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Journal of Digital Media and Interaction

Print version ISSN 2184-3120

JDMI vol.5 no.13 Aveiro Dec. 2022  Epub Dec 30, 2022

https://doi.org/10.34624/jdmi.v5i13.30543 

Articles

Um Novo Capítulo na Pesquisa em Esports? Mapeamento, Lacunas e os Primeiros Anos dos Esports Móveis na Academia

(A New Chapter in Esports Research? Mapping, Gaps, and the Early Years of Mobile Esports in Academia)

Tarcízio Macedo1  2 

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

2 Fundação Getúlio Vargas, Brazil


Resumo

Este artigo desenvolve uma revisão da bibliografia internacional sobre esports móveis até setembro de 2021. Seu intuito é documentar a evolução, lacunas e os primeiros anos de apropriação deste objeto pela comunidade acadêmica. A abordagem é guiada por procedimentos metodológicos mistos complementares, voltados para a organização do conhecimento e de natureza quali-quantitativa. A classificação confeccionada para este estudo buscou reunir os achados em blocos de análises, primeiramente de dados bibliográficos para, em seguida, construir uma apreciação epistemológica/crítica. O levantamento identificou 20 trabalhos que tratavam, de alguma forma, sobre esports móveis em diversos formatos de publicação. Entre os principais resultados, destaca-se o pequeno volume de trabalhos sobre este segmento de esports até o momento. No material selecionado, predomina uma baixa reflexão sobre o assunto. Computação é a disciplina que se destaca, acompanhada da Comunicação e das Ciências do Esporte. Além disso, a maioria das pesquisas adota o termo esports móveis de modo aleatório, usual e como exemplo pontual em estudos sobre outros fenômenos sem endereçar reflexões ou problematizações sobre a temática central.

Palavras-chave: Game studies; Esports; Mobile esport; Jogos competitivos; Dispositivos móveis; Revisão de literatura

Abstract

This paper develops a review of the international literature on mobile esports by September 2021. It intends to document the evolution, gaps, and the first years of appropriation of this object by the academic community. The approach is guided by complementary mixed methodological procedures, aimed at the organization of knowledge, and is quali-quantitative. The classification made for this study sought to gather the findings into blocks of analysis, firstly of bibliographic data, and then to build an epistemological/critical appreciation. The survey identified 20 papers that dealt in some way with mobile esports in various publication formats. Among the main results, the small volume of work on the mobile esports segment to date stands out. In the selected material, a low reflection on the subject predominates. Computing is the discipline that stands out, followed by Communication and Sports Sciences. In addition, most research adopts the term mobile esports randomly, habitually, and as a one-off example in studies about other phenomena without addressing reflections or problematizations about the central theme.

Keywords  Game studies; Esports; Mobile esport; Competitive gaming; Mobile devices; Literature review

1. Introdução

Os dispositivos móveis estão entre as conquistas tecnológicas mais disseminadas em todo o mundo (Atalay; Topuz, 2018). Entre os aparelhos mais relevantes, os smartphones encontram lugar privilegiado nas práticas comunicacionais e na vida cotidiana de milhões de pessoas ao redor do globo, à medida que o barateamento dos dispositivos e a expansão da cobertura de rede banda larga móvel cresceu ao redor do mundo (Liao; Wu; Feng, 2019) e os tornou disponíveis o tempo todo.

Aliado a esses fatores, a indústria de videogames experimentou algumas transformações significativas na última década. A disponibilidade de jogos no estilo battle royale em ambientes multiplataformas, por exemplo, é vista por alguns autores (Wardaszko et al., 2019) como uma das evoluções recentes mais marcantes na indústria de games no mundo. Somada a ela, os esportes eletrônicos (esports) são também apontados como uma prática que expande progressivamente a transformação e o desenvolvimento da indústria de videogames e do design de jogos em nosso tempo (Falcão et al., 2020; Wardaszko et al., 2019).

Esse amplo contexto criou as condições necessárias para que pudesse emergir um fenômeno global particularmente interessante dentro do cenário de jogos digitais, um que tornou viável a esportificação (ou esportivização) e profissionalização de jogos móveis, jogadores e toda sorte de atores que integram as comunidades competitivas de base de smartphones e emuladores (Macedo, 2023). Durante tempo considerável, os esports costumavam ser restritos apenas às interações humanas com computadores e consoles. No entanto, esse conjunto particular de circunstâncias descrito nas linhas anteriores permitiu com que nos últimos seis anos, sobretudo, os esports migrassem com sucesso também às plataformas móveis (Wardaszko et al., 2019).

Os esports móveis (mobile esports), como assim são chamados, são agora uma categoria em ascensão dentro do universo esportivo e profissional dos jogos digitais e abrem um novo capítulo na história dos esports. Contudo, sua institucionalização é, em grande medida, mais visível em países emergentes como o Brasil e a China, onde o acesso a smartphones é mais facilitado em comparação a outras plataformas - computadores, notebooks e consoles (Ćwil et al., 2019). A atenção à profissionalização nos jogos digitais tem sido crescente na academia na última década, como mostram revisões de literatura (Bányai et al., 2019; Reitman et al., 2020; Rogstad, 2022) e trabalhos que discutem esta agenda de estudos (Macedo, 2023; Steinkuehler, 2020).

A literatura sobre esports móveis é, no entanto, muito recente. Embora o interesse acadêmico pelo tema tenha crescido em número no campo das pesquisas em jogos digitais (Macedo, 2023; Reitman et al., 2020; Steinkuehler, 2020), o debate sobre a esportificação/esportivização e profissionalização dos e nos jogos móveis ainda é bastante limitado, tanto no Brasil quanto em âmbito internacional. Há poucos estudos que documentam em especificidade as características dessa plataforma e o que ela acrescenta aos esports em relação às outras. Isto se deve, em certa medida, por esse fenômeno ter se desenvolvido com proeminência nos últimos seis anos, aproximadamente.

Com o objetivo de avaliar o atual estado da arte sobre os esports móveis em ascensão e estabelecer uma base para pesquisadores interessados, esse estudo revisita a literatura acadêmica publicada pela produção científica internacional sobre o tema. O intuito é documentar sua evolução e apontar lacunas nessa agenda particular de estudos. Dividido em quatro partes, nesse trabalho oferecemos, primeiramente, uma breve discussão sobre o conceito de esports, introduzimos o fenômeno dos esports móveis, descrevemos os métodos utilizados para coleta da literatura e, por fim, apresentamos os resultados do mapeamento resumindo a pesquisa em cada trabalho e demonstrando as lacunas entre os estudos identificados.

2. A definição dos esports, um problema resistente

Muitas são as formas encontradas para se referir ao que se convencionou chamar de esportes eletrônicos: esport, e-sport, eSport, e-Sport e pro gaming. Essa variedade em torno de sua nomenclatura não apenas dificulta a indexação de trabalhos sobre o fenômeno e a avaliação do seu estado da arte, como cria uma confusão generalizada que não dá conta da profundidade que o envolve. O feito que se produz é inversamente proporcional ao esforço desejado: a banalização do que são os esports e a disputa pelos seus sentidos sobressaem aos olhos de quem se aproxima. Um sintoma desse diagnóstico pode ser localizado nas próprias referências bibliográficas usadas neste artigo, as quais apontam um emprego aparentemente aleatório das formas de grafá-lo.

A diversidade de maneiras de se reportar aos esports também é acrescida de um quantitativo proporcional de definições para a prática, que costuma sofrer com a abrangência de seu significado. Ainda assim, “os esports são recorrentemente identificados na literatura como uma configuração dos videogames competitivos na qual a atividade de jogo é definida pela profissionalização de seus membros” (Macedo, 2023, p. 4).

Mais de 40 anos depois de surgirem as primeiras experiências relacionadas aos esports (Borowy e Jin, 2013; Macedo; Falcão, 2019; Taylor, T., 2012), o problema em relação a sua definição permanece resistente. Em parte, essa questão provém da própria natureza multidimensional do fenômeno, como mostram os estudos de Freeman e Wohn (2017), Wohn e Freeman (2020) e Macedo (2023). Definir esports e situá-los, porém, tem sido um movimento retórico importante para diversos pesquisadores, uma vez que justifica o enquadramento de suas pesquisas ao tema (Macedo, 2023; Reitman et al., 2020; Taylor, T., 2012).

Embora o termo esport seja empregado frequentemente, acadêmicos abordam esta área com diferentes perspectivas, ressaltando aspectos particulares e sem um consenso definido, apontam Freeman e Wohn (2017). Mesmo assim, muitos deles admitem, ao menos em seu entendimento profissional, que os esports popularmente dizem respeito a jogos competitivos para vários jogadores que diz respeito a assistir, em tempo real ou gameplay assíncrona, online ou presencialmente, competições individuais ou em equipes.

Apesar da emergência de uma literatura conceitual e qualitativa sobre o fenômeno, algumas definições foram propostas no intuito de compreender a prática. Entre as disciplinas do conhecimento, Freeman e Wohn (2017) assumem que os esports receberam tratamentos que pairam entre jogo competitivo, esporte mediado por computador ou espetáculo interativo. As diferenças variam nos níveis de realce dados à fisicalidade, mediação do computador, infraestrutura institucional e ao espectador. No entanto, ainda que nos últimos anos a literatura sobre esports tenha conquistado fôlego (cf. Reitman et al., 2020), as definições ainda sofrem com imprecisões e carência de especificidades. Um dos principais desafios para os estudos de esports persiste na falta de entendimento de seu escopo, conceito, das condições de fronteira e contexto, a diversidade de suas modalidades (Macedo, 2023), as diferenças em relação aos seus formatos e plataformas, as variações e especificidades características de cada modelo e tudo aquilo que permeia os esports como um tópico de pesquisa particular dentro dos game studies.

Alguns questionamentos que se ensejam, por exemplo, giram em torno de saber quais teorias são aplicáveis ao estudo de esports? Quais seriam as metodologias mais adequadas à pesquisa em esports? O estudo desse fenômeno requer uma abordagem distinta da usada nos estudos de jogos? Qual a diversidade das situações esportivas nos jogos digitais? Como as especificidades de plataformas e formatos unem e diferenciam a diversidade das situações esportivas nos jogos digitais? Um primeiro passo para abordar esse conjunto de questões, embora não exaustivo, consiste em revisitar criticamente algumas das principais definições oferecidas ao tema em uma variedade de disciplinas. Iniciamos esse percurso a partir de quatro perspectivas gerais, a partir das quais podemos agregar algumas das definições sobre esports oferecidas por autores considerados representativos para o campo.

2.1. Esport como esporte mediado por computador

Um movimento comum aos esports consiste em observá-los a partir de uma lente que se volta a identificar o elemento esportivo imputado à prática. Essa leitura é construída tanto de uma perspectiva que examina a sua natureza a partir da ideia básica de esporte tradicional e de suas qualidades esportiva, quanto por outra que promove uma radical ruptura com os critérios objetivos e operacionais que prescrevem um esporte (a relevância motora da atividade, a organização das competições, o sistema regulatório e o arranjo institucional, por exemplo).

Um dos primeiros pensadores do esporte a se debruçar especificamente sobre o fenômeno dos esports é Hemphill (2005), embora sua definição se limite a considerar esports apenas jogos digitais esportivos - o que restringe a diversidade das situações de jogo no fenômeno, recentemente endereçada por Macedo (2023). Um ano depois, Wagner (2006) foi um dos primeiros pesquisadores a introduzir o termo esport no debate acadêmico. Ele oferece uma definição sobre o assunto, segunda a qual “esports é uma área de atividades esportivas na qual as pessoas desenvolvem e treinam habilidades mentais e físicas no uso de tecnologias de informação e comunicação” (Wagner, 2006, p. 438, tradução nossa). Esta definição mais abrangente, embora exclua o aspecto da competição, a plataforma e a forma como os esports são jogados (Jerry et al., 2016), foi o ponto de partida de diversos autores (Hamari; Sjöblom, 2017; Jin, 2010; Macedo; Falcão, 2019; Taylor, T., 2012; Wardaszko et al., 2019), cuja tendência exerceu forte influência nos estudos preliminares sobre esports, que se debruçaram sobre as qualidades esportivas da prática (Freeman; Wohn, 2017).

É o que fazem, posteriormente, autores como Summerley (2020) ao analisar comparativamente o processo de institucionalização inicial dos esportes tradicionais e dos esports e estabelecer paralelos e diferenças entre ambas as instituições esportivas.

2.2. Esport como jogo competitivo

Esports como jogos competitivos é uma interpretação prática que privilegia o mecanismo central de jogos e da experiência de jogo (Freeman; Wohn, 2017), a base que fundamenta a indústria e o ecossistema de esports (Jerry et al., 2016). Inúmeros autores sublinharam os esports a partir do conceito de competição. Dessa perspectiva a atividade foi descrita sob diferentes expressões que, em comum, convergiam a ideia de jogos competitivos de computador/online/videogames (Jin, 2010; Hamari; Sjöblom, 2017). Algumas dessas abordagens, contudo, privilegiam a cultura profissional no âmbito dos esports (Macedo, 2023).

Ruvalcaba et al. (2018), por sua vez, conceituaram o fenômeno como uma forma de jogo competitivo de videogame em ambientes públicos (ambientes online ou live streaming de jogos) jogado contra outros jogadores online ou pessoalmente, por pontos, troféus ou velocidade (isto é, competir para concluir em menor tempo um jogo). Jenny et al. (2016, p. 4), no intuito de oferecer o que creem ser uma definição mais desenvolvida ao fenômeno, conceituam os esports simplesmente como “competições organizadas de videogames”.

Em uma das obras mais populares sobre o assunto, T. Taylor (2012) prefere documentar como a comunidade compreende e produz a prática enquanto esporte. Embora não oferece uma definição direta, a autora registra de maneira extensa como jogos de computador são esportes dirigidos ao espectador, efetivados a partir de atividades promocionais, infraestruturas de transmissão, organização socioeconômica de equipes, torneios e ligas e as performances dos próprios jogadores.

2.3. Esport como espetáculo

A natureza espetacular tem sido reconhecida como uma das distinções principais entre os esports profissionais e outras situações de jogo (Freeman; Wohn, 2017; Macedo; Fragoso, 2021). Esse argumento parte da premissa de que o esporte está associado à ideia de espetáculo desde sua origem: devido à sua própria natureza agonística, a espetacularização do jogo precede a ideia de espetáculo midiático (cf. Macedo; Fragoso, 2021). Nos esports essa herança é rastreável desde os primeiros campeonatos de videogames.

O modelo esportivo espetacular, a exemplo do futebol, das Olimpíadas e do Super Bowl, influenciou consideravelmente tanto a conceituação de esports como espetáculo quanto a ação prática para este fim. Os reflexos dessa modelagem dos esports aos termos do esporte é visível nos primeiros torneios de grandes escala internacional, como o World Cyber Games - fortemente influenciado pelos Jogos Olímpicos - ou World Series of Video Games, fundados respectivamente em 2000 e 2002. Essas iniciativas em nível global, voltadas para integrar os esports ao modelo do esporte convencional, foram substanciais na conceituação dos fenômeno como espetáculo, argumentam N. Taylor (2015) e T. Taylor (2018). Elas colocaram os jogos digitais no radar dos eventos esportivos espetaculares contemporâneos e deram força para a institucionalização dos esports em todo o mundo.

3. Procedimentos metodológicos: sistematização da revisão bibliográfica

Para explorar a relevância e a evolução dos esports móveis no contexto dos game studies, adotamos nesta revisão procedimentos metodológicos mistos complementares (Johnson; Onwuegbuzie; Turner, 2007), voltados para a organização do conhecimento e de natureza quali-quantitativa. Trata-se de um estudo descritivo, quanto aos objetivos, e bibliográfico e exploratório, no que diz respeito aos procedimentos técnicos (Silva; Menezes, 2005). Nossa revisão é construída a partir da apropriação de duas das abordagens que correspondem à análise de domínio proposta por Hjørland (2002), as quais compreendem os estudos bibliométricos e estudos epistemológicos/críticos.

Pelos estudos bibliométricos, procuramos conhecer nove indicadores de produção (volume de publicações, nome dos autores, filiação, países, títulos, tipificação do documento, nome da publicação, ano e disciplina) . A partir dos estudos epistemológicos/críticos, investigamos as correntes teórico-filosóficas e abordagens empregadas pela comunidade discursiva para definir os esports móveis e o tratamento dado ao fenômeno (análise do grau de escopo e síntese geral dos trabalhos relevantes). A combinação dessas duas abordagens permitiu localizar as brechas referentes ao objeto de estudo e contribuir com o aprimoramento do debate. As etapas, portanto, dividem-se da seguinte forma:

a) Pesquisa bibliográfica para identificação, mapeamento e seleção de um conjunto de produções científicas sobre esports móveis publicadas em diferentes formatos (periódicos acadêmicos, anais de eventos, livros, capítulos, preprints, dissertações e teses, por exemplo) em repositórios de trabalhos acadêmicos e mecanismos de pesquisa. As fontes de dados adotadas nesta fase foram sete importantes repositórios de trabalhos acadêmicos, com um escopo capaz de cobrir uma ampla variedade de bases de dados científicos nacionais e internacionais: Dimensions, Scopus, Academia.edu, ResearchGate, Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Catálogo de Teses & Dissertações da CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD/Ibict). Para complementar as informações coletadas, buscas foram feitas na biblioteca da Digital Games Research Association (DiGRA) e do Game Studies: the international journal of computer game research, dois repositórios de relevância no campo dos game studies. Para a análise na próxima etapa, levamos em consideração o número total dos registros recuperados.

Esse conjunto de bases foi utilizado para consultas realizadas entre 20 a 27 de setembro de 2021. Inicialmente, foram definidas combinações de palavras-chave/expressões para orientar nosso levantamento. Chegamos aos seguintes descritores: “mobile esport”, “mobile e-sport”, “esport móvel”, “e-sport móvel” e suas variações no plural, considerando os dados completos dos documentos disponíveis nas plataformas e sem restrições temporais até aquela data. Utilizamos as aspas com o intuito de especificar o que é procurado nos sistemas de busca. Ao invés de contemplar os termos separados “mobile” e “esport”, queríamos localizar documentos que mencionassem uma combinação específica de palavras, isto é, a expressão “mobile esport” e suas variáveis. Descartamos, assim, trabalhos que referenciavam apenas trechos do termo completo (“mobile” ou “esport”).

Com esse conjunto de termos, adotamos uma rastreamento mais amplo por todos os dados (resumo, título e texto completo), porque consideramos a hipótese de que embora esses documentos não partissem dos esports móveis como tema principal, alguns deles talvez apresentassem o debate sobre a temática mesmo em estudos mais amplos sobre o fenômeno dos esports. Somado a isso, a pesquisa exploratória por títulos e resumos, com o intuito de filtrar os primeiros resultados e manter somente aqueles que possuem relação com o tema estudado, retornou apenas três trabalhos. Esse é um valor considerado insuficiente para o objetivo de compreender as tendências e o tratamento dado a este novo segmento dos esports até o momento.

b) Extração dos dados dos repositórios, catalogação e refinamento do material levantado. Nesta etapa foi gerado, primeiramente, um arquivo geral csv. onde foram inseridas, em uma tabela, as informações do título, tipificação do documento (artigo em periódico, artigo em anais, livro, monografia, capítulo de livro ou preprint), nome da publicação, ano, escopo e tipo de acesso (disponível ou indisponível online). Adotamos como critérios de exclusão: a) documentos repetidos; b) trabalhos que não estivessem em inglês/português/espanhol; c) documentos não disponíveis online; e d) a classificação do escopo.

c) Avaliação do grau de escopo dos estudos previamente selecionados. Nesta etapa, por meio de uma análise de conteúdo simplificada, cada estudo foi visitado para identificar o nível do escopo acerca do segmento de esports em análise. Com o intuito de obtermos um tratamento mais equitativo e resultados mais refinados, optamos pela normalização da categoria escopo com base em quatro níveis explicativos, presentes na Tabela 1, com suas respectivas descrições.

Tabela 1 Categorias, graus ou níveis de classificação do escopo dos trabalhos. Fonte: Elaborado pelo autor (2022). 

Categorias/níveis Descrição
Alto O tema do trabalho é pertinente à temática central (esports móveis).
Médio O tema do trabalho não é voltado aos esports móveis, mas menciona a temática em algum detalhe.
Baixo O tema do trabalho não é adequado à temática central da pesquisa e apresenta menção com baixa reflexão.
Inexistente O termo é mencionado em referências ou de modo aleatório sem qualquer reflexão específica ao fenômeno.

Essa análise nos ajudou a reconhecer o modo como o conhecimento científico em esports móveis tem sido construído nos últimos anos. Após o emprego dos critérios de exclusão a, b e c, recorremos às categorias do escopo para excluir assuntos não pertinentes à temática central do levantamento. Para a aplicação dessa classificação, de forma a selecionar apenas trabalhos que se relacionassem com os esports móveis, uma análise de conteúdo de cada texto foi necessária para filtrar os estudos que tratassem da tema em questão. Os seis documentos que obtiveram o nível inexistente foram excluídos. Uma tabela final foi construída agregando os nove indicadores de produção, anteriormente relatados, incluindo um nono (grau de escopo).

4. Resultados: apresentação e análise

Os resultados são narrados, inicialmente, a partir da análise de dados bibliográficos sobre esports móveis, e, em seguida, apresentando o estudo epistemológico com base na análise do grau de escopo e na síntese geral dos trabalhos mais relevantes.

4.1. Análise de dados bibliográficos sobre esports móveis

Como dito, a primeira etapa desta revisão consistiu em uma varredura a partir da lista de termos predefinidos utilizando os mesmos critérios de buscas explicitados nas linhas anteriores. A partir desse levantamento foram recuperados, até 27 de setembro de 2021, 39 resultados na plataforma Dimensions: mobile esport e sua variação no plural retornaram um conjunto de 28 documentos, enquanto mobile e-esport e seu plural retornaram 11. As variações em português não apresentaram dados, assim como as buscas de todos os termos nas plataformas ResearchGate e Portal de Periódicos da CAPES não localizaram novos registros aos obtidos nas varreduras anteriores. Já na Scopus, no Catálogo de Teses & Dissertações da CAPES, no Academia.edu, no BDTD, na biblioteca de trabalhos da DiGRA e no periódico Game Studies nenhuma das palavras-chave encontraram documentos.

O passo seguinte consistiu em catalogar todo esse material em uma primeira tabela com apenas as informações do título, tipo de documento, nome da publicação, ano, acesso e escopo. Dos 39 trabalhos recuperados, 3 não estavam disponíveis online, 6 estavam repetidos, 4 eram de outros idiomas e 6 receberam o grau de escopo inexistente. Após a documentação dos dados, a aplicação dos demais critérios de exclusão e a análise do escopo, obtivemos um total de 20 documentos (51,28%), assinados por 51 autores (autoria e coautoria, excluídos os que assinaram mais de um trabalho) de 12 países diferentes . Tratam-se de 10 artigos científicos, 4 artigos em anais de eventos, 4 capítulos de livros, 1 livro e 1 monografia (dissertação). A evolução da produção científica sobre o tema pode ser observada na Figura 1, sob uma perspectiva diacrônica, com os maiores índices registrados em 2019.

Elaborado pelo autor (2022)

Figura 1 Volume de publicações anuais, por disciplina, no corpus de esports móveis até setembro de 2021.  

Das 1.405 publicações na plataforma Dimensions sobre esports/e-sports até setembro de 2021 (considerando a ocorrência dos termos no título/resumo), obtivemos um total de 20 documentos a respeito de esports móveis, o que equivale a 1,42% do universo disponível sobre o tema mais amplo, selecionados como corpus de análise . Nenhum desses trabalhos, contudo, é assinado por pesquisadores vinculados às instituições de ensino e pesquisa no Brasil. As disciplinas acadêmicas representadas no material empírico são Comunicação, Esporte, Computação, Turismo, Economia e Ciências Ambientais (Tabela 2). Embora a maioria dos trabalhos atue de maneira interdisciplinar, utilizamos três critérios para classificar/vincular os resultados às áreas de estudo: (i) a filiação dos autores em dois níveis (faculdade/escola e departamento/centro); (ii) o escopo da publicação; (iii) e o conteúdo do trabalho.

Tabela 2 Categorias, graus ou níveis de classificação do escopo dos trabalhos. Fonte: Elaborado pelo autor (2022). 

Disciplina Total de publicações Porcentagem do corpus (%)
Comunicação 6 30%
Esporte 5 25%
Computação 3 15%
Turismo 3 15%
Economia 2 10%
Ciências ambientais 1 5%
Total 20 100%

Essa coletânea foi, então, organizada em uma tabela com nove indicadores de produção: nomes dos autores, filiação, país, título, tipo de documento, nome da publicação, ano, disciplina e escopo. A classificação do escopo de cada documento diz respeito a uma etapa qualitativa de nossa análise, tanto para identificação quanto para análise de documentos relevantes, da qual exploraremos resumidamente a seguir.

O primeiro estudo sobre esport móvel surge na produção científica internacional a partir de 2018 (Atalay; Topuz, 2018), vindo das Ciências do Esporte (Figura 1). Ainda neste ano esse trabalho é seguido por uma outra obra que faz referência ao segmento (Skinner; Smith; Swanson, 2018), também no campo dos esportes. É importante, contudo, diferenciar entre o primeiro estudo sobre o fenômeno (Atalay; Topuz, 2018) da primeira menção aos esports móveis na literatura (Skinner; Smith; Swanson, 2018). Enquanto a primeira discute um aspecto específico do segmento, o segundo faz uma breve alusão ao termo em determinado momento.

Essas duas primeiras ocorrências aparecem dois anos após o governo chinês hospedar a primeira competição oficial de esports móveis no país, a China Mobile eSports Games, que permanece ativa desde 2016 (Newzoo, 2016; Niko, 2019). Essas pesquisas foram acompanhada, em 2019, por publicações das Ciências da Computação (Ćwil et al., 2019; Liao; Wu; Feng, 2019; Wardaszko et al., 2019), Ciências da Comunicação (Biao; Wenxi; Guangyu, 2019; Canavarro; Sequeiros; Fernandes, 2019; Otu, 2019), Ciências do Esporte (Summerley, 2020) e Ciências ambientais (Wang et al., 2019). A primeira menção aos esports móveis em um trabalho de turismo aparece no ano seguinte, em 2020.

Como as ocorrências evidenciaram estudos que mais mencionavam casualmente o termo, ao invés de pesquisas específicas sobre esports móveis, uma análise comparativa entre esses trabalhos produziria resultados inconclusivos e tendenciosos. Nos detemos, assim, em uma análise epistemológica exploratória sobre a temática em seus primeiros anos de presença no debate acadêmico.

4.2. Análise do grau de escopo dos trabalhos

Esta revisão de literatura também procurou tipificar o grau de escopo sobre esports móveis nas pesquisas, distribuindo-o em cada disciplina. A Tabela 3 mostra o índice anual do corpus selecionado por ano, disciplina e grau de escopo. A Figura 2, por sua vez, indica o tratamento dado ao fenômeno no quadro geral dos estudos mapeados.

Tabela 3 Distribuição anual dos 20 trabalhos selecionados por disciplinas e graus de escopo até setembro de 2021. Fonte: Elaborado pelo autor (2022). 

Ano Título do artigo Disciplina Escopo
2018 What Is Being Played in the World? Mobile eSport Applications Esporte Alto
2018 Fostering Innovative Cultures in Sport, Leadership, Innovation and Change Esporte Baixo
2019 Analysis of Matchmaking Optimization Systems Potential in Mobile Esports Computação Alto
2019 Empirical Studies on the Role of Matchmaking in Mobile Esports Player Engagement Computação Alto
2019 Improving Mobile Gaming Experience with User Status Detect System Computação Médio
2019 Game Design Decisions and Communication Theories Applied to eSports: A Literature Review Comunicação Baixo
2019 The Development of Sports: A Comparative Analysis of the Early Institutionalization of Traditional Sports and E-Sports Esporte Baixo
2019 The Future of Gaming and Sport: The Rise of the E-sports industry in China Comunicação Alto
2019 Characteristic Development Model: A Transformation for the Sustainable Development of Small Towns in China Ciências ambientais Baixo
2019 China’s Digital Publishing Moving Towards In-Depth Integrated Development Comunicação Baixo
2020 The rise of E-Sports and potential for Post-COVID continued growth Turismo Baixo
2020 Umbrella platform of Tencent eSports industry in China Comunicação Baixo
2020 Cross-Cultural Analysis of Gamer Identity: A Comparison of the United States and Poland Comunicação Baixo
2021 Clustering Esports Gameplay Consumers via Game Experiences Esporte Baixo
2021 Effect of Prior Gameplay Experience on the Relationships between Esports Gameplay Intention and Live Esports Streaming Content Esporte Baixo
2021 The Use of Instagram Stories at the Age of COVID-19 Pandemic Comunicação Baixo
2021 eSports: a new industry Economia
2021 Gen Z and Esports: Digitizing the Live Event Brand Turismo Baixo
2021 Conquering Gender Stereotype Threat in “Digit Sports”: Effects of Gender Swapping on Female Players’ Continuous Participation Intention in ESports Economia Baixo
2021 Research on Advertising Marketing in E-sports Competition in China Turismo Baixo

Elaborado pelo autor (2022)

Figura 2 Percentual do grau explicativo de escopo das publicações.  

A partir da análise de escopo dos 20 artigos selecionados (Tabela 2), os resultados permitem verificar que: 75% (15 documentos) da organização do conhecimento sobre esports móveis apresenta uma baixa reflexão sobre o assunto; 20% (4) alcançou o escopo alto - equivalente a 0,28% do total disponível de trabalhos na plataforma Dimensions sobre esports/e-sports -; e apenas 5% (1) alcançou o nível médio. Os resultados, além de refutarem a nossa hipótese inicial e não permitirem o diagnóstico das tendências, demonstram que a maioria das pesquisas adota o termo esports móveis de modo aleatório, usual e como exemplo pontual em estudos sobre outros fenômenos sem que enderece reflexões ou problematizações sobre a temática central. Nos 15 trabalhos de baixo escopo, o debate se volta para alguma especificidade dos esports de maneira mais ampla (10), à identidade do jogador (1), instagram (1), esportes e economia (1), cidades e meio ambiente (1) e publicação digital (1).

Pelos resultados apresentados na Figura 3, é possível observar que os esports móveis têm sido discutidos com maior escopo em estudos da Computação, enquanto na Comunicação e nas Ciências do Esporte predominam abordagens que se limitam a menções momentâneas ao fenômeno. Embora as pesquisas sobre a temática estejam entrando em um primeiro momento de exuberância, período particular no qual a atração da novidade do tema pela comunidade acadêmica amplia a quantidade de trabalhos sobre determinado tópico de estudo (Fragoso et al., 2017), esse é um comportamento recente quando consideramos que a Comunicação assume destaque nos estudos sobre esports, conforme mostra a revisão de literatura (em língua inglesa) desenvolvida por Reitman et al. (2020).

Elaborado pelo autor (2022)

Figura 3 Grau explicativo do escopo, por disciplina, apresentado no corpus.  

Esse cenário aponta para uma lacuna no que diz respeito a um fenômeno hospedado, particularmente, em países emergentes do Sudeste Asiático e da América Latina (Niko, 2016, 2019). A falta de propagação e institucionalização do fenômeno no Ocidente, sobretudo em países desenvolvidos (Summerley, 2020), talvez ajude a explicar o escasso debate até então. No entanto, os resultados da leitura crítica dos cinco documentos de alto e médio escopo sobre esports móveis permitiram identificar algumas lacunas referentes ao conceito e contribuir com o aprimoramento das brechas existentes em direção a uma agenda que também se debruce sobre as especificidades da temática. É o que apresentamos a seguir.

5. Discussão e síntese geral dos trabalhos mais relevantes

Essa seção introduz um relato da última etapa de nossa revisão bibliográfica. O objetivo consiste, especialmente, em levantar os principais achados dos estudos mais relevantes - classificados com escopo alto e médio - e brevemente situar o tratamento dado aos esports móveis pelo corpus.

O primeiro dos trabalhos indexado na plataforma Dimensions é escrito por Atalay e Topuz (2018). Os autores partem de uma definição de esports enquanto esporte mediado por computador (Hamari; Sjöblom, 2017; Wagner, 2006) e jogos competitivos (Jenny et al., 2016). A partir deste referencial, os autores examinam os aplicativos de esport móveis mais populares do mundo e concentram-se nos aplicativos hospedados em duas plataformas que possuem o maior número de usuários em escala global: App Store e Google Play Store.

O resultado da pesquisa verificou à época que os esports móveis possuem uma diversa área de uso em escala global e são largamente aceitos. Os mais populares aplicativos revelaram interesses em jogos semelhantes ao dos esportes tradicionais. Além disso, Atalay e Topuz (2018) reforçaram que a popularidade desses aplicativos varia conforme os sujeitos que utilizam as lojas, os diferentes países e a disponibilidade da aplicação (gratuita ou paga).

É estranho, no entanto, que apenas jogos digitais esportivos apareçam no ranking de Atalay e Topuz (2018). Borowy e Jin (2013) chamam a atenção para o fato de ainda existirem alguns pesquisadores, como é o caso de Hemphill (2005), e designers de jogos que frequentemente intercambiam jogos digitais esportivos e esports. No entanto, há um consenso hoje que considera o esport um fenômeno muito mais abrangente em termos de jogadores profissionais, entusiastas, casuais, amadores e estudantes que se envolvem não somente com videogames esportivos, mas também com outros gêneros de jogo (Macedo; Fragoso, 2021).

O segundo estudo é de Wardaszko et al. (2019). Estes autores também partem de uma percepção de esports como esporte mediado por computador (Hamari; Sjöblom, 2017; Wagner, 2006) e como gameplay competitivo em videogames, cuja definição mais ampla agrega tanto amadores quanto profissionais. Com base nesse arcabouço, eles analisaram 16 diferentes aplicativos de esports móveis populares no intuito de estudar em profundidade o atual estado de implementação teórica e prática de sistemas de matchmaking disponíveis na indústria de jogos móveis, isto é, as abordagens desses jogos para parear jogadores. A organização de partidas (matchmaking) é um dos principais recursos da experiência em jogos online para conectar diferentes jogadores em sessões de jogos. Wardaszko et al. (2019) constataram, a partir do estudo, que a estratégia dominante na indústria usa sistemas baseados em classificação de habilidade ou progresso (proporção de vitórias/derrotas ou o número de pontos de experiência adquiridos ao longo de uma dada temporada de jogo/historicamente).

O terceiro estudo é desenvolvido por Ćwil et al. (2019), que também assinam o estudo anterior. Nesta pesquisa os autores seguem o mesmo critério para definição dos esports como esporte mediado por computador e uma forma de competição envolvendo videogames, mobilizando alguns dos autores mencionados em nossa revisão (Hamari; Sjöblom, 2017; Hemphill, 2005). Essa é uma concepção que também não se firma num entendimento que limita os esports a um domínio exclusivamente profissionalizado (Macedo, 2023). A partir dessa interpretação, é analisado como o matchmaking exerce influência sobre o engajamento e a satisfação do jogador em 17 jogos de esports móveis.

Os resultados da pesquisa apontaram que muitos fatores influenciam o engajamento de jogadores de esports móveis, e o matchmaking é um dos mais relevantes. Jogadores possuem diferentes estilos de jogo e vários personagens, o que dificulta a tarefa de medir suas habilidades e pareá-los de modo que satisfaça ao maior número possível deles. Os autores sugerem, então, que a personalidade do jogador deve ser um dos critérios incluídos nos sistemas de matchmaking, à medida que ela influencia nas reações e satisfação de um jogador em partidas.

Em seu estudo sobre uma nova forma dos usuários interagirem com seus dispositivos móveis e melhorarem sua experiência de jogo a partir do sistema de detecção do status do usuário, Liao, Wu e Feng (2019), ao discutirem os jogos competitivos móveis, fazem referência ao movimento de portabilidade de jogos competitivos para plataformas móveis. Embora não discutam o cenário de esports móveis, os autores tocam na questão das materialidades que envolvem a experiência de jogadores em dispositivos móveis:

“Com esses muitos jogadores de esports e jogadores profissionais, muitas empresas se esforçaram para projetar periféricos para melhorar o controle de jogos móveis, como joysticks e botões adicionais na tela. Algumas empresas desenvolveram smartphones voltados para jogos para se adequar ao mercado e ajudar os jogadores de alto nível a obter uma vantagem em seus jogos”. (Liao; Wu; Feng, 2019, p. 32).

Aquela que pode ser considerada, segundo nossos dados, a primeira dissertação sobre esports móveis aparece com o trabalho de Otu (2019). Sua abordagem aproxima dois dos três conjuntos de definições anteriores para pensar nos esports como videogames competitivos, “voltados para jogadores profissionais que jogam para uma equipe” (p. 8, tradução nossa), e como um tipo de esporte mediado por computador com qualidades esportivas. O autor aborda o surgimento dos esports móveis no contexto chinês e desenvolve, inicialmente, uma análise sobre a tendência de expansão da indústria de esports e esports móveis na China nos últimos anos, avaliando como a governança política, tecnologia e fatores sociais, culturais e econômicos são aspectos que exerceram grande influência para o estabelecimento da indústria chinesa de esports, ajudando a moldá-la. Em seguida, Otu (2019) compara, contrasta e idêntica padrões semelhantes de comportamentos, experiências e envolvimento de fãs chineses em atividades relacionadas aos esports. O autor defende que a divisão móvel dos esports está contribuindo significativamente para estabilizar ainda mais a gigante indústria de esports no contexto da China.

Assim como esta revisão demonstra, Otu (2019) registra que os esports móveis são um fenômeno relativamente novo que não possui literatura considerável na área dos game studies, estudos da comunicação e estudos de dispositivos móveis. De acordo com o autor, apenas recentemente alguns trabalhos sobre esports para computadores começaram a surgir - uma afirmação que, do nosso ponto de vista, é demasiadamente modesta, embora o estudos de esports sejam um campo relativamente pequeno dentro dos game studies (Reitman et al., 2020). No contexto chinês, nenhum aspecto do segmento de esports móveis foi identificado na literatura disponível.

Um dos principais problemas em relação aos trabalhos obtidos é a ausência de critérios mais adequados para justificar a escolha de certos jogos como “esports” móveis ou à definição de um cenário de esports móveis. Aqui a definição de esport é particularmente responsável por essa incongruência, na medida em que os estudos oscilam entre concepções restritas (esport como jogo profissional, como nos primórdios do debate do fenômeno) e abrangentes (esport como prática amadora e profissional). Problema este que deriva pelo fato dos autores adotarem o conceito desenvolvido por estudiosos de outras plataformas (consoles e computadores), acreditamos. A definição de esports desses trabalhos também ignora a terceira abordagem que se volta ao elemento espetacular de nossa revisão conceitual.

Cada uma dessas culturas de prática voltadas para os esports, em suas múltiplas representações contemporâneas, é diretamente impelida pelos elementos do design inscritos em cada um destes contextos técnicos. Nesse sentido, a questão mais latente que se debruça sobre esses estudos diz respeito a falta de um consenso amplo a respeito da definição de esports, em geral, e esports móveis, em particular: o que define, então, um cenário de esport? E, sobretudo, o que faz de um jogo um esport? Qual elemento formal este necessita? Quais as características dessa modalidade e o que ela acrescenta ao conceito de esports? Um jogo sem uma estrutura profissional oficial - mantido apenas por uma comunidade de jogadores - pode ser um esport? Essas são questões em aberto que precisam ser melhor endereçadas, mas cujas contribuições iniciais oferecemos em trabalhos recentes (Macedo, 2023).

6. Considerações finais

Apresentamos neste trabalho um mapeamento da bibliografia internacional encontrada sobre esports móveis até setembro de 2021. A partir da sistematização dos dados e de análises bibliográficas e epistemológicas, foi possível construir um panorama de organização do conhecimento sobre o fenômeno enquanto a temática avança em um primeiro momento de exuberância (Fragoso et al., 2017). Nossa proposta ao conduzir esta revisão consistia em estabelecer uma base para futuros estudiosos interessados, revelando aos pesquisadores o que estaria em curso nos primeiros anos de apropriação deste objeto pela comunidade acadêmica.

Em nosso levantamento, identificamos 20 trabalhos que versavam, de alguma forma, sobre esports móveis em diversos formatos de publicação. A classificação confeccionada para este estudo buscou reunir os achados em blocos de análises, primeiramente de dados bibliográficos sobre os estudos para, em seguida, construir uma apreciação epistemológica com base no grau de escopo e na síntese geral dos estudos mais importantes. O primeiro bloco foi útil para detectar a quantidade de trabalhos que estão distribuídos em cada disciplina, além de um conjunto de indicadores bibliográficos. O segundo bloco, divido em duas partes, permitiu compreender o tratamento dado ao fenômeno no quadro geral dos estudos mapeados, isto é, as correntes teórico-filosóficas e abordagens empregadas pela comunidade discursiva para definir os esports móveis.

Entre os principais resultados, destacamos o pequeno volume de trabalhos sobre o segmento de esports móveis até o momento, seja em âmbito nacional ou internacional, mesmo ampliando os critérios de seleção de dados. No material selecionado, predomina uma baixa reflexão sobre o assunto. Do total dos documentos, 15 deles mencionavam casualmente o termo, enquanto outros cinco ofereciam abordagens mais específicas direcionadas ao segmento. Computação é a disciplina que se destaca, acompanhada da Comunicação e das Ciências do Esporte. O fato de nenhum dos autores ser brasileiro demonstra, expressivamente, uma lacuna de pesquisa nos game studies no país que precisa ser preenchida para a própria expansão do campo, embora diversas bases de dados nacionais tenham sido contempladas em nosso mapeamento.

A pesquisa em torno dos esports móveis está em sua fase inicial. O nascimento desse objeto implica admitir que ainda existe uma gama de disputas e problemas fundamentais a respeito de como o campo está se construindo. Embora seja um desafio aos pesquisadores envolvidos nesse esforço inaugural, eles detêm a capacidade de moldar seu crescimento. Apesar dos esports para jogos de computador serem hoje predominantes na pesquisa (Reitman et al., 2020), acreditamos que investigações adicionais sobre o cenário de esports móveis devem ser consideradas no debate se quisermos abarcar o fenômeno como um ecossistema de mídia holístico multidimensional (Wohn; Freeman, 2020).

Além disso, nos estudos sobre esports, mobile esports e esports móveis são termos ainda pouco usados por pesquisadores para indexar pesquisas específicas sobre o segmento esportivo nesta plataforma. Com a expansão dos smartphones e da internet móvel, especialmente com o advento da tecnologia de conexão 5G em diferentes partes do mundo, a experiência dos esports móveis sofrerá transformações (Biao; Wenxi; Guangyu, 2019). Atrelado a esse contexto, o crescente reconhecimento da indústria de jogos móveis deve impulsionar ainda mais os esports móveis a conquistarem mais espaço na indústria e no ecossistema global de competições profissionais de videogames. Consequentemente, a academia será chamada a compreender o fenômeno.

As limitações desta revisão de literatura residem, sobretudo, na construção do corpus. O primeiro aspecto a se considerar é que os termos escolhidos se restringem aos idiomas inglês e português. A literatura que revisamos, embora tentasse cobrir documentos em três idiomas (português, inglês e espanhol), retornou apenas aqueles oriundos de língua inglesa. É importante reconhecermos, portanto, que este levantamento não leva à exaustão todas as produções, à medida que existe a possibilidade de trabalhos acadêmicos relacionados se encontrarem em outras línguas, assim como existirem outras produções depositadas em repositórios que não foram contemplados nesta pesquisa.

Essa limitação implica em uma probabilidade real de perda de uma significativa quantidade de literatura publicada em idiomas nativos de países que exercem influência no desenvolvimento dos esports móveis no mundo, especialmente da região da Ásia-Pacífico, principalmente na China, Tailândia, Vietnã, Coréia do Sul, Indonésia e Cingapura, dada a expansão dos esports móveis e de smartphones nestes países asiáticos (Jin; Schneider, 2016; Hjorth, 2007, 2011; Niko, 2016, 2019).

Portanto, é importante que o leitor considere que este levantamento se limita ao universo dos repositórios e idiomas consultados, documentando a evolução de parte da produção acadêmica sobre esports móveis até 27 de setembro de 2021. Se os esports móveis alcançarão o status de um objeto predominante nos estudos de esports, só o tempo dirá. Ainda assim, essa revisão pode ser um ponto de partida útil para pesquisadores que pretendem permanecer atualizados com a literatura publicada recentemente. Como o campo se mantém suficientemente pequeno, é possível revisá-lo por inteiro. Estudiosos devem estar atentos para desenvolver seus trabalhos a partir da literatura preexistente para que avanços sejam possíveis. Esperamos que revisões futuras do crescimento da literatura obtenham alguma utilidade nos tópicos que debatemos e construam linhas de investigação desconhecidas para esse corpus.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.

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Recebido: 11 de Outubro de 2022; Aceito: 20 de Dezembro de 2022

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