INTRODUÇÃO
O conceito em si não é exótico para os profissionais da Saúde e Segurança Ocupacionais, nem incluiu considerações muito complexas e que não estejam parcialmente assimiladas; contudo, nem todos terão aprofundado o tema, pelo que surgiu a necessidade de elaborar uma revisão. Espera-se que a sua síntese possa ser útil no sentido de potenciar a capacidade das equipas a exercer nesta área para serem mais eficazes no atingimento dos seus objetivos.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre a Capacidade para o Trabalho (definição, utilidade, fatores que potenciam e que atenuam)
-C (context): saúde e segurança ocupacionais.
Assim, a pergunta protocolar será: Qual o Conceito de Capacidade para o Trabalho, respetiva utilidade e fatores que o potenciam e atenuam?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022 na base de dados “RCAAP”. Foi colocada a expressão de pesquisa “capacidade de trabalho” em título e surgiram 177 artigos; após análise dos mesmos foram selecionados os 34 documentos descritos na bibliografia. Dado o tema em si, os autores consideraram que Teses de Mestrado e Doutoramento proporcionariam informação mais pertinente que artigos de investigação publicados em revistas, que teriam avaliado casos concretos e pouco espaço teriam para desenvolver o conceito em si de Capacidade para o Trabalho, daí terem utilizado apenas a base de dados atrás mencionada.
CONTEÚDO
Definição de Capacidade de Trabalho
O conceito de Capacidade para o Trabalho (CT) torna-se cada vez mais relevante com o envelhecimento da população geral e da população ativa, devido à reforma ser tendencialmente mais tardia, na generalidade dos países (1). O conceito é amplo, complexo e multidimensional (2-5). Começou a ser utilizado na década de oitenta, ainda que a definição tenha evoluído ao longo do tempo, no sentido de uma maior abrangência (6). Os primeiros estudos em Portugal surgiram em 2002 (7).
A CT é produto dos recursos versus as exigências físicas, mentais e sociais do trabalho (1-3) (8) (9) (11-18). Espelha o quanto bem está um funcionário presentemente e no futuro próximo (10) (11) (14) (15) (17) (19). É a perceção que o funcionário tem da sua capacidade produtiva atual (7) (13) (18), comparando-a com a melhor que já existiu (20). A CT é afetada pelo envelhecimento, reforma precoce, morbilidade e mortalidade (13).
No quadro 1 podem ser consultados os fatores que têm capacidade para modular a CT. Todos estes fatores estão em interação constante (6) e mudança (4) (7) (17) (21) (22), até porque com o tempo a passar as condições laborais podem alterar-se (por exemplo, introdução de novas tecnologias) e o funcionário também envelhece (6).
Empregador | Indivíduo | Outros níveis |
---|---|---|
-gestão (1) (6) (19) e liderança (6) -cultura organizacional (1) (19) -ambiente de trabalho (1-3) (19) (20) (22) -exigências laborais (6) -colegas de trabalho (6) -condições ergonómicas (6) -organização do trabalho (3) (6) (31) -relações interpessoais (24) -equipa de trabalho (5) -remuneração (22) |
-idade (3) (13) (31) -sexo (3) -saúde (4) (16) (22) (24) e autoperceção do estado de saúde (4) (13) -capacidades físicas (2) (4) (6) (7) (9) (21) (22) (23) -capacidades mentais (2) (5-7) (9) (13) (19) (21-23) -capacidades sociais (2) (5) (7) (9) (13) (19) (21) -capacidades funcionais (6) -alterações psicossomáticas (13) -alterações músculo-esqueléticas (13) -experiência/competências profissionais (2) (6) -valores (2) (6) (22) -atitudes (2) (6) (22) -motivação (2) (6) (22) -estilo de vida (6) (20) -tabagismo (3) -peso (3) -exercício (3) (13) -habilitações/formação (3) (18) (22) -educação (2) -responsabilidades domésticas e familiares (25) -papel de chefe de família (37) |
-família (6) -amigos (6) -vizinhos (6) -comunidade (1) -área habitacional (urbana, rural) (16) -sociedade (22) |
Interação da Capacidade para o Trabalho com a Saúde e Segurança Laborais
Maior CT associa-se a bem-estar (8) (9) (21), aumento da produtividade e da qualidade de desempenho (1) (8). Os primeiros estudos foram realizados na Finlândia, através do Finnish Institute of Occupational Health (FIOH), na década de oitenta, com trabalhadores na quinta década de vida (26).
Existem setores profissionais onde a diminuição da CT pode ser mais relevante, nomeadamente quando há esforço físico acentuado (carga, posturas mantidas/forçadas, repetibilidade), stress, riscos mais relevantes e/ou má organização. Por sua vez, o desconforto térmico, ruido e a higiene diminuta também não ajudam; da mesma forma que algumas questões psicossociais, como tempo disponível, conflito de papeis, conflito com colegas e/ou chefias, volume de tarefas, não adequação do serviço à experiência e conhecimentos, baixa autonomia, elevada responsabilidade, diminuição do reconhecimento e turnos consecutivos (6).
Avaliar a CT poderá permitir atuar de forma a atenuar a diminuição da produtividade (2) e a delinear medidas de mitigação por parte da Saúde e Segurança Ocupacionais (12) (18); ainda que a teoria do capital humano defenda que o indivíduo pode tornar-se mais produtivo devido aos conhecimentos gerais e específicos acumulados ao longo dos anos; ou seja, a educação e a experiência conseguem prolongar a CT para idades mais avançadas, sobretudo em atividades menos físicas (37).
Instrumentos utilizados para avaliar a Capacidade para o trabalho
Para medir a CT a FIOH (3) (6) (8) (14) (17) (27) criou o WAI (Work Ability Index) (2) (8) (28), usado pela primeira vez no início da década de oitenta (8) (11) (14) (19) (27) (29), na Finlândia (11) (14) (15) (17) (19) (30). Foi desenvolvido por Tuomi, Ilmarinen, Jankola, Katajarinne e Tulkki (19) (28) (31) e revela quanto um funcionário é capaz de fazer as suas tarefas. Já foi traduzido em 24 idiomas (8)- sendo que para o português de Portugal foi em 2000 (2) e a partir de 2001 passou a designar-se por ICT (Índice de Capacidade para o Trabalho) (8); cinco anos depois foi providenciada uma adaptação para países lusófonos africanos (2). Ela avalia a competência do funcionário para efetuar as suas tarefas, em função das exigências destas, situação médica e recursos psicológicos. Pretende identificar precocemente os funcionários e locais de trabalho que necessitem de intervenção, de forma a se produzirem recomendações e medidas (7) (8) (14) (15) (18) (19) (27), com posterior avaliação da eficácia destas últimas. O instrumento pode ser utilizado em qualquer atividade profissional (8). Também pode ser usado para prever o risco de incapacidade no futuro (14) (26) (44). A medição baseia-se na autoperceção (2) (6) (11) (26) (30) e esta é tão relevante quanto a avaliação dos profissionais que estudam o tema (19).
O questionário é composto por sete itens (2) (7) (11) (15) (16) (20) (27) (28) (30) (33) e dez perguntas (15) (27), que consideram as exigências laborais (físicas e mentais), estado de saúde e os seus recursos. Ou seja, estima a CT atual por comparação com a melhor que já tenha existido; número de doenças diagnosticadas por um médico; absentismo do último ano; autoprognóstico sobre a CT futura e recursos mentais. O somatório final varia de 7 a 49 (2) (7) (11) (15) (16) (28) (30) (32-34); quanto mais elevado, maior a CT (2):
Fatores que potenciam a Capacidade de Trabalho
Para potenciar a CT pode-se investir na melhoria das condições de trabalho, da organização e do ambiente psicossocial, bem como da promoção para a saúde e dos recursos dos indivíduos e desenvolvimento de competências pessoais (1) (2) (8); bem como melhor capacidade de liderança e gestão das chefias (3) (20).
Por sua vez, a atividade física também está relacionada com uma boa CT (1) (2) (7), através de eficácia nos processos de obtenção de energia, diminuição da percentagem de gordura corporal, melhoria na capacidade aeróbica, bem como na resistência e força, autoperceção do estado de saúde (1), autoestima e reatividade ao stress (1) (7).
Fatores que atenuam a Capacidade para o trabalho
A partir da quarta década de vida (1), devido ao agravamento de algumas doenças e à diminuição da capacidade física (cardiorrespiratória e a nível de força músculo-esquelética) e mental/capacidade de memorizar, a CT diminuiu (1) (6) (7) (18). A capacidade cardiorrespiratória e músculo-esquelética são os fatores mais relevantes na capacidade funcional (1). Sintomas músculo-esqueléticos em particular diminuem significativamente a CT (31). A saúde mental é menos relevante que a física na CT, ainda assim a diferença fica mais ténue nas tarefas com exigência mental (1) (31).
Com o envelhecimento, além da diminuição da memória (1) (6) (7) (18), também se altera a capacidade de perceção e da velocidade de processamento de informação (1) (18). Contudo, também pode ocorrer que tal seja equilibrado ou sobreposto pelo aumento de conhecimento, experiência (1) (7) (18), maior empenho/compromisso (1), mais aptidões linguísticas, capacidade para delimitar estratégias, contatos colecionados ao longo dos anos (6) ou até autonomia (18); na realidade há variabilidade individual na forma como o envelhecimento modula a CT (2). Com mais idade diminuiu a capacidade de aprender, surgindo por vezes também maior resistência à mudança (18). À medida que o funcionário envelhece, as tarefas deverão ser adaptadas para se atenuar a eventual perda de produtividade (7).
O sexo feminino parece desenvolver maior perda de CT, eventualmente pelas piores condições de trabalho e pela conjugação com outras responsabilidades ("jornada dupla”) (1) (4) (7) (18) (23).
A obesidade potencia a perda de CT e diminui a capacidade cardiorrespiratória, bem como a músculo-esquelética, potenciando a morbilidade associada às doenças crónicas (1).
O tabagismo tem correlação inversa com a CT e a capacidade física global, além de constituir um importante fator de risco nas patologias cardiovasculares e pulmonares (1) (7). O álcool, por sua vez, além de potenciar o surgimento e gravidade de algumas doenças, também pode condicionar diminuição da produtividade, aumento do absentismo e do risco de acidente de trabalho (1).
A sobrecarga mental pode estar associada a conflito de papeis e com a chefia, pouco tempo, volume de tarefas, falta de oportunidades para usar os conhecimentos e/ou experiência, pouca autonomia, elevada responsabilidade, diminuição da progressão na carreira, falta de reconhecimento e/ou turnos prolongados (31).
A diminuição da CT depende de vários parâmetros. No quadro 2 estão registados parte deles.
-envelhecimento (1) (2) (8) -diminuição da saúde global (1) (31) (29): real e/ou autopercecionada (1) (8); devido quer a doenças ou acidentes (19) -caraterísticas do posto de trabalho (1); sobrecarga física e/ou mental (6) (7) (31) -estilo de vida (1) (9) -sexo feminino (1) (4) (7) (18) (23) -questões socioeconómicas (1) -tabagismo (1) (7) -álcool (1) -sedentarismo (31) -obesidade (1) (7) (23) -vulnerabilidade ao stress (8) -organização do trabalho (29) -ambiente de trabalho (7) (9) (relações sociais entre colegas e com as chefias (29), falta de reconhecimento e estima ou conflito de papeis ou com as chefias, tipo de líder, pressão de execução temporal, falta de autonomia, monotonia (7)) -turnos, sobretudo se noturnos e rotativos (7) (9) -falta de formação (7) -pouca ergonomia (7) -pertencer a alguma etnia, sobretudo se isso implicar menos acesso à educação e/ou serviços de saúde (37) |
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Uma vez na posse de dados concretos que modulam a Capacidade de Trabalho, os profissionais das Equipas de Saúde e Segurança Laborais têm maior probabilidade de potenciar as suas ações, de forma a obter ambientes de trabalho mais saudáveis e seguros, tornando os funcionários mais satisfeitos e produtivos, gerando para o empregador melhor desempenho e lucros maiores.
Seria interessante que algumas equipas com projetos a decorrer sobre o tema divulgassem as etapas contornadas, de forma que a evidência produzida ajude outros profissionais desta área.