Introdução
A síndrome do canal cárpico (SCC) refere-se ao conjunto de sintomas e sinais causados pela compressão do nervo mediano no interior do túnel cárpico.1-4 Este é formado pelo ligamento transverso do carpo, superiormente, e pelos ossos do carpo, inferiormente, sendo atravessado pelo nervo mediano, juntamente com os flexores dos dedos.1
Fisiopatologia
A sua fisiopatologia é multifatorial; o aumento da pressão no interior do canal cárpico desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do SCC clínico. Embora a etiologia precisa do aumento da pressão no canal seja incerta, a compressão anatómica e/ou inflamação são mecanismos possíveis.1
Vários fatores de risco estão associados a esta patologia, tais como: sexo feminino, gravidez, obesidade, diabetes, hipotiroidismo, artrite reumatoide, osteoartrite da mão, doenças do tecido conjuntivo, mononeuropatia mediana pré-existente, predisposição genética, inibidores da aromatase, e fatores do local de trabalho.1,5
Manifestações Clínicas
A marca do SCC clássico é a dor ou parestesia (dormência e formigueiro) na área de distribuição do nervo mediano, com envolvimento dos primeiros 3 dedos e da metade radial do quarto dedo. O SCC bilateral é comum, afetando até 65% dos doentes.2,4-6
Os sintomas do SCC têm uma grande variabilidade; a dor e parestesia podem estar localizadas no punho, envolver toda a mão, ou irradiar proximalmente até ao ombro. Estes são geralmente piores à noite e costumam despertar o doente. São frequentemente provocados por atividades que envolvem flexão ou extensão do punho ou elevação dos braços (por exemplo, conduzir, ler, escrever no teclado e segurar no telefone). Em casos mais graves, o envolvimento motor origina queixas de fraqueza ou défice de destreza manual (por exemplo, dificuldade em segurar objetos, rodar chaves ou maçanetas, abotoar roupa ou abrir tampas).2,4
O SCC é um diagnóstico clínico suspeito quando os sinais e sintomas característicos estão presentes.2
Exame Objetivo
As manobras provocatórias sugestivas de SCC incluem a manobra de Phalen, teste de Tinel, teste de compressão manual do carpo e teste de elevação da mão. Estes testes podem ser úteis quando interpretados no contexto clínico adequado, contudo, a sua sensibilidade e especificidade é moderada.2,4-6
A manobra de Phalen é considerada positiva quando a flexão do punho durante 1 minuto despoleta dor e/ou parestesia nos dedos inervados pelo nervo mediano. Tem uma sensibilidade de 68% e especificidade de 73%.2
O teste de Tinel é positivo quando a percussão do nervo mediano provoca dor e/ou parestesia dos dedos com inervação do mediano. Apresenta uma sensibilidade de 50% e especificidade de 77%.2
O teste de compressão manual do carpo é positivo quando ocorrem parestesias até 30 segundos após a aplicação de pressão sobre o ligamento transverso do carpo. Tem uma sensibilidade de 64% e especificidade de 83%.(2
O teste de elevação da mão é positivo quando há reprodução dos sintomas do SCC ao elevar as mãos acima da cabeça durante 1 minuto. A sua sensibilidade e especificidade parecem ser semelhantes às dos testes de Tinel e Phalen, mas ainda há poucos estudos.2
Exames Complementares de Diagnóstico
Os testes de eletrodiagnóstico podem ser úteis para confirmar ou excluir o SCC quando o diagnóstico clínico é incerto, para avaliar a gravidade da lesão do nervo, e para auxiliar nas decisões relacionadas com a cirurgia. Os estudos de condução nervosa e a eletromiografia (EMG) são úteis para apoiar o diagnóstico de SCC e descartar outras alterações. A EMG é usada para excluir outras patologias, nomeadamente polineuropatia, plexopatia e radiculopatia.2,4-6
O diagnóstico diferencial inclui várias doenças neurológicas, musculoesqueléticas e vasculares, que se podem manifestar por dor, parestesia, perda sensitiva ou fraqueza, envolvendo o ombro, braço ou mão, tais como: radiculopatia cervical (envolvimento da raiz nervosa de C6 ou C7), mielopatia cervical espondilótica e poliradiculopatia cervical, plexopatia braquial, neuropatia do mediano, doença do neurónio motor (por exemplo, esclerose lateral amiotrófica), fibromialgia, e patologia osteoartrósica (nomeadamente rizartrose).2
Tratamento
O SCC pode ser classificado como ligeiro, moderado ou grave, de acordo com critérios clínicos e eletrodiagnósticos.3,4
A abordagem de doentes com SCC baseia-se na acuidade e gravidade dos sintomas clínicos, e no grau de lesão neurogénica avaliada pelos estudos eletrodiagnósticos. Nos casos ligeiros, pode-se optar pelo tratamento conservador, enquanto nos casos moderados a graves, ou falência do tratamento conservador, está indicado o tratamento cirúrgico.3-6
O tratamento cirúrgico consiste na descompressão do nervo mediano, é eficaz a longo prazo, e é considerado o tratamento de eleição quando há evidência de lesão nervosa progressiva, na ausência de uma etiologia reversível.3-5
Por outro lado, o tratamento conservador inclui a imobilização (uma ortótese mantém o punho numa posição neutra, evitando a flexão ou extensão prolongada do punho), glicocorticoides orais ou injetáveis, e técnicas de terapia física e ocupacional (por exemplo, mobilização dos ossos do carpo e exercícios de deslizamento de nervos). A utilização de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e a terapia de ultrassom, elétrica, magnética e a laser não estão comprovados.3-5
Conclusão
O médico de família encontra-se numa posição privilegiada para o diagnóstico e tratamento das manifestações clínicas do SCC. Todas as intervenções devem ser feitas no sentido de melhorar a qualidade de vida dos doentes e obter ganhos em saúde. Poderá ser necessária uma abordagem multidisciplinar, através de uma colaboração ativa entre os Cuidados de Saúde Primários e Secundários.