Editorial
A presente edição da revista e-Pública é dedicada a dois temas - nudging e goldplating - no contexto da transposição de diretivas da União Europeia. Os artigos são fruto de apresentações e comentários realizados pelos seus autores na Conferência da ICON-S (International Society of Public Law) 2021, que teve como tema geral “The Future of Public Law”.
Além disso, parte da análise que aqui se reflete provém de trabalho de investigação realizado no âmbito do projeto “Legimpact - A produção legislativa enquanto meio de realização de políticas públicas: análise quantitativa e de impacto socioeconómico”, um projeto de investigação em curso, sob a égide da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa/CEDIS e do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O que se pretendeu com a junção destes dois temas foi problematizar aspetos relevantes do processo de transposição de diretivas europeias para o direito nacional, nomeadamente aqueles que podem tornar o processo, e o seu resultado, mais ou menos eficientes do ponto de vista da realização das políticas públicas que lhes subjazem.
O goldplating corresponde ao fenómeno, comummente verificado no processo de transposição de diretivas europeias, de acréscimo ou adensamento da malha regulatória e das obrigações decorrentes da diretiva, pelos Estados-Membros, ao operacionalizarem a transposição. No fundo, configura um exercício da individualidade dos Estados, que utilizam a liberdade de meios de que dispõem na prossecução dos objetivos de política pública estabelecidos na diretiva para acrescentar as suas próprias imposições. Desse ponto de vista, geralmente contribui para a criação de mais obstáculos, procedimentais ou de outra natureza, à atividade de cidadãos e empresas do que aqueles que a diretiva tinha em vista. Daí pode resultar, e, segundo a Comissão Europeia, resulta frequentemente, o comprometimento dos objetivos estabelecidos a nível europeu. Nesse sentido, o goldplating é uma prática que pode contribuir para a ineficiência do processo legislativo como forma de implementação de políticas públicas.
O nudging reporta-se a uma técnica de realização de objetivos de política pública que implica a utilização de um instrumento - o nudge - para, através de alterações no ambiente de decisão dos destinatários, conseguir que estes adotem os comportamentos desejados pelo decisor público. Os nudges têm vindo a ser utilizados em alternativa a instrumentos mais tradicionais de regulação, como a «command and control regulation» e os incentivos económicos, tendo revelado grande eficácia na obtenção dos objetivos visados a custos reduzidos. Nesse sentido, o nudging consubstancia uma prática que pode contribuir para o aumento da eficiência na realização da ação pública e das políticas públicas, embora não deixe de suscitar complexos problemas éticos e jurídicos.
A relevância das duas práticas no contexto da transposição de diretivas europeias é especialmente assinalável. Com efeito, a distância entre quem define os objetivos da ação pública e quem define a forma de os realizar, por um lado, e a distância entre quem define os objetivos da ação pública e os destinatários dessa mesma ação, por outro lado, dificultam um processo que é especialmente propício a entropias, ineficiências e fricções. Por isso mesmo, deve ser objeto de estudo e debate: identificadas as falhas, está aberto o caminho para a sua correção e para se encontrarem soluções para a sua otimização.