INTRODUÇÃO
Consultando revistas/ artigos do setor, pontualmente encontram-se referências à relevância das caraterísticas do trabalhador em contexto da Saúde Ocupacional (desempenho, produtividade, adesão às normas de boas práticas). Contudo, na realidade, a expressão “Fator humano” não está implicitamente definida para todos os indivíduos a exercer nas equipas de Saúde Ocupacional.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PIC o, foram considerados:
-P (population): população ativa.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre o conceito Fator Humano e respetivas implicações na Saúde Ocupacional
-C (context): influência no desempenho/produtividade e adesão/cumprimento das normas de boas práticas, em função das caraterísticas dos funcionários
Assim, a pergunta protocolar será: Como se define Fator Humano e que implicações tal pode acarretar para diversos parâmetros da Saúde Ocupacional?
Foi realizada uma pesquisa em junho de 2021, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave/ expressões utilizadas nas bases de dados.
No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigos | Caraterização metodológica | Resumo |
---|---|---|
1 | Estudo transversal | Consiste num trabalho iraniano, relativo ao estudo do FH entre funcionários de uma determinada instituição e respetivas repercussões na seleção de futuros trabalhadores. |
2 | Tese de Mestrado | Contém um trabalho nacional, no qual a mestranda realça os problemas de segurança que existem associados ao uso das novas tecnologias, nomeadamente em contexto laboral, sendo agora os trabalhadores (FH) o principal alvo dos ciberataques, sendo que, geralmente, os funcionários estão pouco informados ou sensibilizados para esta questão. |
3 | Tese de Mestrado | Trata-se de um trabalho nacional, no qual a mestranda investigou a influência da FH nos acidentes marítimos, com destaque para as medidas que a gestão poderá adotar para minimizar o problema. |
4 | Artigo Original | Consiste numa investigação nacional, na qual os autores se debruçam sobre a influência do FH nos acidentes rodoviários, com destaque para o estado emocional do trabalhador. |
5 | Tese de Mestrado | Refere-se a um trabalho brasileiro, no qual o mestrando analisou a interação do FH nos acidentes aéreos de determinada zona do país, durante dez anos, incluindo 48 sinistros. |
6 | Entrevista | Neste artigo um administrador de empresas e palestrante do tema é entrevistado em relação à importância que os trabalhadores devem ter na definição dos planos estratégicos das instituições. |
7 | Tese de Mestrado | Nesta referência bibliográfica está inserida uma investigação brasileira, na qual o mestrando analisa a evolução da postura na gestão das empresas, no sentido de valorizar mais os trabalhadores e o seu bem-estar, ainda que sem menosprezar a produtividade e competitividade, até porque o FH é fundamental para esses objetivos. |
8 | Tese de Pós-Graduação | Consiste numa investigação brasileira, na qual o pós-graduado avaliou a prevenção de acidentes de trabalho em contexto de armazenagem, com enfase na gestão dos riscos associados ao FH. |
9 | Revisão bibliográfica | Trata-se de um artigo norte- americano, no qual os autores investigam a interação entre o FH e o setor da produção de petróleo e gás, com enfase na sinistralidade. |
CONTEÚDO
Fator Humano (FH) é uma expressão razoavelmente recente, mas progressivamente mais utilizada, na qual se englobam todas as caraterísticas dos funcionários (físicas/biológicas, cognitivas, sociais e emocionais) que, de alguma forma, modulam o desempenho/produtividade, perceção de risco, postura, bem como o cumprimento/adesão às normas de Boas Práticas. Ou seja, os hábitos, comportamentos e personalidades de cada trabalhador podem influenciar de forma positiva ou negativa o trabalho (por vezes de forma relevante) e considera-se que geralmente os hábitos e/ou os comportamentos são mais facilmente alteráveis que a personalidade.
Ainda assim, seria desejável que algumas caraterísticas individuais fossem analisadas na seleção de funcionários, de forma a recrutar os mais adequados (1).
O FH engloba condições individuais como fadiga, sonolência, ansiedade, traços de personalidade e alterações/falhas cognitivas; tal como questões organizacionais (sobrecarga, clima de segurança e conflitos interpessoais no trabalho) (1); bem como cooperação, comunicação, partilha de valores, respeito, cultura, estilo e qualidade de liderança; e/ou a identificação das capacidades necessárias para efetuar uma tarefa, fornecimento de instruções e ferramentas, organização de turnos, certificações, inspeções, tal como recursos humanos e técnicos.
A Saúde Física em si influencia o desempenho; ou seja, questões cognitivas (como atenção, memória e raciocínio) podem ser alteradas por fadiga, doença e/ou lesão. Para além disso, é também possível que valores, crenças e/ou hábitos possam alterar esta dimensão (2).
Ou seja, os fatores organizacionais podem conseguir influenciar o trabalhador e o grupo; ainda que nem sempre sejam devidamente explorados em contexto de doenças profissionais ou acidentes de trabalho, cada instituição deverá criar a sua própria cultura de segurança, garantindo o compromisso dos funcionários a este nível.
Alguns autores também acrescentam questões ambientais que tenham capacidade para influenciar o comportamento no trabalho e de alterar a Saúde e Segurança.
Então, levar em conta os FHs na Saúde Ocupacional poderá conseguir atenuar os acidentes e as doenças associadas ao trabalho (físicas e emocionais); potenciando ainda a satisfação laboral.
Analisar a dimensão FH implica investigar os trabalhadores, interações entre si e com as máquinas; com o objetivo de melhorar a Segurança e diminuir o erro (3). Este pode ser secundário a sonolência (3) (4), fadiga, cronodisrupção (3), diminuição da concentração (3) (4), engano (4), diminuição na memória (4) (5), conhecimentos desadequados (4)/pouca formação (3), incumprimento de normas (4) (5), reação desadequada a imprevistos, excesso de confiança, distrações por problemas pessoais e/ou com colegas (4); para além da utilização desadequada de máquinas, falhas de comunicação ou organizacionais (como supervisão desadequada), doenças físicas ou emocionais (como ansiedade) (3).Ou seja, o erro humano não é evitável mas poderá ser razoavelmente controlável.
Este poderá ficar atenuado com o controlo da interação trabalhador/máquinas/colegas/meio-ambiente, levando também em consideração as necessidades e capacidades do funcionário; ou seja, as falhas não são apenas dependentes do trabalhador, mas também da cultura organizacional em si.
Segundo a OMS, os FHs englobam questões ambientais, organizacionais e de trabalho, a ponto de conseguir modular a saúde e/ou segurança. Ou seja, consideram-se relevantes neste contexto parâmetros como tarefas, carga e padrões de trabalho; ambiente de trabalho e design; cultura e comunicação; liderança e recursos; políticas, programas e procedimentos; atitudes, personalidade e tolerância ao risco dos funcionários, por exemplo. Estas questões podem conduzir a erros, más decisões e/ou não cumprimento das normas.
Em alguns setores profissionais o FH é o principal responsável pela sinistralidade (3) (5), mesmo às vezes envolvendo alguma tecnologia que, à partida, já desenvolve mecanismos de segurança intrínsecos. Contudo, ainda assim, o FH é parcialmente controlável e, apesar de tudo, eventualmente mais flexível que outros parâmetros relevantes envolvidos (3), como já se mencionou. Estados emocionais negativos nos trabalhadores podem potenciar a ocorrência de erros e a sinistralidade. As pausas podem atenuar o cansaço físico e emocional; tal como os programas de fitness e a disponibilização de refeições completas, leves, bem como bebidas adequadas. É também relevante neste contexto dar formação sobre trabalho em equipa e comunicação.
FHs que diminuem o desempenho laboral são a falta de comunicação, de trabalho em equipa e assertividade (ou seja, capacidade para expressar problemas, sentimentos, opiniões, crenças e necessidades, de forma positiva e não agressiva, pedindo ainda a opinião a colegas); bem como a complacência (ou seja, por aumento da autoestima e confiança e/ou por não ter encontrado falhas até aí, o funcionário pode deixar de valorizar cada etapa, por passar a considerar que não existem falhas para detetar- pedir que colegas façam a monitorização do trabalho pode ajudar); cansaço mental ou físico (atenuando-se as capacidade cognitivas e de tomada de decisão, tempo de reação, coordenação, velocidade, força e equilíbrio, atenção e memória); falta de conhecimentos; falta de recursos; distração; pressão (exigência de atitudes rápidas e isentas de erros, sem capacidade para conseguir mais tempo para fazer a tarefa); normas inseguras; fatores stressores (temperatura, ruido, luz, espaço confinado, pressão temporal e/ ou técnica, problemas financeiros ou conjugais, conflitos com colegas/ superiores ou subalternos, má forma física, privação de sono, cronodisrupção).
Todos os trabalhadores devem estar motivados para partilhar erros e propostas de melhoria. O líder deverá ouvir a equipa, conhecer as suas dúvidas e críticas e deverá proporcionar um ambiente de trabalho seguro (formação, equipamentos adequados, ergonomia correta, acesso a EPIs com qualidade). Este também deverá estar atento à situação física do trabalhador (capacidades, cansaço, mal-estar, desconcentração) e ter facilidade em se adaptar. Por sua vez, o trabalhador deve preocupar-se não só com o seu bem-estar, mas também como o dos colegas e da própria empresa; sentindo que também ele é responsável pela segurança global.
A fadiga diminuiu o desempenho e qualidade do trabalho produzido (3). Os novos modelos de gestão tendem a valorizar o trabalhador e a sua qualidade de vida, uma vez que funcionários mais satisfeitos e motivados apresentam maior produtividade (6). Equipas bem geridas atingem com maior facilidade os objetivos, diminuem o desperdício e aumentam o lucro. Parte das instituições, hoje em dia, valoriza mais o FH, não considerando os funcionários como apenas uma peça no sistema de engrenagem global, sem deixar, contudo, de apostar na produtividade, desempenho e competitividade. São desejáveis práticas de gestão que levem em conta os sentimentos dos trabalhadores, contrariando a eventual instabilidade que possa existir na concorrência e/ou no país, numa interação global/planetária cada vez com menos limites em termos laborais (7). Há também uma crescente preocupação das Organizações relativamente à minimização das perdas humanas, potenciando a segurança (8).
O FH pode causar alterações até em contexto de construção de infraestruturas, criação de procedimentos e decisões de gestão (por falta de tempo, diminuição dos recursos humanos e/ou falta de formação/ experiência) (5).
As questões relacionadas com os FHs devem ser equacionadas não só na fase de desenho das instalações de trabalho e dos instrumentos/máquinas a utilizar, mas também na gestão global; de forma a atenuar os perigos e a potenciar o conforto e bem-estar (9).
Por exemplo, considera-se que o elo mais fraco em contexto de Cibersegurança é justamente o FH; ou seja, trabalhadores, ainda que sem intenção, prejudicam a organização, devido à falta de conhecimento, pouco planeamento, desconcentração e incúria. O risco será cada vez maior, até porque a internet é cada vez mais utilizada. Trabalhadores mais racionais e ponderados com maior probabilidade cumprem as normas com mais rigor; funcionários mais impulsivos estarão em situação oposta. A perceção de risco é importante neste contexto (2).
As chefias, além de uma formação académica pertinente, devem também possuir uma socialidade adequada, boa adaptação à mudança, capacidade de atingir objetivos, competência para gerir pessoas e maturidade emocional. O gestor deverá valorizar cada vez mais o trabalhador, funcionando como facilitador e educador, muito conhecedor da instituição e empenhado em atingir os melhores resultados, eventualmente remunerando em função das competências e desempenhos (6). A instituição torna-se atraente para os funcionários se possuir um bom ambiente organizacional e um conjunto de regalias atribuídas, trabalhando não só o atingimento de objetivos, mas também a valorização das capacidades já existentes nos colaboradores, bem como o desenvolvimento de novas competências; estimulando e proporcionando confiança nos funcionários, mesmo com a incerteza e competitividade que possam existir na restante sociedade (7). Quanto melhores as políticas de recursos humanos, maior a capacidade de atrair e reter talentos (4).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que o tema seja relevante, não se encontra muita bibliografia com qualidade. Um empregador que faça a sua gestão valorizando os RHs, terá uma Saúde Ocupacional potenciada.
Seria interessante que elementos a exercer nas equipas de Saúde Ocupacional em contexto nacional conseguissem clarificar até que ponto os RHs de cada empregador levam em consideração estes princípios.