INTRODUÇÃO
Os Campos Eletromagnéticos (CEM) estão já muito extensivamente desenvolvidos na literatura científica, contudo, abarcando uma abordagem generalista e/ ou destacando as eventuais consequências para a saúde humana. São poucos os documentos que, dentro deste tema, realçam medidas de proteção específicas.
Os autores realizaram uma pesquisa com o objetivo de elaborar uma síntese do pouco que se escreveu sobre o subtema em causa.
METODOLOGIA
Pergunta protocolar: Quais as principais medidas de proteção coletiva e individual recomendadas para os CEM?
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores expostos a CEM.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as medidas de proteção recomendadas para os CEM
-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com produção/ exposição a CEM.
Foi realizada uma pesquisa em setembro de 2019 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina, Academic Search Ultimate, Web of Science, SCOPUS e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes | Critérios | Nº de docs obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RCAAP | Campos eletroma-gnéticos | Medidas de proteção coletiva | -pesquisa avançada -texto integral |
4 | 1 | Sim | |||
Medidas de proteção individual | 10 | 2 | Sim | ||||||
Campos electroma-gnéticos | Medidas de protecção coletiva | 0 | 3 | Não | |||||
Medidas de protecção individual | 7 | 4 | Sim | ||||||
EBSCO | Electroma-gnetic Fields | -2009 a 2019 -resumo disponível -humano |
4028 | 5 | Não | ||||
+Collective protection measures | 0 | 6 | Não | ||||||
+Collective protection | 0 | 7 | Não | ||||||
+ Protection | 250 | 8 | Sim | 1 10 127 128 178 182 226 |
8.1 8.2 8.3 8.4 8.5 8.6 8.7 |
4 2 - - - - - |
|||
Scopus | 98.501 | 9 | Não | ||||||
Collective protection measures | 0 | 10 | Não | ||||||
Protection | 2.336 | 11 | Não | ||||||
+ collective | 6 | 12 | Sim | 1 | 12.1 | 3 | |||
+ individual | 74 | 13 | Sim | ||||||
21.369 | 14 | Não | |||||||
Academic Search Ultimate | + protection | 462 | 15 | Não | |||||
+ protection + collective |
2 | 16 | Sim | ||||||
+ protection + individual | 21 | 17 | sim |
No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigo | Caraterização metodológica | Resumo |
---|---|---|
1 | Normas/ Manual de Boas Práticas | Trata-se de um guia não vinculativo divulgado pela ACT, baseado na Diretiva 2013/35 da União europeia. O documento aborda subtemas como efeitos na saúde e segurança, fontes de CEMs, como e quando se decidem tomar medidas, avaliações de conformidade e bibliografia relevante. |
2 | Caso- controlo | Este trabalho realça alguns efeitos para a saúde associados aos CEMs e algumas medidas de proteção coletiva. |
3 | Observacional analítico transversal | Os autores pretenderam destacar algumas medidas de proteção coletiva eventualmente adequados a este contexto, com enfase no isolamento das fontes de CEMs. |
4 | Revisão bibliográfica narrativa | O artigo salienta o aumento de prevalência dos CEMs, quais os principais sintomas associados e algumas medidas de proteção coletiva (sobretudo a nível de isolamento das fontes). |
Este trabalho acaba por se basear maioritariamente no documento divulgado pela ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), uma vez que apenas se encontraram três outros artigos que, muito sumariamente, abordaram o tema pretendido.
CONTEÚDO
Risco Global
Muitas atividades criam CEM. Na maioria dos locais de trabalho a exposição é discreta e não existem danos relevantes. Nos restantes casos, ainda assim, o risco dissipa-se com a distância à fonte. Para além disso, como a maioria destas situações é originada por um aparelho elétrico, quando este é desligado, o problema deixa de existir. Indivíduos particularmente expostos poderão ser aqueles com dispositivos médicos ativos e/ ou grávidas1, situação essa mais desenvolvida posteriormente.
Para além disso, os fabricantes dos aparelhos deverão fornecer dados que permitam avaliar o cumprimento dos limites de exposição1.
Tipos de radiações
Há medida que aumenta o comprimento de onda, mais próximo se ficará do patamar da radiação ionizante. A radiação eletromagnética que não possui energia suficiente para remover eletrões dos átomos é não ionizante; os raios X e a radiação gama já o conseguem fazer e, por isso, inserem-se na radiação eletromagnética ionizante1.
Os CEM variam no tempo e no espaço; pode predominar a parte elétrica ou a magnética da onda; pode oscilar em torno de uma frequência ou ser constituída por muitas frequências com oscilações ou impulsos irregulares1.
Eventuais consequências para a Saúde
Toda a vida no planeta Terra esteve exposta ao campo geomagnético. Verifica-se que até as células conseguem reagir aos CEM, mesmo estáticos, aliás, acredita-se que estes conseguem modificar parâmetros associados ao stress oxidativo. Sintomas eventualmente associados a esta questão são as cefaleias, alterações na capacidade de concentração, vertigem, náusea, gosto metálico e alterações visuais (flashs) 2.
As consequências dos CEM variam consoante a frequência e a intensidade, bem como com o tipo de onda. Em algumas situações há estimulação dos órgãos sensoriais, nervos e músculos e/ ou aquecimento (aliás, alguns autores dividem justamente os efeitos em térmicos e não térmicos). Para todos os efeitos há um valor abaixo do qual se considera que não há risco, não parecendo que existam danos cumulativos. Na generalidade dos casos a duração do efeito é breve e enquanto dura a exposição1.
Os principais efeitos diretos são a vertigem e náusea (secundária aos campos magnéticos estáticos, sobretudo se associados ao movimento, mas não só); alterações nos órgãos dos sentidos, nervos e músculos (até 100 Hzs) e aquecimento (≥ 10 MHzs). Ou seja, para situações estáticas costumam surgir vertigem e náusea; para baixas intensidades estimulação sensorial, nervosa e muscular; para patamares intermédios aquecimento do corpo ou tecidos localizados; por fim, para níveis elevados, pode surgir aquecimento dos tecidos de superfície1.
Em relação a eventuais efeitos a longo prazo, tal é ainda alvo de controvérsia1.
Os efeitos indiretos associam-se à presença de objetos no campo e podem inserir-se nas seguintes categorias:
➢ interferência com dispositivos médicos eletrónicos ou implantes (como bombas de insulina, estimuladores cardíacos ou desfibriladores, articulações artificiais, fios/ placas de metal)
➢ efeitos através de estilhaços, piercings ou tatuagens
➢ projeção de objetos ferromagnéticos soltos num campo magnético estático
➢ incêndio ou explosão
➢ choques elétricos ou queimadura (se tocar num objeto condutor num campo eletromagnético, estando um ligado à terra e outro não)
➢ arranque de aparelhos eletroexplosivos (detonadores)
➢ inflamação de atmosferas propícias a tal
➢ correntes de contato
➢ outros não especificados (interação com blindagem, equipamentos eletrónicos e objetos de metal transportados junto ao corpo) 1.
Campos magnéticos estáticos (de 0 a 1 HZ) podem interferir de forma grave com estimuladores cardíacos, desfibriladores ou bombas de insulina1.
Os campos magnéticos estáticos fortes podem também justificar náusea, vertigem, alterações da atenção/ concentração/ funções intelectuais. Contudo, geralmente os sintomas desaparecem quando a exposição cessa1.
Para campos magnéticos de baixa frequência (1HZ a 10MHZ) pode também ocorrer interferência com os implantes médicos ativos ou outros dispositivos, nomeadamente através do aquecimento. A primeira evidência de exposição excessiva pode consistir nos fosfenos (imagens vagas e cintilantes) que, em alguns indivíduos podem ser fonte de distração ou irritação. Podem também ocorrer náusea, vertigem, alterações na capacidade de raciocinar e tomada de decisão. Após término da exposição, usualmente reverte tudo. Pode também existir parestesia, dor, espasmo ou até disritmia, ainda que geralmente para frequências mais elevadas do que as que existem na generalidade dos locais de trabalho1.
Por sua vez, campos elétricos de baixa frequência (1 HZ a 10 MHZ) poderão originar semiologia equivalente aos campos magnéticos. Contudo, neste caso, o trabalhador pode sentir a mobilização de alguns pelos e/ ou choques elétricos ao tocar em alguns objetos condutores (por vezes dolorosos). Poderá também ocorrer queimadura1.
Em relação a campos de alta frequência (100 KHz a 300 GHz) estes também podem interagir com alguns dispositivos médicos, de forma eventualmente grave. A primeira evidência de exposição costuma ser a sensação de calor e/ ou audição de cliques ou silvos. Se a temperatura aumentar alguns graus poderão ocorrer confusão, astenia, cefaleia ou outra semiologia compatível com stress térmico1.
Um trabalho fisicamente exigente, temperatura e/ ou humidade elevadas, poderão potenciar os riscos; também são relevantes o estado físico do trabalhador, bem como o vestuário e o nível de desidratação. Aliás, o aquecimento até poderá levar a queimadura, ainda que sejam possíveis lesões internas sem queimadura cutânea. A nível muscular poderá surgir a síndroma compartimental. De forma genérica considera-se que 41ºC por mais de trinta minutos causarão danos. Ainda neste contexto, destacam-se as alterações espermáticas, risco de aborto nas gravidezes iniciais, alterações oculares (esclerótida, irís, conjuntiva e/ ou cristalino; as cataratas são raras). Os implantes metálicos dentários ou piercings podem potenciar a queimadura1.
De forma muito sucinta, podemos considerar que os CEM podem ser estruturados em:
-estáticos (0 a 1 Hz)- vertigem , náusea
-baixa frequência (1 Hz a 100 KHz)- estimulação nervosa, sensorial e muscular
-frequência intermédia (100 Hz a 10 MHz)- aquecimento do corpo ou de forma mais localizada
-alta frequência (mais que 10 MHz)-aquecimento dos tecidos mais à superfície; sendo que o aquecimento é particularmente relevante para os olhos, testículos e feto1.
Os principais dispositivos médicos ativos (AIMD) relevantes neste contexto são:
➢ estimuladores cardíacos
➢ desfibriladores
➢ implantes cocleares
➢ implantes do tronco cerebral
➢ neuroestimuladores
➢ bombas de infusão de fármacos e
➢ codificadores de retina1.
Acredita-se que até 50% dos trabalhadores que usem dispositivos médicos mintam sobre a sua existência, por receio de alguma penalização. Caso seja possível, devem ser conhecidas as caraterísticas do dispositivo e ano de fabrico (para perceber se cumpre as normas mais recentes), ou seja, se fabricados após 1995. Geralmente a pilha tem de ser trocada com alguma regularidade e aí poderá se aproveitar para trocar os equipamentos mais antigos. Na maioria dos casos, tratam-se de estimuladores cardíacos. Se os dispositivos forem feitos de material ferromagnético, podem ser também alvo de forças elevadas ou aquecimento1.
As consequências durante a gravidez não são consensuais. Alguns investigadores consideram ser possível que ocorram alterações no desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (sobretudo acima de 20 mv/ m) 1.
Tatuagens com elevado conteúdo de ferro, por sua vez, podem ser problemáticas em contexto de Ressonância Magnética1.
Trabalhadores particularmente expostos
Insere-se no grupo dos trabalhadores particularmente expostos:
➢ os que utilizam implantes médicos ativos (ver listagem atrás) ou
➢ implantes médicos passivos com metal (como articulações artificiais, cavilhas, placas, parafusos, clipes cirúrgicos ou de aneurisma, endopróteses, próteses valvulares, anéis de anuloplastias, implantes contracetivos metálicos e caixas com implantes médicos ativos)
➢ bem como dispositivos médicos usados no corpo, como bombas externas de infusão de hormonas e/ ou
➢ grávidas1.
Postos de trabalho mais relevantes
Na página 24 do guia de Boas Praticas da Autoridade para as Condições do Trabalho, encontra-se um quadro que resume alguns setores profissionais, qualificando-os perante a necessidade de avaliação de riscos mais detalhada. Noutras secções do documento são destacados os setores associados à execução da RMN, tal como a estimulação magnética craniana e alguns tipos de soldadura (por resistência, por exemplo)1..
Os locais de trabalho que englobam ou estão próximos de aparelhos com corrente elevada ou alta tensão, podem apresentar CEM intensos e que ultrapassam os limites estabelecidos. Se os níveis de ação não forem ultrapassados, o empregador não necessita de tomar mais medidas (além da avaliação periódica dos riscos). Se os níveis de ação forem ultrapassados terá de demonstrar que ao valores limite de exposição são cumpridos, ainda que em algumas situações possa ser mais prático e económico implementar na mesma medidas de prevenção, versus investigar tal. Contudo, de realçar que mesmo sem ultrapassagem dos níveis de ação, poderão existir danos em trabalhadores particularmente expostos1.
Tal como para qualquer outro fator de risco, os trabalhadores deverão receber informação e formação1.
Avaliação de riscos
No processo de avaliação de risco devem ser consideradas as seguintes fases:
➢ preparação (dados sobre as tarefas, quem as executa e quais os equipamentos utilizados)
➢ identificação dos perigos e trabalhadores em risco/ particularmente expostos
➢ identificação das medidas de proteção existentes
➢ avaliação de riscos, ou seja, gravidade ligeira (percecionada, por exemplo, através da ocorrência de vertigem, náusea, fosfeno- clarão de luz, parestesias), grave (circulação de projeteis, interferência com implantes médicos, grande aumento da temperatura) e mortal (inflamação de alguns agentes químicos)
➢ aplicação de medidas
➢ reavaliação dos riscos (após análise da eficácia das medidas e quando um trabalhador coloca um implante, por exemplo)1.
Valores limite de exposição
Os valores limite de exposição para os efeitos não térmicos (de 0 a 10 MHz) estão inseridos no anexo II do documento atrás mencionado; por sua vez, os efeitos térmicos (100 KHz a 300 GHz) estão descritos no anexo seguinte desta mesma referência bibliográfica. Ou seja, para frequências intermédias podem ocorrer efeitos térmicos e não térmicos1.
Os níveis de ação de campos magnéticos estáticos são de 0,5 mT (para implantes médicos ativos); para 3 mT considera-se que poderá haver risco de projeção de objetos1.
O valor limite de exposição em relação aos efeitos sensoriais baseia-se em evitar o efeito de audição em “micro-ondas” 1.
Em relação à vigilância para a saúde, se não existir semiologia e houver cumprimento dos valores limite de exposição, não são necessários exames médicos regulares para este efeito1.
Medidas de proteção coletiva
A este nível podem ser mencionadas as seguintes:
➢ substituir algo mais danoso por algo menos perigoso
➢ organização adequada do trabalho
➢ fornecer informação/ formação/ instruções aos trabalhadores
➢ blindagem/ isolamento com chapa ou malha metálica, cerâmica, plástico ou vidro
➢ bloqueio de acesso à proximidade da fonte dos CEM
➢ proteção com cortinas de luz, aparelhos de leitura e tapetes sensíveis à pressão
➢ dispositivo de controlo bimanual (a exigência de colocar em simultâneo ambas as mãos pode afastar o trabalhador de zonas mais perigosas)
➢ mecanismo de paragem de emergência
➢ medidas organizacionais (como restrição de acesso por guardas, barreiras, placas, sinalização de campo magnético/ radiação ionizante/ acesso a indivíduos com implantes médicos ativos ou metálicos)
➢ proibição de objetos condutores
➢ ter procedimentos escritos
➢ nomear o responsável pela gestão da segurança dos CEM
➢ formação acerca da posição do corpo durante o trabalho (por exemplo, na soldadura a exposição é muito diferente consoante o trabalhador está de frente ou de lado)- pousar o cabo de soldar no ombro também aumenta a exposição
➢ colocação de equipamento mais problemático afastado de zonas de passagem ou com elevada densidade de trabalhadores
➢ manutenção regular dos equipamentos que produzam os campos eletromagnéticos de acordo com as recomendações do produtor e
➢ limitação dos movimentos para atenuar a indução dos campos elétricos1.
A blindagem poderá ser feita através de malhas com materiais ferromagnéticos e eletrocondutores, nomeadamente ferro inoxidável e algodão com cobre, respetivamente)3. Contudo, alguns investigadores colocam dúvidas quanto à segurança e eficácia dos materiais e técnicas usadas na blindagem4.
Equipamentos de proteção individual
Ainda que não seja difícil blindar os campos elétricos, atenuar os efeitos dos campos magnéticos é mais complicado. Para além disso, não é geralmente possível usar EPIs eficazes de forma uniforme, ou seja, se protege uma gama de frequências, dificilmente protegerá para outras1.
Como exemplos de EPIs podem citar-se calçado de isolamento (sola de borracha espessa, com aço não); luvas adequadas em isolamento/ condução, óculos e fato integral1.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que o tema esteja extensivamente desenvolvido na literatura, esta foca sobretudo as eventuais consequências para a saúde da exposição aos CEMs; são muito escassos os documentos que mencionam, mesmo que sumariamente, algum dado relativo a medidas de proteção coletiva e individual.
Contudo, dada a omnipresença dos CEM (ainda que, geralmente, em intensidades não muito preocupantes), seria relevante que os profissionais a exercer na Saúde Ocupacional tivessem algumas noções de como abordar o subtema.
Para além disso, seria importante que algumas equipas tivessem oportunidade de investigar neste contexto, melhorando o serviço prestado ao cliente e, publicando os seus dados, contribuíssem para um melhor conhecimento relativo à realidade nacional e fizessem, de alguma forma, evoluir os conhecimentos científicos nesta área.