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População e Sociedade

versión impresa ISSN 0873-1861versión On-line ISSN 2184-5263

População e Sociedade  no.36 Porto dic. 2021  Epub 15-Sep-2022

https://doi.org/10.52224/21845263/rev36a5 

Dossier Temático

De antiga colônia portuguesa à Dubai Brasileira. Um estudo sobre Balneário Camboriú, Santa Catarina, Brasil

From former Portuguese colony to Brazilian Dubai. A study of Camboriú, Santa Catarina, Brazil

Arlete Assumpção Monteiro1  2 
http://orcid.org/0000-0001-7322-1304

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Educação, São Paulo, Brasil

2Centro de Estudos Rurais e Urbanos, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo

D. João VI, preocupado com as fronteiras brasileiras, providenciou povoar o sul brasileiro. Em maio de 1818, desembarcava no Rio de Janeiro a primeira leva de colonos portugueses para a fundação da Colônia de Nova Ericeira, na Enseada das Garoupas, Estado de Santa Catarina, Brasil. O local para instalação das famílias, igreja e cemitério foi planejado; os terrenos doados por sorteio e os solteiros encaminhados para as terras próximas ao Rio Camboriú. Com a Independência do Brasil (1822), a colônia passou à denominação de Porto Belo, devido a beleza do litoral. Apesar das dificuldades, não sucumbiu. Na década de 1970, a construção da rodovia BR 101, que liga São Paulo ao sul do Brasil, facilitou o acesso à região. Camboriú destacou-se nos últimos anos por seus modernos arranha-céus de alto padrão, impulsionando grande desenvolvimento econômico e turístico passando a ser conhecido como a “Dubai Brasileira”.

Palavras-chave: D. João VI; colonização portuguesa; Nova Ericeira; cidades brasileiras; Camboriú.

Absctrat

D. John VI, worrying about Brazilian borders, decided to populate Brazil’s southern region. In May 1818, the first Portuguese colonizers arrived in Rio de Janeiro to settle the colony, Nova Ericeiera in Enseada das Garoupas, Santa Catarina, Brazil. The location to install the families, church, cemetery was planned out; the lands were donated through a raffle and single people were sent to lands close to the Camboriu River. Upon Brazil’s Independence (1822), the colony went on to be called Porto Belo due to the coastal beauty. In spite of the difficulties, the colony didn’t succumb. In the 1970s, construction of Highway BR 101, which connects São Paulo to the south of Brazil, improved access to the region. Camboriu has stood out in recent years for its modern luxurious skyscrapers which are approximately 70 stories tall, stimulating large scale economic and touristic development, thus becoming known as the “Brazilian Dubai”.

Keywords: Dom John VI; Portuguese colonization; Nova Ericeira Colony; Brazilian cities; Camboriú.

Considerações preliminares

A pesquisa empreendida sobre a Colônia de Nova Ericeira, hoje Porto Belo, Estado de Santa Catarina, Brasil, foi realizada a partir da leitura de documentos existentes no Arquivo Público Histórico de Santa Catarina, fundado em 1960 para preservar os registros documentais catarinense, na Arquidiocese de Florianópolis, na Igreja de Bom Jesus dos Aflitos e no Cartório do Município de Porto Belo, Estado de Santa Catarina, e na Torre do Tombo, Lisboa. Observações e entrevistas em comunidades pesqueiras da região foram incluídas e complementadas com fotografias assim como visitas à Ericeira, em Portugal.

A Colônia de Nova Ericeira, Santa Catarina, Brasil

Em 1815, D. João proclamava o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Ainda como príncipe regente, D. João se preocupava com a importância do aumento da população do Brasil, como condição para o desenvolvimento da economia. O Aviso Régio datado de 25 de março de 1818, encarregava o intendente da Marinha de Santa Catarina, da fundação de um povoado de pescadores na Enseada das Garoupas, hoje Porto Belo, aos moldes dos existentes em Portugal:

De Thomaz Ant. de Villanova Portugal, vice-rei, a João Vieira Tovar de Albuquerque, governador de Santa Catarina, solicitando auxílio a Miguel de Souza Mello e Alvim, encarregado da fundação da nova povoação de Ericeiros, na Enseada das Garoupas. Rio de Janeiro, 25 de março de 1818 (...) El Rei Nosso Senhor He Servido Ordenar que remetta a V.M. Copia inclusa do officio que por esta ocasião se dirige a Miguel de Souza Mello Alvim encarregado da fundação da Nova Povoação de Ericeiros na Enseada das Garoupas, para conhecimento de V.M. e para que lhe dê todo auxílio necessário (...). Registrado a fl. 2 do L. 1º de Registro Geral Santa Catharina...Em 18 de Agosto de 18181.

Em 1818, a embarcação Conde de Peniche aportava no Rio de Janeiro, trazendo a bordo 101 pessoas de ambos os sexos, que seriam levadas à Enseada das Garoupas, para a formação da povoação denominada Colônia de Nova Ericeira. Eram pescadores, barbeiros, alfaiates, sapateiros, carpinteiros e um calafate, acompanhados do Padre Manuel Ferreira e do cirurgião Pedro Marques, ajudado por um boticário.

Em documento enviado ao governador de Santa Catarina, datado de 8 de dezembro de 1819, encontra-se registrado o que deveria ser dado a cada pessoa que se encontrava a bordo do Navio Conde Peniche, para fundação da nova povoação:

Relação do que se deve dar a cada pessoa das que se achão a bordo do Navio Conde de Peniche para seguirem viagem ao Porto das Garoupas. A saber. Enquanto estiverem neste Porto huma ração diária de carne de vaca, Pão, Arroz, Toucinho, e verdura a cada huma pessoas em proporção suficiente para se sustentar... A cada chefe de família uma vacca, hum Martelo, huma Serra. A cada homem de trabalho, seja Marítimo ou trabalhado o seguinte Huma Enchada, huma Foice, hum Machado, e hum Serrote. No Sitio das Garoupas de durão ás cem pessoas que vierão de Ericeira para o espaço de hum anno em dinheiro o seguinte. Para cada pessoas de sete anos para mais cento e sessenta reis diários, e a cada pessoa de sete anos para menos, três mil e duzentos por mez. Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1819. José Joaquim Carneiro de Campos2.

O Sr. Miguel de Souza Mello Alvim3, militar e político, foi o encarregado da fundação da nova povoação, devendo providenciar as edificações necessárias como igreja, fortificações e a distribuições dos terrenos para a instalação das famílias que os receberam por sorteio. Os solteiros foram instalados em terras mais distantes, às margens do Rio Camboriú.

O objetivo era o desenvolvimento da agricultura para a fixação dos colonos, mas estes, oriundos de Ericeira, portavam conhecimentos de onde e como pescar. Os colonos quando viram o mar abrigado, ideal para a atividade piscatória, e madeiras abundantes, construíram embarcações para a atividade pesqueira, um dos motivos que a povoação não sucumbiu.

Em 1824, novos colonos chegavam na povoação e novos terrenos foram adquiridos pela Fazenda Real para serem distribuídos aos recém-chegados. No mesmo ano, pelo decreto de 28 de dezembro, a povoação foi elevada à categoria de freguesia, desmembrando-se da freguesia de São Miguel, a qual estava subordinada desde 1819.

Alguste de Saint Hilarie, botânico, permaneceu no Brasil de 1816 a 1832, numa expedição financiada pelo governo francês, visitando vários estados brasileiros. Em seu livro Viagem a Província de Santa Catarina (1820) apontou que a Enseada das Garoupas oferecia à navegação um ótimo ancoradouro, com uma colônia de pescadores recém-instalada:

Pouco tempo antes da minha chegada a Santa Catarina, o Ministro de Estado Thomaz Antônio de Villa Nova Portugal, acabava de estabelecer, à margem da Enseada das Garoupas, uma colónia de pescadores sob a designação de Nova Ericeira, nome de uma aldeia portuguesa, de onde provinham os seus povoadores habitantes de Nova Ericeira (Saint-Hilaire, 1936, p. 36-37).

Os colonos ficaram isolados tendo ao redor índios, muitos animais ferozes e uma serra que dificultava a comunicação com os povoados como São Miguel, ao sul, e São Francisco, ao norte. Os moradores da Colônia de Nova Ericeira só tinham como saída de sobrevivência a pesca, herança cultural que portavam do seu país de origem, arte que conseguiram levar adiante na nova terra, do outro lado do Atlântico de onde partiram.

Em 1832, o presidente da Província de Santa Catarina apresentou um quadro de população onde constava a freguesia da igreja Senhor Bom Jesus dos Aflitos4, da povoação da Colônia de Nova Ericeira: 492 fogos (casas), 2.164 indivíduos livres, 446 escravos; entre os 2.030 indivíduos livres, 5 eram estrangeiros, 2 índios, 22 pardos ingênuos e 27 pardos libertos; quanto aos escravos, 64 escravos pardos e 382 escravos pretos (Monteiro, 2000, p. 39). Neste mesmo ano a freguesia foi elevada a vila com a denominação de Porto Belo. Em 1841, Porto Belo, antiga Colônia de Nova Ericeira, possuía um extenso território.

Em 1850, o Dr. Hermann Blumenau5 planejou a instalação de uma colônia alemã em terras do interior, à margem do Rio Itajaí. Em entrevista com o responsável pelo Cartório de Porto Belo, obteve-se a informação que o Dr. Blumenau para realizar seu plano de colonização alemã, teve que solicitar autorização à Câmara de Porto Belo.

Robert Avé Lallement, médico da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, em viagem pelo sul do Brasil, relatou em seu livro Viagens pelas Províncias de Santa Catarina (1858), a sua chegada a Porto Belo:

... chegamos à baía aberta de Porto Belo, em cuja praia meridional onde fica a pequena e insignificante cidade do mesmo nome. A região é pitorescamente bela e oferece bonitas perspectivas das ondas quebrando-se contra as elevações e promontórios; porém, o caminho serrano que se afasta da parte das elevações a leste é muito fatigante (Avé Lallement, 1980, p. 151-152).

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal. Apud Angelina Wittmann (https://angelinawittmann.blogspot.com/202/06/porto-belo-sc-um-olhar-com-historia.html)

Figura n.º 1  Mapa Enseada das Garoupas, Porto Belo, Santa Catarina, Brasil de 1784 

Porto Belo perdeu a categoria de vila em 1859, voltando a ser freguesia pela Lei 464 de 4 de abril de 1859, dependendo administrativamente de Tijucas, freguesia criada em 1848 com a denominação de São Sebastião da Foz do Tijucas Grande, que prosperou devido ao rio ser navegável na época, passando a município em 1959. Com a Proclamação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889, Porto Belo retomou sua categoria de município pela Lei Estadual 140, de 29 de agosto de 1898, alcançando sua emancipação definitiva em 1925. Em 1962, desmembrou-se do município de Porto Belo o distrito de Itapema6 que foi elevado à categoria de município.

Na década de 1980, Porto Belo possuía 134 quilómetros de área, sendo um dos 197 municípios que compunham o Estado de Santa Catarina. Situava-se a 60 quilómetros de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, e a 24 quilómetros de Camboriú, balneário mais importante de Santa Catarina. Até 1970, Porto Belo encontrava-se praticamente isolado. A construção da BR 101 em 1970, ligando os estados de São Paulo ao sul do Brasil, propiciou grande desenvolvimento turístico e econômico à região.

Pela pesquisa empreendida, a Colônia de Nova Ericeira possuía um extenso território, abrangendo os atuais Municípios de Navegantes e Itajaí, ao norte, até o Rio Tijucas ao sul; a leste o Oceano Atlântico; a oeste a região serrana com os municípios de Gaspar, Ilhota e outros no vale do Rio Itajaí.

A antiga Colônia de Nova Ericeira, passou a denominação de Porto Belo após a Proclamação da República brasileira, fato que pode ter ocorrido devido a uma política de apagar tudo que lembrasse a dependência do Brasil com Portugal.

Para o presente artigo, priorizou-se destacar o atual Balneário de Camboriú, historicamente pertencente à Colônia de Nova Ericeira, local em que os colonos portugueses solteiros foram enviados quando da instalação da nova povoação, terras distantes do centro da vila onde as edificações - igreja, cemitério e os edifícios administrativos - seriam construídas.

Camboriú: trajetória histórica

O nome Camboriú advém do Rio Camboriú, de origem na língua tupi que significa “rio dos robalos”. Os primeiros povoadores da região eram povos coletores e índios carijós. Há relatos da presença de bandeirantes paulistas que chegaram à região no início do século XIX, em busca de metais preciosos e para a captura dos indígenas.

A partir de 1815, a região foi visitada pela expedição que percorreu o litoral sul brasileiro, por ordem do governo real, para selecionar um local para implantação de uma colônia de pescadores, aos moldes das existentes em Portugal, com o intuito de colonizar o sul brasileiro e garantir as fronteiras brasileiras devido ao perigo espanhol que se avizinhava. A Enseada das Garoupas foi a sugerida como resultado ideal para implantação da colônia, local de mar tranquilo e abrigado, com muita mata e água potável, onde piratas e aventureiros poderiam passar ao longo da costa sem perceber a existência da povoação.

Pela pesquisa empreendida, as terras do atual Camboriú e Balneário Camboriú pertenciam à Colônia de Nova Ericeira, que recebeu colonos vindos de Ericeira, Portugal, tendo sido os solteiros instalados ao longo do Rio Camboriú, a partir de 1818 até 1824, quando chegou o último grupo de povoadores para a recém-formada Colônia. A distância dos arredores do Rio Camboriú ao centro da povoação por terra gerou a utilização da comunicação de seus moradores por mar, dependendo das condições dos ventos, marés e circunstâncias climáticas, ou a pé, margeando as praias ou a cavalo.

A presença dos colonos portugueses nos arredores do Rio Camboriú é confirmada pela pesquisa empreendida pelo historiador Isaque de Borba Correa, tetraneto do Sr. Baltazar Pinto Correa, considerado o primeiro a se instalar na região, natural de Lamego, concelho de Viseu, norte de Portugal.

O imigrante português Baltazar Pinto Correa, que esteve primeiro em Porto Belo por volta de 1821, antes de vir para a região, só conseguiu receber a Carta de Sesmaria para ocupar oficialmente uma gleba de terra no canto norte da praia e começar o povoado, no 6 dia de setembro de 1826 7 .

Objetivando demonstrar a importância da presença portuguesa no litoral catarinense, historicamente construída através do projeto de colonização das terras sul-brasileiras banhadas pelo Atlântico Sul, uma política da Coroa Portuguesa que se encontrava instalada no Rio de Janeiro e visualizou a importância da região e a garantia das fronteiras brasileiras, ainda não definitivamente demarcadas pelos tratados e acordos e se encontravam politicamente vulneráveis, decidiu implantar uma colônia planejada, doando terras para instalar colonos vindos de Portugal continental e povoar a região. Como o quadro abaixo demonstra, os colonos portugueses foram importantíssimos para o desenvolvimento de Camboriú e Balneário Camboriú, que se veio a tornar no século XXI conhecida como a Dubai Brasileira.

Quadro n.º 1 - Sesmarias capitania de Santa Catarina - Rio Camboriú em 1822-1823 

Proprietários Localização Data No.de Braças
José Inácio Borges Rio Camboriú 07/08/1822 700 de frente par o Rio
Baltazar Pinto Correa Rio Camboriú 10/10/1822 400 de frente par o Rio
Baltazar Pinto Correa Rio Camboriú 10/10/1822 300 de frente par o Rio
Manoel de Oliveira Gomes Rio Camboriú 08/01/1823 750 de frente par o Rio
Bernardo Dias da Costa Rio Camboriú 16/10/1822 750 de frente par o Rio
Félix da Silva Rio Camboriú 27/02/1823 400 de frente par o Rio
Baltazar Pinto Correa Rio Cambriassu 08/06/1823 400 de frente par o Rio
Aurelio Correa da Rocha Rio Camboriú 08/06/2023 600 de frente par o Rio

Fonte: Arquivo Público de Santa Catarina, Livro de Doações de Sesmarias da Capitania de Santa Catarina 1753 a 1823.

Historicamente, as terras onde se localizam nos dias de hoje Camboriú e Balneário Camboriú pertenciam a Porto Belo, centro da vila da Colônia de Nova Ericeira. Com a denominação de Camboriú, o distrito foi criado pela Lei Provincial n.º 292, de 26-04-1849, integrando administrativamente o município de Itajaí8. Pela Lei Provincial n.º 1.076, de 05-04-1884, Camboriú foi elevado à categoria de vila, desmembrando-se do Município de Itajaí. Na divisão administrativa de 1911, o município foi oficializado até a divisão territorial datada de 1950. A Lei Municipal n.º 18, de 20-10-1954, constituiu o distrito de Praia de Camboriú, anexado ao município de Camboriú. Na divisão territorial de 1960, o município ficou constituído de dois distritos: Camboriú e Praia de Camboriú, permanecendo assim até 1963. A Lei Estadual n.º 960, de 08-04-1964, desmembrou do município de Camboriú o distrito Praia de Camboriú, que foi elevado à categoria de município. Portanto, Camboriú manteve seu território por muito tempo; a separação da parte litorânea com a criação do distrito de Praia de Camboriú (1964), quando o distrito foi elevado à categoria de município, passou à denominação de Balneário Camboriú.

A metamorfose de Balneário Camboriú: a Dubai Brasileira

Camboriú até aos anos de 1960 era de difícil acesso; um grande crescimento econômico e turístico ocorreu com a construção da Rodovia BR 101, atraindo turistas de outros estados brasileiros e do Cone Sul da América do Sul.

O Balneário de Camboriú localiza-se no Vale do Rio Itajaí, no litoral atlântico catarinense, ocupando uma área de 46 km2. Ao Norte está o município de Itajaí, já referenciado, importante porto marítimo, e ao sul Itapema9, ambos historicamente pertencentes à Colônia Nova Ericeira.

O distrito criado com a denominação de Praia de Camboriú pela lei municipal n.º 18, de 20 de outubro de 1954, estava subordinado ao município de Camboriú. Cabe destacar que o município de Camboriú tem raízes no início do século XIX, quando chegaram à região povoadores portugueses o que reforça a hipótese de os colonos vindos da Ericeira e arredores se destinavam a povoar o litoral catarinense e acabaram por se espalhar ao longo do litoral formando novos povoados.

Outro motivo que propiciou a mobilidade geográfica dos povoadores portugueses na Colônia de Nova Ericeira foi o fato de alguns colonos terem recebido seus terrenos longe do mar, o que dificultava a prática piscatória. Como homens do mar, muitos solicitaram a transferência dos terrenos recebidos por outros menores, porém próximos ao mar (Monteiro, 1986).

A orla marítima do Balneário Camboriú foi ocupada espacialmente a partir das primeiras décadas do século XX quando passou a ser procurada por moradores das vilas e cidades do Vale do Rio Itajaí para veraneio. O Jornal Folha Acadêmica, em reportagem sobre as Praias Catarinenses, de 1930, destaca:

Sobre a extensa faixa curva e clara, está a de Camboriú, que oferece perfeita segurança aos banhistas; já há ali edifícios para refúgio dos banhistas. Está menos provida de conforto, havendo, porém, um bom hotel para comodidade dos que procuram, no silêncio praieiro, calma para seus nervos exaustos, em constante funcionamento (apudSouza, 2016: 9).

Na década 1950 ocorreu um significativo aumento demográfico e urbano no distrito da Praia de Camboriú, propiciado pela melhoria das conexões terrestre, como o trecho Curitiba-Florianópolis, da BR 101 - inaugurado em 1957 -, da rodovia que liga o norte ao sul do Brasil.

A ferrovia Estrada de Ferro Santa Catarina, que cruzava o Vale do Rio Itajaí, favoreceu os moradores das vilas e cidades interioranas a se locomoverem e chegarem as belas praias do litoral catarinense, que incluía um trecho de barco pelo Rio Itajaí, muito perto de Camboriú10.

O transporte fluvial através da Empresa de Navegação fazia parte da Estrada de Ferro Santa Catarina. Até 1954, data da inauguração do trecho ferroviário Blumenau a Itajaí, a produção e as pessoas chegavam de trem a Blumenau e depois faziam baldeação a vapores até o porto marítimo da cidade de Itajaí (Henkels, 2008).

Devido à procura de veranistas pelas praias da região, cabe aqui apontar a importância que teve a construção de hotéis de luxo em Camboriú nas décadas de 1950-1960, como o Hotel Fischer inaugurado em dezembro de 1957, que tinha inicialmente quatro andares; em 1970, foi construída uma torre de 12 andares e um heliporto. Hospedou dois presidentes brasileiros, João Goulart e Juscelino Kubitschek.

Nos idos de 1970, o Balneário Camboriú já era frequentado por turistas de todas as partes do Brasil e pelos vizinhos argentinos. Tornou-se uma força de atração. Ao presente, está prevista a demolição de dois hotéis históricos de Balneário Camboriú para construção de novos arranha-céus de luxo, num claro sinal do desenvolvimento do turismo na orla marítima de Camboriú. Um deles é o Hotel Fischer e o outro é o Hotel Marambaia, construído em 1964, sendo que neste último caso a sua demolição será parcial, uma vez que uma parte do hotel será preservada. Também está prevista a construção de um prédio na paisagem na Avenida Atlântica, localizada em frente à Praia Central, no lugar da estrutura que começou a ser erguida no mesmo ano em que o Balneário Camboriú foi emancipado de Camboriú.

O município de Balneário Camboriú possui dez praias de diferentes contornos: Praia Central (objeto do presente artigo), Praia de Laranjeiras, Praia de Taquaras, Praia de Taquarinhas, Praia do Buraco, Praia do Canto, Praia do Pinho, Praia dos Amores, Praia do Estaleirinho e Praia do Estaleiro. Devido ao desenvolvimento imobiliário, Balneário Camboriú passou a ser conhecido como a Dubai Brasileira, com edifícios de mais de 80 andares e quase 300 metros de altura. Outro elemento que torna Balneário Camboriú a Dubai Brasileira é a combinação das paisagens urbanas com as praias que a região possui. Entre as semelhanças do Balneário com Dubai está, ainda, o mercado imobiliário em grande desenvolvimento e a vida noturna intensa, fatores que tornaram a antiga colônia portuguesa no litoral brasileiro uma referência de qualidade de vida.

Fonte: https://centrosulturismo.com.br/wp-content/uploads/2019/05/Balneario-Camboriu.jpg

Figura n.º 2  Balneário Camboriú (2021) 

Na listagem dos prédios mais altos do Brasil, prontos ou em construção, os quatro primeiros lugares pertencem ao Balneário Camboriú, Estado de Santa Catarina11.

  1. One Tower - Balneário Camboriú (SC), 280 metros, residencial, em obras

  2. Infinity Coast Tower - Balneário Camboriú (SC), 237 metros, residencial, em obras.

  3. Boreal Tower - Balneário Camboriú (SC), 182 metros, uso misto (residencial, lojas e escritórios), em obras; 220 metros, residencial, em obras

  4. Sky Tower - Balneário Camboriú (SC), 210 metros, residencial, em obras

  5. Tour Geneve - João Pessoa (PB)

A paisagem do Balneário Camboriú está se transformando rapidamente, inúmeras demolições para construção de novos arranha-céus têm propiciado a constituição de uma nova camada de trabalhadores que se dirigem à cidade em busca de trabalho e melhores condições de vida.

Fonte: https://centrosulturismo.com.br/wp-content/uploads/2019/05/Balneario-Camboriu.jpg

Figura n.º 3 Vista de Balneário Camboriú, Santa Catarina, Brasil 2021 

Em reportagem de 20 de fevereiro de 202012, do jornal digital O Janelão, assinalava-se o aumento do turismo em Balneário de Camboriú em comparação com os anos anteriores, sendo a maior porcentagem de brasileiros, com presença marcante dos argentinos e em melhor número de uruguaios, paraguaios e chilenos.

Fonte: https://www.ojanelao.com/

Figura n.º 4  Praia Central de Balneário Camboriú (janeiro de 2020) 

Conclusão

O presente artigo mostrou que houve um grande desenvolvimento da região da antiga Colônia de Nova Ericeira, fundada em 1818, cujos colonos receberam terras para instalar moradias e desenvolverem atividades para subsistência de suas famílias. A Colônia planejada possuía grande extensão de terra para instalação dos colonos em diferentes locais do litoral catarinense, muitas vezes distantes do centro da povoação que até a presente data é o município de Porto Belo. A permanência dos colonos portugueses nas terras que receberam da coroa portuguesa propiciou o desenvolvimento de cidades, como foram aqui apontadas Camboriú e Balneário Camboriú, a Dubai Brasileira, que pelo seu crescimento econômico e os altos edifícios atraem inúmeros visitantes de toda a parte do Brasil e do cone sul da América do Sul, além de ser um local de intensa programação de lazer e divertimentos, tornando-se no sonho de se viver próximo ao mar.

Fontes e Bibliografia

Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Livro de Doações de Sesmarias da Capitania de Santa Catarina, 1753 a 1823. [ Links ]

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Henkels, Luiz Carlos. (2008). Estações Ferroviárias do Brasil. Estrada de Ferro Santa Catarina. Retirado de http://www.estacoesferroviarias.com.br/efsc/blumenau-htm. [ Links ]

Monteiro, Arlete Assumpção. (2000). A Ericeira Brasileira. Trajectória de uma colónia portuguesa no litoral sul-brasileiro. Ericeira, Portugal: Editora Mar de Letras. [ Links ]

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Saint Hilaire, Auguste de. (1936). Viagem a Província de Santa Catarina (1820). São Paulo: Ed. Nacional. [ Links ]

Souza, Isabella Cristina de. (2016). Orla marítima de Balneário Camboriú: lugares urbanos e práticas sociais ao longo da segunda metade do século XX. Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade. Universidade Federal de Santa Catarina (Dissertação de Mestrado). [ Links ]

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Balneário Camboriú 2021. Disponível em: https://centrosulturismo.com.br/wp-content/uploads/2019/05/Balneario-Camboriu.jpgLinks ]

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Balneário Camboriú Litoral de Santa Catarina - Bing video. Disponível em: https://www.bing.com/videos/search?q=balneario+camboriu+sc&&view=detail&mid=40AD29999C01CFF53C7640AD29999C01CFF53C76&&FORM=VRDGAR&ru=%2Fvideos%2Fsearch%3Fq%3Dbalneario%2Bcamboriu%2Bsc%26FOLinks ]

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1Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Brasil (Monteiro, 1987).

2Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Brasil. Documento de José Joaquim Carneiro de Campos a João Vieira Tovar de Albuquerque, governador de Santa Catarina com instruções de assistência aos novos povoadores na Enseada das Garoupas, Santa Catarina, Brasil.

3Miguel de Souza Mello Alvim nasceu em 09 de março de 1784, na Quinta de Olaia, Portugal. Fixou-se no Brasil em 1807. Foi ajudante de ordens do Governador da Capitania de Santa Catarina, João Vieira Tovar Albuquerque. Tornou-se presidente da Provincia de Santa Catarina em 1830 pela Carta Imperial de 12 de dezembro de 1829. Foi o 12.º. Presidente da Província de São Paulo (1841-1842).

4Igreja oficializada em 1824, construída com conchas e óleo de baleia, localiza-se no centro da cidade de Porto Belo, Santa Catarina, onde foi fundada a Colonia de Nova Ericeira (Monteiro, 1987).

5Hermann Bruno Otto Blumenau, nasceu em Braunschweig, Alemanha, em 1819; realizou seus estudos na cidade em que nasceu; foi aprendiz de farmácia e tinha interesse pelas Ciências Naturais. Em 1846 embarcou para o Brasil realizando viagens para o sul brasileiro. Em 1849, retornou a Alemanha, com a ideia de fundar uma colônia nas terras de Santa Catarina. Em 1850 chegaram os primeiros colonos alemães para fundar a Colônia Blumenau, no interior de Santa Catarina, no vale do Rio Itajaí (ver: https://www.blumenau.sc.gov.br/blumenau/historia; https://angelinawittmann.blogspot.com/2019/02/hermann-bruno-otto-blumenau-primeiro.html

6Itapema, no litoral catarinense, era um vilarejo que foi elevado à categoria de distrito em 1924.

8A história de Itajaí desenvolve-se nas barrancas do Itajaí-açu, onde fixaram-se as primeiras famílias, instalando trapiches pesqueiros e atracadouros para embarcações de mercadorias. Em 1858, um grupo de moradores encabeçou um movimento para a criação do município de Itajaí que teve cerrada oposição da Câmara Municipal de Porto Belo, a quem a Freguesia de Itajaí estava subordinada. A Resolução n°464, de 4 de abril de 1859, da Assembleia Provincial de Santa Catarina, criou o município de Itajaí (retirado de https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/sc/itajai.html).

9Itapema é outro município que tem sua trajetória histórica ligada à colônia de Nova Ericeira. A condição de arraial não lhe dava nenhum prestígio político-administrativo, estando subordinado à sede da freguesia a qual pertencia: Porto Belo (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/itapema/historico).

10A Estrada de Ferro Santa Catarina foi aberta com capital alemão em 1909, ligando Blumenau a Hansa, com a intenção de encontrar com a linha Itararé-Uruguai, então em construção. Pouco tempo depois, o Governo incorporou a ferrovia e nunca alcançou o entroncamento planejado. Foi desativada em 1971.

Recebido: 26 de Outubro de 2021; Aceito: 20 de Dezembro de 2021

Correspondência: Arlete Assumpção Monteiro Email: arlete@pucsp.br/ arlete.as@gmail.com

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