Introdução

Nas duas últimas décadas, a educação profissional e tecnológica no Brasil, passou por mudanças substanciais no que se refere à expansão e à interiorização, principalmente por meio dos Institutos Federais, através de investimentos governamentais na tentativa de proporcionar aos cidadãos uma educação técnica e profissional de qualidade nos diversos rincões do país. De fato, a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (RFEPT) com sua interiorização através dos diversos campi espalhados nas mais distintas regiões do Brasil, caracteriza-se como uma política pública ao ponto de tomar “posição estratégica importante como elemento criativo de alavancagem, junto com outras políticas e ações públicas, para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil” (^{MEC, 2004, p. 6}). Ressalta-se a elevação dos números relacionados a temática em questão, a saber: de 1909 a 2002 foram construídas 140 escolas técnicas no país, e de 2003 a 2016 foram disponibilizadas mais de 500 novas unidades. Com investimentos consideráveis no projeto de expansão, atualmente a RFEPT consta com 661 unidades em funcionamento, sendo distribuídos em mais de 560 municípios espalhados em todas as 27 unidades federativas (^{Brasil, 2022}).

Vale destacar que os Institutos Federais buscam auxiliar no desenvolvimento das regiões em que estão inseridos, com o intuito de preencher lacunas existentes no mercado de trabalho, tais como o desemprego por falta de qualificação e/ou então pelas novas competências exigidas dos profissionais, além de tentar promover por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, benefícios à comunidade, especialmente quando se trata da geração de trabalho e renda numa perspectiva em que o cidadão busque sua própria emancipação em vista do desenvolvimento socioeconômico local e regional (^{IFRN, 2009}).

A educação profissional no Brasil se insere num contexto de constantes mudanças e desafios ao longo do tempo, pois desde o período colonial até o presente, surgem tentativas de promover uma educação técnica e profissional que se adéque às necessidades da sociedade e por que não dizer, adequando-se às necessidades do mercado. Por isso, a importância da educação profissional se reveste de um caráter urgente e necessário, pois existem os desafios de ocupação e renda contemplados no atual processo de globalização; dos avanços tecnológicos; das mudanças nas relações de trabalho; nas dinâmicas econômicas e sociais das diversas localidades; bem como das peculiaridades de tempos difíceis e conturbados, como no Brasil. Ademais, existem a carência de profissionais qualificados em determinados segmentos e a falta de oportunidades de emprego em muitas regiões do país.

Na verdade, a educação traz em sua gênese a capacidade de orientar o indivíduo em habilidades de socialização e integração numa sociedade dinâmica e competitiva a um melhor aproveitamento de suas capacidades humanas. Além do mais, a educação é um dos principais instrumentos que pode proporcionar as pessoas, possibilidades reais de mudanças e ascensões, caracterizando-se por um instrumento de liberdade (^{Sen, 2010}), visto que a educação possibilita o indivíduo tornar-se uma pessoa mais crítica e habilitada para desenvolver inúmeras atividades por meio de uma formação específica e/ou integral.

No que se refere ao processo de expansão e interiorização, “a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Rio Grande do Norte teve início em 1994 com a inauguração da Unidade de Ensino Descentralizada de Mossoró” (^{IFRN, 2017}), entretanto, a continuidade ocorreu apenas doze anos depois quando a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) deu início a primeira fase da “nova” expansão, já no Governo Lula, com a implantação de três novas unidades descentralizadas de ensino instaladas nas cidades de Natal - Zona Norte, Ipanguaçu e Currais Novos.

No ano seguinte, em 2007, foram iniciadas as construções de mais seis unidades descentralizadas, que faziam parte da segunda etapa da “nova” expansão, que culminou com as unidades de ensino nas cidades de Apodi, Caicó, João Câmara, Macau, Pau dos Ferros e Santa Cruz. Vale sublinhar que, essas unidades, quando das suas inaugurações em 2009, não se denominavam mais Centros Federais de Educação Tecnológica, mas como campi do recém criado Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Ainda na segunda fase da expansão da rede federal, foram construídos os campi de Natal - Cidade Alta, Nova Cruz, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante. Nessa época, foi feito um investimento na expansão física do IFRN Campus Natal - Central para possibilitar a criação do Campus de Educação a Distância (EaD), atualmente Natal - Zona Leste. Posteriormente, surgiram os campi de Canguaretama, Ceará-Mirim e São Paulo do Potengi, já na terceira fase da expansão, e por último, os campi avançados de Lajes e Parelhas, além de Jucurutu. A maioria dessas cidades e regiões eram marcadas pela história de esquecimento e exclusão por parte dos poderes públicos quando o assunto se tratava de educação profissional. Esse resgate individual acarreta consequentemente o resgate de um povo e de uma região, para em seguida, fomentar nessas localidades o desenvolvimento socioeconômico.

Diante do exposto, entende-se que a temática é pertinente de ser explorada, especialmente quando integrada numa perspectiva regional e que esteja vinculada direta e indiretamente a outros atores institucionais, como o Governo do Estado do Rio Grande do Norte com seu planejamento em médio e longo prazo, que tem como foco as peculiaridades das regiões do estado, como no caso dos arranjos produtivos locais, pois estudos revelam que o IFRN tem buscado direcionar e ampliar seu apoio aos APL´s que congregam elementos relevantes para o desenvolvimento local e regional.

Nesse contexto, o IFRN é tido como parceiro junto aos arranjos produtivos do estado, como enfatiza uma pesquisa realizada pela RedeSist (^{Filho, 2010}) e outra publicada pelo Governo do RN sobre os 5 eixos integrados de desenvolvimento, que fez uma análise do ambiente para a formulação do seu planejamento estratégico governamental, e nesta, a capilaridade do Institutos Federais no RN é tida como uma força e um parceiro importante (^{Capriglione et al., 2017}), confirmando o que dissera ^{Pacheco (2011}, p. 19) a esse respeito: “os Institutos Federais assumem o papel de agentes estratégicos na estruturação das políticas públicas para a região que polarizam, estabelecendo uma interação mais direta junto ao poder público e às comunidades locais”. Sendo assim, não seria este diálogo e esta parceria necessários para que haja uma relação profícua entre o Governo do Estado e o IFRN, cujo objetivo é o desenvolvimento do RN?

Desta maneira, sendo a educação profissional uma temática pertinente e dificilmente relacionada ao desenvolvimento local (^{Marini & Silva, 2011}) com base em outros atores institucionais, esta pesquisa parte de uma investigação sobre essa relação tendo como hipótese que o IFRN contribui positivamente com o desenvolvimento do Seridó Potiguar, porém, nem sempre com plena convergência com os objetivos e finalidades das políticas de desenvolvimento local e regional do planejamento estadual, aqui representado pelo Projeto RN Sustentável. Neste estudo, a hipótese é a de que esses aparentes parceiros (IFRN e Governo do RN) têm compreensões distintas acerca do desenvolvimento local: o Instituto Federal busca promover o que existe de universal nessa realidade, isto é, cada região possui sua própria realidade, e esta, sempre terá relação com o contexto mais geral ou universal. Concomitantemente, compreender a realidade local possibilita um melhor entendimento do contexto universal, pois ela é parte desta. Por outro lado, o planejamento estadual permanece buscando identificar apenas as chamadas “vocações naturais” ou potencialidades da região.

Desse modo, o objetivo central deste trabalho foi examinar a relação entre a educação profissional e tecnológica e o desenvolvimento do Seridó Potiguar, com base nas atividades desenvolvidas pelo IFRN e as ações definidas no planejamento de desenvolvimento estadual por meio do Projeto RN Sustentável.

Educação profissional e desenvolvimento local

Ao relacionar a temática da educação profissional com o desenvolvimento local, este estudo tem como fundamentos os pensamentos de Celso Furtado, Amartya Sen e Ruben Kaztman ao apresentarem a educação como instrumento de desenvolvimento. Concomitantemente, a partir de estudos de ^{Brugué e Gomà (1998}), algumas abordagens sobre o desenvolvimento local são discutidas, como o “novo localismo”. Sublinha-se, também, a especialização inteligente apregoada pela Comunidade Europeia com base em ^{Barca (2009}), Comissão Europeia (2012) e ^{Foray (2014}).

Há de se considerar que a educação é um instrumento importante e não exclusivo para o desenvolvimento, visto que este está fundamentado nas liberdades elencadas por ^{Sen (2010}), no enfoque ativos - vulnerabilidade - estrutura de oportunidades (AVEO) defendido por ^{Kaztman (1999}) e na concepção de ^{Furtado (2011}) sobre a realização ou expansão das potencialidades humanas. Conclui-se daí que, ambos os autores explicitam a educação como um fator decisivo e necessário para o desenvolvimento da sociedade.

A educação surge como uma verdadeira estrutura de oportunidade que provê ou reabilita os ativos, vinculados ao capital social, capital humano e capital cívico ou cidadão, que os indivíduos e a sociedade necessitam para seu desenvolvimento, seja em nível individual ou coletivo. Ao falar de desenvolvimento social, não necessariamente se exclui o desenvolvimento ou crescimento econômico, como lembraram ^{Furtado (2011}) e ^{Sen (2010}), além do próprio ^{Kaztman (1999}) que enxerga o mercado como fonte de estrutura de oportunidade. Portanto, a educação é um componente essencial para o desenvolvimento social e econômico, seja em nível local, regional ou global.

Nessa linha de raciocínio, a educação se caracteriza como peça-chave nesse processo de desenvolvimento, pois para ^{Sen (2010}), o alargamento das capacidades humanas pode se dá pelas políticas públicas e concomitantemente pela forma como a sociedade participará efetivamente dessas políticas. Por isso, a expansão e a interiorização da educação profissional nos moldes daquilo que vem sendo feito e ainda se pretende realizar por meio dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia espalhados pelo país, é tida como promotora e disseminadora desse desenvolvimento.

Além do desenvolvimento relacionado diretamente ao indivíduo, como já mencionado por Celso Furtado, Amartya Sen e Ruben Kaztman, tem-se o desenvolvimento das localidades em que esses indivíduos estão inseridos, como explica ^{Dowbor (2008}, p. 42):

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a essa compreensão e à necessidade de formar pessoas que no futuro possam gerar dinâmicas construtivas. (...) A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la.

Quanto às abordagens de desenvolvimento local, pode-se dizer que diante de intensas mudanças nas últimas décadas no que diz respeito às políticas públicas, novos panoramas vão surgindo nas realidades mais distintas: ora um esforço para uma política mais participativa, ora a tentativa de não solapar os princípios democráticos alcançados por algumas nações. Nesse rol de incertezas perenes que envolvem os governos locais, regionais e nacionais, ^{Brugué e Gomà (1998}) fazem uma discussão interessante quando se busca compreender melhor a dinâmica do desenvolvimento local.

Os autores espanhóis apontam características de uma nova vertente nas políticas públicas relacionada ao governo local, denominada novo localismo. Nesta, há uma mudança de paradigma da tese da nacionalização para a do localismo e da tese do gerencialismo para a da repolitização. Nesta nova concepção, as formas de intervenção do governo local levam em consideração a sociedade globalizada e complexa.

Essa abordagem de desenvolvimento baseada no local tornou-se ainda mais evidente com o conhecido Relatório ^{Barca (2009}), que fundamentou as políticas de desenvolvimento da União Europeia que estão inseridas no novo quadro político de coesão na comunidade europeia para o período de 2014-2020, em que as bases de desenvolvimento e as diretrizes futuras foram estabelecidas. Mesmo diante de abordagens diversas de desenvolvimento, o “novo localismo” se propagou consideravelmente (^{Barca et al., 2012}; ^{Tomaney, 2010}).

Segundo ^{Farinós (2015}), esse “novo localismo” pode ser exemplificado por meio de um empoderamento em nível local, tais como no processo de retorno do Reino Unido, da descentralização em diversos países latino-americanos como Brasil, Colômbia e Equador, além das novas regiões urbanas e áreas metropolitanas e diferentes associações intermunicipais na França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Portugal, nos Países Nórdicos etc.

Ademais, tem-se um novo paradigma que tem permeado praticamente todos os planos de desenvolvimento territorial na Europa atualmente, que é a especialização inteligente. Este conceito surge a partir de apontamentos teóricos de um grupo de pesquisa sobre inovação (Knowledge for Growth Expert Group) criado em 2005 por Janez Potocnik, que era Comissária Europeia de Pesquisa. Mesmo tendo origem em um grupo, o conceito tornou-se conhecido e associado a Dominique Foray, presidente do já citado grupo de pesquisa (^{Morgan, 2015}). Foray (2014) explica que a especialização inteligente é uma maneira de pôr em prática um processo dinâmico de desenvolvimento em que os vários atores institucionais possam se relacionar por meio de uma intervenção pontual do Estado, no intuito de apoiar as atividades mais promissoras e auxiliar nas mudanças estruturais requeridas nas regiões. Em suma, “visa gerar ativos e capacidades exclusivos, alicerçada nas estruturas e bases de conhecimento características da indústria da região” (^{Comissão Europeia, 2012, p. 11}). Nesse sentido, observa-se que as instituições de ensino são atores importantes e imprescindíveis nesse processo de desenvolvimento regional.

Procedimentos metodológicos

Para alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa foi percorrido um caminho metodológico específico. As variáveis analíticas que norteiam esse trabalho (educação profissional e tecnológica e o desenvolvimento local) requereram uma investigação detalhada para examinar as possíveis relações existentes, e neste caso, a relação entre a expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica e o desenvolvimento do Seridó Potiguar, com base nas atividades desenvolvidas pelo IFRN e as ações definidas no planejamento de desenvolvimento estadual por meio do Projeto RN Sustentável. A análise dessa relação permitiu examinar as convergências e divergências entre a proposta de educação profissional e tecnológica do IFRN e as propostas do Projeto RN Sustentável para o Seridó Potiguar nos eixos desenvolvimento local e educação profissional.

Esta pesquisa enquadra-se no paradigma interpretativo, com natureza qualitativa, que busca interpretações que estão no âmago da vida social. Em relação aos objetivos do estudo, tem-se um caráter explicativo.

O universo pesquisado foi o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte nos campi instalados na região do Seridó Potiguar nas cidades de Caicó, Currais Novos e Parelhas. O período escolhido vai do início da efetiva expansão e interiorização do IFRN em 2006 até 2018, o que representa pouco mais de uma década do IFRN nessa região. Em relação ao universo estudado, importa ainda enfatizar o Projeto RN Sustentável, elaborado e coordenado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte.

Quanto aos procedimentos, tem-se uma pesquisa documental e de campo. Em relação a análise dos resultados, foi utilizada a análise de conteúdo segundo ^{Bardin (2009}).

Para fins de análise, a Figura 1 representa o esquema do objeto deste estudo, tendo de um lado o IFRN enquanto educação profissional e do outro, o planejamento estadual de desenvolvimento do Governo do RN, dos quais seguem seu tripé institucional e os componentes do projeto, respectivamente. Em princípio, ambos têm como objetivo o desenvolvimento local do Seridó Potiguar, todavia, até que ponto há relações ou parcerias efetivas, é o que trata a análise dos resultados.

Fonte: Elaboração própria, 2020

Figura 1: Esquema do objeto de estudo 

No primeiro momento da investigação foram feitas análises de documentos institucionais, como o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFRN. Essas análises tiveram como prioridades, assuntos inerentes ao desenvolvimento local da região em que os campi estão instalados. Em se tratando do projeto RN Sustentável e da visão do Governo do Estado no tocante à educação profissional e o desenvolvimento local e regional, foi analisado pormenorizadamente o Projeto RN Sustentável e o Plano de Capacitação do Capital Humano do RN, parte do Planejamento Estratégico do Governo do RN intitulado Eixos Integrados de Desenvolvimento. A pesquisa documental ocorreu durante os anos de 2018 e 2019, excetuando-se os meses de setembro de 2018 a fevereiro de 2019, período em que realizei o estágio sanduíche no Departamento de Geografia e no Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) da Faculdade de Letras (FLUP) na Universidade do Porto em Portugal como estudante de mobilidade e investigador para aprofundar meus conhecimentos sobre desenvolvimento local.

Posteriormente, na segunda fase da investigação foram realizadas entrevistas semiestruturadas com atores institucionais do IFRN, além de alguns atores políticos que foram importantes na expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica no Seridó Potiguar. Nesse segundo momento, as entrevistas foram feitas com servidores que atuam e/ou atuaram no planejamento estratégico do IFRN, bem como com servidores do Governo do Estado do RN e algumas autoridades políticas do Seridó Potiguar. As entrevistas foram realizadas no período entre os meses de março e agosto de 2018.

Em relação ao tratamento e análise dos dados coletados, estes foram tratados por meio da análise de conteúdo, que se desenvolveu em três fases: 1) pré-análise; 2) exploração do material; e 3) tratamento dos dados, inferência e interpretação (^{Bardin, 2009}). Neste momento do estudo que diz respeito a educação profissional e desenvolvimento local, a análise dos dados foi realizada com o auxílio de um software específico (ATLAS.ti 8), que além de permitir a edição, visualização, interligação e organização de documentos, permite criar categorias, filtrar e fazer buscas nos dados obtidos, controlá-los e codificá-los.

Urge explicar que as duas categorias de análise (educação profissional e desenvolvimento local) surgiram a partir do referencial teórico e com base no objetivo deste estudo, bem como as subcategorias, que foram idealizadas e definidas com o auxílio do software. Neste, foram introduzidas todas as entrevistas transcritas e os documentos pesquisados, confirmando as subcategorias de acordo com as unidades de registro escolhidas. A Figura 2 apresenta o esquema orientador que acompanhou a análise dos dados coletados.

Fonte: Elaboração própria, 2020

Figura 2: Modelo do esquema da análise de conteúdo 

A partir de então, foi possível identificar a magnitude das subcategorias, ou melhor, quantas vezes essas subcategorias surgiram nas entrevistas de acordo com as unidades de registro identificadas em cada uma delas, conforme a Tabela 1:

Tabela 1: Magnitude das subcategorias de análise 

Fonte: Elaboração própria, 2020.

Ao relacionar as categorias de análise juntamente com as subcategorias, tem-se o desenvolvimento local da região do Seridó Potiguar como um objetivo comum entre o IFRN enquanto educação profissional e o planejamento estadual de desenvolvimento do Governo do RN por meio do Projeto RN Sustentável. Nessa possível relação, surgiu a subcategoria parceria, que não necessariamente indicou, num primeiro momento, uma parceria concreta e real entre o IFRN e o Governo do RN.

Análise dos resultados

No Rio Grande do Norte, o processo de expansão teve início timidamente na cidade de Mossoró ainda na década de 90, mas foi na Fase I da expansão já no Governo Lula, com a construção das três escolas - Currais Novos, Ipanguaçu e Zona Norte - que o mapa da educação profissional e tecnológica no estado passou a ter mudanças significativas. Urge lembrar que já nessa primeira fase, o Seridó Potiguar foi contemplado com o Campus Currais Novos.

A atuação do IFRN no Seridó Potiguar por meio dos seus eixos tecnológicos e com base no tripé institucional (ensino, pesquisa e extensão) se deu em etapas distintas, ao passo que as escolas foram sendo construídas, fatos que não ocorreram no mesmo período, sendo Currais Novos em 2006, Caicó em 2009, Parelhas em 2014 e Jucurutu em 2020. Numa análise da atuação do IFRN no Seridó Potiguar, não se pode, em hipótese alguma, desconsiderar os arranjos produtivos locais dessa região, pois os Institutos Federais foram criados também com o intuito de corresponder e auxiliar nas vocações econômicas regionais.

Para a escolha dos eixos tecnológicos, foram realizadas audiências públicas nessas cidades, no intuito de ouvir a comunidade local e seus respectivos representantes, para compreender melhor seus anseios e expectativas quanto à chegada da educação profissional e tecnológica na região. Vale relembrar que os cursos do IFRN buscam atender demandas conforme os arranjos produtivos locais das regiões em que cada campus se insere, como demonstrado na Tabela 2:

Tabela 2: Localização dos campi do IFRN e os arranjos produtivos, sociais e culturais locais 

Fonte: Elaboração própria, 2020.

A criação dos Institutos Federais está intrinsecamente vinculada ao desenvolvimento local, pois o Art. 6º, inciso I, enfatiza que uma das finalidades dessas instituições de ensino é ofertar educação profissional e tecnológica nos diversos níveis e modalidades, buscando formar e qualificar cidadãos para atuarem nos distintos setores da economia, “com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional” (^{Brasil, 2008}). Nesse sentido, o atual Planejamento de Desenvolvimento Institucional do IFRN informa que sua missão é “prover formação humana, científica e profissional aos discentes visando o desenvolvimento social do Rio Grande do Norte” (^{IFRN, 2019}, p. 25), sem negligenciar em hipótese alguma a identificação das necessidades das ofertas educacionais e “associá-las às demandas socioeconômicas dos territórios onde estão instalados os campi do IFRN, bem como os novos horizontes econômicos e sociais apresentados para o desenvolvimento local e regional” (^{IFRN, 2019}, p. 24).

O Projeto RN Sustentável, que posteriormente passou a ser denominado Governo Cidadão: desenvolvimento e sustentabilidade, foi objeto do Acordo de Empréstimo firmado entre o Banco Mundial e o Governo do Estado do RN, destinado a contribuir com os esforços deste último para reverter o cenário de baixo dinamismo socioeconômico regional em três componentes, sendo: Desenvolvimento regional sustentável: prestando serviços públicos de forma mais eficaz e eficiente; Melhorias dos serviços públicos: apoio as ações de modernização da gestão do setor público; e Melhoria da gestão do setor público: visando melhorar a qualidade de vida da população potiguar (^{Governo do RN, 2013}).

Vale salientar que se trata de um projeto multisetorial que se propõe a promover desenvolvimento regional com ênfase em ações de inclusão produtiva voltadas para a geração de emprego e renda, além do fortalecimento da produção local, dos investimentos em infraestrutura para melhoria da competitividade e com foco no acesso aos mercados. Observa-se, ainda, que esse projeto tem como um dos objetivos principais, a recuperação do antigo centro dinâmico da região do Seridó Potiguar.

No processo de desenvolvimento local, entende-se que o IFRN integra esse conjunto de atores locais e regionais, constituindo-se um ator social relevante, e que a expansão e a interiorização dessa instituição é um instrumento valioso, levando-se em consideração o tripé ensino, pesquisa e extensão, com seus eixos tecnológicos voltados para as potencialidades das regiões. O Projeto Político-Pedagógico do IFRN, diretriz básica e central da instituição, destaca que

a expansão do IFRN amplia, significativamente, a atuação nas áreas de ensino, de pesquisa e de extensão; contribui, de modo mais extensivo, para a formação humana e cidadã; e estimula o desenvolvimento socioeconômico, à medida que potencializa soluções científicas, técnicas e tecnológicas, com compromisso de estender benefícios à comunidade (^{IFRN, 2012}, p. 25).

Na base conceitual dos Institutos Federais, o desenvolvimento local e regional está intrinsecamente vinculado ao desenvolvimento humano, do indivíduo em si, de sua emancipação enquanto sujeito de sua própria história. Consequentemente, esse indivíduo terá condições de mudar ou ressignificar sua própria história a partir da localidade em que se encontra.

Sobre esse pressuposto fundamental da educação profissional e tecnológica preconizada pelo IFRN, há uma nítida diferenciação aquilo que é defendido pelo IFRN (formação humana integral) e ao observado no Plano de Capacitação do Capital Humano do RN (capital humano), todavia, ambos almejam resultados positivos em prol do desenvolvimento local e regional. Foi pensando nesses resultados que o Governo do RN avaliou por meio do Projeto Governança Inovadora, parte do Plano Estratégico de Consolidação dos Eixos Integrados de Desenvolvimento do Estado e fruto dos investimentos do Projeto RN Sustentável, as lacunas existentes na formação profissional potiguar com base nas ofertas atuais e nas necessidades projetadas, identificando as potencialidades dos eixos prioritários de desenvolvimento (^{Capriglione et al., 2017}).

Cumpre frisar que no diagnóstico realizado para a formulação do planejamento estratégico do Governo do RN no Projeto Governança Inovadora, mais especificamente no Plano de Capacitação do capital humano do RN, o IFRN é citado como forte parceiro. Neste diagnóstico em que foi utilizado a análise SWOT, a “Rede de Institutos Federais do RN com unidades implantadas em todas as regiões imediatas e excelência no ensino” (^{Capriglione et al., 2017}, p. 105), é tida como uma força, ou seja, quando se pensa em educação profissional no estado, o IFRN é uma referência.

Em relação aos arranjos produtivos do Seridó Potiguar, 3 dos 7 setores produtivos priorizados pelo planejamento estadual se encontram nessa região: setor têxtil, setor ceramista e extração de pedra. Ao relacionar os setores priorizados com as ofertas dos cursos do IFRN nos campi de Currais Novos, Caicó e Parelhas, observou-se que há convergência nos campi de Caicó com os cursos na área têxtil, e de Parelhas com o curso de mineração, entretanto, poucos são convergentes com as necessidades apresentadas nesse diagnóstico feito pelo Governo do RN. Supõe-se que a realidade em curto e médio prazo não irá mudar, se levar em consideração os planos de ofertas educacionais contidas no Plano de Desenvolvimento Institucional do IFRN (2019-2026) para os próximos anos.

Segundo a consultoria contratada pelo Governo do RN, foi feita uma pesquisa baseada nas ofertas do IFRN em que dados dos relatórios deste revelaram as ofertas ocorridas por meio do Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) nos anos de 2015 e 2016 e dos editais publicados pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte com as vagas ofertadas para o ano de 2017. Os cursos identificados foram relacionados com os setores priorizados no plano estratégico. No que se refere ao Seridó Potiguar, a região de Caicó (23,7%) é a que apresenta maior número de vagas em empregos formais alinhados com os setores priorizados, sendo considerada uma das melhores regiões no Rio Grande do Norte para a indústria de tecidos, pela longa tradição e experiência no setor (^{Capriglione et al., 2017}).

Em certa medida, sobre esse setor econômico específico, há uma relação entre a educação profissional (IFRN) e o desenvolvimento local preconizado pelo planejamento estadual, pois a oferta educacional do IFRN no Seridó Potiguar (nesse caso no Campus Caicó) é convergente com as necessidades explicitadas no planejamento estadual, no entanto, algumas ações poderiam ter tido um desfecho adequado para esse arranjo produtivo local, como a discussão envolvendo a construção do Centro de Tecnologia Têxtil em Caicó, do qual o IFRN seria um dos atores responsáveis, a exemplo do que ocorreu com o Centro de Tecnologia Mineral do IFRN em Currais Novos. Entretanto, a construção do Centro de Tecnologia Têxtil em Caicó revelou muitas incoerências e dificuldades em alinhar os objetivos do planejamento estadual aos objetivos do IFRN na região. Dito isto, ao citar o IFRN como um forte parceiro, o Governo do RN parece se restringir às ofertas educacionais quando relacionadas às demandas do setor industrial potiguar, não levando em consideração outras variáveis que são fundamentais quando se tem o planejamento estratégico como um todo, especialmente no tocante às cidades interioranas em regiões como o Seridó Potiguar que não possui atividades industriais pujantes, exceto o setor mineral e têxtil em algumas cidades da região. Neste sentido, as ofertas educacionais devem também observar os arranjos produtivos locais mesmo que estes não estejam vinculados a estes setores.

Outro dado encontrado se refere às sugestões dadas pela consultoria que auxiliou no desenvolvimento do planejamento estratégico do RN, nas quais algumas ações são tidas como necessárias para a melhoria dos indicadores da educação, como por exemplo, um melhor diálogo entre as instituições de ensino. O curioso é que em nenhum momento, essa necessidade de diálogo se relaciona as instituições de ensino profissional existentes no estado. Afinal, a educação profissional e tecnológica por meio do IFRN e o planejamento estadual de desenvolvimento via Governo do RN atuam como parceiros ou seria apenas aparente essa parceria?

Como se pode verificar, a parceria entre o IFRN e o Governo do RN nem sempre ocorreu de forma plena, como no caso do Centro de Tecnologia Têxtil em Caicó, correndo o risco do antigo centro dinâmico do estado continuar estagnado economicamente. Faz-se necessário compreender que o Projeto RN Sustentável envolve muitos atores sociais, o que o torna complexo e dinâmico, no entanto, se não houver um esforço para estreitar os laços com esses atores sociais e institucionais, como o IFRN, os resultados podem ficar bem aquém dos esperados.

Com efeito, o Projeto RN Sustentável tem um objetivo específico e segue os ditames do Banco Mundial que detém os recursos financeiros e impõe suas exigências ou regras para as transferências destes, fazendo com que o planejamento estadual se adeque e tente, na medida do possível, aplicá-las às suas necessidades de desenvolvimento, buscando identificar as potencialidades das regiões do estado. Por outro lado, o IFRN busca promover o desenvolvimento local por meio de suas ofertas educacionais baseadas nos arranjos produtivos locais, mas com uma visão ampla, isto é, quanto mais profunda a compreensão da realidade local, maiores são as possibilidades de entender o contexto mais abrangente e universal. A formação humana integral, base do ser e fazer do IFRN, parte dessa premissa do local e universal.

É certo que no início da expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica no Seridó Potiguar, discussões existiram, como no caso do Centro Tecnológico do Queijo em Currais Novos, que mais tarde foi incorporado ao patrimônio do IFRN. Naquela época, órgãos estaduais como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) propôs uma parceria para determinado projeto, porém, a parceria não se desenvolveu como deveria. Mais tarde, ainda no contexto desse campus, o arranjo produtivo local relacionado a bacia leiteira, que está intrinsecamente ligada às queijeiras, propiciou novo diálogo entre o IFRN e o Governo do RN, desta vez nas ações do Projeto RN Sustentável.

No caso do planejamento estadual voltado para Caicó, que envolvia o IFRN, a situação foi oposta ao que ocorreu em Currais Novos, pois toda a celeuma envolvendo a construção do Centro de Tecnologia Têxtil gerou frustração, visto que poucas ações foram realizadas em conjunto.

Na medida em que os Diretores Gerais dos campi do IFRN no Seridó Potiguar foram indagados sobre as parcerias com o Governo do RN, curiosamente todos eles citaram os empréstimos ou cessões dos auditórios dos campi para reuniões ou eventos e dos laboratórios para capacitações de servidores públicos do estado. Não obstante, para fins deste estudo, não se trata desse tipo de parceria a menção ao IFRN no planejamento estadual, mas como um ator fundamental dos arranjos produtivos locais, no qual desempenha suas atividades visando o desenvolvimento local e regional.

Para os prefeitos municipais, que também exercem papel imprescindível nos arranjos produtivos locais, há algumas relações entre o IFRN e o planejamento estadual de desenvolvimento, mas nada muito integrado, inclusive em áreas que não são os eixos tecnológicos trabalhados nos campi. O ex-Reitor do IFRN ao comentar de alguns casos de parcerias com o Governo do RN, também faz questão de apontar um “mea culpa” quando comentou sobre a desarticulação que há entre as instituições de ensino e o Governo do RN.

Confirmando o comentário do ex-Reitor do IFRN, a Coordenadora Operacional do Projeto RN Sustentável quando questionada se havia alguma parceria com o IFRN, disse que não há um diálogo mais aprofundado com a instituição. Dessa maneira, essa relação parece muito superficial ou difusa. Em certo sentido, há uma controvérsia, pois no planejamento estadual de desenvolvimento apontado em Apolinário (2010), Governo do RN (2013) e ^{Capriglione, Moretti e Nogueira (2017}), há um entendimento por parte do Governo do RN de que o IFRN é um elemento primordial no desenvolvimento regional, todavia, na prática isso não ocorre, como na fala de um dos entrevistados, ao citar o exemplo do Parque Tecnológico do RN, sendo um dos exemplos que ratifica a divergência existente entre o planejado e o realizado.

Para a Coordenadora Operacional do Projeto RN Sustentável, essa desarticulação não é salutar no processo de desenvolvimento regional, e o IFRN deve ser um ator mais presente não apenas nas discussões, mas nas ações em si que tem como objetivo promover o desenvolvimento nas diversas regiões do estado, dentre elas o Seridó Potiguar. Isso confirma a urgente necessidade de envolvimento das comunidades e dos diversos atores sociais e institucionais, situação que não ocorre de forma plena ou adequada, mesmo sabendo que uma das ações desse projeto foi o fortalecimento dos vários conselhos, por meio de capacitações, para atuarem no fortalecimento da governança local.

Dada a relevância e necessidade do desenvolvimento local em regiões interioranas como o Seridó Potiguar, a educação profissional pode e deve atuar como um parceiro real e concreto dos demais atores públicos em seus planejamentos de desenvolvimento regional. No caso específico do Projeto RN Sustentável, deduz-se que a relação entre o IFRN e o planejamento estadual de desenvolvimento foi prejudicada em diversas ocasiões. Por exemplo, as áreas dos cursos ofertados pelo IFRN no Seridó Potiguar são indústria e têxtil (Caicó), alimentos (Currais Novos), mineração (Parelhas) e informática (em todos os campi), e praticamente não houve investimentos do planejamento estadual nessas áreas e regiões, excetuando-se a área de alimentos com os subprojetos ligados às associações e cooperativas, como do caso das queijeiras que, segundo a Coordenadora da Área Operacional do Projeto RN Sustentável, as ações de inclusão produtiva para o Seridó Potiguar nessa área foram em torno de R$ 23 milhões.

Além disso, e aqui a divergência surge no IFRN, a maioria dos cursos de formação inicial e continuada (FIC) divergem das reais necessidades do mercado local, pois os cursos em sua grande maioria abrangem outras áreas como música, reforço escolar e reciclagem. Em contrapartida, alguns cursos FIC são vinculados aos eixos tecnológicos dos campi do IFRN, como Preparador de Doces e Conservas e Produtor de Derivados do leite (em Currais Novos); e Costura Básica, Costureiro e Desenhista de Moda (em Caicó).

Em última análise, tanto o Governo do RN quanto o IFRN almejam e tentam apoiar o desenvolvimento local e regional, existindo convergência quanto aos fins esperados, porém, as divergências surgem conforme os meios vão sendo utilizados e na operacionalização das diversas atividades, a começar pela falta de diálogo ou a aparente parceria com as instituições.

O IFRN, com base nos focos e expertise dos eixos tecnológicos dos campi, tenta criar condições para apoiar efetivamente o desenvolvimento da região, mesmo que de forma lenta e gradual, pois acredita no papel da educação enquanto indutor do desenvolvimento, fomentando o empreendedorismo, a pesquisa, a transferência de tecnologia, a extensão com seus benefícios a comunidade externa. Aqui, o leque é ampliado e não se detém apenas aos setores econômicos em destaque, mas apreende a realidade local e busca, na medida do possível, potencializar os arranjos produtivos locais com novos conhecimentos, tecnologias e ideias inovadoras, cabendo ao IFRN, nas regiões em que se encontra, continuar criar oportunidades para que suas ofertas educacionais, além das suas diversas outras atividades, possam contribuir com a comunidade acadêmica e a comunidade externa, dando apoio no processo de desenvolvimento dessas regiões.

Em função dessa relação (IFRN e Governo do RN por meio do Projeto RN Sustentável), na análise dos dados da pesquisa, surgiu a subcategoria PARCERIA que obteve magnitude 66 (ver Tabela 1), sendo a terceira subcategoria mais evidenciada pelos entrevistados, cujas palavras mais repetidas nesta subcategoria foram: estado (76), governo (58), parceria (43), IFRN (39), desenvolvimento (30), projeto (28), CT (centro tecnológico) (25) e mineral (21). Esses valores em parênteses indicam a magnitude dessas palavras encontradas na subcategoria PARCERIA. A magnitude revela a quantidade de vezes em que cada palavra surgiu em cada unidade de registro dessa subcategoria. Em linhas gerais, essa subcategoria demonstra o que foi anteriormente discutido a respeito da aparente parceria ou de parcerias que foram pontuais e envolveram quase exclusivamente as construções (ou não) dos centros tecnológicos no Seridó Potiguar (Centro Tecnológico Têxtil que não foi concluído e Centro de Tecnologia Mineral), como apoio ao desenvolvimento local.

No intuito de melhor compreender essa relação entre o IFRN e o Governo do RN, que aqui denominou-se parceria enquanto subcategoria para fins de análise dos dados, o Tabela 3 apresenta uma série de documentos codificados com o auxílio do software ATLAS.ti 8, nos quais pelo menos a subcategoria PARCERIA foi diagnosticada. A densidade nada mais é do que o número de subcategorias encontradas em determinada unidade de registro categorizada. Após as análises dos dados e feita essa relação, torna-se evidente que a parceria entre o planejamento estadual de desenvolvimento do Governo do RN e o IFRN não se efetiva plenamente, pois os parceiros são na grande maioria das ocasiões, aparentes parceiros, como demonstrado em 13 registros descritos abaixo:

Tabela 3: A relação entre o IFRN e o planejamento estadual de desenvolvimento: parceiros ou aparentes parceiros? 

Fonte: Elaboração própria, 2020.

Com a expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica através dos Institutos Federais, entende-se que a realidade da educação profissional em muitas cidades interioranas mudou. Os resultados vão paulatinamente surgindo, sejam eles positivos, esperados ou não. Daí, infere-se que a presença do IFRN nessas regiões proporcionou oportunidades, nas perspectivas de ^{Kaztman (1999}) e ^{Sen (2010}), a muitos jovens que até então não tinham condições de se locomover a capital do estado para estudar em um curso técnico; a mulheres em situações de vulnerabilidade que tiveram mudanças em suas vidas ao participarem de projetos como o Programa Mulheres Mil; a comunidade em geral que foi atendida direta ou indiretamente em projetos de pesquisa e extensão ou até mesmo em cursos e/ou oficinas sobre línguas, música, arte e esporte.

5. Considerações finais

Este trabalho teve como objeto de estudo a educação profissional e tecnológica e o desenvolvimento local, por meio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte e o planejamento de desenvolvimento estadual através do Projeto RN Sustentável, na região do Seridó Potiguar. Nesse contexto, buscou-se examinar a relação existente entre a expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica e o desenvolvimento do Seridó Potiguar, com base nas atividades desenvolvidas pelo IFRN e as ações definidas no planejamento de desenvolvimento estadual por meio do Projeto RN Sustentável.

Na investigação do processo de expansão e interiorização do IFRN no Seridó Potiguar, descobriu-se que as instalações dos três campi - Currais Novos, Caicó e Parelhas - não ocorreram em momentos semelhantes, mas em contextos e conjunturas distintas (Fase I - Currais Novos, Fase II - Caicó e Fase III - Parelhas).

Compreende-se que a existência do IFRN no Seridó Potiguar mudou o panorama da educação profissional na região, e que preencheu de certo modo, uma lacuna antiga da população que aguardava tal feito desde o início da década de 90, todavia, essa nova realidade não pode ser vista com ingenuidade, pois o processo de desenvolvimento local exige outras variáveis e outros atores institucionais e políticos para sua efetivação.

Ao apontar a educação como instrumento para o desenvolvimento (^{Kaztman, 1999}; ^{Furtado, 2011}; ^{Sen, 2010}; ^{Pacheco, 2011}) e discutir algumas abordagens sobre desenvolvimento local (^{Brugué & Gomà, 1998}), esta pesquisa enfatizou que esse processo de desenvolvimento socioeconômico não é possível sem o auxílio da educação. Diante da atual dinâmica social em que os paradigmas são cada vez mais suscetíveis às mudanças, a educação é um dos componentes imprescindíveis para qualquer sociedade.

Ciente de que o desenvolvimento local não se dá por via única ou apenas por meio da educação, buscou-se analisar as ações e especificidades do Projeto RN Sustentável para o Seridó Potiguar, pois esse era o único planejamento em prol do desenvolvimento no RN e tinha como um dos objetivos resgatar o antigo centro dinâmico do estado.

Ficou demonstrado a fragilidade desse objetivo quando confrontado com os resultados apresentados, pois os investimentos para a região seridoense foram muito poucos e bem específicos ao ponto desse projeto se caracterizar mais como uma política de permanência do que uma política de mudança. Provavelmente, o antigo centro dinâmico do estado não sofrerá os impactos desse resgate previamente planejado.

Ao fim e ao cabo, diante das inúmeras ações planejadas que não necessariamente foram executadas, o Projeto RN Sustentável revelou-se um instrumento formal para aquisição de empréstimo junto ao Banco Mundial. Aqui adentra-se numa das grandes problemáticas da gestão pública e governança: a execução do planejamento estratégico no RN. O exemplo analisado nesta pesquisa nos permite afirmar que não, mas apenas confirmar que há um instrumento formal de ações planejadas que no decorrer dos governos vai sendo emendado, remendado, ao ponto de correr o risco de ser distorcido, transformado. O conflito entre teoria versus prática persiste quando verificamos que os parceiros não são tão parceiros assim, para citar apenas um exemplo.

De acordo com os dados obtidos através das entrevistas e análise dos documentos, examinou-se as convergências e divergências entre a proposta de educação profissional e tecnológica do IFRN para o Seridó Potiguar em relação às propostas do Projeto RN Sustentável para essa mesma região nos eixos de desenvolvimento local e educação profissional. Os resultados encontrados revelaram que há mais divergências do que convergências nessa relação, evidenciando que a parceria entre o planejamento estadual de desenvolvimento do Governo do RN e o IFRN não se efetiva plenamente.

Estes resultados corroboram a hipótese de que o IFRN e Governo do RN tem compreensões distintas acerca do desenvolvimento local, caracterizando-os como “aparentes parceiros” nesse processo de desenvolvimento, pois enquanto o Instituto Federal busca promover o que existe de universal nessa realidade, o planejamento estadual, por meio do Projeto RN Sustentável, permanece buscando identificar apenas as chamadas “vocações naturais” ou potencialidades da região. Em suma, o IFRN tem como foco primeiramente o indivíduo e consequentemente a região em que este se encontra, ao passo que o Projeto RN Sustentável se detém a região.

Vale lembrar que este estudo teve como universo apenas a região do Seridó Potiguar, não permitindo generalizações em relação aos resultados encontrados neste estudo. O IFRN, como comentado anteriormente, se encontra praticamente em todo o território do Rio Grande do Norte e o Projeto RN Sustentável também tinha uma abrangência em todo o estado, por isso, aponta-se essa limitação neste estudo. Ademais, o Projeto RN Sustentável ocorreu num período específico (2013-2019), o que não exclui a possibilidade de outro planejamento estadual de desenvolvimento estabelecer e efetivar uma parceria profícua com o IFRN no futuro.

Recomenda-se que outras pesquisas possam ser realizadas dentro desse contexto da educação profissional e tecnológica e o desenvolvimento local. Estudos que ampliem o universo e possibilitem realizar comparações entre todas as regiões do Rio Grande do Norte contemplando os 22 campi do IFRN.