INTRODUÇÃO
O amendoal é uma cultura tradicional em Portugal, sendo que Trás-os-Montes, Alentejo e Algarve, são as regiões com maiores áreas de cultivo. Portugal contribui com cerca de 13,5% da produção Europeia de amêndoa (FAOSTAT, 2016). No entanto, a produção de amêndoa tem vindo a aumentar, uma vez que entre 2007-2017, verificou-se um aumento de 358376 para 379408 toneladas, respetivamente (FAOSTAT, 2017). Nos últimos anos, tem-se verificado um aumento do cultivo de variedades estrangeiras, tais como, Francesas (Ferragnès, Ferraduel e Ferrastar) e Espanholas (Marcona, Guara, Masbovera, Francolí e Glorieta) (Cabrita et al., 2014), em detrimento das variedades tradicionais/Portuguesas. Nesse sentido, corre-se o risco de haver perda de diversidade genética devido ao declínio do cultivo das variedades nacionais. No entanto, as variedades nacionais podem conter características interessantes, tais como maior adaptabilidade a diferentes condições agro-climáticas e agro-ecológicas, bem como maior tolerância ou resistência a doenças (Antonucci et al., 2012). Por outro lado, as características físico-químicas (como por exemplo, composição nutricional e estabilidade oxidativa) podem também ser um meio de valorizar as variedades nacionais e distingui-las das estrangeiras. No entanto, até ao momento poucos estudos foram realizados em relação às suas propriedades físico-químicas (Oliveira et al., 2018), de modo a aumentar o seu interesse por parte dos produtores e consumidores. Nesse sentido, o presente trabalho visou caracterizar físico-quimicamente dez variedades colhidas na região de Trás-os-Montes, nomeadamente Francesas (Ferraduel, Ferragèns e Lauranne), Espanholas (Constantí, Guara, Marinada, Masbovera e Vayro) e Portuguesas (Duro Italiano e Pegarinhos). Os parâmetros analisados foram a massa individual do fruto e do miolo, dimensões, número de frutos por kg, dureza da casca (qualitativa), e teores de humidade, proteína, gordura e cinzas. Adicionalmente, foi ainda determinada a estabilidade oxidativa do fruto.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostragem
As amêndoas foram colhidas em diferentes áreas do Norte de Portugal, durante Setembro e Outubro de 2018, tendo sido selecionadas dez variedades, nomeadamente: cinco Espanholas (Constantí, Guara, Marinada, Masbovera e Vayro), duas Portuguesas (Duro Italiano e Pegarinhos) e três Francesas (Ferraduel, Ferragnès e Lauranne). De cada variedade foram colhidos 10 kg de amostra devidamente homogeneizadas, provenientes de diferentes regiões, e colhidas ao acaso em amendoais de produtores que autorizaram e acompanharam a recolha, de modo a garantir a variabilidade da amostra. Após colheita, as amostras foram levadas para o laboratório e armazenadas à temperatura ambiente. Posteriormente fotografaram-se as amêndoas com casca exterior e miolo com película (Quadro 1).
m=massa; L= Largura; C = comprimento; Esp. Casca = Espessura da casca.
Análises físicas
Massa, dimensões, número de frutos por kg e dureza da casca
Na determinação das massas das amêndoas com casca exterior e do miolo com película utilizou-se uma balança (KERN, ACJ220, Alemanha), tendo as dimensões (largura e comprimento) e espessura da casca sido determinadas com um paquímetro. Para cada variedade determinou-se o número de frutos em um 1 kg, bem como a dureza da casca de forma qualitativa.
Análises químicas
Teores de humidade e cinza
Para determinar os teores de humidade, pesaram-se cerca de 2 g de miolo fresco com película, previamente moído, das diferentes variedades de amêndoa e colocaram-se a secar a 105 °C até se atingir peso constante em cadinhos previamente calcinados. Posteriormente, as cinzas foram determinadas pelo método AOAC 27.009 (AOAC, 1995), por incineração, a 550 °C, até se obterem cinzas brancas. Os ensaios foram realizados em triplicado.
Teor de gordura
A determinação do teor de gordura no miolo com película foi realizada segundo o método AOAC 27.006 (AOAC, 1995). Para cada variedade foram pesadas 15 g de amostra fresca, previamente moída, e macerada com sulfato de sódio anidro para remover a humidade. A fração lipídica foi obtida por extração de Soxhlet com éter de petróleo durante 16 h. Cada amostra foi extraída em triplicado.
Teor de proteína
A determinação do teor de proteína foi realizada segundo o método de Kjeldahl, descrito na Norma Portuguesa NP EN ISO 5983-1:2007 (2007), sendo a percentagem da proteína bruta determinada pela multiplicação da percentagem de azoto total pelo fator 5,18, tal como indicado por Yada et al. (2013). Os ensaios foram realizados em triplicado, acompanhados de um branco. Procedeu-se à pesagem de 1 g de amostra fresca, previamente triturada e homogeneizada, para um tubo de Kjeldahl. Em seguida, adicionaram-se duas pastilhas catalisadoras (Kjeltabs). Seguidamente adicionaram-se 15 mL de ácido sulfúrico (H2SO4) concentrado. Posteriormente, colocaram-se os tubos a digerir num bloco digestor a uma temperatura de 420 °C durante 70 minutos. Após a digestão completa e arrefecimento das amostras, os tubos foram colocados no analisador de Kjeldahl (Velp Scientifica UDK 152, Itália), no qual ocorreu a destilação e titulação, tendo-se registado o teor de azoto determinado.
Estabilidade oxidativa
A estabilidade à oxidação foi determinada no fruto fresco da amêndoa (0,50 g), previamente triturado até obter uma massa homogénea, segundo o método de condutividade, realizado no equipamento Rancimat 743 da Methrom (Suíça). O processo consiste em fazer borbulhar uma corrente de ar, filtrada, limpa e seca (20 L/h), através de uma amostra do produto a analisar (0,5 g para o fruto), aquecida a 120 ± 1,6 ºC. Os compostos de oxidação formados ao longo do tempo, mais polares que os triglicerídeos, tais como hidroperóxidos, álcoois e compostos carboxílicos, são arrastados pelo fluxo de ar e borbulham posteriormente numa solução aquosa. Nesta solução está imerso um elétrodo que mede a condutividade. O aparelho efetua as análises automaticamente e em contínuo, só podendo interromper-se a operação quando, para cada amostra, a condutividade medida atinge o seu máximo (300 μS/cm). O cálculo dos tempos de estabilidade oxidativa das amostras é feito pelo programa informático, associado ao aparelho, através do traçado das tangentes à curva obtida. O intervalo de tempo compreendido entre o início do registo e o ponto de intercessão das tangentes à curva corresponde ao chamado “período de indução”.
Análise estatística
A análise estatística foi realizada utilizando o software SPSS versão 18 (SPSS Inc., Chicago, EUA). Para as propriedades físico-químicas das diferentes variedades de amêndoa, a normalidade e homogeneidade da variância foram verificadas pelos testes Shapiro-Wilk e Levene, respetivamente. Quando foi observada normalidade e homogeneidade de variâncias, aplicou-se uma ANOVA, seguida do test post-hoc de Tukey. Pelo contrário, quando ambas as condições falharam, foi aplicado o teste não-paramétrico de Kruskall-Wallis, seguido da comparação múltipla das médias das ordens.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aspeto visual, massa, dimensões, número de frutos por kg e dureza da casca
Na Quadro 1 estão representadas as dez variedades de amêndoa, com casca e miolo com película, bem como as massas, dimensões, espessura e dureza da casca, e o número de frutos por kg. Pôde-se verificar que as diferentes variedades apresentaram diferentes características em relação à forma e dimensões. De entre as variedades estudadas, foi a variedade Portuguesa ‘Duro Italiano’ que apresentou as menores massas (2,6 g), largura (18,7 mm) e espessura da casca (2,8 mm). Pelo contrário, foi na variedade Francesa ‘Ferraduel’ que se determinaram as maiores massas para o fruto com casca (6,2 g) e miolo com película (1,9 g), bem como para a largura (15,3 mm) do miolo. Oliveira et al. (2018) reportaram resultados de massas, dimensões e espessura da casca semelhantes aos do presente estudo, em relação às variedades Francesa ‘Ferragnès’ (m=3,69 g; L= 24,03 mm; C=34,83 mm; espessura da casca = 3,01 mm) e Portuguesa ‘Pegarinhos’ (m=5,06-5,18 g; L=20,63-21,94 mm; C= 34,58-37,97 mm; espessura da casca= 3,30-3,33 mm), bem como Cordeiro et al. (2001) para a ‘Ferragnès’ com casca (m=4,459 g; L=22,80 mm; C=36,25 mm) e miolo (m=1,389 g; L=14,05 mm; C=26,47 mm).
Como era de esperar, a variedade ‘Duro Italiano’, cujas dimensões e massas corresponderam aos menores valores, foi a que apresentou o maior número de frutos em 1 kg, especificamente 356 frutos. Pelo contrário, a ‘Ferraduel’ foi a amostra que apresentou os frutos com as maiores dimensões e massas, e, portanto, foi aquela que necessitou de menos frutos, em particular de 154 frutos para perfazer 1 kg. Contudo, a variedade Portuguesa ‘Pegarinhos’ apresentou também um valor semelhante a esse, igual a 159 frutos/kg. Quanto à dureza da casca, verificou-se que todas as variedades analisadas apresentavam casca semi-molar ou dura (‘Pegarinhos’).
Composição nutricional
No Quadro 2 estão representados os resultados referentes à composição nutricional das 10 variedades de amêndoa estudadas. O teor de humidade no miolo com película variou entre 3,8 e 30,6 g/100 g matéria fresca (m.f.) para as variedades ‘Vayro’ e ‘Ferraduel’, respetivamente, verificando-se uma grande variabilidade de valores. Uma das possíveis razões de se ter observado esse elevado teor de humidade pode estar relacionado com uma colheita precoce e pouco tempo de secagem após colheita. Excluindo as variedades ‘Ferraduel’ (Francesa), ‘Marinada’ (Espanhola), ‘Guara’ (Espanhola) e ‘Ferragnès’, as restantes variedades apresentaram teores de humidade inferiores a 8% (p.f.). Estes frutos estarão menos suscetíveis ao desenvolvimento de bolores, sendo um ponto importante para chamar a atenção aos produtores, de forma a que estes possam assegurar a qualidade dos seus frutos por um maior tempo possível.
Origem | Variedades | Miolo com película | |||
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Humidade (g/100 g de matéria fresca) | Gordura (g/100 g de matéria seca) | Proteína (g/100 g de matéria seca) | Cinzas (g/100 g de matéria seca) | ||
Espanhola | Constantí | 6,1 ± 1,6b | 59,2 ± 0,7a | 16,1 ± 0,7a | 3,4 ± 0,1a |
Marinada | 22,0 ± 0,4d | 56,7 ± 0,8a | 18,9 ± 0,5a,b | 3,8 ± 0,6a | |
Guara | 14,0 ± 0,7c | 58,9 ± 0,3a | 20,5 ± 2,6b | 3,3 ± 0,3a | |
Masbovera | 7,0 ± 0,1b | 51,7 ± 1,6a | 17,4± 0,5a,b | 3,5 ± 0,9a | |
Vayro | 3,8 ± 0,3a | 52,9 ± 2,1a | 16,9 ± 0,7a,b | 3,1 ± 0,1a | |
Francesa | Ferraduel | 30,6 ± 0,3e | 55,1 ± 3,0a | 17,3 ± 0,6a | 3,4 ± 0,1a |
Ferragnès | 13,0 ± 0,7c | 61,9 ± 2,9a | 18,5 ± 0,4a,b | 3,4 ± 0,1a | |
Lauranne | 6,2 ± 0,4b,c | 48,4 ± 10,8a | 16,7 ± 1,2a,b | 2,8 ± 0,1a | |
Portuguesa | Duro Italiano | 7,3 ± 0,1b | 52,4 ± 6,0a | 15,8 ± 3,5a | 3,8 ± 0,4a |
Pegarinhos | 7,4 ± 0,2b | 54,8 ± 5,1a | 18,8 ± 0,9ª,b | 2,4 ± 1,5a |
Valores expressos em média ± desvio padrão (n=3). Valores com a mesma letra na mesma coluna não são estatisticamente diferentes (p˃0,05).
Em relação ao teor de gordura, não foram observadas diferenças significativas entre as variedades analisadas, variando entre 48,4 e 61,9 g/100 g m.s.. Os valores de proteína e cinzas variaram entre 15,8-20,5 e 2,4-3,8 g/100g m.s., respetivamente, não se detetando diferenças significativas entre as variedades no que se refere ao teor de cinzas ao contrário do observado em relação à proteína. Barreira et al. (2012) reportou valores de cinzas, proteína e gordura semelhantes aos detetados no presente estudo para a ‘Ferraduel’ (3,0; 23 e 54 g/100 g m.s., respetivamente) e ‘Ferragnès’ (2,9; 22 e 59 g/100 g m.s.), respetivamente.
Estabilidade oxidativa
A estabilidade oxidativa está intimamente relacionada com o grau de insaturação. A autoxidação é o processo onde o oxigénio molecular reage com os ácidos gordos insaturados, sendo de esperar que quanto maior for a composição em ácidos gordos insaturados, menor será o período de indução (Corsini e Jorge, 2006). A estabilidade oxidativa foi determinada nas amêndoas com película (Quadro 3). Não se observaram diferenças significativas entre as dez variedades estudadas, tendo os valores variado entre 13,6 h para a ‘Marinada’ e 19,8 h para a ‘Constantí’, ambas Espanholas. As duas variedades Portuguesas apresentaram resultados semelhantes de 16,2 h para a ‘Duro Italiano’ e 16,5 h para a ‘Pegarinhos’.
Origem | Variedades | Tempo de indução (h) | ||||||||
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Espanhola | Constantí | 19,8 ± 1,1a | Marinada | 13,6 ± 0,1a | Guara | 19,2 ± 1,9a | Masbovera | 14,3 ± 0,5a | Vayro | 15,1 ± 0,3a |
Francesa | Ferraduel | 14,3 ± 2,9a | Ferragnès | 16,4 ± 0,8a | Lauranne | 19,0 ± 4,3a | ||||
Portuguesa | Duro Italiano | 16,2 ± 0,2a | Pegarinhos | 16,5 ± 1,1a |
Valores expressos em média ± desvio padrão (n=3). Valores com a mesma letra na mesma coluna não são estatisticamente diferentes (p˃0,05).
CONCLUSÕES
Em relação aos parâmetros físicos e químicos, verificaram-se algumas diferenças significativas entre as amostras analisadas. No entanto, as amostras Portuguesas/Tradicionais não se distinguiram face às estrangeiras. Nesse sentido, torna-se necessário realizar mais estudos com mais parâmetros, para se poder distinguir as variedades nacionais das estrangeiras.