Sumário: 1. Introdução; 2. Normas gerais de Direito Financeiro e de Direito Tributário: uma análise jurídico-compreensiva; 2.1 A compreensão do conceito de “normas gerais” na doutrina e na Constituição de 1988; 3. Normas gerais no federalismo brasileiro: a potencialização da uniformização de interesses como garantia da autonomia financeira; 4. As normas gerais de direito financeiro e de direito tributário podem ser entendidas como condição para a existência do federalismo brasileiro?; 5. Conclusão; 6. Referências.
Summary: 1. Introduction; 2. General rules of Financial Law and Tax Law: a comprehensive legal analysis; 2.1 Understanding the concept of “general norms” in the doctrine and in the 1988 Constitution; 3. General norms in Brazilian federalism: the enhancement of the uniformity of interests as a guarantee of financial autonomy; 4. Can the general rules of financial law and tax law be understood as a condition for the existence of Brazilian federalism?; 5. Conclusion; 6. References.
1 INTRODUÇÃO
Pode-se dizer que a função do direito é estabelecer uma contínua disposição do sistema jurídico para estabilizar expectativas normativas3. Na abordagem funcional, a comunicação é vista como a operação identificadora dos sistemas sociais, dentre os quais se enquadra o Direito. Mas nessa mesma abordagem funcional, alguns sistemas sociais, especialmente a economia e a política, têm suas fórmulas comunicacionais circunscritas no nível da expectativa cognitiva, não normativa. Isso significa que as ações são projetadas no futuro já trazendo em si a possibilidade de decepção, de desapontamento, sem que haja mecanismos intrínsecos ao sistema para reestabilizar a formação de sentido de sua comunicação. No âmbito da expectativa meramente cognitiva, não havendo a concretização da ação comunicacional projetada, a decepção geralmente leva à adaptação dos agentes sociais a essas realidades tomadas pela contingência. Em outras palavras, a não concretização da expectativa cognitiva pode levar à mudança do conteúdo da própria expectativa e, por conseguinte, o arranjo estrutural daquele sistema4, ou subsistema.
Por outro lado, o sistema do direito tem sua estrutura comunicacional limitada às expectativas normativas. Ao contrário das expectativas cognitivas, as expectativas normativas mantêm-se incólume em caso de desapontamento, pois o sistema do direito não tende a se adaptar à decepção. Pelo contrário, a quebra da expectativa normativa por parte dos atores leva ao acionamento da lógica deôntico-condicional “se... então...”, de forma que a discrepância entre a expectativa confiada e a ação realizada em desconformidade é atribuída ao ator ou aos atores que agiram em desacordo com o código jurídico. O direito é sistema que estabiliza expectativas de forma contrafactual5, ou seja, apesar dos fatos, a normatividade persiste em sua potencialidade de eficácia.
No contexto do federalismo brasileiro, a expectativa normativa é analisada sob o aspecto dos princípios constitucionais implícitos da cooperação e da subsidiariedade6, que traçam diretivas de conduta para a relação dos entes federados entre si. Por mais que a todo momento possa se observar o desapontamento na concretização desses princípios, eles não são condicionados e modificados pela frustração de seu cumprimento. Resistem e mantêm sua força normativa imanente. São parâmetros para a discussão doutrinária, acadêmica, jurisprudencial, política e social. São contrafáticos7.
O presente trabalho tem o seguinte problema como ponto de investigação: considerando-se os princípios da cooperação e da subsidiariedade como diretivos vinculantes de conduta8 dos entes federativos em suas relações recíprocas, que permitem o afloramento da autonomia das coletividades territoriais9, poder-se-ia considerar que as normas gerais de Direito Tributário e de Direito Financeiro seriam a condição essencial para a existência normativo-institucional do federalismo brasileiro sob a óptica da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988?
Para responder ao problema proposto, primeiramente será analisado de forma breve o histórico das normas gerais de direito tributário e de direito financeiro em nossa história institucional. Logo após, verificaremos a correlação entre as normas gerais e a autonomia financeira. Por fim, será avaliado se e como as normas gerais podem ser compreendidas como condição essencial para a própria existência do federalismo brasileiro. Adotar-se-á o tipo metodológico inserido na abordagem jurídico-compreensiva ou jurídico-interpretativa10.
O resultado da pesquisa indica que as normas gerais de direito tributário e de direito financeiro se constituem como estrutura apta a aprofundar não somente as normas constitucionais que determinam a cooperação e a subsidiariedade no nível federativo, como também como instrumentos para o aprofundamento da democracia no país e a chave para o destrancamento do enrijecimento constitucional em matérias políticas que devem ser resolvidas e gestadas no âmbito infraconstitucional. As indicadas normas gerais são elementos aptos a cristalizarem uma ideia fundamental: o regime democrático subsiste somente em razão de consensos, e estes são intrinsecamente provisórios.
2 NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO E DE DIREITO TRIBUTÁRIO: UMA ANÁLISE JURÍDICO-COMPREENSIVA
A Constituição brasileira é o fato político, normativo e social que encerra em si a limitação do poder estatal sob a óptica federalista. Essa concepção deve ser lida a partir do conceito de competência, que nada mais é do que a limitação normativa do exercício do poder pelos agentes que atuam como órgãos do Estado. A concretização da competência pode se dar de forma vinculada ou discricionária. Quando se vai além da competência11, tem-se o arbítrio, o exercício do poder imoderado, ilegítimo e inválido. Esse raciocínio é a base para a compreensão do papel das normas gerais no nosso sistema jurídico12 e, para além disso, para a delimitação conceitual do que seja a autonomia federativa.
A doutrina constitucional aponta, dentre inúmeras classificações, que as constituições podem ser sintéticas ou analíticas, sendo as primeiras aquelas estruturadas a partir de número reduzido de dispositivos estruturantes do Estado e do Poder, bem como de Direitos e Garantias Fundamentais13, e as segundas caracterizadas pela presença de inúmeros dispositivos, angariando a regulamentação de matérias que, em tese, poderiam ser perfeitamente normatizadas em nível infraconstitucional e contendo o núcleo essencial típico das constituições sintéticas14. Essa noção é importante para demonstrar que, por mais que as constituições possam variar quanto à extensão de seu conteúdo normativo, nunca serão capazes de regulamentar todas as esferas da realidade social. Justamente por isso necessitam de normas que densifiquem seu sentido, possibilitando que as expectativas normativas tenham graus de eficácia e de efetividade mais bem definidos.
Nossa história constitucional demonstra que a preocupação em traçar a função e os limites de normas gerais advém, pelo menos, da época de formação da nossa República. A Constituição de 1891, por exemplo, previa em seu art. 34, item 34, a competência privativa do Congresso Nacional para “decretar leis orgânicas para a execução completa da Constituição”. Nesses termos, demonstra Luís Eduardo Schoueri que a função complementar das legislações orgânicas teve como um de seus principais teóricos Rui Barbosa15, que ensinou:
As constituições não têm o caracter analytico das codificações legislativas. São, como se sabe, largas syntheses, summas de princípios geraes, onde, por via de regra, só se encontra o substractum de cada instituição nas suas normas dominantes, a estrutura de cada uma, reduzida, as mais das vezes, a uma característica, a uma indicação, a um traço. Ao legislador cumpre, ordinariamente, revestir-lhes a ossatura delineada, impor-lhes o organismo adequado, e lhes dar capacidade real de acção. (...) E, se leis orgânicas vêm a ser as que têm por objetcto regular o modo e a acção das instituições ou estabelecimentos, cujo princípio foi consagrado por uma lei precedente.
No entanto, a Primeira República foi marcada pela alta descentralização dos parâmetros para a legiferação no âmbito federativo. As discussões acerca da necessidade de aprofundamento do estudo e da estruturação funcional das normas gerais somente começou a ganhar maior expansão a partir da Constituição de 1934. Em seu art. 39, 1, havia a previsão, como na Constituição anterior, da possibilidade de o Poder Legislativo “decretar leis orgânicas para a completa execução da Constituição”, com a respectiva sanção do Presidente da República. Em vista do contexto histórico mundial e local, e com o intuito de aprofundar a quebra do poder político das oligarquias locais em relação à produção de normas jurídicas, Getúlio Vargas outorga a Constituição de 1937, que, apesar de manter o federalismo como forma de Estado, delegou as principais competências legislativas do Estado brasileiro para o Presidente da República, que podia legislar fartamente por meio de Decretos-leis16. Nesse aspecto, começou-se a modificar pouco a pouco a elevada descentralização político-legislativa da República Velha - que se justificava em razão da grande influência e acúmulo de poder das oligarquias locais - de maneira que o federalismo, na lógica dinâmica de sua significação no tempo, teve nova guinada para sua conformação centrípeta.
É com a Constituição de 1946, após o regime do Estado Novo varguista, que se tenta restabelecer o equilíbrio federativo e, ao mesmo tempo, garantir a uniformização do direito brasileiro, especialmente no âmbito do Direito Financeiro17. Apesar de a tendência centralizadora da União se manter, especialmente no âmbito da produção legislativa, uma nova oportunidade de democratização da federação18 surgiu com os debates em torno da produção de um diploma normativo que funcionasse como moldura uniformizadora de conceitos essenciais para que a tributação e o tratamento financeiro das obrigações jurídicas estatais tivessem maior sistematicidade. Nesse aspecto, narra Rubens Gomes de Sousa que, ao final da constituinte, chegou-se à conclusão de estabelecer a competência da União para a produção de “normas gerais de direito financeiro”, conforme art. 5º, XV, b, da Constituição de 1946. A partir dessa largada, que teve como um de seus principais interlocutores Aliomar Baleeiro, o Ministro Oswaldo Aranha convida o então Professor Rubens Gomes de Sousa para produzir e conduzir um grupo de trabalho que tivesse como escopo a produção da referida norma geral de direito financeiro. O resultado, como aponta Aliomar Baleeiro, se concretizou em 195419, com a apresentação da minuta de anteprojeto do que viria a ser o atual Código Tributário Nacional. Contudo, em razão das conturbações políticas da época, não se conseguiu concretizar naquele momento a sistematização financeiro-tributária20.
É a partir da Emenda Constitucional 18 de 1965 que o Direito Tributário passa a ganhar maior autonomia em face do Direito Financeiro, tendo em vista que a referida modificação constitucional foi responsável pela constitucionalização de normas relativas à estruturação do sistema tributário brasileiro, especialmente no que diz respeito ao delineamento do núcleo de incidência dos tributos e da distribuição de competências federativas. Manteve-se, contudo, a competência da União para legislar sobre “normas gerais de direito financeiro”, que abarcariam também a regulação geral em matéria tributária, conforme a citada previsão do art. 5º, XV, b, da Constituição de 1946. Foi no âmbito dessas discussões que houve a sanção da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, vigente até hoje em nosso sistema jurídico.
O desenvolvimento do Código Tributário Nacional nesse contexto trouxe grande impacto para a discussão sobre duas questões tormentosas em nosso sistema jurídico-político: a equalização entre o poder legiferante da União e a autonomia dos entes federados e a conceituação de qual seria a função e os limites materiais de uma norma geral tributária.
O desaguar dessa discussão se deu com a outorga da Constituição de 1967, que foi responsável pela segmentação em nível constitucional da autonomia do direito tributário em face do direito financeiro. Isso porquanto o art. 8º, XVII, “c”, previu a produção de “normas gerais de direito financeiro”, enquanto que o art. 18, §1º, estabeleceu a competência para a produção de “normas gerais de direito tributário”, ambas de competência da União. Nesse contexto, Geraldo Ataliba indicou que a nova demarcação teria gerado um “esvaziamento das normas gerais de Direito Financeiro21“.
Por fim, nesse breve percurso histórico, observa-se a Constituição de 1988, grande marco não somente na consolidação do sistema tributário e financeiro do país, como também na ampliação, na precisão e no aprofundamento da óptica de distribuição de competências em nossa federação. Seu art. 146 traça ampla gama de atribuições da Lei Complementar funcionando como norma geral de direito tributário no nosso sistema atual, enquanto que o art. 163 traça a moldura geral de matérias próprias à lei complementar em normas gerais de direito financeiro22.
2.1 A Compreensão do Conceito de “Normas Gerais” na Doutrina e na Constituição de 1988
A compreensão do conceito de “normas gerais” perpassa por discussões doutrinárias ao largo das últimas décadas que, até o momento, ainda divide opiniões. Como salienta Sacha Calmon, verificar a extensão do sentido do que poderia estar contido nesse tipo de diploma normativo é tarefa dificílima, visto sob o prisma das normas gerais de direito tributário, “com a doutrina falhando por inteiro no encalço de conceituar o instituto de modo insofismável23“. Esse problema se acentua não somente pelo alcance semântico do conceito em si, mas porque ele está intimamente contraposto à nossa forma de Estado: o federalismo. É exatamente em vista da enorme complexidade que o federalismo traz para a compreensão da distribuição do poder político em relação aos entes federados que o conceito de normas gerais24 passa para além da compreensão meramente jurídica, tornando-se palco para uma disputa política sobre sua própria compreensão.
Ao longo do século XX a doutrina brasileira se dividiu em duas grandes correntes para teorizar sobre o papel das “normas gerais de direito financeiro”, surgida pela primeira vez no bojo da Constituição de 1946 e cuja eficácia material foi posteriormente dividida entre “normas gerais de direito financeiro” e “normas gerais de direito tributário” no âmbito da Constituição de 1967.
A primeira é a corrente dicotômica, que defendia que as normas gerais nessas matérias, no Estado federal, somente poderiam ter duas funções: a) regular os limites constitucionais ao poder de tributar e b) dispor sobre conflitos de competência entre os entes federativos25. A segunda é a corrente tricotômica, que teve como um de seus principais precursores Rubens Gomes de Sousa, defendendo que para além de regular os limites do poder de tributar e os potenciais conflitos de competência, a norma geral também deveria ser veículo para garantir a “especificação funcional dos institutos jurídicos”, de forma que a federação deve conter uma norma uniformizadora sobre a compreensão não só do conceito, mas da regra de atuação dos próprios institutos em todos os entes federativos26.
Dentre os textos clássicos que discutem a matéria destaca-se o escrito de Carvalho Pinto denominado “normas gerais de direito financeiro”, produzido poucos anos após a promulgação da Constituição de 1946. O autor foi ferrenho defensor da autonomia federativa e, no seu esforço de conceituar as normas gerais, ensinava que “norma geral não pode ser regulamentação de detalhe ou pormenor: norma geral é norma básica, estrutural, fundamental por excelência”27. Além disso, também defendia que as normas gerais devem ser abstratas quanto à sua eficácia pessoal: devem atingir todos os agentes28, não podendo ser direcionada a um ou algumas pessoas de direito público. Por fim, ao contrário dos posicionamentos de Rubens Gomes de Sousa e Aliomar Baleeiro, o autor defendia que as normas gerais não poderiam visar “particularizadamente, determinadas situações ou institutos jurídicos, com exclusão de outros, da mesma condição ou espécie”29.
No âmbito da Constituição de 1988 parece não haver mais dúvidas sobre a prevalência, no âmbito do direito tributário, da teoria tricotômica30. No caso do direito financeiro, é difícil até mesmo localizar alguma utilidade da abordagem dessas correntes nas discussões sobre o alcance do conceito de “normas gerais”, seja porque a própria constituição estabelece inúmeras competências da União por meio de lei complementar ou lei ordinária sobre a matéria do direito financeiro, aplicáveis a todos os entes federados, seja porque a complexidade de atuação funcional deste ramo jurídico, que engloba uma miríade de matérias com naturezas jurídicas muito díspares31.
Em vista dessas complexidades, atem-se à verificação do papel desempenhado pelas normas gerais em nosso sistema jurídico a partir do fundamento federalista: a função essencial de uma norma geral é garantir que os preceitos constitucionais tenham sua significação densificada de forma suficiente a possibilitar que os conceitos jurídicos sejam aplicados de maneira isonômica, garantindo-se a perene preponderância do planejamento legislativo como modo de concretização do princípio da cooperação como finalidade, e do princípio da subsidiariedade como meio.
3 NORMAS GERAIS NO FEDERALISMO BRASILEIRO: A POTENCIALIZAÇÃO DA UNIFORMIZAÇÃO DE INTERESSES COMO GARANTIA DA AUTONOMIA FINANCEIRA
Se a estrutura comunicacional do Direito é estabelecida por meio de expectativas normativas, então deve-se levar em consideração que as normas constitucionais que estruturam o federalismo brasileiro não possuem preceitos absolutos, nem sequer têm seus comandos sempre observados a todo momento. Esse raciocínio preliminar é importante para compreender a discussão e a disputa sobre qual seria o alcance do conceito-chave para qualquer análise do princípio federalista: a autonomia32.
Apesar de sua etimologia, a autonomia não se dá em estado puro, sem condicionamentos. A faculdade, ou competência, para estabelecer normas para si próprios no federalismo é dada a partir de critérios de distribuição do poder definidos pela própria Constituição, que atua no sistema jurídico como o resultado do poder originário, o Poder Constituinte. Mas para que um ente federado seja considerado autônomo, na essência da doutrina constitucional e federalista, deve o mesmo ser dotado de autogoverno político-administrativo, autogoverno legislativo e autogoverno financeiro. Ao fim e ao cabo, todas as autonomias e a própria essência do Estado dependem da existência da autonomia financeira: sem acesso ao dinheiro e sem os instrumentos para que esse dinheiro seja gasto, não existe a possibilidade de direitos tuteláveis33 e não existe a possibilidade de governo. Daí nasce a necessidade de se estudar, no caso da Constituição de 1988, a segmentação das matérias constitucionais em níveis epistemológicos compreendidos a partir de princípios singulares, como é o caso da Constituição Financeira. Nessa oportunidade, como já ensinava Juan Vogel34:
A Constituição financeira, quer dizer, a regulação constitucional do poder financeiro, dos orçamentos, do regime fiscal e da designação de receitas e despesas constitui-se como um dos núcleos de toda a ordem federal, a par de ser um indicador inequívoco da distribuição real do poder e da influência entre o Estado global e dos Estados membros35.
A lógica de regulação do poder financeiro advém não somente a partir da distribuição de competências tributárias dos entes federados, como também dos mecanismos de rateio cooperativo das receitas obtidas pelos entes entre eles próprios e a existência de mecanismos institucionais que possam servir como formas de fazer convergir os caminhos que podem ser percorridos para a concretização do princípio federativo. Um dos modos de se constatar a concretização das possíveis finalidades identificáveis no princípio federativo é o próprio estudo do subprincípio da cooperação, que ultrapassa a mera existência de mecanismos formais do direito positivo para que haja o cumprimento de suas diretrizes normativas: não existe verdadeira cooperação federativa se ela não estiver afeta aos subprincípios implícitos da “uniformidade das condições de vida” e da “comunidade caracterizada por um destino comum”36.
A uniformidade das condições de vida implica a concepção de que o Estado é meio para garantir a existência dos sistemas sociais que se formam sob seu domínio, de modo que os cidadãos de entes federados com menor desempenho econômico possam exercer a pretensão de que o poder público forneça as mesmas utilidades e serviços que são disponíveis para os cidadãos que vivem em estados mais ricos, pois a finalidade do Estado é oferecer a garantia de acesso aos direitos a todos, não importando o local da federação onde o cidadão tenha nascido.
A comunidade caracterizada por um destino comum, por sua vez, exalta que o Estado federalista não é conjunto, em que cada uma das partes autônomas possui independência em relação às outras. Pelo contrário, o Estado federalista é verdadeiro sistema, de forma que cada um dos seus órgãos é vital em relação a todos os outros, ou seja, a cooperação é norma que determina a otimização do cumprimento das tarefas do Estado a partir da lógica de responsabilidade recíproca.
Essa introdução preliminar sobre a autonomia financeira como ponto estruturante do federalismo cooperativo é precisamente tratada por Heleno Torres quando da abordagem da função das normas gerais no contexto da Constituição Financeira, pois “o federalismo reclama instrumentos normativos que permitam harmonizar ou uniformizar relações ou condutas dos entes federativos entre si”37. Tendo em vista que as normas constitucionais não são exaustivas quanto ao âmbito de eficácia de seus comandos, cumpre às normas gerais fixar os parâmetros básicos para a ação dos próprios entes estatais. A disputa, como dito, se dá em torno da possibilidade de desvirtuamento da competência na produção de normas gerais, momento o qual os entes federados que não participam diretamente da deliberação podem ter suas autonomias mitigadas para além do que a competência constitucional permitiria à União legislar. Mas há alguma forma de traçar esse limite?
O primeiro passo para essa investigação é verificar como o federalismo se constitui a partir de sua face normativa. Hans Kelsen é certamente o autor que teve maior precisão na descrição do fenômeno federativo do ponto de vista nomoestático. Com efeito, o jusfilósofo teoriza que o Estado federal é marcado pela descentralização de competências no que tange à produção normativa: há normas que são produzidas pelo órgão legiferante central, válida em todo o território da federação. Por outro lado, os entes federados também possuem competência para produzir normas, nos limites da permissão constitucional, que têm validade local, “apenas para porções desse território”38. Diante disso, identifica-se três núcleos de produção normativa: a) a do “Estado federal” enquanto ordem total, que submete todos os entes federados ao mesmo arcabouço de regras e institutos jurídicos; b) a do “Estado federal” enquanto ente autônomo federativo, ou comunidade parcial central, no caso brasileiro a União enquanto ente federado, que produziria normas cujo âmbito de validade e eficácia engloba todo o território, mas adstrito às competências constitucionais que lhes são próprias, de forma que as comunidades jurídicas locais não tenham suas competências invadidas; c) o Estado membro, componente da federação, ou comunidade parcial local, que possui âmbito de produção normativa circunscrito à um ponto do território do Estado Federal.
O segundo passo da investigação é identificar que o federalismo, na lógica do princípio da cooperação, somente pode ser compreendido sob o viés democrático39. É dizer que não se pode falar na utilidade de segmento normativo denominado “Constituição Financeira” no âmbito federalista sem que as coletividades territoriais exerçam, de fato, a influência na conformação das decisões que irão delimitar a possibilidade de atuação dos próprios governos locais em prol de suas respectivas comunidades, especialmente no que diz respeito à determinação do alcance de suas autonomias financeiras.
Nesse mesmo contexto, há que se verificar que o princípio democrático é mais, ou menos, potencializado no federalismo em face de duas questões fundamentais: a) o desenho da separação de competências no âmbito da Constituição, de forma que quanto mais rígida a separação da atuação entre Estados e a União, maior a tendência de competição entre os próprios entes federativos40; b) o contorno institucional da representação dos Estados-membros no Parlamento central do país. Neste último ponto, é comum que os Estados federalistas tenham uma estrutura como o Senado como órgão de representação federativa. Todavia, como bem esclarecem Misabel Derzi e Thomas Bustamante, a escolha institucional pelo modelo senatorial, especialmente nos moldes como feito no Brasil, não leva à representação de fato dos interesses dos entes federais no âmbito da produção de normas gerais em matéria de direito tributário e de direito financeiro, o que esbarra diretamente na conformação da autonomia financeira. Pelo contrário, o Senado brasileiro tem funcionado muito mais como uma “duplicação do Parlamento central”, especialmente pelo fato de que sua representação é partidária, advinda de processo de votação majoritária e, em razão disso, ocorre frequentemente que os senadores eleitos são opositores dos governadores dos seus respectivos Estados, de forma que a defesa federativa pode ser colocada de lado em favor de interesses político-partidários41.
O terceiro ponto da investigação é a própria autonomia financeira como o critério essencial para a definição do federalismo cooperativo. A distribuição vertical e horizontal de fontes para a formatação das receitas públicas dos entes estatais é essencial para entender como é possível se falar em Estado federado. As normas gerais terão a utilidade mínima de uniformizar institutos jurídicos aplicáveis em todo o território federativo, de maneira que a mitigação de distorções e regimes jurídicos altamente diferenciados leva à necessária confluência das ações das coletividades territoriais rumo a caminhos de consenso mínimo.
A questão da garantia da autonomia financeira tem a ver com o outro lado da moeda: o princípio da subsidiariedade42. Este princípio atua diretamente na formatação das despesas dos entes estatais. Por mais que não seja um princípio exclusivo dos Estados federais, porquanto a própria Constituição Portuguesa de 1976 o adota como base da atuação estatal em seu art. 6º, o princípio da subsidiariedade está sempre presente na conformação dos Estados federais. Isso porque, como ensina Canotilho, a subsidiariedade determina que “as comunidades ou esquemas organizatórios-políticos superiores só deverão assumir as funções que as comunidades mais pequenas não podem cumprir da mesma forma ou de forma mais eficiente”43. É necessário absorver a significação do princípio da subsidiariedade no cerne do “compromisso constitucional de cooperação subjacente aos sistemas federativos”, o que significa que não se concebe ação cooperativa pela mera predisposição à realização de acordos ou “concessões mútuas”, mas pela “determinação de não se desviar de um certo curso de ação”44.
Mas até mesmo essa conceituação dada por Canotilho passa por transformações profundas no atual contexto institucional do Estados, especialmente os federalistas. Como anteriormente colocado, a distribuição rígida de competências, seja do ponto de vista de atuação, seja do ponto de vista de arrecadação, não mais dá conta da dinamicidade e da variedade de temas a que os entes federativos são submetidos, principalmente quando nos referimos às realidades locais. O ideal é que as normas gerais de direito financeiro e de direito tributário sejam produzidas tendo como pano de fundo o princípio da subsidiariedade tomado em seu aspecto dinâmico: orienta-se a atuação do Poder central, enquanto ordem federativa nacional, no sentido de estabelecer balizas que ao mesmo tempo que proporcionem a uniformização de expectativas normativas, também deem espaço para a correta e rápida reorientação da distribuição de competências, especialmente aquelas que influem na composição de despesas dos entes menores. Ensina Alessandra Silveira:
Importa, portanto, referir que a lógica da subsidiariedade não resta adstrita à esfera das competências concorrentes - como não raro se pretende fazer crer - posto que a subsidiariedade é anterior e informa a alocação de todas as competências, concorrentes ou não. E quando o poder central actua, ainda que no âmbito de suas competências exclusivas, sempre tem de justificar a intervenção ou demonstrar que o interesse geral exige a adopção de medidas harmonizadas ou tendentes a realizar a uniformidade - algo que só o poder central está naturalmente em condições de conseguir. O princípio da subsidiariedade funciona como um requerimento de justificação imposto sobre o poder central e tendente a legitimar as suas intervenções - na medida em que obriga a fazer prova de que prossegue efectivamente os objectivos do fundamento jurídico invocado para actuar45.
Encerrando o presente raciocínio, pode-se vislumbrar que a uniformização dos interesses de maneira potencial é a função precípua das normas gerais de direito financeiro e de direito tributário na federação brasileira. Mas a uniformização nunca deve ser vista de forma estática, podendo sempre ser revisada a partir das necessidades federativas, dos potenciais conflitos surgidos e da inevitabilidade de correção de rumos. O conflito é inerente às sociedades, ainda mais quando se trata de discutir o próprio alcance das normas constitucionais, porquanto a Constituição seja, do ponto de vista de expectativa normativa, a concretização de verdadeiro acoplamento estrutural entre a política e o direito46. É próprio dos sistemas sociais a contingência, e um sistema jurídico-político com equipamentos institucionais aptos a absorver o excesso de contingência e estar aberto a revisões conforme a modificação de interesses, sem se desfocar da cooperação como finalidade que possibilita a concretização de direitos e garantias fundamentais aos cidadãos independentemente da sorte de nascerem em tal ou qual lugar, tem maior chance de transformar a própria visão que a sociedade tem do direito: de simples mecanismo de dominação de castas, para instrumento de concretização de consensos provisórios, sempre em transformação47.
É a partir dessa lógica que as normas gerais de direito tributário e de direito financeiro possibilitam criar as bases normativas para que a Constituição Financeira tenha eficácia material real. O estabelecimento de parâmetros de ação, por mais que muitas das vezes eles sejam desvirtuados na prática cotidiana do federalismo brasileiro, é o que perfaz a própria expectativa normativa de que os entes atuarão no sentido de tornar a cooperação um fato social a serviço dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.
4 AS NORMAS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO E DE DIREITO TRIBUTÁRIO PODEM SER ENTENDIDAS COMO CONDIÇÃO PARA A EXISTÊNCIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO?
Sob a óptica federalista não se fala em hierarquia48 dos entes federados49. Nesse ponto, qualquer norma que é criada para que a eficácia se dê integralmente sobre o território, em todos os níveis da federação, não poderá se afastar de três lógicas específicas: a preservação dos mecanismos de cooperação, o princípio da subsidiariedade com eficácia integrativa e a tutela dos princípios da segurança jurídica e da isonomia no que se refere às relações existentes entre os entes federados e os cidadãos. Esses três pontos levam à delimitação da hipótese estabelecida no início deste trabalho: as normas gerais de direito financeiro e de direito tributário são condição para a existência do federalismo brasileiro.
Volta-se ao raciocínio preliminar: a autonomia dos entes federativos parciais nunca é absoluta. É nesse exato sentido que Heleno Taveira Torres, com base em Daniel Elazar, coloca que a noção de autonomia na unidade federada requer também a presença da heteronomia50. O exercício do poder sem limites prévios leva à anarquia, ou seja, à ausência de princípio. É exatamente esse o espírito das normas gerais, estabelecer os princípios e os contornos jurídicos de institutos basilares para serem aplicados em todo o território da federação, sem que isso resulte em ação imperialista do poder central. Nesse sentido, ensina Tércio Sampaio Ferraz Júnior:
9. Ora, o federalismo cooperativo vê na necessidade de uniformização de certos interesses um ponto básico da colaboração. Assim, toda matéria que extravase o interesse circunscrito de uma unidade (estadual, em face da União; municipal, em face do Estado) ou porque é comum (todos têm o mesmo interesse) ou porque envolve tipologias, conceituações que, se particularizadas num âmbito autônomo, engendrariam conflitos ou dificuldades no intercâmbio nacional, constitui matéria de norma geral51.
É dentro da circunstância de as normas constitucionais não serem exaustivas quanto ao seu âmbito de eficácia que as normas gerais ganham importância ímpar para o federalismo. Permitem que haja negociações e deliberações contínuas em relação à própria noção de federalismo, de autonomia e de deliberação, porquanto não estão submetidas a ritos formais tão difíceis como a das emendas constitucionais. Estabelecem a moldura de institutos jurídicos imprescindíveis para a garantia de direitos fundamentais dos indivíduos e das coletividades, como aqueles correlatos à tributação e à fruição de direitos sociais, todos dependentes da legalidade tributária e orçamentária, no mínimo. Nesse contexto, verifica-se que o princípio do federalismo possui estrutura tipológica52, ou seja, não se constitui como conceito a partir do qual se deve necessariamente constatar elementos irrenunciáveis à sua identificação. Nem todo Estado federado é isonômico do ponto de vista estrutural - pode haver federalismo assimétrico, como o canadense -, e nem todo Estado federal é altamente descentralizado no âmbito das autonomias político-administrativa, legislativa e financeira - como é o caso alemão, em que as competências legislativas são basicamente contidas no poder central, enquanto que os entes federados possuem maior controle sobre as finanças, com o objetivo de balancear o poder financeiro no federalismo a partir da lógica de subsidiariedade e da garantia da equivalência das condições de vida para além do território de um Estado (art. 72, 2, da Constituição Federal Alemã).
Significa isso que a própria subsidiariedade pode ser interpretada tipicamente. Do ponto de vista teórico, não existe uma só ideia de tipo, havendo várias significações possíveis53. Contudo, adota-se a ideia de tipo médio ou tipo de frequência, na terminologia de Larenz, cuja significação revela que algo é típico em razão de apresentar circunstâncias fáticas que levam a localizar um dado fenômeno como circunstancial, habitual, compondo a estrutura mediana de experiências que constroem a ideia do tipo em questão54.
Em uma série assim ordenada, por comparação, escolhem-se certos fenômenos, especialmente pronunciados, que sejam formas representativas ou médias para servir de medida a outros fenômenos. São os tipos, os quais não dão, por si, o conhecimento da realidade, mas são instrumento para o reconhecimento dos fenômenos isolados e sua ordenação. Ao contrário dos conceitos de classe, os tipos se interpenetram em ordenação gradativa, sem limites rigorosos; “os conceitos de classe dividem, os de tipo unem55“.
A norma jurídica positivada é um fato social, abstraindo-se aqui a consideração da dicotomia existente entre ser e dever ser. Pode-se avaliar comparativamente a estrutura material das normas jurídicas entre si, avaliando o campo de significação dos dispositivos normativos em contraposição à própria Constituição ou, no caso em análise, das normas gerais de direito financeiro e de direito tributário. Se o produto legislativo está dentro da eficácia possível de dada atividade legislativa lida sob os princípios da cooperação e da subsidiariedade, há respeito ao princípio do federalismo. Se existe uma zona cinzenta entre aquilo que a norma estabelece e suas potenciais repercussões sobre o equilíbrio federativo, há a instalação do conflito, que por meio da deliberação e das pressões político-institucionais pode ter dois resultados: a) o expurgo de normas anteriormente produzidas, por se chegar à conclusão de que não se adequam à zona de tipicidade do princípio federalista lido sob a óptica da cooperação e da subsidiariedade; b) a absorção de um novo fato jurídico-normativo como sendo parte possível - não essencial, renunciável no tempo - da compreensão típica do princípio federativo, logo, da subsidiariedade e da cooperação.
As normas gerais de direito financeiro e de direito tributário possuem uma função essencial para o Estado federal brasileiro: são elementos integrativo-disjuntivos, que têm a pretensão de garantir a produção de eficácia de normas constitucionais e, ao mesmo tempo, de permitir que o federalismo seja lido sob uma óptica dinâmica, não estática. Elas encarnam o paradoxo estabelecido entre a autonomia e a heteronomia na federação.
As normas gerais são elementos integrativos pois possibilitam que o Estado federado brasileiro possa ser identificado a partir de normas, regras, princípios, standards comuns a todos ou à maioria dos entes que o compõem. Nesse sentido, funcionam como estruturas normativas aglutinadoras de expectativas normativas, que podem ser ou não cumpridas, mas que mantêm as mesmas expectativas em caso de decepção, de quebra da confiança56. Dessa forma, as normas gerais possibilitam que a Constituição Financeira tenha condições de concretizar seu papel fundamental, qual seja dar forma à existência do Estado e seus respectivos entes, a partir da delimitação do alcance possível da autonomia financeira e do poder financeiro.
O outro lado do paradoxo aponta as normas gerais como elemento disjuntivo, pois toda produção normativa envolve a cristalização provisória de interesses, o que inevitavelmente cria conflitos. As normas gerais são tão mais disjuntivas caso se afastem da tipicidade inerente ao federalismo. São tão menos disjuntivas quando, apesar de sofrerem oposição de interesses, ainda conseguem manter a unidade jurídica da Constituição Financeira.
O grau de integração ou de disjunção dessas normas gerais não são pré-definidos. Geralmente surgem no tempo, em razão da aplicação de seus elementos normativos a casos concretos. Pode ser também que essas normas gerais sejam utilizadas para implementar mecanismos de isonomia material (compromisso constitucional com a mitigação das desigualdades regionais) ao invés de proteger indiscutivelmente a isonomia formal.
Mas ao final, sobressai sempre essa função precípua: as normas gerais apontam para o paradoxo da democracia, permite que discordâncias, interesses e problemas federativos sejam solucionados, experimentados, incorporados ou afastados da nossa prática institucional a partir do processo legislativo, sem que para isso sejam necessárias disputas para a modificação da própria Constituição. Em um país com milhares de entes federados, certamente que a distribuição de competências de forma rígida, no bojo da Constituição, leva a situações de grandes distorções para os interesses federativos locais. O papel das normas gerais como mecanismos de potencialização da própria democracia federativa parece ainda não ter sido compreendido em sua riqueza. Cabe à doutrina apontar caminhos possíveis, sempre levando em consideração que nenhuma ordem social é estável e coerente, pelo contrário, todas são conflituosas e contraditórias.
As normas gerais de direito tributário e financeiro devem ser compreendidas como elementos dinâmicos contidos na estrutura do sistema normativo brasileiro, que se bem compreendidas podem ser utilizadas para a criação de consensos provisórios necessários para a consolidação da prática e do regime democráticos. O aprofundamento dessa percepção é necessário especialmente se se leva em consideração que nosso modelo de Constituição analítica possui a tendência a enrijecer o delineamento performativo da normatividade da face financeira estatal e do federalismo, o que, no atual tempo do Direito, impactado pela categoria medial da rede de computadores, pode fazer com que a nossa estrutura de Estado e de sociedade se transforme em alegoria anacrônica, descolada das demandas que possuem altíssima velocidade de modificação e demandam respostas tão imediatas quanto.
5 CONCLUSÃO
Este breve ensaio teve como objetivo apontar a função das normas gerais de direito tributário e de direito financeiro no âmbito do federalismo brasileiro. Partiu-se da compreensão histórica e doutrinária das normas gerais em vários contextos constitucionais os quais a República Federativa do Brasil percorreu. Demonstrou-se que a evolução da compreensão da função normativa das “normas gerais” não somente levou a ideias cada vez mais complexas e ricas do ponto de vista funcional, como também foi positivada na atual Constituição de 1988, em diversos dispositivos aqui indicados.
Demonstrou-se que a autonomia dos entes federados não é absoluta, de forma que a heteronomia característica das normas gerais é condição necessária para que a própria autonomia subsista. A função heterônoma das normas gerais deve ser vista em conjugação com os princípios democrático e federalista, de maneira que os próprios entes federados sejam equipados com mecanismos eficientes para a solução de controvérsias federativas, que consigam distender os dissensos sem que haja o enrijecimento das soluções para a resposta a problemas futuros.
Ao final, concluiu-se que a função das normas gerais é compor o sistema normativo brasileiro como elementos integrativo-disjuntivos do princípio federativo, a corroborar a eficácia contrafática da Constituição financeira na óptica de estabelecimento de expectativas normativas, o que permite a potencialização e radicalização da democracia no nível federativo. As normas gerais de direito financeiro e tributário, para além de sedimentarem a prática de resolução perene dos conflitos interfederativos, mesmo que a partir da formação de consensos provisórios, se constituem como forte mecanismo para garantir e sedimentar a autonomia financeira de todos os entes federados e, em decorrência, os princípios da uniformidade das condições de vida e da comunidade caracterizada por um destino comum.