No editorial da colega Filipa Malheiro sobre a valorização e importância da investigação em Medicina Interna,1 são de forma pertinente descritas as vantagens e dificuldades sentidas pelos internistas em ingressar neste tipo de projectos.
Apesar de vantajoso ter um clínico que lide com múltiplas patologias a encabeçar um projecto de investigação, como interno de formação especializada em Medicina Interna pergunto: estarão o curriculum do internato em Medicina Interna e as instituições de saúde em Portugal adaptadas à importância de desenvolver competências em investigação? A resposta parece ser, para já, não. Não existe em Portugal a tradição de se desenvolver projectos de investigação durante o internato médico por várias razões, que foram inclusivamente citadas no artigo que agora se comenta. A falta de tempo dedicado, conhecimento e experiência prévia são obstáculos incontornáveis para a maioria dos internos.
Enquanto as faculdades começaram, ainda que recentemente, a criar condições para que os futuros médicos possam desenvolver competências nesta área, as instituições - hospitalares ou não - carecem ainda de estruturas sólidas, construídas com robustez e corpo científico que permita o desenvolvimento de competências pelos colegas não experientes e permita ainda fomentar espírito de investigação entre os clínicos da instituição. Faltará ainda, nocurriculumda Medicina Interna e na maioria doscurriculade outras especialidades em Portugal, desenvolver uma via pela qual o profissional médico com vontade de crescer como investigador e iniciar um projecto possa, a par com o seu desenvolvimento clínico - e sem penalização na sua avaliação final ou carreira - ter tempo, tutoria e um plano estabelecido para que tal aconteça com sucesso. Não terá sido assim deletério neste sentido, que o doutoramento tenha sido retirado como critério que pontuava na grelha de avaliação final de internato em Medicina Interna?
Noutros países, identificada esta lacuna importante, foram criados com sucesso em alguns centros hospitalares/universitários, programas de formação bem estruturados na área de investigação clínica que correm lado a lado com ocurriculumclínico,2,3levando a que ao longo dos anos se criasse um espírito empreendedor na área de investigação, com resultados visíveis não só pelo número de publicações científicas, como pelo número de projectos bem-sucedidos e merecedores de prémios e financiamento.
O que falta em Portugal para que o mesmo caminho seja trilhado? Somos detentores de instituições com capacidade para levar a cabo projectos de investigação, muitas delas inseridas em centros académicos com departamentos de investigação, aos quais os médicos ainda não conseguem aceder por falta de abertura dos mesmos ao corpo clínico da instituição onde se inserem ou por falta doknow howdos mesmos. É preciso regular esta actividade para que os médicos, internos ou não, possam dedicar parte do seu horário de trabalho efectivo à investigação e, criar um caminho claro nos curricula para que haja condições para tal, desenvolvendo-se uma clara articulação entre os vários departamentos clínicos e de investigação.
Espera-se assim que surja, em breve, um caminho menos sinuoso para os internistas terem um papel mais proeminente na investigação em Portugal e poderem ser, verdadeiramente, médicos-cientista.