nova condição (Ribeiro,2017).
As evidências científicas, vêm demonstrando que os familiares cuidadores experienciam também alterações nas atividades de descanso e lazer, na organização do quotidiano de vida, na relação conjugal e parental, na situação laboral e económica e, na necessidade de recurso a apoio formal e informal (Pfrimer, Afonso, Lima, & Abe,2018, Gomes et al., 2017).
Reisinho (2019), realça que os pais dos adolescentes com doença crónica, experienciam várias sensações, tais como: o choque do diagnóstico, a aprendizagem de competências para gerir a doença do seu filho e o sentimento de culpa e impotência por não poderem defender o seu filho deste acontecimento crítico.
Na ótica de Santos e Barros (2015), a perspetiva atual da adaptação à doença é um processo dinâmico e multideterminado com fases de maior equilíbrio e aceitação e outras de crise e de instabilidade. Também Medeiros, Bezerra, & Sousa (2020), concluíram no seu estudo relativo a expectativas, sentimentos e vivências de pais cuidadores de crianças com problemas hematológicos severos, que a doença crónica da criança tem repercussões em toda a família sobrecarregando a mãe no processo de cuidados, afastando-a desse modo de outras funções, para além de originar momentos dolorosos, mas impulsionadores de novas aprendizagens, contribuindo para uma nova valorização da vida.
Abdicar da sua vida pessoal e profissional, passando a viver o seu quotidiano de vida em função da criança com doença crónica torna o familiar cuidador mais vulnerável, tal como referia Silva, Collet, Silva, & Moura (2010), ao identificar fatores de vulnerabilidade nessas famílias, tais como: sentimentos de insegurança; medo de perder o filho; carência de espaços de diálogo e de escuta; dúvidas quanto ao diagnóstico; fragilização dos vínculos familiares; sensação de desamparo e solidão. O reconhecimento destas situações, deve conduzir a uma reflexão e intervenção da equipa de saúde mais oportuna, visando a criação de vínculos para a melhoria do cuidado. Referem Freitag, Milbrath, & Motta (2020), que o profissional de saúde deve desenvolver estratégias que minimizem as situações de vulnerabilidade e prepare as famílias para lidar com a nova situação. Nesse sentido, é fundamental o estabelecimento de uma comunicação efetiva entre a tríade de cuidados (familiar cuidador, criança e profissional de saúde), de forma a contribuir para a construção de uma relação empática e para a satisfação do familiar cuidador.
Possuir uma rede de apoio formal e informal a nível domiciliário, podendo ser constituída por profissionais de saúde, outros familiares, a escola, amigos, vizinhos poderá minimizar o sofrimento presente e facilitar a adaptação das famílias aos novos papéis, promovendo novas competências, com destaque para intervenções de enfermagem e numa perspetiva transdisciplinar com envolvimento, participação, negociação e capacitação da criança/família, na construção dos seus projetos de vida (Ribeiro, 2017). Pretende-se, que adquirem mais autonomia quer na prestação de cuidados à criança como nas suas próprias tomadas de decisão e desenvolvimento de fatores promotores.
Estar em contacto diariamente com a criança que enfrenta a incurabilidade da doença, defronta o familiar cuidador com sentimentos de perda, envolvendo uma variabilidade de sentimentos e emoções, pensamentos e até reações que o conduz à vivência de um luto antecipatório. O estudo de Smeha, Lieberknecht, Saibt, Sorensen, Machado, & Castagna (2017), evidenciava que as mães experienciavam sentimento de perda do filho idealizado, vivendo um luto permanente pelo filho que ela não tem, confrontando-a com o seu sonho de ter o seu filho saudável. Também Milbrath et al. (2017), referiam que a doença crónica confronta os pais com o luto pela perda do filho ideal e o encontro com o filho real, que possuí limitações e necessidade de tratamentos.
Considera-se que a angústia sentida pelo familiar cuidador, pode ter efeitos prejudiciais significativos, não só para a sua saúde física e mental, mas também, sobre a potencial eficácia de intervenções precoces oferecidas a estas crianças. Silva, Macedo, Silva, Aparício, & André (2017), verificaram no seu estudo, que os pais vivenciavam sentimentos de tristeza, angústia, revolta, culpa e essencialmente medo, no seu quotidiano de vida. Reisinho (2019), elucida, que com o decorrer do tempo, há um crescendo de sentimentos mais positivos associado ao aumento do conhecimento dos pais e ao fato das manifestações clínicas da doença do filho estarem mais controladas. Para isso, destaca como fundamental o acompanhamento por parte dos profissionais de saúde destas famílias.
Hoje é altamente reconhecido a necessidade dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros dos cuidados de saúde primários, do seu papel fundamental para ajudar na adaptação ao processo de doença, bem como, na gestão da dimensão emocional.
Metodologia
Face ao objetivo traçado para este estudo, “identificar a experiência emocional do familiar cuidador da criança com doença crónica no domicílio”, este insere- se no paradigma qualitativo, de caráter exploratório - descritivo. É do tipo descritivo pois aspira conhecer e interpretar os factos sem interferir nos mesmos. É igualmente exploratório, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema, através da descoberta e explicitação de realidades, com recurso a entrevistas a pessoas que vivenciaram a situação em análise.
Selecionou-se uma amostra não probabilística e por conveniência, constituída por familiares cuidadores de criança com doença crónica no domicílio. Foram definidos como critérios de inclusão: familiar (cuidadores) da criança com doença crónica no domicílio e que aceite de forma voluntária participar no estudo; familiares de crianças com doença crónica que estivessem inscritos em unidades de saúde familiar da região do Alto Minho. Como critério de exclusão definiu-se familiares que não cuidavam diretamente da criança com doença crónica no domicílio e familiares que não estavam inscritos em unidades de saúde familiar da região do Alto Minho. O período de recolha de dados decorreu durante os meses de janeiro e fevereiro de 2020, após autorização da coordenadora da Unidade Saúde Familiar, autorização da Comissão de Ética da ULSAM, EPE, com obtenção de parecer favorável.
Para recolha de dados, foi utilizado um questionário sociodemográfico com dados biográficos da família, alguns dados biográficos e clínicos da criança e a entrevista semiestruturada com questões semiabertas. Realizámos o pré teste a dois familiares não participantes do estudo de investigação, não tendo sido necessário realizar ajustes ao guião de entrevista.
Estes dados, foram recolhidos por uma das investigadoras num gabinete reservado, de forma a preservar a intimidade dos participantes. Cada entrevista, decorreu num tempo médio de 28 minutos e com marcação prévia. Os dados sociodemográficos foram submetidos a técnica estatística descritiva. Foi solicitado aos participantes o seu consentimento, assim como, a sua autorização para a gravação das entrevistas. A garantia da confidencialidade foi assegurada pelo anonimato da identidade e dos dados obtidos, através da substituição do nome dos mesmos, por uma codificação ordinal, hora e duração.
Para o tratamento dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo Bardin (2011). Este método, segundo o autor, permite através de um conjunto de técnicas de análise pormenorizada, obter conhecimentos relativos ao assunto investigado. Os conteúdos das entrevistas foram transformados em unidades de registo com respetivas categorias. Foi efetuada uma leitura cuidadosa, de forma a eliminar informação não relevante e construir as categorias. Após esta codificação dos achados, esta foi submetida a validação de peritos, tendo sido dada como concluída.
Resultados
Analisando os dados obtidos através do preenchimento do questionário sociodemográfico constatou-se que das 16 famílias participantes do estudo, 15 são mães de crianças com doença crónica, apresentando-se como cuidadora principal desta e uma família apresenta como cuidador principal, o avô materno da criança, sendo este também, o tutor legal da mesma. No que diz respeito à residência, a grande maioria reside na área urbana do Concelho (52,5%).
Os familiares cuidadores apresentam idades compreendidas entre os 31 e os 66 anos (média de idades 42,66 anos). Apresentam habilitações literárias diversas, 6 familiares cuidadores (37,5%) possui o ensino secundário, 5 (31,3%) com formação académica superior.
Relativamente ao tempo de prestação de cuidados à criança com doença crónica no domicílio, situa-se entre 1 e 15 anos. Salienta-se que 5 (31,25%) das famílias cuidadoras cuidam da criança entre 1 e 3 anos, 4 (25%) entre 8 e 12 anos e 3 (18,75%) entre 4 -7 anos e 13 -15 anos respetivamente (ver tabela 1).
No que se refere à criança com doença crónica, os familiares cuidadores identificaram 24 patologias do foro crónico. Contudo as mais predominantes relacionam-se com situações do foro respiratório, nomeadamente asma (16,6%). Ressalva-se, que os familiares cuidadores consideram como doença crónica, os problemas resultantes da prematuridade do seu filho, assim como, o atraso global do desenvolvimento psicomotor (ver tabela 2).
Através da análise de conteúdo efetuada aos discursos dos participantes relativo à sua dimensão emocional, identificou-se conceitos centrais e respetivas categorias. Não foram identificadas subcategorias (ver tabela 3).
Durante o relato da família cuidadora no processo de doença crónica da criança no domicílio, para além dos sentimentos e emoções evocados, também foram relatando situações que de algum modo as marcaram na sua dimensão emocional. Após a análise de conteúdo efetuada aos discursos emergiu a área temática” Situações marcantes experienciadas pelo familiar cuidador da criança com doença crónica no domicílio” com nove categorias, tal como é representado na tabela 4.
Discussão
Para o familiar cuidador da criança com doença crónica, cuidar no domicílio é uma situação complexa que gera uma panóplia de sentimentos e emoções. No presente estudo, a maioria dos familiares cuidadores menciona aceitar a doença como forma de se ir adaptando à nova realidade que enfrenta no seu quotidiano de vida. Aceitar a doença é para o cuidador uma forma de diminuir o sofrimento experienciado. Reisinho (2019), explica que quando as famílias expressam: “como já estou habituada, já não tenho problemas…” é porque estes pais tiveram tempo para se habituar às necessidades dos seus filhos, pelo que consideram que a normalização vem com o hábito.
Também, alguns familiares cuidadores referem que ao resignar-se estão a cumprir a vontade de Deus e ao mesmo tempo sentem-se úteis para cuidar da criança. Medeiros et al. (2020) explicam que o recurso na fé, a fé em Deus, proporciona esperança, o que fortalece os familiares para continuar a cuidar da criança com doença crónica e não entrar em desespero.
Um familiar cuidador do presente estudo, também evidenciou o sofrimento como presente no seu quotidiano de vida. Machado, Dahdah, & Kebbe (2018), explicam que as vivências dos familiares cuidadores podem ser influenciadas por vários aspetos do cuidar, tais como as características do cuidador, características e necessidades do doente e da sua doença, dos recursos pessoais e sociais disponíveis, dos aspetos culturais e relacionais, do número de horas diárias despendidas e do tempo que o cuidador exerce esta função.
Um fator por vezes dificultador da vida do cuidador, é a revolta e a frustração que sentem relativamente à discriminação que a criança enfrenta na comunidade onde está inserido. Lyra, Souza, Alexandre, Santos, Silva, & Amorim (2016), no seu estudo verificou que as famílias experienciam situações de preconceito e discriminação por parte dos docentes, pelos pares das crianças relacionada com o “bullying”, e pela comunidade em geral.
Verificou-se também, que cuidar da criança com doença crónica no domicílio despoleta tristeza, choro e stress, tal como referem Moral-Fernández, Frías- Osuna, Moreno-Cámara., Palomino-Moral, Pino- Casado (2018), pode desencadear no cuidador sentimentos de tristeza, impotência, desespero e medo do futuro.
Para os familiares cuidadores apoiar e assistir a criança na gestão da sua doença crónica gera stress, tal como refere Machado et al, (2018), que a presença ou ausência de stress é influenciada pelo vínculo e relação que estabelece com a pessoa cuidada. Nesse sentido, também o stress sentido pelo familiar cuidador do estudo se relaciona com o vínculo que estabelece com a criança e com o tempo de prestação de cuidados. Mais se verificou, que o familiar cuidador da criança do nosso estudo recorre aos profissionais de saúde, nomeadamente aos enfermeiros dos cuidados de saúde primários, para obterem apoio emocional. Freitag et al. (2020), Gomes et al. (2017); Lyra et al. (2016), também verificaram, que os profissionais de saúde são a âncora para o apoio emocional dos familiares cuidadores da criança no domicílio.
Os discursos dos familiares cuidadores revelaram também, possuir uma ambivalência de sentimentos que se estendem desde sentir alegria até á incerteza quanto ao futuro. A atribuição de um significado mais positivo ou negativo à experiência prende-se com as experiências do indivíduo, e da sua capacidade de adaptação a uma nova situação estável, primeiro pelo reconhecimento da necessidade de transição e posteriormente, pelo seu comprometimento à mudança (Meleis, 2010). O sentimento de alegria vivenciado por alguns familiares cuidadores prende-se com o facto de poder dar amor a quem cuida e por considerar que a casa é o lar da criança.
Um familiar cuidador referiu sentir culpa que se relacionava com o facto de entender que não cuidou devidamente da criança por exigência do cuidar de outro familiar adulto, culpabilizando-se por ter abdicado do seu acompanhamento. Este sentimento também é vivido no estudo de Medeiros et al. (2020). Conforme referem os familiares cuidadores do nosso estudo, a presença da doença crónica na criança é para eles um fator stressante na medida em que exige deles um processo de adaptação à doença, saber lidar com as emoções que vão surgindo, para além de terem que alterar os seus projetos de vida. Neste sentido, os familiares cuidadores referiram que a abordagem terapêutica dos profissionais de saúde foi para eles marcante, na medida em que os ajudaram no processo de transição, deram suporte e os apoiaram a gerir melhor as emoções que emergem ao cuidar da criança com doença crónica. O estudo de Silva et al. (2017), demonstrou que os pais da criança com diabetes tipo1 necessitam de desenvolver competências para minimizar os receios e sentimentos mais negativos que esta situação envolve. Salientam ainda, que os profissionais de saúde têm um papel importante na ajuda ao desenvolvimento das suas competências.
A inclusão da criança nas atividades escolares, foi outra das situações marcantes que emergiu dos discursos dos familiares cuidadores. Para estes, esta inclusão foi extremamente marcante, na medida em que, na escola o seu filho foi considerado como uma criança em vez de doente. Os pares da criança ao aceitá-la, esta sente- se integrada e feliz, influenciando de forma positiva a sua autoestima e, consequentemente o bem-estar da família.
A conquista da criança da autonomia a nível intestinal foi considerada pela família como uma experiência ímpar, na medida em que não acreditavam nesta conquista. Também, as experiências anteriores dos familiares cuidadores têm um peso marcante para as famílias, pois segundo elas, estas experiencias influenciam a forma como enfrentam a situação de doença crónica presente.
Efetivamente, as famílias experienciam momentos de fragilidade, mas também, procuram não perder a “força”, manter a motivação e acreditar que a criança embora não possa vencer a doença, pode viver a vida com a máxima qualidade de vida.
A hospitalização da criança com doença crónica é um fator que potencializa, segundo estes familiares cuidadores, o seu stress. A sua dinâmica familiar fica alterada, surgem segundo estes familiares, sentimentos de culpa, de tristeza, de incerteza quanto à necessidade de nova hospitalização. Silva et al. (2010), explicam que quem acompanha a criança hospitalizada encontra-se perante um conflito emocional, motivado pelas necessidades decorrentes da hospitalização da criança e que não substituem as pré-existentes, ou seja, a mãe sente-se dividida entre as preocupações com o lar, os outros filhos, o marido, a alimentação dos membros, a escola, e, ao mesmo tempo, com a criança doente
A superação do mau prognóstico foi um evento marcante para as famílias. Salientam, que desde que foi comunicada a má notícia de mau prognóstico, têm vivido momentos difíceis, mas também de superação. Uma família aponta que embora saiba que o desfecho da doença é a morte do seu filho, ela não desiste em conquistar a vida. Na opinião de Jorge, Carrondo,& Lopes (2016), as famílias das crianças com condições que limitam a vida ou são potencialmente fatais têm necessidades específicas múltiplas, diversas e mutáveis, que incluem a dimensão física, psicológica, social e espiritual, exigindo uma abordagem orientada para a preservação da qualidade de vida e não se centra exclusivamente na cura/recuperação da doença.
O confronto com a má notícia de doença crónica é para os familiares um momento perturbador, tendo-lhes gerado sentimentos de dor, ansiedades, medos, angústias.
Os resultados, a sua discussão e interpretação reforçam a importância do papel do enfermeiro dos cuidados de saúde primários no apoio/acompanhamento das famílias na gestão da sua dimensão emocional, bem como, no aumento da sua literacia em saúde. É fundamental, através de parcerias e atividades de educação para a saúde, dar a conhecer a doença crónica, desmistifica-la e assim, integrar a doença da criança no seu projeto de vida.
Conclusão
Os resultados do estudo parecem-nos indicar que as emoções e os sentimentos são parte integrante do processo de cuidar do familiar cuidador da criança com doença crónica.
Efetivamente, a prestação de cuidados à criança com doença crónica no domicílio representa para o familiar cuidador uma sobrecarga não só física, mas também emocional, com impacto na sua qualidade de vida e bem-estar, tendo sido relatados sentimentos de aceitação, resignação, frustração, culpa, revolta, tristeza, stress, e incerteza do futuro.
Perante a complexidade da dimensão emocional torna-se fundamental a sua abordagem e integração na prestação de cuidados à criança e familiar cuidador, na medida em que está implícita nos processos de aprendizagem e capacitação, adaptação, tomada de decisão e resolução de problemas, tão essenciais para o desempenho do papel de cuidador e de todos os aspetos inerentes ao processo de cuidar.
Parece pertinente apresentar algumas sugestões de trabalho a desenvolver futuramente: Promover um maior envolvimento dos enfermeiros dos cuidados de saúde primários no processo de acompanhamento do familiar cuidador da criança com doença crónica de forma a promover a sua integração social e na desmistificação de mitos existentes à volta da doença crónica; Desenvolver espaços de reflexão, de partilha, com o objetivo de favorecer a expressão de sentimentos e emoções e assim, promover o fortalecimento de uma relação de confiança entre a equipa de saúde e o familiar cuidador.
Para finalizar, consideramos que este pequeno estudo poderá levantar outras questões de investigação, nomeadamente conhecer a perceção dos profissionais de saúde relativo às intervenções efetuadas na gestão da dimensão emocional do familiar cuidador da criança com doença crónica no domicílio. Outro estudo que consideramos pertinente, seria um estudo comparativo entre os familiares cuidadores aquando do internamento da criança e os familiares cuidadores com a criança com doença crónica no domicílio, em que o objeto do estudo fosse analisar a relação entre profissional de saúde/familiar cuidador, relativamente à gestão emocional.